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COMPILADO DE THREAD, MATERIAIS DISPONIBILIZADOS NO TELEGRAM (Professor Thimotie Heemann) e algumas postagens avulsas (@thim3108) Compilação: @estudaguria 1. Qual foi o Caso López e outros vs. Argentina? Corte IDH, Caso López e outros vs. Argentina (2019): Os Estados não podem alegar dificuldades econômicas para justificar condições de detenção que não cumpram com os parâmetros mínimos internacionais na matéria e que não respeitem a dignidade inerente do ser humano 2. No que consistiu o caso Romero Ferris vs Argentina? Corte IDH, Caso Romero Feris vs. Argentina (2019): O perigo de fuga não pode ser medido unicamente a partir da gravidade da possível pena que será imposta. A análise deve ser feita a partir de uma série de outros fatores relevantes que possam confirmar a existência de um perigo de fuga, como por exemplo aqueles relacionados com o lugar, ocupação, bens, vínculos familiares e todo tipo de vínculos com o país no qual o réu está sendo processado. 3. No que consistiu o caso Caso Girón e outro vs. Guatemala (2019)? O professor atribui duas jurisprudência em relação a esses casos: • Corte IDH, Caso Girón e outro vs. Guatemala (2019): A publicidade da execução da pena de morte através dos meios televisivos é incompatível com a dignidade humana, pois consiste em tratamento degradante, colocando os apenados como objetos para exemplificar, através de sua execução, que determinadas condutas são rechaçadas pela sociedade.] Em casos de natureza penal nos quais o Estado exerce o poder punitivo, em que a imposição da pena afeta de forma irreversível os direitos à vida e à liberdade pessoal, como é a pena de morte ou a privação de liberdade, previsão de que a defesa técnica possa ser realizada por estudantes de Direito consiste em violação do art. 2º da CADH. 4. Explique o princípio da vedação ao retrocesso em direitos humanos/ fundamentais: O princípio da proibição do retrocesso pode ser compreendido como a como a vedação da eliminação ou amesquinhamento do nível de proteção/concretização já alcançado pela sociedade em relação a determinado direito, admitindo-se apenas aprimoramentos ou acréscimos. A vedação do retrocesso é uma norma constitucional implícita. Para André de Carvalho Ramos e Ingo Sarlet o referido princípio estaria implicitamente inserido dentro do princípio do Estado de Direito (art. 1o, caput, CF88) e tbm na dignidade da pessoa humana (art 3o, III). Há ainda quem entenda que a vedação do retrocesso estaria no artigo 3o, inciso II da CF88 (garantir o desenvolvimento nacional), um dos objetivos fundamentais da república. No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a vedação do retrocesso pode ser encontrada no artigo 2.1 do Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PDESC) e no artigo 1o do Protocolo de San Salvador. O princípio é aplicado tanto no direito constitucional quanto no direito internacional dos direitos humanos. Alguns sinônimos de vedação do retrocesso: cláusula de não regressividade, vedação ao efeito cliquet, vedação ao efeito catraca, princípio da proibição de evolução reacionária ou ainda princípio do não retorno da concretização. • A vedação do retrocesso possui cinco facetas ou dimensões. a) Vedação ao Retrocesso SOCIAL: impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pela sociedade em matéria de direitos sociais (STF, MS 24.845). Ainda na faceta social da vedação do retrocesso, o STF entende que a proibição do retrocesso social é a dimensão negativa dos direitos sociais de natureza prestacional (STF, MS 24.875). b) Vedação do retrocesso POLÍTICO: ao julgar a ADI do voto impresso, o STF decidiu que a reinserção do mesmo violaria o princípio da proibição do retrocesso já sua vertente política (STF, ADI 4543-MC); c) vedação do retrocesso CIVIL: ao julgar a inconstitucionalidade do regime sucessório do companheiro em relação ao cônjuge (art. 1.790 do CC/2002) o Min. Barroso reconheceu a vedação do retrocesso civil na questão (STF, RE 878.694/MG). d) vedação do retrocesso ECOLÓGICO/AMBIENTAL: essa dimensão da proibição do retrocesso foi reconhecida pelo STF em ações que discutiam o amesquinhamento da proteção ambiental em unidades de conservação e áreas especialmente protegidas. e) vedação do retrocesso INSTITUCIONAL: desenvolvida por André de Carvalho Ramos, essa dimensão foi mencionada pela PGR em duas APDFs contra 2 atos do Presidente da República que reduziram do CONANDA e do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura (STF ADPFs 622 e 607). O cerne, enfim, da vedação ao retrocesso é o de que os membros dos três Poderes devem levar o referido princípio em consideração na prática de seus atos, sejam eles comissivas ou omissivas, sob pena de incidirem em vício de inconvencionalidade/inconstitucionalidade 5. Explique o caso Wong Ho Wing vs Peru Corte IDH, Caso Wong Ho Wing vs. Peru (2015): A prisão para fins de extradição não pode ser automática, submetendo-se, portanto, aos critérios limitadores da prisão preventiva, como a exigência da cautelaridade e da duração razoável. 6. Discorra sobre a pena de morte na visão do Direito Internacional dos Direitos Humanos: De acordo com o atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, há uma tendência ao desuso da pena de morte pela maioria dos países. Vejamos as três fases da pena de morte no Direito Internacional dos Direitos Humanos: • Primeira fase da pena de morte: CONVIVÊNCIA TUTELADA. Nesta fase, o DIDH tolerava a pena de morte, mas com estrita regulamentação. Quatro limites à aplicação da pena capital eram impostos: a) natureza do crime (apenas crimes graves, não se admitindo sua banalização); b) impossibilidade de ampliação das hipóteses de aplicação da pena de morte: os países que ratificaram os tratados internacionais de direitos humanos que limitam a aplicação da pena de morte não podem ampliar as hipóteses de incidência da pena capital; c) devido processo legal: exige- se um amplo e rigoroso devido processo legal nos casos envolvendo a aplicação da pena capitalização. O Estado deve prever o direito à solicitação de anistia, indulto ou comutação de pena, além de vedar a aplicação da pena capital enquanto houver recurso pendente de apreciação. d) vedações circunstanciais: vedações em casos específicos como menores de 18 anos de idade, maiores de 70 anos, mulheres gravidas etc. • Segunda fase da pena de morte no Direito Internacional dos Direitos Humanos: “Banimento com exceções”. Nesta fase é vedada a aplicação da pena de morte em caráter geral, admitindo- se sua incidência apenas em crimes militares. O Brasil atualmente encontra-se na fase do banimento com exceções, uma vez que a Constituição Federal de 1988 veda a aplicação da pena de morte, salvo em casos de guerra declarada (art. 5o, inciso XLVII, alínea a) • Terceira fase da pena de morte para o Direito Internacional dos Direitos Humanos: “Banimento em Qualquer Circunstância”. Nesta fase, é vedada de maneira absoluta a aplicação da pena de morte. É a fase considerada ideal pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos . A fase do banimento em qualquer circunstância é aplicada principalmente no Sistema Europeu de Direitos Humanos. Convenção Americana de Direitos Humanos proíbe em seu artigo 4.5 a aplicação da pena de morte para menores de 18 anos, maiores de 70 anos e para mulheres grávidas. Também proíbe nos casos envolvendo delitos políticos. A CADH também proíbe que países que já tem abolido a pena de morte efetuem o seu reestabelecimento (art. 4.3). Além disso, a proibição da aplicação da pena de morte para menores de 18 anos é norma de jus cogens (CIDH, Caso Michael Domingues vs EUA) Também não é possível a instituição da pena de morte de forma generalizada, para todo e qualquer homicídio. Foi o que decidiu a Corte Interamericanade Direitos Humanos no Caso Hilarie e outros vs. Trindade e Tobago. Ainda sobre a proibição da pena de morte a determinados grupos de pessoas, embora os Pactos Internacionais prevejam expressamente apenas menores de 18 anos, maiores de 70 anos e mulheres grávidas, o Conselho Econômico e Social da ONU, em sua Resolução 1989/64 recomenda aos Estados membros abolirem a pena de morte — também — para os casos de pessoas que padeçam de deficiência mental ou com capacidade mental claramente reduzida. Da Mesma forma, a antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua resolução 2005/59, que, além de prever a impossibilidade da aplicação da pena de morte para pessoas com deficiência mental, ainda amplia a situação de gravidez para abranger também mulheres com filhos bebês. Por fim, o Tribunal Penal Internacional, em virtude da sua instituição recente, já foi regulamentado dentro da terceira fase da pena de morte (banimento em qualquer circunstância). Não há aplicação da pena de morte pelo TPI, embora o Estatuto de Roma que regulamenta o Tribunal prevê a possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua, nos termos artigo 77.1 do Estatuto de Roma. Ainda sobre o tema, a Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu no caso Soering vs. Reino Unido que a espera excessiva no corredor da morte (death row) para a aplicação da pena de morte caracteriza tortura e tratamento desumano e degradante. 7. O que é o tranconstitucionalismo? O transconstitucionalismo é uma proposta doutrinária desenvolvida pelo professor Marcelo Neves (UFRJ) na qual se propõe o entrelaçamento entre constituições e ordenamentos jurídicos distintos, sem qualquer hierarquia entre um ordenamento e outro. Neste ponto, vale também lembrar que inexiste hierarquia entre os tribunais nacionais e os tribunais internacionais de direitos humanos (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Tribunal Penal Internacional, Corte Internacional de Justiça etc) Para Neves, o transconstitucionalismo é uma forma de se buscar uma melhor e mais adequada solução dos casos debatidos internamente. A partir dessas premissas, o autor propõe a chamada “CONSTITUIÇÃO TRANSVERSAL DO ESTADO NACIONAL”, que pode ser compreendida como uma constituição relacionada ao modelo contemporâneo de Estado Constitucional. A Constituição Transversal do Estado Nacional envolve a complexidade da relação entre Política e Direito (sistema jurídico e político) e busca o “acoplamento estrutural” que canaliza irritações sistêmicas como instâncias de relação e influências recíprocas, duradouras e intercâmbio de experiências entre as racionalidades particulares da política e do direito. Também no transconstitucionalismo, Neves define o conceito de CONSTITUCIONALISMO PROVINCIANO, que se caracteriza por uma tradição jurídica que enfatiza a pretensão de “identidade constitucional” de um Estado, ignorando o entrelaçamento entre ordens jurídicas. Para o autor, o constitucionalismo provinciano não se operaliza ou articula segundo ordens constitucionais de três tipos: estatal, supranacional e Internacional. Neves propõe a “conversação entre cortes”, onde tribunais constitucionais citam-se reciprocamente não como precedente vinculante, mas como argumento persuasivo. A conversação deve ser considerada a partir de “pontes de transição” entre ordens jurídicas e seus juízes e tribunais, como forma de intercâmbio e aprendizado recíproco. Resumindo, Neves defende a citação de precedentes de outras cortes constitucionais pelo STF como argumento de autoridade (eficácia persuasiva). O próprio autor adverte que a citação desses precedentes não vincula pois inexiste o chamado “bindingeffect". Assim, a partir do transconstitucionalismo de Estado deixa de atuar à luz do constitucionalismo provinciano e passa a conceber a ideia de Constituição Transversal do Estado Nacional. Por fim (e agora encerrando mesmo), alerto que o professor Daniel Sarmento (UERJ) desenvolveu uma ideia parecida a partir da aplicação do princípio do cosmopolitismo ético, propondo também a citação de precedentes oriundos do direito comparado. Ainda, alerto que a utilização desses precedentes deve ser feita de forma fidedigna e sem qualquer distorção do seu conteúdo, sob pena de incidirmos no fenômeno denominado “cherry picking”, que pode ser entendido como a situação na qual o intérprete do direito seleciona estrategicamente um precedente estrangeiro que apresenta semelhanças pontuais com o caso paradigma visando reforçar seu argumento sem ter o cuidado de justificar os motivos pelos quais o caso em comparação realmente se adequa. 8. O que é o Necrodireito? A teoria do NECRODIREITO ou “necroderecho” foi idealizada por José Ramón Narvaez Hernandez e pode ser compreendida como “o direito que mata”, a partir de uma construção teórica de que o sistema estatal não contempla/planifica tudo e todos, e acaba deixando vácuos/espaços, em razão de uma omissão por parte do Estado, ocasionando morte de pessoas, geralmente os indivíduos pertencentes aos grupos mais vulneráveis da sociedade. Segundo Narvaez, isso ocorre porque o Estado canaliza e dirige suas forças e objetivos para questões que considera essenciais, como por exemplo, “questões econômicas” e acaba deixando questões existenciais de lado, afetando a população em geral e de forma mais agravada os grupos vulneráveis. Para Narvaez, as questões envolvendo o necrodireito se tornam mais evidentes quando a temática é economia ou seguridade social, já que por vezes o Estado opta por políticas públicas que deixam de lado minorias e grupos vulneráveis (população LGBTQI+, idosos, índios, pessoas em situação de rua, mulheres, pessoas com deficiência, pessoas com graves enfermidades, migrantes, refugiadas, apátridas, quilombolas etc). Narvaez explica que existe um nível mais complexo do necrodireito que consiste justamente quando o Estado consente e elimina de forma velada certo grupo vulnerável da sociedade pois considera outros valores mais importantes para o bem estar social. Assim, o necrodireito se caracterizaria tanto em razão dos processos formais em que o Estado gera de forma direta a morte das pessoas, como também seria possível se falar em necrodireito nos processos do Estado que militam contra a vida de forma indireta, descaracterizando grupos vulneráveis, removendo a questão identitária e diminuindo sua autoestima. Narvaez chama isso “morte cultural”. Em contraposição ao necrodireito, o autor defende o chamado VITALISMO JURÍDICO que propõe a ideia de que todos estamos interconectados e necessitamos uns dos outros para sobreviver. O vitalismo jurídico propõe que se tome uma consciência coletiva fomentando a cumplicidade e a banalidade do bem. Esta é a ideia central do necrodireito (necroderecho) de Narvaez. 9. O que é o Constitucionalismo Transformador? O chamado “constitucionalismo transformador” possui origem a partir das experiências constitucionais da Bolívia e Equador, possuindo como objetivo o cumprimento das promessas centrais cristalizadas no texto constitucional, em especial: a) a garantia dos direitos humanos; b) a implementação/proteção da democracia e; c) a preservação do Estado de Direito. A proposta do constitucionalismo transformador recebe este nome justamente em virtude do objetivo de tentar “transformar” regiões que ainda não estão consolidadas nos três aspectos supramencionados (garantia dos direitos humanos, democracia sólida e Estado de Direito preservado. A grande maioria dos “Estados alvo” da proposta do constitucionalismo transformador possuem algumas características em comum graves problemas de desigualdade e exclusão social, baixo acesso da população a serviços públicos essenciais, altos índices de violência e baixa institucionalidade no âmbito dos poderes constituídos. Dessa forma, o constitucionalismo transformador aposta em uma transformaçãogradual do cenário narrado a partir de três medidas: (a) supraestatalidade: notadamente tratados internacionais e arcabouço normativo internacional de direitos humanos como um todo. (b) pluralismo dialógico de ideias entre ordens nacionais e internacionais. Aqui podemos lembrar das “conversações constitucionais” de Marcelo Neves ou ainda do “diálogo das cortes” de André de Carvalho Ramos e; (c) atuação judicial. A proposta do constitucionalismo transformador reconhece, portanto, a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos e dos standards protetivos fixados por tribunais internacionais de direitos humanos, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos 10. Direito à alimentação adequada O direito humano à alimentação adequada foi internacionalizado a partir do artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a sua família saúde, bem estar e alimentação”. O Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais prevê o direito humano à alimentação adequada em seu artigo 11 e o Protocolo de San Salvador elenca a alimentação adequada como um direito humano em seu artigo 12. No Brasil, a Lei 11.346/2006 criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o artigo 2o do referido diploma conceitua alimentação adequada como “um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na CF88, devendo o poder público adotar as políticas públicas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população". Vale lembrar que o direito à alimentação adequada foi constitucionalizado em 2010, sendo inserido pela EC 64/10 no artigo 6o da CF88 como um direito social. Ainda, a LOSAN (Lei 11.346/2006) define segurança alimentar e nutricional como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como boas práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”. No ano de 2019, a Organização das Nações Unidas (ONU) exarou relatório “O Estado da segurança alimentar e nutricional no mundo” e apontou que a fome, que antes diminuía no Brasil, voltou a crescer. O direito humano à alimentação adequada possui duas dimensões: o direito de estar livre da fome e o direito à alimentação adequada em sentido estrito. A primeira dimensão vem sendo violada no Brasil, já que a curva da fome e desnutrição (segundo a ONU) passou a crescer novamente. Ainda sobre o tema, Segundo o Comitê dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU em seu Comentário Geral no 12, existem três níveis de promoção do DHAA: obrigação de respeitar, obrigação de proteger e obrigação de assistir/realizar. Tanto a ONU quanto os tribunais superiores brasileiros entendem que a alimentação adequada é um consectário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana. Vejamos uma passagem do REsp 1744321/RJ:“A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, da direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”. Nesse sentido também, os CG número 12 da ONU: “O Comitê afirma que o direito à alimentação adequada é indivisivelmente ligado à dignidade da pessoa humana e indispensável para a concretização de outros direitos humanos consagrados na Carta de Direitos Humanos”. Recentemente, a Corte IDH se manifestou pela primeira vez sobre o tema do direito à alimentação adequada em sua jurisprudência, reconhecendo a sua violação em contexto envolvendo comunidades indígenas (Caso Comunidades Indígenas da Associação Lagoa Honhat vs Argentina). 11. AÇÕES AFIRMATIVAS: As ações afirmativas também são chamadas de “discriminações positivas” e visam implementar o conteúdo jurídico do princípio da igualdade em determinado Estado. Embora o sistema das ações afirmativas tenha de desenvolvido bastante a partir da experiência nos Estados Unidos da América, a origem das ações afirmativas remonta ao sistema de castas da Índia. São basicamente quatro os argumentos que justificam as ações afirmativas: a) justiça compensatória: as ações afirmativas buscam corrigir desigualdades ocasionadas por injustiças ocorridas no passado (escravidão e população negra, por exemplo); b) justiça distributiva: a partir do princípio da igualdade, as ações afirmativas buscam distribuir oportunidades para todos os segmentos sociais, corrigindo assimetrias envolvendo aqueles mais vulneráveis; c) fortalecimento da autoestima do grupo estigmatizado: aqui as ações afirmativas atuam na vertente do princípio da igualdade reconhecida como “igualdade como reconhecimento” e buscam fortalecer a autoestima de grupos que historicamente foram estigmatizados; d) promoção do pluralismo: um dos fundamentos do país na Constituição Federal 1988, as ações afirmativas acabam promovendo a promoção do pluralismo de ideias e visões de mundo nos bancos acadêmicos, no mercado de trabalho, no uso e fruição de serviços públicos etc.. A Constituição Federal de 1988 prevê diversas ações afirmativas em seu texto: proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos (art. 7, XX), reserva de vagas em concursos e empregos públicos para pessoas com deficiência (art. 37, VIII). A gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos (art 230, p2) dentre outras. Percebam que os destinatários das ações afirmativas são sempre os grupos vulneráveis: mulheres, pessoas com deficiência, idosos, indígenas, quilombolas etc.. No âmbito das cotas em universidades públicas, o STF já julgou a constitucionalidade deste tema (ADPF 186) admitindo inclusive que a universidade regulamente o tema com base em resolução, nos termos de sua autonomia universitária (art 207, caput, da CF88). No âmbito das cotas em concursos públicos na administração pública federal, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da Lei 12.990/2014 que regulamenta a matéria (ADC 41). Por fim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos também incentiva a partir dos textos de tratados setorizados (mulheres, pessoas com deficiências, migrantes e refugiados, idosos etc) a promoção pelos Estado de ações afirmativas. Agora finalizando: as ações afirmativas podem ser promovidas tanto pelo Estado quanto por particulares (ações afirmativas em uma empresa privada, por exemplo). O tema comporta muita discussão mas hoje ficamos com este pequeno resumo da temática. 12. PRINCÍPIO REPUBLICANO O princípio republicano é uma norma constitucional implícita no artigo 1o, caput da Constituição Federal de 1988 (STF, ADI 2821 e APN 968). Deste modo, é plenamente cabível a propositura de ações objetivas do controle de constitucionalidade alegando a sua violação. O tema do princípio republicano é pouco comentado pela doutrina brasileira mas muito utilizado pelo Supremo Tribunal Federal em seus julgado. Seu conteúdo pode ser inicialmente compreendido a partir do significado da palavra “república” res (coisa em latim) pública. A república não é uma cláusula pétrea explícita na CF88, embora existam doutrinadores como o Min. Alexandre de Moraes que entendam a república como uma cláusula pétrea implícita. O princípio republicano materializa, portanto, o governo de todos. O princípio republicano também está lastreado no dogma democrático da alternância de poder (STF, RE 1028577 AgR) e no combate ao patrimonialismo na relação entre agentes de Estadoe a coisa pública (STF, ADI 4169). Os poucos doutrinadores que tratam sobre o tema no Brasil (Daniel Sarmento, por exemplo) elencam cinco consectarios do princípio republicano. Vamos a eles: a. PERIODICIDADE DE MANDATOS POLÍTICOS e PERIODICIDADE ENTRE OS GOVERNANTES: o conceito de república se caracteriza justamente por ser uma antítese do conceito de monarquia. Na monarquia os governantes são vitalícios e hereditários. Eles desempenham seu papel enquanto estiverem vivos. Na república os governantes são eleitos pelo povo e por um período determinado. Nesse sentido e com base no princípio republicano, o STF e o TSE reconheceram a inconstitucionalidade da prática do “prefeito itinerante” (STF, RE 637485/RJ); b. RESPONSABILIDADE DOS GOVERNANTES PELOS SEUS PRÓPRIOS ATO: na monarquia vigorava em regra geral a teoria da irresponsabilidade dos governantes (the king can do no wrong - o rei não erra) seja para negar a responsabilidade civil do Estado ou seja para salvaguardar a figura do rei. O princípio republicano propõe justamente o contrário, partindo da premissa que os agentes públicos que detém temporariamente o poder estão cuidando da coisa pública que não lhes pertence. Nesse sentido e com base no princípio republicano, o STF reconheceu a impossibilidade de extensão da “cláusula de irresponsabilidade” prevista na Constituição Federal de 1988 ao Presidente da República aos Governadores de Estado (STF, ADI 978). Também nesse sentido, o reconhecimento da inexistência de foro por prerrogativa de função nos casos envolvendo improbidade administrativa (STF, ADI 2797); c. SEPARAÇÃO ENTRE A COISA PÚBLICA E A COISA PRIVADA: Este é um dos elementos centrais do princípio republicano. O próprio princípio da impessoalidade previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 corrobora essa ideia. Foi com base no princípio republicano e combate ao patrimonialismo que o STF atestou a constitucionalidade da lei que determinou a divulgação dos vencimentos de servidores públicos em portal da transparência (STF, ARE 652777) bem como a divulgação dos áudios das sessões do STM ocorridas na época da ditadura militar (STF, Rcl 11949); d. LIBERDADE POLÍTICA COMPREENDIDA COMO NÃO DOMINAÇÃO: A filosofia política republicana enfatiza muito a liberdade como “não dominação” que pode ser compreendida como o funcionamento das instituições, respeito ao princípio da separação dos poderes e inafastabilidade do Poder Judiciário e igualdade nas relações entre particulares. e. PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO NA REPÚBLICA E DEVERES CÍVICOS: a ideia do princípio republicano é de que todos participem e se engajem com a coisa pública, não apenas em período eleitoral mas diariamente, cobrando seus representantes, exercendo o direito de reunião e dando sua contribuição a partir do engajamento na sociedade civil. O princípio republicano reclama uma sociedade civil dinâmica, participativa e ativa (voto popular, direito de petição, ajuizamento de ações populares, plebiscitos, referendos etc). 13. As garantias previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos devem ser observadas nos processos de impeachment. CorteIDH, Caso Tribunal Constitucional vs Peru e STF, ADPF 378, Voto do Rel. Min. Fachin 14. "É inviável o afastamento da qualificadora do feminicídio mediante a análise de aspectos subjetivos da motivação do crime, dada a natureza objetiva da referida qualificadora, ligada à condição de sexo feminino" STJ, REsp 1739704/RS, j. 18/09/2018. 15. No âmbito do Direito das Mulheres, a prática denominada “manterrupting” consiste em interromper constantemente a fala da mulher, impedindo que ela conclua seu raciocínio e afetando a autoestima da mesma. 16. No âmbito do Direito das Mulheres, o “mansplaning” consiste na situação na qual o homem agressor explica aquilo que é óbvio à mulher, tratando-a como uma incapaz. Esta situação pode ser verificada em ambientes nos quais há uma certa exposição dos interlocutores (leia-se: plateia) 17. No âmbito do Direito das Mulheres, a prática do “bropriating” pode ser compreendida como a apropriação pelo homem de ideias que pertencem à mulher, levando o crédito e os louros pela ideia implementada. Geralmente ocorre nos ambientes de trabalho ou em bancos acadêmicos. 18. No âmbito do Direito das Mulheres, o termo “gaslighting” refere-se à violência psicológica que diminui a autoestima da mulher, fazendo com que a própria mulher e os demais que a cercam passem a imaginar que a mesma se encontra louca ou desequilibrada. 19. A proibição de propaganda eleitoral em bens públicos não pode ser utilizada como impeditivo para exercício de manifestações de pensamento e de expressão com temáticas eleitorais nas universidades públicas. STF, ADI 548, j. 15.05.2020 20. O delito de racismo praticado contra judeus em rede social deve ser processado e julgado na Justiça Federal. STJ, 163420, j. 20/05/2020. Lembrando que os tribunais superiores adotam o conceito de “racismo social” desde o caso Ellwanger (STF, HC 82.424/RS). 21. As candidaturas avulsas por si só não violam o arcabouço normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Por outro lado, também não viola o DIDH a vedação dessas candidaturas independentes. Corte IDH, Caso Castañeda Gutman vs México (2013). No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade da candidatura avulsa está pendente de julgamento (RE 1.238.853/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso). 22. Vamos falar um pouco sobre DEMOCRACIA ILIBERAL, VAZIA ou de BAIXA INTENSIDADE? A democracia iliberal também chamada de parcial, de baixa intensidade, vazia ou guiada é uma ideia de Fareed Zakaria e pode ser compreendida como o sistema de governo no qual, em que pese sejam realizadas eleições democráticas, a população é afastada de exercer o controle/accountability sobre as atividades dos governantes, em virtude da prática de atos de violação de liberdades civis e direitos fundamentais/humanos dos cidadãos por parte do Estado, não sendo, portanto, uma sociedade aberta e democrática. Aprofundando, o Estado Iliberal ou de baixa intensidade se caracteriza a partir de uma situação onde governos eleitos ou referendados legitimamente costumam ignorar os limites constitucionais e privar a população que o eleitor ou aceitou de seus direitos fundamentais. A maior parte dos Estados iliberais se situam em algum ponto do espectro entre as ditaduras reconhecidas e das democracias consolidadas. O povo possui maior proteção às liberdades políticas menor proteção às liberdades civis. Ainda, o Poder Judiciário é enfraquecido nas democracias de baixa intensidade. A mídia e a sociedade civil são vulneráveis e sofrem ataques a todo momento. Por fim, a desigualdade entre grupos vulneráveis e sociedade majoritária aumenta paulatinamente. Assim, o país regido pelo sistema iliberal ou de baixa intensidade não é considerado “democrático” e tampouco “não democrático” formalmente falando. No entanto, materialmente, flerta com regimes autoritários e ditatoriais. O sistema de democracia iliberal foi lembrado expressamente pelo Ministro Luís Roberto Barroso em sua decisão na ADPF 622 que tratou da análise da constitucionalidade do Decreto do Chefe do Executivo Federal que reduziu o número de assentos do CONANDA, ocasionando a diminuição do controle e participação popular no Conselho Nacional da Criança e Adolescente. A medida cautelar foi concedida e quórum de representantes da população foi mantido, combatendo, assim, qualquer ideia de Estado iliberal na ocasião. 23. A inviolabilidade de crença e cultos religiosos deve ser compreendida e realizada em sua dupla acepção: a) proteger o indivíduo e as diversas confissões religiosas de qualquer intervenção estatal; b) assegurar a laicidade do Estado. STF, ADI 4439, j. 27/09/2017 24. A lei não pode usar expressões pejorativas e discriminatórias, poisa orientação sexual é liberdade existencial do indivíduo. Não foram recepcionadas pela CF88 as expressões “homossexual ou não” e “pederastia” que estavam alocadas no artigo 235 do CPM. STF, ADPF 291 25. As cotas de candidatos dos partidos políticos são de gênero, e não de sexo biológico. Assim, as pessoas transgêneros devem preencher o espaço da ação afirmativa de acordo com o gênero com que se identificam. TSE, Consulta 0604054- 26. As presas transexuais possuem o direito ao cumprimento de pena em presídios femininos, respeitando, assim, a identidade de gênero autopercebida STF, ADPF 527-MC DF, decisão de 27/06/2019 27. A imunidade parlamentar funciona como instrumento de combate e prevenção ao chamado efeito resfriador à liberdade de expressão (chilling effect). STF, RE 600.063/SP 28. Não há hierarquia entre Corte Interamericana de Direitos Humanos e Supremo Tribunal Federal. A Corte Interamericana de Direitos Humanos não é uma quarta instância do sistema judiciário (Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil). 29. Vamos falar um pouco sobre PORNOGRAFIA DE VINGANÇA (REVENGE PORN) E DIREITOS DA MULHER? A pornografia de vingança (revenge porn) pode ser compreendida como o ato de expor publicamente, na internet, fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos, ainda que estes tenham se deixado filmar ou fotografar no âmbito privado. A pornografia de vingança geralmente ocorre após o fim de um relacionamento amoroso abusivo, quando um dos envolvidos (na ampla maioria dos casos o homem) divulga cenas íntimas do outro como forma de vingança. A revenge porn possui seu efeito maximizado e ainda mais danoso quando a vítima reside em cidades pequenas com um baixo número de habitantes, já que a circulação das imagens e vídeos ocorrem de uma forma mais rápida e a exposição se torna ainda maior. Revenge porn e direito. Quais são as consequências da prática da pornografia de vingança? A Lei Maria da Penha prevê diversas formas de violência contra a mulher, dentre elas a violência moral e a psicológica. A pornografia de vingança gera esses dois tipos de violência. A violência psicológica pode ser compreendida como qualquer conduta que cause a mulher dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento, ou ainda que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. O Brasil também é signatário de tratados internacionais de direitos humanos que protegem a mulher contra violência moral e psicológica. Exemplo: Convenção de Belém do Pará. Até o ano de 2018 a pornografia de vingança era punida com mais facilidade no âmbito cível, mediante a fixação de indenização por danos morais para as mulheres vítimas. A partir do advento da Lei 13.718/2018, a revenge porn passou a ser crime no Brasil nos termos do artigo 218-C, parágrafo 1o, com pena de 1 a 5 anos de reclusão, mais um aumento de 1/3 a 2/3. A prática da pornografia de vingança é portanto crime no Brasil desde 2018 e também gera o pagamento de indenização por danos morais no âmbito cível. Por fim, alerto que a prática da pornografia de vingança também pode caracterizar o delito de extorsão caso o agressor esteja chantageando a vítima exigindo para si ou para outrem uma vantagem econômica ou que a vítima faça ou deixe de fazer algo para que as fotos ou vídeos não sejam disponibilizadas ao público. O delito de extorsão possui uma pena de 04 a 10 anos de reclusão. 30. Vamos falar um pouco sobre IMPERIALISMO DOS DIREITOS HUMANOS? O tema imperialismo dos direitos humanos foi desenvolvido por Eric Hobsbawn e consiste na situação em que os direitos humanos são utilizado como uma falsa premissa para justificar intervenções externas (geralmente militares) imperialistas em determinados países. O imperialismo dos direitos humanos é uma forma, portanto, de violação de direitos humanos dos indivíduos de determinado país que é invadido a partir de um falso discurso de proteção de direitos humanos. Geralmente ocorre por países da Europa ou pelos EUA. Assim, através de uma falsa premissa de proteção de direitos humanos, mitiga- se o princípio da não intervenção de um país em outro em nome da “proteção” dos nacionais do Estado invadido. No entanto, o discurso é puramente teórico, já que, na prática, essas intervenções possuem objeto diverso da proteção de direitos humanos. Trata-se de uma forma de imperialismo que possui como objetivo principal a implementação de um regime econômico (ou controlar a economia) nos mais variados países. Hobsbawn cita como exemplo a intervenção dos EUA no Iraque sob o argumento de que haveriam armas nucleares no referido país, mas o real propósito da intervenção estaria ligado a motivações econômicas. Para Hobsbawn, do ponto de vista político, a tendência do imperialismo dos direitos humanos é tanto atual quanto perigosa, pois esconde uma questão imperial de determinado país por trás de intenções pacifistas e garantidoras de dignidade. Hobsbawn defende que, a priori, as transformações sociais e a concretização de direitos humanos não necessitam de uma intervenção externa e que essa situação do imperialismo dos direitos humanos levaria sempre a uma relação colonial de uma Estado considerado uma potencial global em relação a um com menor força no cenário mundial. Guardem: o imperialismo dos direitos humanos utiliza um FALSO discurso de proteção de direitos humanos para legitimar intervenções externas em determinado país sob o argumento de proteção de direitos humanos dos nacionais do país invadido. 31. O Brasil foi o primeiro país a ser responsabilizado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por racismo. Caso Simone André Diniz (2006). 32. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS DE JORNALISTAS E PROFISSIONAIS DE IMPRENSA? - Brasil é o 2o país na América Latina que mais viola direitos humanos de jornalistas. Em um país considerado “democrático” a imprensa livre é um dos seus pilares. Jornalistas e profissionais da imprensa precisam ter seus direitos humanos protegidos no desempenho de sua profissão. Segundo o STF e a Corte Interamericana de Direitos Humanos não é necessária a exigência do diploma de curso superior de jornalismo para que a pessoa exerça o papel de jornalista. Segundo os dados da ONG Internacional “Repórteres Sem Fronteiras”, O Brasil é o segundo país da América Latina com o maior número de violação de direitos humanos de jornalistas entre 2010 e 2017, ficando atrás apenas do México. Dois casos clássicos demonstram a violência em que os profissionais de imprensa estão e sempre estiveram submetidos no Brasil: Caso Vladimir Herzog, encontrado morto na sede DOPS em São Paulo, gerando inclusive uma condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos e Caso Tim Lopes, jornalista assasinado enquanto realizava matéria jornalística no Rio de Janeiro. Outros casos também são conhecidos como agressões a profissionais de imprensa que realizam a cobertura de manifestações políticas. Recentemente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) publicou um relatório temático sobre o tema “violência contra comunicadores no Brasil” informando que 64 profissionais da imprensa foram assassinados entre 1995 e 2018. Para Comissão Interamericana de Direitos Humanos a segurança dos jornalistas é um dever do Estado que se desdobra em uma tríplice obrigação: prevenir, proteger e procurar justiça. Obrigação de prevenção à violência contra jornalistas e imprensa em geral: O Estado deve:produzir dados de qualidade, sancionar penalmente a violência contra jornalistas e trabalhadores do meio de comunicação, respeitar o direito de sigilo da fonte, notas e arquivos pessoais dos jornalistas, instruir órgãos de segurança pública sobre a liberdade de imprensa e adotar um discurso público e oficial em prol dos jornalistas e da imprensa livre em geral. Obrigação do Estado em investigar e punir autores de delitos contra jornalistas: atuar com a devida diligência e esgotar as linhas de investigação nos crimes contra o exercício jornalístico, possuir estrutura adequada para investigar e punir os delitos contra a imprensa, realizar investigações em tempo razoável, evitando atrasos injustificados, facilitar a participação das vítimas ou de suas famílias e remover os obstáculos legais à investigação e punição proporcional e efetiva dos crimes contra jornalistas. 33. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS E PESSOA COM DEFICIÊNCIA? Até a internalização da Convenção do ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (2009), vigorava no Brasil o chamado “modelo médico de pessoa com deficiência (medical model) na qual a deficiência era concebida como um defeito ou enfermidade que necessitava de cura. Justamente em razão da vivência do modelo médico de pessoa com deficiência, a legislação até o ano de 2009 e a própria Constituição Federal de 1988 utilizam a expressão “pessoa portadora de deficiência” para se referir às pessoas com deficiência. Com o advento da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2009, operou-se uma mudança de paradigma no Direito das Pessoas com Deficiência: o Brasil deixou o modelo médico e passou a adotar o modelo social (ou de direitos humanos) de pessoa com deficiência. A deficiência passou a ser encarada como uma condição existencial, maximizando e humanizando os direitos das Pessoas com deficiência. Nesse sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (13.146/2015) já foi promulgado sob a influência do modelo de direitos humanos e do movimento de convencionalização do direito civil (influência e releitura da legislação à luz dos tratados internacionais de direitos humanos). O Estatuto da Pessoa com Deficiência sempre utiliza a expressão “pessoa com deficiencia”. O atual Direito das Pessoas com Deficiência é regido por dois principais princípios: in dúbio pro capacitas e superior interesse da pessoa com deficiência. Ainda no âmbito da proteção internacional de direitos humanos, os únicos três tratados internacionais de direitos humanos incorporados no Brasil com o quilate normativo equivalente ao de emenda constitucional são justamente três tratados sobre o tema das Pessoas com deficiência: Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, seu Protocolo Adicional e Tratado de Marraqueche. André de Carvalho Ramos denomina esses 3 tratados de: “arco-íris da proteção internacional dos direitos das pessoas com deficiência. No sistema interamericano de direitos humanos a primeira condenação do Estado brasileiro na CorteIDH retrata justamente em um caso envolvendo a violação de direitos humanos de uma pessoa com deficiência (Caso Damião Ximenes Lopes, 2006). Em texto publicado recentemente denominei o direito à acessibilidade livre e desembaraçada como um “metadireito” dentro do catálogo de Direito das Pessoas com Deficiência, já que se trata de um direito pressuposto para o exercício de outros direitos pela pessoa com deficiência. É a partir do direito à acessibilidade livre e desembaraçada que a pessoa com deficiência consegue exercer seu direito de voto, de frequentar escolas e universidades, buscar tratamento de saúde etc. É a consagração do “direito a ter direitos”. Para encerrar, uma reflexão: qual o impacto da pandemia do covid19 na comunicação e liberdade de expressão das pessoas com deficiência que utilizam a linguagem brasileira de sinais? Embora parte da comunicação ocorrer por sinais emanados dos braços, o uso de máscaras impede a visualização da expressão facial das pessoas (o que também é muito importante em LIBRAS). É claro que o uso de máscara é adequado e necessário para este momento, mas fica a reflexão. 34. Vale lembrar que a “extrema pobreza” é uma das características do conceito de pessoa em situação de rua (Decreto 7.053/2009) Em grego, a palavra á-poros significa “sem recursos”, portanto, o termo aporofobia significa “rejeição ou aversão aos pobres”. A expressão “aporofobia” foi cunhada por Adela Cortina (Universidade de Valência/ESP) e retrata o medo/aversão de pessoas pobres ou em situação de rua. A aporofobia está constantemente ligada a políticas higienistas praticadas por governantes contra as pessoas em situação de rua. 35. O sequestro de uma criança recém nascida e a negação da sua identidade original consiste em uma forma peculiar de desaparecimento forçado, ensejando a violação do direito humano à identidade. Corte IDH, Caso Gelman vs Uruguai 36. Ao ser condenado no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou ao Estado brasileiro uma ordem de tipificação do delito de desaparecimento forçado no ordenamento jurídico interno. Este ponto da sentença ainda não foi cumprido. 37. É possível a análise do requisito da dupla tipicidade para fins de extradição, em caso envolvendo o crime de desaparecimento forçado no estrangeiro, com base no delito de sequestro previsto no artigo 148 do Código Penal brasileiro. STF, EXT 974, j. 06/08/2009 38. Não é adequada a utilização da expressão “morador de rua”, comumente utilizada por veículos de imprensa. A situação de rua é uma condição transitória segundo a Política Nacional das Pessoas em Situação de Rua (Decreto 7.053/2009) o correto é “Pessoa em situação de rua”. 39. Não é possível a impetração de mandado de segurança para questionar determinada demarcação de terras indígenas, tendo em vista a necessidade de dilação probatória para aferir a questão. STF, MS 24.531 40. A destruição de acessões feitas em terras indígenas pode configurar dano qualificado, tendo em vista que as terras indígenas são bens da União (art. 20, inciso XI, da CF88) STF, Inq 3670 41. Vamos falar um pouco sobre RACISMO E DIREITOS HUMANOS? A Constituição Federal de 1988 aborda o tema duas vezes em seu texto. O repúdio ao racismo é um dos princípios reitores do Brasil nas suas relações internacionais (art. 4o, VIII, da Constituição Federal de 1988) A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5o, inciso XLII um mandamento constitucional de criminalização “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei”. A ordem constitucional foi cumprida a partir da tipificação do crime de racismo no artigo 20 da Lei 7.716/1989 (popularmente chamada de Lei CAÓ): “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional”. No âmbito infraconstitucional, as principais leis sobre o tema no Brasil são: Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) e a Lei 10.639/2003 (Sistema Nacional de Proteção a Igualdade Racial - SINAPIR) No âmbito da proteção internacional de Direitos Humanos: Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e Declaração de Durban. O Estatuto da Igualdade Racial prevê o conceito de discriminação racial ou étnico Racial: “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em cor, raça, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”. Voltando ao delito de racismo, ao julgar o caso Ellwanger, o SupremoTribunal Federal entendeu que o racismo não se caracteriza por uma discriminação baseada em critérios essencialmente biológicos. Segundo o STF: “Com a definição e o mapeamento do genoma humano cientificamente não existem distinções entre homens, seja pela segmentação da pele, pelo formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais”. (STF, HC 82.424/RS). A partir deste momento o STF passou a utilizar o conceito de “racismo social” compreendendo o racismo como uma questão histórica e sociológica de discriminação praticada pela maioria contra grupos vulneráveis. Foi com base nesse conceito de racismo social que o STF enquadrou a homofobia e transfobia dentro do artigo 20 da Lei CAÓ (STF, ADO 26 e MI 4733). Além disso, reconheceu a existência do chamado racismo religioso no plano teórico ao analisar o caso Jonas Abib (STF, RHC 134.682/BA) além de ter reconhecido os judeus como vítimas de racismo no caso Ellwanger (STF, HC 82.424). Portanto, o STF adota uma leitura social do artigo 20 da Lei 7.716/1989. Superada essa questão, vamos abordar mais alguns temas envolvendo a temática do racismo. O primeiro deles é o chamado racismo ambiental, que pode ser compreendido como “os atos e políticas públicas que prejudicam povos e comunidades tradicionais. Ações que promovem a destruição do meio ambiente e o desrespeito à cidadania afetando diretamente grupos vulneráveis. O racismo ambiental se manifesta na prática de ações que beneficiam grupos econômicos e atuam na lógica de economia vigente. RACISMO INSTITUCIONAL: “conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios e cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que, movidos por estereótipos e preconceitos, impõe a membros de grupos raciais ou étnico discriminados uma situação desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (André de Carvalho Ramos). Percebam que racismo institucional pode ocorrer em instituições públicas ou privadas. Exemplos de RI: Sub-representação de grupos raciais nos meios de comunicação de massa e barreiras raciais para empregos e promoções no mercado de trabalho. O Brasil foi responsabilizado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por racismo institucional (Caso Simone André Diniz). Por fim, vamos falar um pouco sobre FILTRAGEM RACIAL e PERFILHAMENTO RACIAL. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o fenômeno da filtragem racial pode ser compreendido como uma forma de racismo na qual uma determinada pessoa é “escolhida” como suspeita pelas autoridades estatais simplesmente por causa de sua cor. Já o perfilhamento racial é um fenômeno mais amplo, e pode ser compreendido o ato de suspeitar ou visar uma pessoa de determinada raça ou grupo vulnerável com base em comportamentos assumidos pelo grupo a qual pertence, ao invés de eventual suspeita ser baseada em uma questão individual. O perfilhamento racial não se limita à raça de um indivíduo e também pode ser baseado na etnia, religião ou nacionalidade. Nos EUA é chamado de perfilhamento étnico. Um exemplo de perfilhamento racial (ou étnico) para a doutrina é a aplicação da lei de forma mais severa em níveis locais, estadual e federal nos EUA levando em consideração a origem da pessoa (latinos, africanos, árabes, muçulmanos etc). (...) 42. O cacique de determinada comunidade indígena não possui legitimidade para o ajuizamento de mandado de segurança coletivo em nome da comunidade. STJ, AgRg no MS 13248 43. A disputa por área ocupada por quilombolas é de competência da Justiça Federal (STJ, CC 129.229) 44. A “função dikelógica“ dos recursos especiais e extraordinários está relacionada a persecução da justiça no caso concreto por meio da adequada aplicação do direito. 45. O critério da autoatribuiçao/autorreconhecimento previsto no artigo 2o do Decreto 4.883/2003 (Estatuto dos Quilombolas) para definir quem deve ser considerado membro de uma comunidade quilombola é constitucional. STF, ADI 3239/DF, j. 08/02/2018 46. Aplica-se o princípio da kompetenz-kompetenz no sistema interamericano de direitos humanos (CorteIDH, Caso Garibaldi e outros vs. Brasil). 47. A norma constitucional que confere aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (art. 230, p. 2o, da Constituição Federal de 1988) é de eficácia plena e aplicabilidade imediata. STF, ADI 3768, j. 19/09/2007 48. Vamos falar um pouco sobre HIPERPRESIDENCIALISMO? O tema do hiperpresidencialismo é pouco desenvolvido pela doutrina brasileira e muito debatido na literatura estrangeira. O hiperpresidencialismo pode ser compreendido como um sistema de governo no qual determinado Estado é regido formalmente por um sistema presidencialista mas com algumas peculiaridades que destoam do presidencialismo clássico para um regime antidemocrático. Esse fenômeno pós-moderno se alastrou pela América Latina e atingiu algumas partes do mundo, como a Rússia e a Turquia. O hiperpresidencialismo possui quatro principais características: a) A concentração do poder do Estado em lideranças personificadas: a liderança exercida pelo Presidente da República é excessivamente personificada, o que não é saudável para o regime democrático uma vez que o indivíduo que ocupa a cadeira presidencial em uma situação de normalidade democrática está apenas de passagem pela presidência da república. Exemplos: Chavez e Maduro na Venezuela, Putin na Rússia e Erdogan na Turquia; b) concentração de poder no Executivo: no hiperpresidencialismo o Presidente da República intervém de forma indevida nas instituições públicas. A autonomia dos funcionários e servidores públicos nomeados para as instituições públicas é meramente de fachada; c) a ameaça constante ao regime democrático: outra característica do hiperpresidencialismo é a colocação do regime democrático em cheque a todo momento pelo Presidente da República. Os regimes hiperpresidencialistas costumam ter uma duração excessiva e longa o que acaba desgastando a figura do Chefe do Executivo perante a população e colocando em questão a existência da democracia, uma vez que um dos pilares da democracia é justamente a alternância de poder. A partir deste momento, o país se torna uma “panela de pressão” e existem frequentes conflitos entre a população e Estado, que frequentemente se vale do uso da força para conter os manifestantes. Ex: Venezuela, Rússia, Turquia etc; d) o controle das demais instituições pelo Presidente da República: esta talvez seja a característica mais fácil de ser visualizada. No hiperpresidencialismo o Poder Executivo possui o controle das demais instituições e até mesmo de outros poderes, que existem apenas de forma decorativa. Neste caso ocorrem alterações na composição de tribunais superiores, prisão de parlamentares, de oposição etc. 49. Vamos falar um pouco sobre VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E DIREITOS DAS MULHERES? A violência obstétrica é uma situação que envolve os direitos humanos sexuais e reprodutivos das mulheres. Primeiramente, é importante ressaltar que a doutrina elenca duas dimensões dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, são elas: (a) dimensão positiva, que retrata a autonomia das mulheres que são titulares dos referidos direitos sexuais e reprodutivos; (b) dimensão negativa, que dispõe acerca de vedações de violência e discriminação com base na sexualidade e no gênero A violência obstétrica pode ser caracterizada como a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, por meio do tratamento desumanizado, abuso da medicação e pagologizaçao de processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livrementesobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. O fenômeno da violência obstétrica pode ocorrer durante três momentos distintos, quais sejam, na gestação, no momento do parto ou em situações na qual a gestante está em vias de perder seu bebê. São exemplos de violência obstétrica durante a gestação: negligenciar o atendimento de qualidade, ofender, humilhar ou xingar a mulher e sua familia, negar atendimento à mulher ou impor dificuldade ao atendimento e ainda aguardar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas atendendo aos interesses e conveniências do médico. São exemplos de violência obstétrica no momento do parto: recusa da admissão em hospital ou maternidade (tbm chamada de peregrinação por leito), impedimento da entrada do acompanhante escolhido pela mulher, cesariana sem indicação clínica e sem o consentimento da mulher e ainda impedir ou dificultar o aleitamento materno (impedindo amamentação na primeira hora de vida, afastando o recém nascido de sua mãe, deixando-o em berçários). Por fim, são exemplos de violência obstétrica em situações em que a mulher está em vias de perder o bebê: negativa ou demora no atendimento à mulher em tal circunstância, questionamento à mulher quanto a causa da situação, coação com a finalidade de confissão e denúncia à polícia da mulher pela suposta prática de um delito não existente na referida situação ou ainda ameaças, acusações e culpabilização da mulher em um momento de fragilidade. O Brasil já foi condenado no Sistema Global de Direitos Humanos (Sistema ONU) no Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Comitê CEDAW) pela pratica de violência obstétrica. Trata-se do caso Aline Pimentel, uma mulher negra que estava no sexto mês de gestação e buscou assistência na rede pública de Belford Roxo, no RJ. Após sucessivos atos de violência obstétrica por parte do Estado Alyne Pimentel faleceu em decorrência de hemorragia digestiva do parto do feto morto (Alyne foi forçada a esperar horas para a realização da cirurgia de retirada dos restos mortais do feto de sua placenta. Isso tudo após ter sido, em um primeiro momento, liberada para voltar para sua casa pois as suas dores abdominais “não eram nada”). Em maio de 2019, o Ministério da Saúde realizou advertiu que realizaria a retirada do termo “violência obstétrica” de seus atos normativos por ser supostamente inadequado (embora seja utilizado globalmente). Posteriormente, o Ministério da Saúde voltou atrás e passou a reconhecer o uso do termo violência obstétrica, reconhecendo ainda a legitimidade das mulheres para a utilização do referido termo. Isso ocorreu após uma recomendação do MPF aduzindo a legitimidade e importância do reconhecimento do termo e da educação em direitos acerca do tema. 50. É possível a aplicação da teoria da encampação no bojo do habeas data. STJ, HD 147 51. OS ANIMAIS PODEM SER CONSIDERADOS TITULARES DE DIREITOS NO BRASIL? Não há no Brasil uma lei ou um dispositivo constitucional que diga de forma expressa e categórica que animais são titulares de direitos fundamentais. A titularidade de direitos fundamentais foi pensada a partir do paradigma do antropocentrismo. No entanto, o tema comporta reflexões aprofundadas. Ordinariamente, a legislação brasileira reconhece os animais como bens semoventes, evidenciando a questão antropocentrista ou ao menos refutando em certa medida a possibilidade de animais serem titulares de direitos em nosso país. Todavia, uma corrente da doutrina capitaneada por Peter Singer é chamada de doutrina da ecologia profunda “deep ecology” encara as questões ambientais a partir de outro ponto de partida, e admite os animais como titulares de direitos. Em Portugal, desde 2017 o país deixou de reconhecer os animais como coisas e passaram a categorizá-los como “seres vivos dotados de sensibilidade”. (Lei 08/2017 de Portugal). No Brasil, sem duvidas a principal norma protetora dos animais é o artigo 225, p. 1o, da CF1988 que veda a prática de crueldade e maus tratos contra animais. Segundo o STF, trata-se de uma norma de aplicabilidade imediata (STF, ADI 1856). A partir desta norma constitucional a Corte Constitucional Brasileira desenvolveu uma jurisprudência “pro animais”. O primeiro caso decidido favoravelmente aos animais e meio ambiente foi o caso da Farra do Boi em Santa Catarina. Tal prática cultural foi considerada inconstitucional por violar a norma constitucional supracitada e o STF deu seu primeiro passo significativo em matéria de ética animal. Os animais, contudo, não foram reconhecidos como “sujeitos de direitos”, mas como objetos a serem protegidos pela CF a partir da vedação de maus tratos e crueldade (STF, RE 153.531/SC). O mesmo ocorreu em relação as chamadas “brigas de galo” prática também reconhecida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal pela vedação de maus tratos e crueldade aos animais prevista na Constituição Federal de 1988 (STF, ADI 2514/SC). O STF adotou o mesmo entendimento no famoso caso em que foi analisada a prática cultural da vaquejada (STF, ADI 4983/CE). Posteriormente ao julgado do STF, o Congresso Nacional aprovou uma Emenda Constitucional reconhecendo a vaquejada como prática cultural. Trata-se da EC 97/2017. No entanto, em março de 2019, o STF reconheceu a constitucionalidade de lei que permite o sacrifício de animais em cultos religiosos de matriz africana, desde que sejam observadas algumas condições como a utilização de técnicas indolores que não causem sofrimento aos animais. No entanto, foi no Superior Tribunal de Justiça que a jurisprudência brasileira obteve o seu maior avanço em matéria de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. Ao julgar o REsp 1.797.175/SP, o STJ reconheceu a existência da DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Essa faceta do princípio da dignidade da pessoa humana reconhece a existência de um Estado Socioambiental de Direito no Brasil no qual abusos pelo bem estar ambiental e a proteção do meio ambiente é sempre um objetivo a ser buscado pelo Estado (constitucionalismo ecológico). A partir daí, o STJ, ao analisar as mudanças de habitat de um papagaio doméstico entendeu que a questão “viola a dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças do ambiente perpetuam o estresse animal, pondo em dúvida a viabilidade de readaptação a um novo ambiente”. Vejamos que o STJ deu até o momento o maior passo para reconhecer os animais como “sujeitos “especiais de direito”. Ainda no âmbito do STJ, o tribunal da cidadania reconheceu o direito de visita a animal de estimação após a separação do casal (seus donos) embora neste caso, não tenha mencionado a dimensão ecológica da dignidade humana. É possível dizer que o tema vem evoluindo no Brasil no âmbito do STJ e os animais já estão começando a ganhar traços de sujeitos de direito, a partir do reconhecimento da dimensão ecológica da dignidade. 52. Vamos falar um pouco sobre TEORIA DA DEMOCRACIA MILITANTE? Pouco estudado no Brasil, o conceito de “democracia militante” surgiu a partir de um artigo de Karl Lowenstein em 1937, pouco após a ascensão do Partido Nazista na Alemanha. No Brasil, o tema é desenvolvido por Daniel Sarmento (UERJ). Para Lowenstein, a democracia deve ser capaz de resistir àqueles políticos que, como Adolf Hitler, utilizam-se de instrumentos democráticos para assegurar o triunfo de projetos totalitários ou autoritários de poder. A essa ideia Lowenstein deu o nome de democracia militante (cit. Daniel Sarmento). Segundo Sarmento, diversos ordenamentos jurídicos acolhem a ideia de democracia militante: Alemanha, Espanha, Portugal, Costa Rica, Lituânia, Romênia, Israel etc. Para Sarmento, a Constituição Federal 1988 também contempla a ideia de democracia militante em seu artigo17, caput, da Constituição Federal de 1988. O artigo 17, caput, da CF88 determina que “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, Sarmento entende que “se a Carta Maior determina que a criação de partidos políticos deve observar valores cruciais, como a democracia e o respeito aos direitos fundamentais, ela proíbe, a contrário sensu, a existência de partidos que rejeitam esses valores. Sarmento explica que “a ideia central que permeia o conceito de democracia militante é bastante similar ao raciocínio sobre o qual se funda o hate speech” e continua: “em praticamente todos os ordenamentos jurídicos de países democráticos, entende-se que as manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra minorias e grupos vulneráveis, motivadas por preconceitos ligados a fatores como etnia, religião, gênero, nacionalidade, deficiência e orientação sexual não devem ser constitucionalmente protegidas”. A premissa é a de que esse tipo de discurso, além de não contribuir para o debate social, viola gravemente os direitos fundamentais de indivíduos e grupos vulneráveis. Dessa forma, é necessário que se restrinja a liberdade de expressão para resguardar direitos constitucionais das vítimas, como dignidade humana e igualdade”. Esse entendimento foi adotado pelo STF no julgamento do caso Ellwanger (HC 82.424) que reconheceu manifestações antissemitas, mesmo sob a forma de livros publicamos, como crime de racismo. Recentemente, o STF também utilizou o ethos da democracia militante para reconhecer a discriminação por motivo de orientação sexual (homofobia e transfobia) também como crime de racismo (MI 4733 e ADO 26). Nesse sentido, a partir das ideias de Lowenstein, Sarmento explica que: “como a tutela da liberdade de expressão não se estende a manifestações de ódio contra minorias, sustenta a teoria da democracia militante que os direitos políticos poderiam ser restringidos para evitar a ascensão ao poder de pessoas e partidos profundamente autoritários, que comprometam a sobrevivência da própria democracia”. Por outro lado, o professor da UERJ reconhece que a ideia da democracia militante não é isenta de críticas ligadas à segurança jurídica e à possibilidade de tirania judicial. No entanto, admite o amparo da ideia de democracia militante na Constituição Federal de 1988, já que, uma interpretação teleológica do artigo 17, caput, da CF88 poderia lastrear a exegese de que candidatos simbolizem a exata antítese da democracia e assim impossibilitá-los de concorrer a qualquer pleito eleitoral. Sarmento conclui com a seguinte frase: “A democracia não é uma missão suicida”. Em síntese, a teoria da democracia militante propõe que se impeçam candidaturas eleitorais contrárias aos valores considerados o núcleo duro da Constituição Federal de 1988: respeito aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. 53. “A União também tem competência para a decretação das mesmas medidas de restrição de locomoção durante a pandemia do novo coronavírus, no âmbito de suas atribuições, quando houver interesse nacional”. STF, ADI 6343, j, 06/05/2020 54. “A adoção de medidas restritivas relativas à locomoção e ao transporte, por qualquer dos entes federativos, deve estar embasada em recomendação técnica fundamentada de órgãos da vigilância sanitária e tem de preservar o transporte de produtos e serviços essenciais” STF, ADI 6343 55. “Estados e municípios, no âmbito de suas competências e em seu território, podem adotar medidas de restrição à locomoção intermunicipal e local durante o estado de emergência decorrente da pandemia do novo coronavírus, sem a necessidade de autorização da União”. STF, ADI 636 56. Não é cabível o manejo de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para questionar procedimento de demarcação de terras indígenas. STF, ADI 977 57. Os tratados internacionais aprovados no âmbito do MERCOSUL não possuem aplicabilidade imediata no ordenamento interno brasileiro e precisam passar pelo rito dos tratados internacionais previstos na Constituição Federal de 1988. STF, ADI 1480 58. No Direito Internacional dos Direitos Humanos a doutrina desenvolveu a figura da “discriminacion por edad” que consiste justamente em discriminar ou menosprezar alguém pela condição de idoso, prática que lamentavelmente tem sido verificada no Brasil durante a pandemia do covid19. 59. “A função socializadora (ou social) da escola consiste em inserir a criança e o adolescente em um espaço público de convívio com outros menores em semelhante estágio de desenvolvimento psicossocial”. STF, RE 888815/RS, j. 12/09/2018 60. Vamos falar um pouco sobre PARADOXO DA TOLERÂNCIA e DIREITOS HUMANOS? O paradoxo da tolerância é uma referência ao pensamento abordado por Karl Popper em seu livro “A sociedade aberta e seus inimigos” no qual apresenta a https://pbs.twimg.com/media/EYuEjRmXQAEsOMM.jpg ideia de que, no ambiente social, a tolerância ilimitada leva, paradoxalmente, ao desaparecimento da tolerância. Segundo Popper: “Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos ilimitada tolerância mesmo aos intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância, com eles”. O tema do paradoxo da tolerância está intimamente ligado ao direito tendo em vista o avanço de discursos de ódio e a um agravamento de atos de intolerância contra minorias e grupos vulneráveis, inclusive com o retorno de simbologias associadas direta ou indiretamente ao nazismo ou a outros regimes antidemocráticos. O tema pode ser facilmente visualizado a partir da questão envolvendo o discurso de ódio (hate speech) que já foi inclusive objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no HC 82.424/RS (Caso Ellwanger) no qual a Corte Constitucional Brasileira reconheceu a impossibilidade de se tolerar ofensas antissemitas proferidas pelo Sr. Ellwanger em seu livro, caracterizando a referida conduta como crime de racismo (art. 20 da Lei 7.716/89). Na mesma linha o STF reconheceu a homofobia e transfobia como crime de racismo (STF, MI 4733 e ADO 26) não tolerando discursos de ódio por motivo de discriminação por orientação sexual. Ao analisar a constitucionalidade do homeschooling (ensino domiciliar) no Brasil (STF, RE 888815/RS) o Ministro Luiz Fux lembrou que: “A tolerância não pode ser evocada para fundamentar qualquer tolerância, sob pena de se legitimar, sob tal argumento, até uma postura de absoluta intolerância. É o fenômeno tautológico que se intitulou de paradoxo da tolerância”. Percebam que o “paradoxo da tolerância” tem sido utilizado como vetor pelo Supremo Tribunal Federal para decidir temas envolvendo minorias e grupos vulneráveis. Em síntese: a partir do paradoxo da tolerância de Karl Popper propõe que discursos de ódio e ideias antitolerantes de maneira geral sejam fortemente combatidas, sob pena da própria sociedade ser “tolerante” com o “intolerável” e passar a normalizar ainda que de maneira tácita tais comportamentos no cotidiano, ocasionando o desaparecimento da tolerância e a consolidação de uma sociedade intolerância e movida por ódio, exclusão e discriminação. 61. Vamos falar sobre EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS? O tema “educação em direitos humanos” é abstrato, então optei por transcrever um espelho de prova que resumiu de forma formidável a ideia de educação em direitos humanos. Vamos lá! A mobilização global para a educação em direitos humanos está imbricara no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância e solidariedade, da justiçasocial e na sustentabilidade na inclusão e na pluralidade. Ainda há muito para ser conquistado em termos de respeito à dignidade da pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social, região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência. Da mesma forma, há muito a ser feito para se efetivar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, ao meio ambiente saudável, ao saneamento básico, à segurança pública, ao trabalho e às diversidades cultural e religiosa entre outras. Uma concepção contemporânea de direitos humanos incorpora os conceitos de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, por sua vez inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liberdade, da igualdade, da equidade e da diversidade, afirmando sua universalidade, indivisibilidade e interdependência. O processo da concepção de uma cidadania planetária e do exercício da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos(ãs) conscientes de seus direitos e deveres protagonistas da materialidade das normas e pactos que os(as) protegem, reconhecendo o princípio normativo da dignidade da pessoa humana, englobando a solidariedade internacional e o compromisso com outros povos e nações. Além disso, propõe a formatação de cada cidadão(ã) como sujeitos de direitos, capaz de exercitar o controle democrático das ações de Estado. Assim, a educação em direitos humanos está imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional nos valores da tolerância, da solidariedade, da justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade. Considero cada vez mais importante falarmos sobre o tema “educação em direitos humanos”. 62. Vamos falar sobre CONSTITUCIONALISMO WHIG? O Constitucionalismo Whig (ou termidoriano) é tratado no Brasil por José Adércio Sampaio (MPF/MG) então a thread será um resumo das ideias deste autor. O constitucionalismo whig retrata a mudança de regime politico- constitucional lento e evolutivo, mais que revolucionário e radical. É o mote das transições constitucionais dos dias atuais (Cf. José Adercio Sampaio). No constitucionalismo whig essa mudança ocorre sem o derramamento de sangue, uma vez que os regimes vão se “encorpando” gradualmente dentro de regimes caducos ou de baixa intensidade. Esse constitucionalismo evolutivo que ocorre dentro de um regime de baixa intensidade é visto, por vezes, como um modelo de ideologia conservadora de mudanças sociais, seja por inspiração inglesa (whig) seja por inspiração francesa (termidorianismo). Para José Adércio todo constitucionalismo transporta um ingrediente do Termidor, afinal, no âmbito da história, a reação termidoriana é a fase de algumas revoluções em que o poder passa das mãos da liderança revolucionária e de um regime radical para grupos mais conservadores que adotam uma linha política que se distância das propostas originais, atingindo as vezes retrocessos históricos é pré-revolucionários. A expressão “termidoriana” possui origem na Revolução Francesa. Por fim, o autor conclui que com o constitucionalismo whig ou termidoriano as revoluções inicialmente com um propósito X acabam se tornando conservadoras, atingindo um propósito Y, afinal, quando a ruptura com o regime anterior se consuma os líderes do movimento tendem a institucionalizar o que consideram conquistas do povo por meio de uma Constituição, sendo a rigidez constitucional então um aspecto que “termidoriza” (nas palavras do autor) a própria concepção de revolução. Trata-se de um movimento que no fim das contas gera a perda dos ideais da revolução constitucional e torna a mesma incompleta. O autor conclui com uma passagem muito importante: “frequentemente pensamos na Constituição como instrumento de transformação social. Deixamos de notar que ela também é o meio reacionário ou, pelo menos, estabilizador das rupturas institucionais. Para o bem ou para o mal. 63. Vamos falar um pouco sobre SUPERPRECEDENTES, MINIPRECEDENTES e DIREITOS HUMANOS? Quem aborda o tema no Brasil é Bernardo Gonçalves e Siddharta Legale. Os super precedentes são precedentes que possuem a sua superação (overruling) dificultada em razão de sua vinculação jurídica e cultural, consubstanciada pelas redes sociais que sustentam seus argumentos (Bernardo Gonçalves). Os superprecedentes se aproximam do que Cass Sunstein chama de “metadecisões”, já que orientam decisões futuras e retiram substancialmente o ônus argumentativo de instâncias superiores. Em virtude do seu caráter amplo, os superprecedentes dão ensejo, por vezes, a uma verdadeira “reforma constitucional de fato”. Vejamos as características dos superprecedentes de acordo com os autores citados início da thread. a) Amplitude e imprecisão: os superprecedentes são amplos e imprecisos, pois se assim não fossem, regulariam apenas os casos extremamente semelhantes, reduzindo seu aspecto de aplicação e impossibilitando o esforço de orientar tomadas de decisões futuras. b) Efeito pacificador de disputas políticas, morais e sociais: Os superprecedentes possuem o referido efeito, já que definem controvérsias de forma clara, evitam ou reduzem as disputas legais e se tornam objetos de deliberações sociais, pelas quais eles são atacados ou reconhecidos como válidos, o que permite que gerem uma “eficácia global e uma segurança jurídica sobre a decisão a ser tomada”. c) Vinculação jurídica e social abarcada sobre o contexto de uma Constituição Viva (living constitution): Os casos que envolvem os superprecedentes extrapolam a mera vinculação ao plano jurídico, uma vez que seus efeitos também se espalham para as relações políticas e sociais. A normatividade dos superprecedentes se instaura nos mais variados ramos da vida cotidiana (política, social e jurídica). d) Baixo grau de superação dos superprecedentes: A chance de ocorrer a superação (overruling) de um superprecedente é baixíssima, uma vez que isso ocasionaria a superação de diversas normas e interpretações consolidadas a partir do superprecedente. Dois são os exemplos claros de superprecedentes na jurisprudência do STF: reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar (ADPF 132 e ADI 4277) e constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADC 19). Alguém conseguiria imaginar a superação destes superprecedentes? Seria possível a partir do contexto social, político e jurídico que foi formado a partir destas decisões do STF, e da realidade posta com a conclusão de tais julgamentos, imaginar uma superação destes superprecedentes? Muito difícil. É possível perceber que em virtude das características dos “superprecedentes” eles geralmente serão firmados na seara dos direitos humanos, notadamente na proteção e concretização de direitos de minorias e grupos vulneráveis. Percebam que essa ideia de superprecedentes está umbilicalmente ligada com o que Flávia Piovesan chama de “precedente com impacto transformador” quando analisa a questão à luz do Sistema Interamericano de Direitos Humanos! Por fim, os MINIPRECEDENTES (microprecedentes) são decisões intuitivas, frágeis, estritas e fáceis de se evitar. Em síntese, são decisões fáceis de serem atingidas pelo overruling e que possuem baixa intensidade em matéria de reflexão moral ou baixo impacto transformador, se enquadrando nas decisões do cotidiano do Poder Judiciário. Para finalizar, por vezes os superprecedentes podem estar ligados a ideia de “processo estrutural” como no caso Brown vs. Board of Education of Topeka. 64. Vamos falar um pouco sobre CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO? O constitucionalismo do futuro também é chamado de constitucionalismo do “por vir” foi idealizado por José Roberto Dromi e prega a consolidação dos direitos humanos deterceira dimensão, fazendo prevalecer a noção de fraternidade e solidariedade. O constitucionalismo do futuro deve obediência a sete vetores principais: verdade, solidariedade, continuidade, participação, integração, consenso e universalidade. A verdade retrata a preocupação com necessidade de promessas factíveis pelo constituinte. Por solidariedade, entende-se uma cooperação entre os povos na busca pela implementação de uma fraternidade plantaria. A elaboração normativa no constitucionalismo do futuro é pautada por um consenso democrático. Por continuidade, entende-se que as reformas constitucionais deverão levar em consideração os avanços já conquistados. A noção de participação está ligada a ideia de democracia deliberativa e participação popular. O povo deve ser convocado de forma ativa, íntegral e equilibrada. Em relação ao vetor “integração”, as constituições deverão integrar o plano interno e externo, mediante a previsão de órgãos supranacionais. Segundo o autor, seria uma integração espiritual, moral, ética e institucional entre os povos. Envolve a ideia de cidadania planetária e educação em direitos humanos (tema já tratado em thread aqui). Por fim, a universalidade busca a primazia aos direitos humanos, dando-se prevalência ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio pro persona. Veda-se qualquer forma de desumanização. O constitucionalismo do futuro propõe, portanto que busque um ponto de equilíbrio entre as ideias hauridas do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo (Bulos). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a existência de diversos vetores do constitucionalismo do futuro no atual momento constitucional brasileiro. Esses vetores geralmente são mencionados em acórdãos envolvendo minorias e grupos vulneráveis. 65. Vamos falar um pouco sobre o tema PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA? Atualmente existem mais de 100 mil pessoas em situação de rua no Brasil. Não existem tratados internacionais e documentos específicos sobre o referido grupo vulnerável, mas apenas um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). No âmbito interno, o tema é regulamentado pelo Decreto 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional das Pessoas em Situação de Rua. Primeiramente, lembro que é incorreto utilizar o termo “morador de rua” (boa parte da imprensa utiliza este termo de forma equivocada). O termo “morador de rua” passa uma falsa impressão de definitividade na condição de vulnerabilidade. Uma naturalização. A Política Nacional utilizou o termo “situação de rua” justamente para não naturalizar a situação de vulnerabilidade, já que a ideia é que a pessoa consiga deixar as ruas e por conseguinte a condição de vulnerabilidade. O correto é “pessoa em situação de rua”. Também não é correto utilizar o termo “mendigo” por dois motivos: o termo é estigmatizante e remonta a chamada “Fase da estigmatização das Pessoas em situação de rua”, no tempo que existia inclusive a contravenção penal de mendicância e ainda nem toda pessoa em situação de rua pede uma contribuição a outrem. Muitas pessoas em situação de rua trabalham no mercado formal e informal. Os termos “maloqueiros” (que vivem em malocas) e “espoliados urbanos” também estão em desacordo com a gramática do direito das pessoas em situação de rua. Qual o conceito de pessoa em situação de rua (POP RUA)? Segundo o Decreto da Política Nacional das Pessoas em Situação de Rua, quatro são os principais traços característicos: a) grupo populacional heterogêneo: não há uma uniformidade de características das pessoas em situação de rua, o grupo é composto por pessoas com os mais variados traços culturais, educacionais, genéticos, enfim. É um grupo heterogêneo. b) Com vínculos familiares fragilizados ou inexistentes: a grande maioria das Pessoas em situação de rua possui vínculos familiares fragilizados ou inexistentes. c) em situação de extrema pobreza: as pessoas em situação de rua estão em verdadeira situação de miserabilidade. Neste ponto, destaco a expressão cunhada por Adela Cortina (Universidade de Valencia/ESP) “aporofobia” que consiste no medo ou aversão as pessoas pobres (encaixando aqui também as pessoas em situação de rua). A aporofobia deve ser fortemente combatida nos termos do Direito Internacional dos Direitos Humanos. d) as pessoas em situação de rua não possuem moradia convencional e pernoitam na rua, em prédios e marquises abandonados, ou ainda em casas de passagem. Para finalizar esta primeira thread inicial de muitas que faremos sobre o tema aqui, deixo o conceito de Centros de referência especializado para pessoas em situação de rua: “Centro POP” que são centros especializados que recebem as pessoas em situação de rua e fornecem diversos serviços como atendimento médico, de higiene, assistência e até mesmo alimentação adequada. 66. CASO MARIELLE? A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados no dia 14 de março de 2018 na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Um ano após o início das investigações, dois suspeitos de serem os executores do crime foram denunciados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. A motivação e a participação de outras pessoas, dentre elas, quem seriam os mandantes do crime, ainda são investigadas pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, em processo que corre em sigilo. Em setembro de 2019, a Procuradoria Geral da República apresentou ao Superior Tribunal de Justiça um incidente de deslocamento de competência (IDC) alegando que, passados à época 18 meses do cometimento dos crimes, a Polícia do Rio de Janeiro ainda não teria dado respostas satisfatórias a respeito da motivação do feito e de quem seriam os mandantes dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes. Para a então PGR Raquel Dodge, o Brasil poderia vir a sofrer uma possível responsabilização dos tribunais internacionais de direitos humanos caso a investigação restasse inconclusiva acerca de quem seriam os mandantes e de qual seria a motivação do crime. Ainda para a PGR, a qualidade de Defensora de Direitos Humanos da vítima Marielle Franco, que atuava fortemente contra milícias e contra a violência policial também deveria ser levada em consideração. Para a PGR, portanto, a justiça federal possuiria maiores condições de lidar com a magnitude e complexidade do caso. Já as famílias de Marielle e Anderson sempre foram contra a federalização do caso. Para as famílias das vítimas o caso deveria permanecer com a Justiça Estadual do Rio de Janeiro. O Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) chegou ao STJ. Antes de analisarmos os argumentos dos Ministros, vamos falar um pouco sobre o que é o IDC. O Incidente de Deslocamento de Competência foi inserido no artigo 109, p5o, da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional 45/2004 e possui algumas ações questionando sua constitucionalidade (ADI 3486, por exemplo). Esse IDC, uma vez julgado procedente, transfere a investigação e/ou o processo para a Justiça Federal. Mas o que justificaria a transferência de um caso da justiça estadual, eleitoral ou militar para a justiça federal? A “federalização” do caso pressupõe o preenchimento de três requisitos: a existência de grave violações de direitos humanos; o risco de responsabilização internacional do Brasil decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a incapacidade das autoridades locais de oferecer respostas efetivas. O IDC foi julgado improcedente pelo Superior Tribunal de Justiça no dia 27/05/2020. O STJ entendeu que não estavam satisfeitos os requisitos para a federalização do caso a partir dos seguintes argumentos: 1) não há notícia de abertura de nenhum procedimento formal perante as cortes internacionais para apurar eventual responsabilidade do Brasil decorrentede suposto descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais de direitos humanos; 2) a alegação da PGR de que haveria contaminação da polícia do Rio de Janeiro pelo crime organizado foi genérica; 3) com o vasto acervo já formado nos autos, com centenas de diligências cumpridas e outras em andamento, o deslocamento da competência traria efeito contrário ao pretendido, gerando atraso nas investigações de um caso de ultra complexidade. Prevaleceu, assim, a vontade dos familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes. O caso continua com a Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Para finalizar, destaco as palavras do voto do Ministro Rogério Schietti, que ao reconhecer o assassinato de Marielle como um feminicídio político, advertiu: “No caso Marielle, tudo parece indicar uma situação ainda de maior repulsa discriminatória, por sua origem, cor de pele, classe social e orientação sexual, algo que poderia refletir uma discriminação interseccional (discriminação múltipla). (...) O Caso Marielle Franco é a evidência cabal de que, no Brasil, ainda continuamos a vivenciar assassinatos de pessoas que — somadas a tantos milhares de incógnitos brasileiros, quantificados nas ignominiosas estatísticas de homicídios e feminicídios anualmente cometidos — se arriscam a defender minorias e a cobrar das autoridades políticas atitudes mais ousadas e eficazes no enfrentamento das quotidianas violações a direitos da população, especialmente da que habita as periferias dos grandes centros urbanos. Mais do que isso, a morte de Marielle parece não constranger os que reverberam discursos de ódio e de intolerância, os quais acabam por desenvolver uma espécie de necropolítica (segundo a qual - na ficção do inventor do termo, Achille Mbembe - escolhe-se quem pode viver e quem deve morrer”. Este foi o desfecho do IDC envolvendo o Caso Marielle no Superior Tribunal de Justiça. As investigações continuam e o caso permanece onde sempre esteve, na justiça estadual do Rio de Janeiro. 67. Vamos falar um pouco sobre CORRUPÇÃO E DIREITOS HUMANOS? O combate à corrupção e a defesa dos direitos humanos são interesses harmônicos ou colidentes? A temática será abordada a partir de uma perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos e também do Direito Constitucional. Não tratarei do assunto a partir da ótica do direito e processo penal. Muito se questiona se os temas do combate à corrupção e a defesa dos direitos humanos seriam interesses harmônicos ou colidentes. Digo a vocês que são interesses harmônicos segundo a visão do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Constitucional. No ano de 2018, a CIDH editou a Resolução 01/2018 reconhecendo expressamente que: “a corrupção é um fenômeno complexo que afeta os direitos humanos em sua integralidade - civil, política, econômica, social, cultural e ambiental, bem como o desenvolvimento do Estado”. Prossegue a CIDH : “A corrupção tem um impacto sério e diferenciado no gozo e no exercício de direitos humanos por parte de grupo historicamente discriminados como as pessoas em situação de pobreza, mulheres, povos indígenas, afrodescendentes, migrantes etc”. Nesse mesmo sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso Ramírez Escobar e outros vs. Guatemala (2019) assinalou que: “as consequências negativas da corrupção e os obstáculos que a mesma representa para o gozo e desfrute efetivo dos direitos humanos, assim como o fato de que a corrupção de autoridades estatais ou provedores privados de serviços públicos afeta grupos vulneráveis de maneira particular”. Prossegue a CorteIDH : “a corrupção não afeta apenas os direitos individuais, mas também um impacto negativo na sociedade como um todo, no sentido de que enfraquece a confiança da população no governo e, com o tempo, na ordem democrática e no Estado de Direito”. Por fim, a Corte IDH advertiu que: “os Estados devem adotar medidas para prevenir sancionar e erradicas a corrupção de forma eficaz e eficiente. Ainda nesse sentido, o STF já reconheceu em sua jurisprudência a existência de um “direito fundamental do povo ao governo honesto”. No âmbito Internacional existe um regime de proibição global de corrupção composto por diversos tratados internacionais de direitos humanos e tratados em geral os quais o Brasil é signatário e já internalizou em sua ordem jurídica doméstica. Percebam que o combate à corrupção e a defesa de direitos humanos são interesses que harmônicos é que andam juntos, de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos. É claro que o discurso da contra a corrupção não pode nem deve ser utilizado como justificativa para a violação de direitos humanos, assim como o discurso de proteção de direitos humanos não deve ser utilizado para violar direitos humanos de terceiros, como ocorre no “imperialismo dos direitos humanos”. 68. Relembrando o caso Dred Scott v. Sandford (1857), julgado pela Suprema Corte dos EUA, um dos episódios mais lamentáveis da história do país. O caso tem por pano de fundo a aprovação do Missouri Compromise Act, que baniu a escravidão em novos territórios, em uma época de franca expansão territorial, por meio de compras, guerra, conquista ou anexação. Dred Scott era escravo do cirurgião militar John Emerson, residente no Estado de Missouri, que ainda admitia a escravidão. O militar foi então designado para atuar no Estado de Illinois e posteriormente em Wisconsin, locais onde a escravidão não era mais permitida. Ao retornar ao Missouri, Dred Scott pleiteou então sua liberdade, fundamentando-a no fato de que, ao ingressar e permanecer em território onde a prática escravista havia sido proibida, agora seria um homem livre. Tal forma de pensar não era algo estranho à época, consistindo na doutrina do once free, always free, aceita pela jurisprudência do Missouri. Não obtendo sucesso em seu pedido, Dred Scott recorre à Suprema Corte americana em 1846. Passados 11 anos, entendeu a Corte que o Missouri Compromise Act seria inconstitucional, afirmando que o Congresso Nacional não teria poderes para banir a escravidão. Registrou ainda que Dred Scott não poderia ser considerado cidadão, por não fazer parte do povo dos Estados Unidos, razão pela qual lhe faltaria o requisito processual da legitimidade para o ajuizamento da ação. A decisão da Corte, presidida pelo Chief Justice Roger Taney, invocou uma hermenêutica originalista (original intent) do (suposto) pensamento dos founding fathers, para afirmar que, à época da promulgação do texto constitucional, afrodescendentes não eram considerados cidadãos. Poucos anos após a lamentável decisão, foi aprovada a Emenda Constitucional XIII, no ano de 1865, que aboliu a escravatura nos Estados Unidos como um todo. A posição extremada da Corte Taney certamente contribuiu para isso, além de acirrar os ânimos entre os Estados. Apesar disso, afrodescendentes continuariam, por um século, recebendo o tratamento de cidadãos de segunda classe, em razão sobretudo das Jim Crow Laws (1876-1965), legislações estaduais e locais que institucionalizaram a segregação racial, sob o mantra Separate but equal. 69. Vamos falar sobre o tema DESOBEDIÊNCIA CIVIL? O tema da desobediência civil foi tratado de forma emblemática pelo autor norte-americano Henry David Thoreau, portem também ganhou destaque a partir dos Estudos de Johm Rawls. No Brasil, o tema foi desenvolvido à luz dos movimentos sociais por Paulo Bonavides. O ato de desobediência civil situa-se entre o protesto e a resistência, ganhando contornos de insatisfação social, sem que isso ameace o funcionamento da ordem em vigor. John Rawls elenca quatro principais características do ato de desobediência civil: a) ato político; b) ato público; c) ato não violento: d) ato realizado contra a lei com a finalidade de buscar uma mudança no cenáriopolítico ou na própria legislação em vigor. Existem três condições para que um ato possa ser caracterizado como “desobediência civil”: - o ato deve se dirigir contra um caso de extrema injustiça; - os atos de desobediência civil não podem ameaçar o pleno funcionamento da ordem constitucional e os atos de desobediência civil são subsidiários ao esgotamento das vias legais. Essas três condições são indispensáveis para que um ato seja caracterizado como “desobediência civil”. Desobediência civil direta: É aquela que se relaciona com o próprio ato contra qual se protesta e resiste. Exemplo: Manifestações em razão de uma determinada causa ou contra determinada situação ocasionada pelos governantes. Desobediência civil indireta: são os consectarios do movimento: paralisação de ruas, ocupação de repartições públicas ou locais públicos, bloqueio de rodovias e ruas etc. 1. A liberdade de expressão encontra limites no denominado "discurso de ódio” (hate speech). CorteEDH, Perniçek vs Suíça (2015) 2. A conduta estatal de impedir alguém de andar pelado ao ar livre não viola a liberdade de expressão. Corte Europeia de Direitos Humanos, Caso Gough vs. Reino Unido (2014) 70. Liberdade de expressão e Efeito streisand (streisand effect): Ocorre nas situações em que uma tentativa de censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra aquele que buscava a retirada do conteúdo, resultando na vasta replicação da informação. O efeito streisand geralmente ocorre através da propagação do conteúdo através das mídias digitais, uma vez que o ambiente digital é marcado pelo dinamismo na troca de informações entre seus usuários. O efeito streisand recebeu este nome por conta do leading case envolvendo a divulgação de fotos e consequente pedido de retirada das mesmas pela cantora Barbra Streisand. 71. Vamos falar um pouco sobre “DIREITO DE PROTESTO”? (PARTE 1) A thread será dividida em três partes em virtude da importância do tema no atual momento global e também por conta da sua extensão. O tema será analisado a luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos e também do Direito Constitucional. No Brasil, o direito de protesto está inserido dentro dos direitos fundamentais de liberdade de reunião, expressão e associação. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o protesto é uma forma de ação individual ou coletiva dirigida a expressas ideias, visões ou valores, oposição, denuncia ou reivindicação. Como por exemplo: visões políticas, sociais, culturais, denúncias a um problema público ou até mesmo para afirmar a identidade ou visibilidade de um grupo vulnerável em situação de discriminação. Existe uma forte conexão do protesto com a liberdade de expressão e o direito de reunião. O direito ao protesto também está estritamente vinculado a promoção e defesa da democracia. Nas sociedades democráticas as pessoas e a população em geral se organizam e expressam duas semanas de formas distintas e por meio de estratégias que variam de uma denúncia a determinada pessoa ou a partir de organizações formalmente constituídas. Os protestos podem ser apoiados por diversos tipos de atores: ONGs, associações de vizinhos, entidades religiosas, sindicatos e associações de classe, etc. Um protesto pode ocorrer com uma única pessoa ou a partir de uma coletividade de pessoas. Ocupações pacíficas podem ser uma espécie de protesto segundo a CIDH. Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos o direito de reunião e protesto deve ser exercido de forma pacífica e sem armas. O Estado possui o dever de adotar as medidas necessárias para evitar atos de violência, garantir a segurança das pessoas e a ordem pública. As formas de protesto devem ser entendidas em relação com o sujeito e com o objetivo da manifestação. Os protestos podem ser realizados contra pessoas e/ou causas de interesse público, ou ainda contra empresas privadas. Para a CIDH o direito de protesto fomenta o fortalecimento dos regimes democráticos e contribui para o desfrute não apenas dos direitos civis e políticos, mas também dos direitos econômicos, sociais e culturais. 72. Vamos falar sobre DIREITO DE PROTESTO (parte 2)? Continuando a thread de ontem, os Estados possuem uma OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR o direito de protesto, que pode ser compreendida como o dever do Estado de não ingerência obstacularização ou impedir o acesso da população aos bens e locais que constituem objeto do protesto. No mesmo sentido, as forças policiais do Estado possuem a obrigação de respeitar os protestos e manifestações. Para a CIDH o exercício do direito de reunião e protesto não deve se sujeitar a uma autorização por parte do Estado e tampouco a requisitos excessivos que dificultem sua realização. OBS: Aqui temos uma consideração muito importante: está pendente de julgamento no STF a constitucionalidade da necessidade do aviso prévio como pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião. Até o momento o placar está 5x3 pela falta de necessidade de aviso prévio às autoridades competentes como condição para a manifestação ser lícita. Os manifestantes possuem o direito de escolher o conteúdo e as mensagens do protesto sem qualquer interferência estatal. O Estado deve agir com neutralidade nesses casos, sob pena de regulamentação indevida do direito de protesto. Os manifestantes possuem o direito de escolher o tempo e lugar do protesto. O mesmo vale para o modo de protestar. No entanto, qual o significado de um protesto “pacífico e sem armas”? Por protesto pacífico deve se entender a manifestação sem que as pessoas cometam atos de violência e depredação de patrimônio público ou privado. O Estado pode usar a força no âmbito do direito de processo? Segundo a CIDH, apenas de forma excepcionalíssima, e sempre obedecendo os critérios da legalidade, absoluta necessidade e proporcionalidade. Este também é o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Estado também possui uma “obrigação de proteger e facilitar” o direito de protesto, que pode ser compreendida como o dever do Estado utilizar seu aparato para garantir e assegurar o pleno exercício dos direitos humanos durante o direito de protesto. Nessa obrigação do Estado em proteger e facilitar o direito de protesto, vigora o princípio da máxima vedação das armas de fogo durante os protestos. Embora seja uma obrigação do Estado em proteger os manifestantes, a obrigação da restrição de armas de fogo vale tanto para o Estado e seus agentes quanto para os próprios manifestantes. Ainda nesse sentido, o Estado deve priorizar o uso (de forma excepcional) e controle de armas não letais (como bombas de efeito moral, por exemplo). As detenções e prisões no âmbito do direito de protesto devem observar toda a legislação interna dos Estados, respeitando o devido processo legal e as garantias fundamentais previstas nas respectivas Constituições e nas leis. 73. Vamos falar um pouco sobre RACISMO RECREATIVO E DIREITOS HUMANOS? O termo “racismo recreativo” foi cunhado pelo professor Adilson Moreira e pode ser compreendido segundo o autor por: “um mecanismo que encobre a hostilidade racial por meio do humor”. O autor continua: “o humor racista é um tipo de mensagem que comunica desprezo, que comunica condescendência por minorias raciais”. Assim, o conceito de racismo recreativo “designa uma política cultural que utiliza o humor para expressar hostilidade. O humor racista opera como um mecanismo cultural que propaga o racismo, mas que ao mesmo tempo permite que pessoas brancas possam manter uma imagem positiva de si mesmas O racismo recreativo existe dentro de uma nação altamente hierárquica e profundamente racista que formulou uma narrativa cultural de cordialidade racial. O racismo recreativo reproduz estigmas raciais que legitimam uma estrutura social discriminatória".As piadas chamadas pejorativamente de “humor negro” são, portanto, uma espécie de racismo recreativo. Na obra, o professor Adilson Moreira utiliza o exemplo da antiga personagem “vera verão” de “a praça é nossa” como um exemplo de racismo recreativo que estigmatiza minorias raciais de diversas maneiras: envolvendo a questão racial, a questão da orientação sexual e a hipersexualizacao da mulher negra. Ao comentar as piadas racistas como forma de racismo recreativo o autor adverte que: “piadas racistas procuram afirmar a ideia de que apenas as pessoas brancas são agentes sociais competentes”. No âmbito das relações de trabalho, o autor afirmou que “encontrou diversas centenas de decisões judiciais nas quais empregadores e colegas de trabalho faziam uso constante de piadas racistas para constranger funcionários negros”. 74. Vamos falar sobre INTERSECCIONALIDADE DE HUMANOS? O termo “interseccionalidade” foi criado por Kimberle Crenshaw para retratar a incidência dos mais diversos fatores de discriminação (vulnerabilidade) em um caso concreto. A necessidade de retratar essa situação foi verificada a partir do momento no qual o caráter universal dos direitos humanos mostrou-se insuficiente para tutelar e salvaguardar os direitos humanos de determinados indivíduos em um caso concreto já que por muitas vezes, os fatores de discriminação e opressão, antes de serem devidamente tratados de forma independente e desconexa, acabam por se entrelaçar. É o que ocorre por exemplo com uma mulher refugiada, em situação de rua e negra. Ou ainda um idoso indígena com deficiência. Ou ainda uma criança refugiada. Ou por fim uma mulher negra e homossexual. Há uma soma dos fatores de vulnerabilidade ocasionando uma “discriminação múltipla ou agravada”. Também chamada de overlapping discrimination. A interseccionalidade dos direitos humanos mostra que, na maioria das vezes, os grupos vulneráveis são vítimas de discriminação agravada, duplamente vulnerável, triplamente vulnerável ou até mesmo quadruplamente vulnerável. Muitas vezes isso sequer é percebido pela sociedade. Essa discriminação múltipla ou agravada de direitos humanos envolvendo os grupos vulneráveis pode ser facilmente visualizada na pandemia da covid19. Quando um vulnerável é discriminado, essa violação é geralmente ao quadro ou ainda ao cubo. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu o fenômeno da interseccionalidade dos direitos humanos no Caso Gonzales Lluy vs. Equador, que envolvia uma adolescente, mulher, negra, em situação de pobreza e com HIV (5 fatores de vulnerabilidade em uma só pessoa)! Essa situação da interseccionalidade serve para refletirmos: um fator de vulnerabilidade quase nunca “anda sozinho”. É possível que um indivíduo possua diversos fatores de vulnerabilidade ao mesmo tempo, o que agrava a discriminação sofrida. Para finalizar, exemplos de grupos vulneráveis: indígenas, quilombolas, refugiados, mulheres, crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua ou de pobreza, consumidores, idosos, pessoas com deficiência, pessoas da comunidade LGBTQI+, negros, minorias religiosas etc. 75. Vamos falar um pouco sobre STALKING (ASSÉDIO POR INTRUSÃO) E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? A expressão “assédio por intrusão” e o termo “stalking” designam a ação de perseguição deliberada e reiterada perpetrada por uma pessoa contra a vítima, utilizando-se das mais diversas abordagens tais como agressões, ameaças ou ofensas morais reiteradas, assédio por telefone, e-mail, redes sociais ou a simples presença afrontante em determinados lugares frequentados pela vítima (escola, trabalho, clubes, residência etc). Esta é a definição do autor Cabbete. A prática do stalking ganhou força com a expansão da internet e a doutrina desenvolveu então a figura do CYBERSTALKING, que consiste justamente no assédio por intrusão no mundo virtual, notadamente pela via das redes sociais e aplicativos de mensagens, até mesmo a partir da criação de perfis fake para se resguardar no anonimato. A prática do stalking e do cyberstalking são, portanto, formas de violência contra a mulher (moral, psicológica, sexual e até física) a depender da intensidade da perseguição perpetrada pelo assediador. A mulher vítima de stalking pode pedir ao Estado uma medida protetiva de urgência para que o stalker não se aproxime ou mantenha contato. Uma vez concedida a medida pelo Poder Judiciário em favor da mulher a proibição de contato vale inclusive para o ambiente das redes sociais e o descumprimento da referida medida pode levar o stalker para a prisão por descumprimento de medida protetiva de urgência, nos termos do Código de Processo Penal Brasileiro, além de responder pelo crime de descumprimento de medida protetiva. A prática do stalking é crime no Brasil? Não há um “crime de stalking” no Brasil, mas a depender da intensidade dos atos praticados pelo autor é possível a caracterização dos mais variados delitos: perturbação de sossego, importunação ofensiva ao pudor, ameaça, vias de fato, constrangimento ilegal, extorsão e até mesmo crimes mais graves como homicídio e estupro. Diversas mulheres vítimas de feminicídio foram vítimas de stalking durante muito tempo, numa escalada da violência de gênero. Existe uma campanha mundial contra a romantização do stalking: “não é romântico, não é uma brincadeira, não é legal”. Para finalizar, alguns dados importantes sobre o tema: a) estudos demonstram que as mulheres vítimas de stalking geralmente são perseguidas por pessoas que já conhecem ou tiveram algum contato (3 a cada 4 mulheres); b) embora homens possam tbm ser vítimas de stalking as mulheres são as mais assediadas na grande maioria dos casos; c) o Brasil ainda não criminalizou o ato de stalkear, mas existe um projeto de lei (1.369/2019) que propõe criminalizar a conduta nos seguintes termos: “perseguir ou assediar outra pessoa de forma insistente, seja por meio físico ou eletrônico, provocando medo na vítima e perturbando sua liberdade”. O projeto de lei abrange portanto o stalking e o cyberstalking. Países como Canadá, Portugal e Holanda já criminalizam o stalking. d) a punição do cyberstalking não se trata de uma restrição à liberdade de expressão na internet, mas de punir atos de violência que possuem as mulheres como vítimas mais afetadas. e) a prática do stalking viola tratados internacionais de direitos humanos que protegem os direitos das mulheres. 76. FIREHOSING E (DES)INFORMAÇÃO 👇🏻 A prática conhecida como “firehosing” consiste em um ou mais atos praticados por uma pessoa ou por um grupo de pessoas em difundir a sociedade pública com informações falsas (fake news) ou contraditórias, as vezes até mesmo desmentindo a si e seus próprios interesses. Qual o objetivo do “firehosing”? O principal objetivo do firehosing é fazer que os autores da prática nunca saiam da pauta dos veículos de comunicação ou da imprensa de um modo geral. Neste caso, a mídia ocupa seus espaços em programas com os autores do firehosing, nem que seja para desmenti-los. Mas então fica a pergunta: o firehosing não gera um efeito danoso para seus autores(as)? Não, pois os autores(as) do firehosing almejam estar todo o tempo em exposição, mesmo que isso crie uma rejeição de parte do público. A intenção dos autores do firehosing é materializar a frase: “fale bem ou fale mal mas fale de mim. Além disso, a prática do firehosing é utilizada para “controlar” a pauta da imprensa e eventualmente desviar a atenção de outros eventos praticados pelos próprios autores do FH. O firehosing ainda possui um “segundo nível”, que consiste no ato de espalhar um boato para a imprensa, para que depois este boato seja desmentido e a própria imprensa reste descredibilizada perante a sociedade. Assim, os autores do firehosing causam ou tentam causar a sensação de que eles (autores do firehousing) são a única fonteconfiável de informação. Por isso, neste segundo nível do firehousing é muito comum que boatos sejam “plantados” e depois de um período “desmentidos”. 77. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS? Os principais atos normativos que regulam o Direito dos Povos Indígenas atualmente são: a Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) e a Convenção 169 da OIT (guardem este tratado internacional pois ele é de suma importância como veremos na thread). Até o advento da Constituição de 1988, vigorava no Brasil o paradigma do “integracionismo” dos povos indígenas. O integracionismo dos povos indígenas propunha uma relação de colonialidade (dominação) e discriminação entre indígenas e sociedade majoritária. O artigo 1o do Estatuto do Índio ainda prevê como objetivo da Lei “integrar o indígena à comunhão nacional”. Percebam que o integracionismo buscava retirar o índio da sua comunidade e integrá-lo na sociedade majoritária. Não se respeitava a vontade do indígena em ser índio. Em razão disso, todas as normas do Estatuto do Índio que retratam esse viés integracionista devem ser tidas como incompatíveis (não recepcionadas) com a Constituição Federal de 1988. O indígena possui o direito de viver como ele quiser e onde ele quiser. As tradições e modos de vida dos povos indígenas devem ser respeitadas. É equivocada a interpretação que uma pessoa deixa de ser índio por usar bermuda, possuir um celular ou dirigir um carro. Mas então, qual o critério para determinar quem deve ser considerado indígena? O critério é o autorreconheicmento, previsto na Convenção 169 da OIT, tratado internacional assinado e internalizado pelo Brasil. São os próprios indígenas que se autorreconhecem como membros da comunidade. Não cabe aos membros da sociedade majoritária dizer quem é ou ñ índio. Prosseguindo, o integracionismo propunha a utilização de termos preconceituosos para se referir aos indígenas como “silvícola (aquele que vive na terra)” “índios aculturados” “índios não integrados” ou “em vias de integração”. Todos esses termos estão em desacordo com o atual Direito dos Povos Indígenas. Atualmente, a partir da conjugação da Constituição e da Convenção 169 da OIT, vigora no Brasil o multiculturalismo dos povos indígenas. O indígena deve ser respeitado pela sua simples condição de ser índio. O Estado e a sociedade majoritária devem respeitar os indígenas no sentido de que os mesmos vivam de acordo com suas tradições, culturas e valores peculiares. Aliás, não há nada de errado com o termo “povos indígenas” a ONU mesmo utiliza esse termo. Ser indígena não é deve ser encarada como uma condição passageira e transitória (conforme propõe o superado paradigma integracionista) mas sim uma condição existencial de dignidade humana (multiculturalismo dos povos indígenas). A Convenção 169 da OIT prevê um dos principais direitos dos povos indígenas: o direito à consulta. Todo ato oriundo do Estado ou do poder privado que possa afetar direitos e interesses dos povos indígenas exige para a sua implementação uma consulta livre, prévia e informada.Os indígenas precisam ser consultados sobre atos do Estado ou de particulares que possam afetá-los. O tema das terras indígenas será abordado em uma thread própria:l. Para finalizar, vamos abordar dois temas: (a) racismo ambiental e (b) indígenas em tempos de pandemia. RACISMO AMBIENTAL: pode ser compreendido como as práticas privadas e políticas públicas que prejudicam predominantemente grupos vulneráveis étnicos tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores artesanais etc). O racismo ambiental se manifesta na tomada de decisões e na prática de ações que beneficiam grupos e camadas mais altas da sociedade, que atuam dentro da lógica econômica vigente e prejudicam mediante impactos ambientais e sociais os povos e comunidades tradicionais. Ex: Grandes empreendimentos que diminuem a qualidade de vida dos povos indígenas e outros grupos étnicos vulneráveis. Indígenas e pandemia: há uma intensa preocupação com os indígenas durante a pandemia da Covid19, principalmente com as comunidades indígenas isoladas de grandes centros. Nestes casos a mortalidade do vírus pode ser ainda maior em virtude do sistema imunológico mais fragilizado dos indígenas que optam por conviver de forma isolada da sociedade majoritária e por vezes não desenvolvem anticorpos. Já existem mais de 2000 casos de covid19 contraídos por indígenas. Recentemente, CIDH exarou a sua preocupação com os povos indígenas que vivem na Amazônia por conta da pandemia e da inexistência de políticas públicas efetivas do Estado aos índios brasileiros. Por fim, a partir de hoje vou começar a indicar algumas textos, podcasts, vídeos e filmes sobre o assunto tratado para quem quiser se aprofundar no tema. Foi uma sugestão de um seguidor aqui do twitter. Primeira indicação: @Mamilospod “Povos indígenas: de onde viemos e para onde vamos”: Excelente abordagem realizada com uma perspectiva histórica bacana e à luz dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas. Segunda indicação: Direito dos Povos Indígenas na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma análise do Caso Xucuru VS. Brasil. Primeira condenação do Brasil na Corte em matéria indígena. O podcast é do MPPR e eu participei como um dos entrevistados 78. E ́ possível o controle de convencionalidade de norma constitucional originária? A resposta é afirmativa. Foi o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Olmedo Bustos e outros vs. Chile, popularmente conhecido como “A última tentação de Cristo”. Nessa linha, lembro ao aluno que, para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o ordenamento jurídico interno é considerado um “mero fato”. Assim, não há óbice para se realizar o controle de convencionalidade de norma oriunda do poder constituinte originário. Comentei a questão no livro Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos, escrito em coautoria com o Prof. Caio Paiva: “O caso em comento também chama a atenc ̧ão em razão de o Estado chileno ter sido responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mesmo agindo com fulcro em uma norma constitucional editada pelo poder constituinte originário do Estado do Chile. Isso porque, para o direito internacional, não há importância se a norma é constitucional, infraconstitucional ou até mesmo um ato administrativo, pois, para o ius gentium o direito interno é visto como mero fato. Assim, nem mesmo as normas constitucionais oriundas do poder constituinte originário servem como excludente de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos” (HEEMANN, Thimotie Aragon e, PAIVA, Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. Manaus: Dizer o Direito, 2017, pp. 31-32; grifo nosso). 79. Devido processo convencional: https://twitter.com/Mamilospod A expressão “devido processo convencional” apareceu pela primeira vez na decisão de admissibilidade do caso "Pessoas Privadas de Liberdade na Carceragem da 76a Delegacia de Polícia de Niterói-RJ" (Petição no 1113-06) pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e deve ser compreendida como a observância pelos órgãos do Estado das normas processuais previstas nos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil e em vigor no Estado no âmbito dos processos judiciais ou administrativos. A partir desta ideia de devido processo convencional, há quem entenda que as normas processuais previstas nos tratados internacionais de direitos humanos, também chamadas de “direitos humanos processuais” exercem uma espécie de “função bloqueadora” da legislação infraconstitucional incompatível com as disposições convencionais. Na verdade, a função bloqueadora dos direitos humanos processuais nada mais é do que o efeito paralisante do controle de convencionalidade (já explicado em outro postdeste canal) que pode ser extraído tanto dos direitos humanos materiais quanto dos direitos humanos processuais. O tema do devido processo convencional ainda carece de uma maior sistematização na doutrina brasileira, em que pese os intensos debates realizados nos bancos acadêmicos a partir da implementação da audiência de custódia no processo penal doméstico, tudo com base em dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7.5) e do Pacto de Direitos Civis e Políticos (art. 9.3) No entanto, uma certeza já pode ser visualizada: o movimento de convencionalização do direito brasileiro é um caminho sem volta e o devido processo convencional já é uma realidade no Brasil. 80. O Ministério Público pode ser considerado uma cláusula pétrea? Para responder o seguinte questionamento é necessário dividir as cláusulas pétreas entre cláusulas pétreas to ́picas e cláusulas pétreas heteroto ́picas. As cláusulas pétreas to ́picas são aquelas previstas expressamente no art. 60, §4o, da Constituição Federal de 1988, quais sejam: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Por outro lado, são cláusulas pétreas heteroto ́picas aquelas previstas no texto constitucional, porém fora do rol previsto no artigo 60, §4o, da Constituição Federal de 1988. E ́ possível citar como exemplo o princípio da anualidade eleitoral e o princípio da anterioridade tributária. Em ambos os casos o Supremo Tribunal Federal já reconheceu expressamente o caráter de cláusula pétrea dos referidos princípios. A partir dessa perspectiva, o professor Hugo Nigro Mazzili entende que o Ministério Público é uma cláusula pétrea heteroto ́pica, afinal, trata-se de uma conquista do Estado Democrático Brasileiro que não pode ser abolida sob pena de subversão dos próprios valores constitucionais brasileiros propostos pela atual Constituição. Assim, também com base no raciocínio do professor Mazzili, é possível sustentar que outras instituiço ̃es como o Poder Judiciário e a Defensoria Pública também seriam cláusulas pétreas heteroto ́picas. 81. Promotor de fatos versus Promotor de Gabinete: A partir do clássico texto de Cátia Aida Silva “Promotores de Justiça e Novas Formas de Atuação em Defesa de Interesses Sociais e Coletivos”, a doutrina institucional do Ministério Público desenvolveu uma tipologia entre Promotores de Fatos e Promotores de Gabinete. Na definição de Cátia Aida Silva no texto supramencionado, o Promotor de Gabinete pode ser definido como: “como aquele que, embora utilize procedimentos extrajudiciais no exercício de suas funço ̃es, dá tanta ou mais relevância à proposição de medidas judiciais e ao exame e parecer dos processos judiciais dos quais está encarregado. Mais importante, o promotor de gabinete não usa os procedimentos extrajudiciais como meios de negociac ̧ão, articulaça ̃o e mobilização de organismos governamentais e não- governamentais”. Por outro lado, a autora define o Promotor de Fatos como: “conquanto proponha medidas judiciais e realize atividades burocráticas ligadas às suas áreas, dá tanta ou mais importância ao uso de procedimentos extrajudiciais, mobilizando recursos da comunidade, acionando organismos governamentais e não-governamentais e agindo como articulador político”. A autora delimita em seu texto o modus operandi de cada uma das categorias mencionadas a partir de exemplos práticos. O texto pode ser conferido em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v16n45/4334.pdf http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v16n45/4334.pdf 82. No que consiste a dimensão objetiva os direitos fundamentais? A dimensão objetiva dos direitos fundamentais propõe uma visão dos direitos fundamentais a partir de uma perspectiva da comunidade como um todo, ou seja, como valores ou fins a serem perquiridos e realizados, em grande medida, através da ação estatal. Segundo a doutrina brasileira, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais possui basicamente três manifestaço ̃es de fácil visualização: * Efeito irradiador dos direitos fundamentais: Os direitos fundamentais irradiam efeitos para o legislador infraconstitucional que deve observá-los na criação do direito infraconstitucional. Nesse sentido, os direitos fundamentais atuam como pautas interpretativas e critérios para a configuração do direito infraconstitucional. * Direitos Fundamentais como normas de competência negativa: Tudo aquilo que foi outorgado ao indivíduo em caráter de direito fundamental pelo arcabouço normativo, seja em termos de liberdade de ação, seja em termos de livre arbítrio de sua pro ́pria esfera, está sendo objetivamente retirado das mãos do Estado. * Dever objetivo de promoção e proteça ̃o: A dimensão objetiva dos direitos fundamentais também gera um dever de proteção por parte do Estado (e ate ́ mesmo um dever de garantia do Estado acerca da não violação de direitos fundamentais entre particulares), bem como um dever objetivo de promoção de posiço ̃es jurídicas fundamentais contra possíveis violaço ̃es por terceiros. 83. Existem direitos fundamentais absolutos? Em que pese uma das principais características dos direitos fundamentais seja a sua relatividade, uma vez que os direitos fundamentais podem sofrer limitaço ̃es, a doutrina constitucionalista brasileira, capitaneada pelo Ministro Luis Roberto Barroso elege a existência de ao menos três direitos fundamentais que não comportam restriço ̃es ou limites, uma vez que seriam absolutos: a) o direito fundamental de não ser escravizado; b) o direito fundamental de não ser torturado; c) o direito fundamental de não ser compulsoriamente associado em determinada associaça ̃o. 84. Direitos humanos “azuis”, “vermelhos” e “verdes”: Segundo Costas Douzinas, os direitos de primeira dimensão seriam “direitos azuis”, uma vez que simbolizam a liberdade individual, os direitos humanos de segunda dimensão seriam “direitos vermelhos”, uma vez que simbolizam as reivindicaço ̃es de igualdade e garantias de um padrão de vida decente, e os direitos humanos de terceira dimensão seriam “direitos verdes”, uma vez que retratam a proteção ambiental e a autodeterminação dos povos. Para um maior aprofundamento sobre esta classificação, ver COSTAS Douzinas, O fim dos direitos humanos. Rio Grande do Sul: Unisinos, 2008. 85. Direitos sociais, teoria dos camaleões normativos e metodologia fuzzy: O professor José Joaquim Gomes Canotilho é autor de um trabalho denominado Metodologia Fuzzy e Camaleo ̃es Normativos, a problemática atual dos direitos econômicos, sociais e culturais, no qual faz duras cri ́ticas ao modo como alguns doutrinadores tratam os direitos econômicos, sociais e culturais. Com o nome “camaleo ̃es normativos”, Canotilho busca demonstrar a suposta vagueza normativa do sistema juri ́dico dos direitos sociais, o que acaba por ocasionar uma confusão entre o conteúdo de um direito juridicamente definido e determinado com sugestões de conteúdo político- jurídica. Sobre este tema, vejamos a lição de Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Viana Alves Ferreira: “As ciências sociais são frequentemente criticadas por utilizarem metodologia ‘fuzzy’ – métodos confusos, indeterminados e vagos para tratar dos respectivos objetos de estudo. E no âmbito da ciência jurídica, é sobretudo a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais críticas dessa ordem. Segundo Canotilho, paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos sociais e culturais a carga metodolo ́gica da ‘vaguidez’, ‘indeterminação’ e ‘impressionismo’ que a teoria da ciência vem apelidando, emtermos caricaturais sobre a designação de ‘fuzzysmo’ ou ‘metodologia fuzzy’. Ainda para Canotilho, ao ‘falarem de direitos econômicos, sociais e culturais, os juristas não sabem muitas vezes do que estão a falar’” (BERNARDES, Juliano Taveira e FERREIRA, Olavo Augusto Viana Alves. Direito Constitucional. 3. ed. Bahia: Juspodivm, 2013, p. 687). 86. É necessária a observância da cláusula de reserva de plenário no controle de convencionalidade? Ao reconhecer a inconvencionalidade do delito de desacato, o Superior Tribunal de Justiça consignou que a decretação de inconvencionalidade não precisa observar a cláusula da reserva de plenário (full bench). Comentei a questão no livro Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos (coautoria com o Prof. Caio Paiva): “O Código Penal brasileiro ainda tipifica o crime de desacato (art. 331). A permanência deste tipo penal no ordenamento jurídico doméstico tem o efeito de inibir os indivíduos de expressarem suas opiniões e pensamentos em relação aos funcionários públicos, ocasionando um efeito resfriador (chilling effect) no direito à liberdade de expressão. O efeito resfriador da liberdade de expressão consiste numa autocensura realizada pelos próprios agentes comunicativos que, receosos de políticas sancionatórias e seguidas de censura por parte do Estado, acabam evitando adentrar em assuntos polêmicos ou deixam de se expressar da forma que gostariam. O STF já teve a oportunidade de se manifestar sobre a constitucionalidade do crime de desacato quando julgou a ADI 1.127, tendo decidido pela inconstitucionalidade parcial de preceito contido no EOAB (art. 7o, § 2o) que estabelecia uma imunidade profissional ao advogado para o eventual cometimento do crime de desacato quando no exercício de suas funções, admitindo apenas a imunidade para os crimes de injúria e difamação (ADI 1.127, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, j. 17/05/2006). Sobre essa conexão com o Direito brasileiro, ainda devemos anotar dois pontos: (I) as Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo já denunciaram o Brasil na CIDH, requerendo a condenação do Estado brasileiro pela manutenção do crime de desacato no Código Penal; e (II) recentemente, em habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o STJ decidiu pela inconvencionalidade do crime de desacato, constando do voto do Min. Ribeiro Dantas (relator) que “(...) a existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”, e prossegue o Min. Ribeiro Dantas para afirmar que “(...) a punição do uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São José abolissem suas respectivas leis de desacato” (REsp 1.640.084, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a Turma, j. 15/12/2016). Finalmente, ainda chamamos a atenção para um ponto interessante do voto do Min. Ribeiro Dantas: diferente do controle difuso de constitucionalidade, que exige a cláusula de reserva de plenário e, no caso do STJ, ensejaria a remessa do processo para a Corte Especial, o controle de convencionalidade pode ser exercido por meio das Turmas”. (HEEMANN, Thimotie Aragon; PAIVA, Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2a ed. Minas Gerais: CEI, 2017, pp 238-239). Posteriormente a 3a seção do STJ reconheceu a convencionalidade do desacato. No entanto, o objetivo do post é evidenciar a desnecessidade da regra da full bench no controle de convencionalidade 87. E ́ possível falar em obrigatoriedade em submeter um tratado internacional de direitos humanos ao rito previsto no artigo 5o, §3o, da Constituiça ̃o Federal de 1988? O tema é controverso. No entanto, segundo a doutrina, não há uma obrigatoriedade em submeter todo e qualquer tratado internacional de direitos humanos ao rito previsto no artigo 5o, §3o, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: “A consagrac ̧ão da teoria do duplo estatuto dos tratados internacionais de direitos humanos não eliminou todas as du ́vidas sobre o processo de formac ̧ão e incorporac ̧ão dos tratados de direitos humanos. Vamos responder abaixo as principais perguntas sobre essa temática. Em primeiro lugar, o rito especial do art. 5o, §3o, é obrigatório e deve ser sempre seguido pelo Poder Executivo e Poder Legislativo, cuja tradicional junção de vontades acarreta a incorporac ̧ão de um tratado ao ordenamento jurídico brasileiro? A resposta é negativa. A redac ̧ão do §3o, inicialmente, abre a porta para a existência de os tratados serem explorados pelo rito comum ou ordinário (maioria simples), pois o art. 5o, §3o, usa a expressão ‘que forem’. Logo, não se pode exigir que todo e qualquer tratado de direitos humanos possua o quórum expressivo de 3/5 previsto no art. 5o, §3o, pois assim dificultaríamos sua aprovac ̧ão e teríamos uma situac ̧ão pior que a anterior à EC n. 45. O Congresso brasileiro adotou esse posicionamento ao aprovar vários tratados de direitos humanos após a EC n. 45/2004 pelo rito comum ou ordinário, ou seja, por maioria simples e em votação em turno único” (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.420; grifo nosso). 88. Repartição de competências, princípio da simetria, laboratórios legislativos e experimentalismo democrático: Ao atribuir a competência concorrente aos Estados Membros para legislar sobre uma série de questo ̃es, a Constituição Federal optou por fomentar o que a doutrina convencionou chamar de experimentalismo democrático. Isso porque os Estados Membros acabam funcionando como verdadeiros “laborato ́rios legislativos”, já que atuam no desenvolvimento do direito nacional e na construção de possíveis experiências que poderão ser adotadas por outros entes ou em todo o territo ́rio federal. Nessa linha de raciocínio, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (o caso envolve a Defensoria Pública): “Ac ̧ão Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Estadual que disciplina a homologac ̧ão judicial de acordo alimentar firmado com a intervenc ̧ão da Defensoria Pu ́blica (Lei 1.504/1989, do Estado do Rio de Janeiro). 3. O Estado do Rio de Janeiro disciplinou a homologac ̧ão judicial de acordo alimentar nos casos específicos em que há participac ̧ão da Defensoria Pu ́blica, não estabelecendo novo processo, mas a forma como este será executado. Lei sobre procedimento em matéria processual. 4. A prerrogativa de legislar sobre procedimentos possui o condão de transformar os Estados em verdadeiros ‘laboratórios legislativos’. Ao conceder-se aos entes federados o poder de regular o procedimento de uma matéria, baseando- se em peculiaridades próprias, esta ́ a possibilitar-se que novas e exitosas experiências sejam formuladas. Os Estados passam a ser partícipes importantes no desenvolvimento do direito nacional e a atuar ativamente na construção de possíveis experiências que poderão ser adotadas por outros entes ou em todo território federal. 5. Desjudicializac ̧ão. A vertente extrajudicial da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pu ́blica permite a orientac ̧ão (informação em direito), a realizac ̧ão de mediac ̧o ̃es, conciliac ̧o ̃es e arbitragem (resoluc ̧ão alternativa de litígios), entre outros serviços, evitando, muitas vezes, a propositura de ac ̧o ̃es judiciais. 6. Ação direta julgada julgada improcedente.” (ADI 2922, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, TribunalPleno, julgado em 03/04/2014; grifo nosso.) 89. Em matéria de filosofia constitucional, qual a diferença entre procedimentalismo e substancialismo constitucional? Ambas as vertentes filosóficas discutem o papel da jurisdição constitucional em determinado ordenamento jurídico. Os substancialistas advogam ideias contrárias àquelas propostas pelos procedimentalistas. Para os adeptos do substancialismo, o papel da jurisdição constitucional deve ser enérgico, mesmo em casos em que não se busque garantir os pressupostos da democracia. Nesta linha, o substancialismo defende que a jurisdição constitucional possui legitimidade para fundamentar suas decisões em argumentos de origem ética ou moral, e deve incluir na sua pauta de julgamentos temas sociais e de grande relevância para a sociedade. A postura substancialista da jurisdição constitucional é geralmente adotada por países que possuem uma Constituição dirigente e com um amplo rol de direitos fundamentais, já que estas características facilitam a chegada de demandas sociais até determinada corte constitucional. Nessa linha de raciocínio, lecionam Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto: “Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional, mesmo em casos que não envolvam os pressupostos da democracia. Numa questão altamente polêmica, como o aborto, um procedimentalista tenderia a defender a não intervenção jurisdicional na matéria, enquanto um substancialista se inclinaria pela atuação do Judiciário na resolução desse complexo conflito moral” (SARMENTO, Daniel e NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2013, pp. 221- 222). O procedimentalismo na teoria constitucional propõe a ideia de uma atuação contida da jurisdição constitucional, já que, na maioria dos casos, os juízes da corte constitucional de determinado país não são eleitos pelo povo. Logo, o procedimentalismo admite uma atuação mais ativa e enérgica da jurisdição constitucional apenas nos casos que os pressupostos de funcionamento da democracia estão em questão. Nesse sentido, é a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Neto Souza: “Os procedimentalistas defendem um papel mais modesto para a jurisdição constitucional, sustentando que ela deve adotar uma postura de autocontenção a não ser quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos de funcionamento da própria democracia. Nesta hipótese, estaria justificada uma atuação mais agressiva da jurisdição constitucional, que não poderia ser tachada de antidemocrática por se voltar exatamente à garantia da própria democracia” (SARMENTO, Daniel e NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 221). 90. Princípio da proibição do retrocesso e suas quatro dimensões: Atualmente, segundo a doutrina brasileira, o princípio da proibição do retrocesso pode ser visualizado em até quatro vertentes/dimensões/modalidades: a) Vedação do retrocesso social: Segundo o voto do Min. Celso de Mello no MS 24.875, a vedação do retrocesso social pode ser encarada como “o postulado da proibição do retrocesso social, cuja eficácia impede – considera a sua própria razão de ser – sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão, que não pode ser despojado, por isso mesmo, em matéria de direitos sociais, no plano das liberdades reais, dos níveis positivos de concretização por ele já atingidos”. b) Vedação do retrocesso político: O princípio da vedação do retrocesso político foi mencionado pela Min. Cármen Lúcia ao julgar a medida cautelar na ADI 4.543 que dispunha sobre a volta do “voto impresso”. Para a Ministra do Supremo Tribunal Federal, “a proibição de retrocesso político-constitucional impede que direitos conquistados como o da garantia do voto secreto pela urna eletrônica retrocedam para dar lugar ao modelo superado do voto impresso” (STF, ADI 4.543-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19/10/2011, Plenário; grifo nosso). c) Vedação do retrocesso civil: Ao julgar no ano de 2017 a (in)constitucionalidade da desigualdade sucessória conferida pelas Leis 8.971/94 e 9.287/96 em cotejo com o Código Civil de 2002, O Ministro Luís Roberto Barroso reconheceu que “O Código Civil foi anacrônico e representou um retrocesso vedado pela Constituição na proteção legal das famílias constituídas pela União Estável” (STF, RE 878.694/MG, Voto do Min. Luis Roberto Barroso). Neste julgamento o STF fixou a seguinte tese: “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil de 2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002”; d) Vedação do retrocesso ecológico: Ao se deparar com diversos julgamentos, como por exemplo as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Novo Código Florestal, a doutrina e até mesmo os tribunais superiores reconhecem a existência da proibição do retrocesso em sua vertente ambiental, qual seja, a vedação ao retrocesso ecológico. Este princípio também é chamado de proibição de evolução reacionária (Canotilho), cláusula de entrincheiramento, vedação ao efeito cliquet ou ainda vedação ao efeito catraca. 91. Desobediência Civil: O tema da desobediência civil foi tratado de forma pioneira pelo autor norte- americano Henry David Thoreau, porém ganhou “corpo” a partir dos estudos de John Rawls. No Estado brasileiro, a temática foi desenvolvida principalmente pelo constitucionalista Paulo Bonavides à luz dos movimentos sociais. O ato de desobediência civil situa-se entre o protesto e a resistência, ganhando contornos de insatisfação social, sem que isso ameace o funcionamento da ordem em vigor. Características do ato de desobediência civil: John Rawls elenca quatro principais características do ato de desobediência civil, são elas: a) ato político; b) ato público; c) ato não violento e; d) ato realizado contra a lei com a finalidade de buscar uma mudança no cenário político ou na própria legislação em vigor. Condições necessárias para reconhecer um ato como “desobediência civil”: Ainda segundo John Rawls, é necessário que existam três condições para que um ato possa ser caracterizado como desobediência civil: 1. O ato deve se dirigir contra um caso de extrema injustiça; 2. Os atos de desobediência civil não podem ameaçar o pleno funcionamento da ordem constitucional; 3. Os atos de desobediência civil são subsidiários ao esgotamento das vias legais. Desobediência civil direta: É aquela que se relaciona com o próprio ato contra qual se protesta e resiste. Ex: Manifestações em razão de uma determinada causa ou contra determinada situação ocasionada pelos governantes. Desobediência civil indireta: São os consectários do movimento: paralisação de ruas, ocupação de prédios e repartições públicas, bloqueio de rodovias e ruas e etc. Considerações formuladas a partir dos textos de Emily Garcia e Océlio de Jesus Morais. 92. Direito ao esquecimento, fatos de interesse público e direito à esperança: Segundo a doutrina, aqueles que pugnam pelo reconhecimento do direito ao esquecimento almejam que os fatos ocorridos no passado sejam deixados para trás. Assim, ao reconhecer o right to be left alone, o Poder Judiciário atua em linha com o denominado “direito à esperança”, já que, sob a sua égide, o indivíduo poderá “começar do zero”, retomando a sua vida de forma digna e sem a perturbação por fatos ocorridos no passado. Sobre este ponto, é a lição de André de Carvalho Ramos: “Finalmente, o direito ao esquecimento, na visão do precedente ‘Chacina da Candelária’ do STJ, está em linha com o ‘direito à esperança’, pois permite que fatos deletérios do passado não impeçam a vida cotidiana dos envolvidosde modo perpétuo, ou ainda, como no caso concreto (o indivíduo fora absolvido), permite que vicissitudes do passado (inquéritos arquivados, absolvições etc.) possam ser reparadas. Trata-se, assim, de um direito a ser deixado em paz”. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 573). Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no caso Aída Curi (RESp 1.335.153/PR), o direito ao esquecimento não deve ser reconhecido diante de fatos históricos ou que caíram em domínio público. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos ao comentar o caso Aída Curi: “Por seu turno, o mesmo STJ não reconheceu o direito ao esquecimento no caso ‘Aída Curi’, no qual familiares da vítima de assassinato buscaram proibir programa de televisão sobre esse homicídio, ocorrido há mais de 50 anos. Nesse último caso, o STJ entendeu que o crime havia se tornado histórico, tendo entrado para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa ‘retratar o caso Aída Curi sem Aída Curi’” (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.571). Ainda sobre o tema em análise, é a lição do Ministro Luis Felipe Salomão: “Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo” (STJ, REsp 1.334.097, Voto do Min. Luis Felipe Salomão no caso “Chacina da Candelária”). 93. Dimensão ecológica do princípio da dignidade humana e recente posicionamento do STJ: “Viola a dimensão ecológica da dignidade humana a reintegração, ao seu habitat natural, de ave silvestre que já possui hábitos de animal de estimação e convivência habitual duradoura com seu dono” (STJ, RESP 1.797.175/SP, Rel.Min. @ministro_Og, unânime, j. em 21/03/2019 ) Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente na ementa de um recurso especial a existência da chamada dimensão ecológica da dignidade humana. Essa faceta ambiental do princípio da dignidade da pessoa humana foi proposta no ordenamento jurídico brasileiro pelos professores Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer e possui um ponto de partida essencial: a existência de um Estado Socioambiental de Direito no Brasil, no qual a busca pelo bem estar ambiental e a proteção do meio ambiente é sempre um objetivo a ser perquirido pelo Estado. Nesta perspectiva, é realizada uma a releitura do princípio da dignidade humana para reconhecer uma dimensão ecológica em seu conteúdo, na qual os animais deixem de ser enxergados como meros objetos de direito e passem a ser reconhecidos como sujeitos “especiais” de direito. A partir de uma abordagem baseada no direito comparado, e inclusive fazendo menção a teoria da pachamamma, que propõe o reconhecimento da Terra como titular de direitos, o STJ ressaltou que da “coisificação” proposta de forma clássica pelo princípio da dignidade da pessoa humana não deve recair apenas sobre as pessoas, mas também sobre os animais. Vejamos um trecho do REsp 1.797.175: “Noutro ponto, também viola a dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças de ambiente perpetuam o estresse do animal, pondo em dúvida a viabilidade de uma readaptação a um novo ambiente”. Nesse sentido, o tribunal da cidadania reconheceu a dignidade do papagaio e o seu reconhecimento como sujeito de direito especial. 94. Direito das Mulheres: É possível o processamento e apreciação de pedido de medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha na Justiça Federal? Sim! Excepcionalmente, compete à Justiça Federal apreciar o pedido de medida protetiva de urgência decorrente de crime de ameaça contra a mulher cometido, por meio de rede social de grande alcance, quando iniciado no estrangeiro e o seu resultado ocorrer no Brasil. STJ. CC 150.712-SP (Info 636). Trata-se uma exceção à regra, tendo em vista que ordinariamente os pedidos de medida protetiva de urgência com fulcro na Lei Maria da Penha tramitam na Justiça Estadual. 95. Grupos Vulneráveis: Direito da Criança e do Adolescente: a) Conceito e previsão legal: O princípio da impossibilidade do adolescente ser tratado de maneira mais gravosa que o adulto, como seu próprio nome já diz, veda um tratamento mais rigoroso ao adolescente infrator do que aquele tratamento previsto ao adulto em situação análoga. Este princípio também é conhecido como princípio da legalidade no âmbito do Direito da Infância e Juventude, e encontra-se previsto no artigo 35, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente. b) Manifestações do princípio da impossibilidade do adolescente ser tratado de maneira mais gravosa que o adulto na jurisprudência dos tribunais superiores: Diversas os consectários deste princípio na jurisprudência do STJ e do STF. Vejamos: b.1) Impossibilidade de internação ou restrição parcial da liberdade de adolescente infrator que pratica fato análogo ao crime previsto no artigo 28 da Lei de Drogas: Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o adolescente que pratrica fato análogo ao crime previsto no artigo 28 da Lei de Drogas não pode ser condenado a cumprir medida socioeducativa de internação (ou qualquer restrição parcial de liberdade), uma vez que a Lei de Drogas não prevê pena privativa de liberdade para os adultos que praticam este tipo penal. Nesse sentido, foi o entendimento do STF HC 119.160; b.2) Prescrição das medidas socioeducativas: Como regra geral, os crimes e contravenço ̃es penais tipificados no ordenamento juri ́dico brasileiro são prescritíveis. Por outro lado, o ECA não disciplinou a prescrição dos “atos infracionais”. Assim, com fulcro no princípio da impossibilidade de tratar o adolescente de forma mais gravosa que o adulto, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento, reconhecendo a aplicação das regras prescricionais previstas no Código Penal aos casos envolvendo atos infracionais. Nesse sentido, é o teor da súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça: “A prescriça ̃o penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”. b.3) Aplicação das escusas absoluto ́rias aos adolescentes infratores: Outro entendimento jurisprudencial que materializa o princípio da impossibildade de tratar o adolescente de forma mais gravosa que o adulto, é justamente a aplicação das escusas absolutórias previstas no Código Penal aos adolescentes. Ora, se tais condições negativas de punibilidade são aplicáveis aos adultos que cometem determinados crimes, não haveria razão para a sua não aplicabilidade aos adolescentes infratores (desde que nos casos e hipóteses análogas aos crimes que admitem tal aplicação no Código Penal). Nesse sentido, foi entendimento do STJ no HC 251.681; b.4) Aplicação do princi ́pio da insignificância em determinados atos infracionais praticados por adolescentes: Partindo da mesma premissa do item anterior, qual seja, restando caracterizada situação análoga na qual seria possível a aplicação do princípio da insignificância para os maiores de 18 anos, a jurisprudência dos tribunais superiores admite a aplicação do princípio da insignificância aos adolescentes infratores. Nesse sentido, STJ, REsp 1.293.097 e STF, RHC 112.694. 96. Racismo e grupos vulneráveis: a) Racismo institucional: É aquela prática de racismo institucionalizada em ambientes de convívio. É demonstrada por dados de pesquisas. Vejamos o conceito de racismo institucional proposto por André de Carvalho Ramos: “No Brasil, a discriminação sistêmica foi detectada no chamado “racismo institucional” que consiste em um conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que, movidos por estereótipos e preconceitos, impõea membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações”. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 580) b) Racismo ecológico ou ambiental: Vejamos um breve conceito de racismo ambiental, prática que afeta grupos e comunidades tradicionais que possuem relação diretamente com a terra ao desempenhar seu modus vivendi (índios, quilombolas, pescadores artesanais e etc) proposto pelo site Pensamento Verde: “O conceito de racismo ambiental se refere às políticas e práticas que prejudicam predominantemente grupos étnicos vulneráveis. No modelo atual de desenvolvimento, as ações que promovem a destruição do ambiente e o desrespeito à cidadania afetam, de maneira direta, comunidades indígenas, pescadores, populações ribeirinhas e outros grupos tradicionais. O racismo ambiental se manifesta na tomada de decisões e na prática de ações que beneficiam grupos e camadas mais altas da sociedade, que atuam dentro da lógica econômica vigente. Neste contexto, projetos de desenvolvimento são implantados em regiões onde vivem comunidades tradicionais, sem que haja a preocupação com os impactos ambientais e sociais para estes grupos. Fábricas que exploram matéria-prima, aterros sanitários, incineradoras e indústrias poluidoras colocadas próximas às regiões onde vivem grupos economicamente desfavorecidos, são alguns exemplos de ações que caracterizam o racismo ambiental. Este fenômeno tem grande impacto no desenvolvimento social e na qualidade de vida da população nos países em desenvolvimento. No Brasil, o mapa do racismo ambiental revela a realidade de degradação social provocada, principalmente, por projetos e ações desenvolvimentistas. Casos como da violência contra quilombolas que vivem próximos à base de Alcântara, da luta de grupos indígenas da Amazônia contra o turismo predatório e dos resíduos de chumbo deixados por uma fábrica instalada em Santo Amaro da Purificação nos anos 60, são alguns exemplos deste problema que se estende por gerações”. (Você já ouviu falar no conceito de racismo ambiental? Disponível em: http://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/voce-ja-ouviu-falar- conceito-racismo-ambiental/) c) Racismo cultural: O racismo cultural defende que uma cultura seja superior à outra. Tal prática não pode ser reconhecida como legítima, uma vez que vigora no Brasil a teoria da relatividade cultural, não havendo qualquer hierarquização de culturas. O racismo cultural pode se materializar por meio de crenças, músicas, religiões, idiomas e afins, tudo que englobe cultura. d) Racismo comunitarista ou diferencialista: O racismo comunitarista é também conhecido como “preconceito contemporâneo” e propõe que a raça não é uma questão de origem biológica, mas uma questão étnica e cultural. e) Racismo primário: é um fenômeno psicossocial, emocional ou passional, sem qualquer elaboração ou justificação. O racismo primário ocorre corriqueiramente na sociedade e está previsto inclusive como crime, nos termos do artigo; f) Racismo secundário: possui o mesmo conteúdo do racismo primário, porém o preconceito é baseado no “etnocentrismo”. http://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/voce-ja-ouviu-falar-conceito-racismo-ambiental/ http://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/voce-ja-ouviu-falar-conceito-racismo-ambiental/ g) Racismo terciário: possui o mesmo conteúdo do racismo primário, porém o preconceito é baseado em teorias científicas. 97. Processos estruturantes e Direito Processual dos Desastres: Recentemente na prova discursiva do MPMG (2018) foi cobrada uma dissertação sobre o tema “processos estruturantes”. No espelho da prova, o examinador definiu os processos estruturantes como: “o conjunto de técnicas e instrumentos processuais aptos a tornar viável a intervenção judicial, de modo responsável, em políticas públicas (implantar uma política inexistente, complementar uma política deficiente ou aperfeiçoar uma política ineficiente), ou a que busca implantar uma reforma estrutural em um ente, organização ou instituição, com o objetivo de concretizar um direito fundamental, ou ainda resolver litígios complexos, assim compreendidos aqueles que põe em roda de colisão múltiplos interesses sociais, todos eles dignos de tutela”. Logo, as decisões estruturais partem do pressuposto de que o processo civil tradicional, cunhado para lidar com litígios individuais, não é adequado para lidar com processos complexos, que envolvem políticas públicas ou a criação e reestruturação de instituições É preciso lembrar que os provimentos estruturais também podem decorrer de decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade. Exemplo: ADPF do sistema carcerário e reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional. São características dos processos estruturantes: a) possibilidade de acentuada intervenção judicial na atividade dos sujeitos públicos ou particulares envolvidos no processo (jurisdição de supervisão); b) ativismo judicial equilibrado; c) possibilidade de “decisões em cascata” (as decisões se sucedem e somente podem ser tomadas após o cumprimento das fases anteriores. A decisão atual depende do resultado e das informações decorrentes do cumprimento da decisão anterior; d) atenuação ou flexibilização da regra da congruência entre a decisão e a demanda; e) íntima relação com a efetivação de direitos constitucionais e com o controle jurisdicional de políticas públicas; f) a imposição de medidas cuja implantação não é imediata, mas se perfaz no tempo; g) um grande detalhadamento sobre a forma pela qual a decisão será cumprida – por meio da elaboração de planos, metas, fixação de prazos, imposição de uma vasta gama de medidas acessórias; i) flexibilidade executiva e prolongamento da execução durante um maior período de tempo; j) a possibilidade de se delegar à fiscalização a outros órgãos dotados de melhores condições técnicas para tanto; 98. Microinstitucionalidade (Ricardo Luis Lorenzetti): Em razão da execução prolongada das decisões em processos estruturantes, o Ministro da Suprema Corte Argentina, Ricardo Luis Lorenzetti, verificou a necessidade de se implementar a decisão judicial estruturante de forma gradual e passo a passo. Assim, Lorenzetti defende que em determinadas questões de expertise técnicas, o plano de execução do expediente estruturante seja delegado para um órgão técnico, ou ainda, que seja criada dentro da administração pública uma instituição dedicada ao cumprimento da decisão em processo estruturante e fiscalizada pelo próprio Poder Judiciário. Lorenzetti chama este fenômeno de microinstitucionalidade. Por fim, os processos estruturantes estão intimamente ligados com o chamado Direito Processual dos Desastres (expressão de Hermes Zanetti Jr), uma vez que desastres ambientais como as tragédias de Mariana/MG e Brumadinho/MG exigem dos operadores do direito busquem uma solução para o ocorrido a partir dos processos e decisões estruturantes. 99. Liberdade religiosa na Constituição Federal de 1988 e sua tríplice dimensão: Segundo o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. No mesmo artigo, porém no inciso VIII, a Constituição Federal de 1988 prevê que: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir- se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Deste modo, é possível visualizar que a liberdade religiosa encontra-se inserida no catálogo de direitos fundamentaisda Constituição Federal de 1988, possuindo, portanto, fundamentalidade formal e material. Nesse mesmo sentido, afirma-se que o Estado brasileiro é laico, afinal, não há uma religião oficial em terras brasileiras. A partir destas observações, a doutrina constitucionalista, capitaneada pelo professor português Canotilho, desenvolveu as chamadas três dimensões ou vertentes do direito fundamental à liberdade religiosa: a.1) liberdade de consciência: é o direito que a pessoa possui de fazer suas próprias opções religiosas, escolher seus padrões de valoração ética ou moral. a.2) liberdade de crença: é o direito de a pessoa se vincular ou não uma religião sem ser discriminada por isso e também o direito de fazer proselitismo religioso (desde que nos limites estipulados pelo princípio da proibição de abuso de direito fundamental, como por exemplo, proibição do hate speech). a.3) liberdade de culto: é o direito, individual ou coletivo, de praticar atos externos de veneração próprios de uma determinada religião, como por exemplo a celebração de uma missa católica ou de um encontro evangélico, dentre outros. 100. Proselitismo religioso e rádios comunitárias: Em breve síntese, o conceito de proselitismo religioso pode ser compreendido como empreender esforços para convencer outras pessoas a se converterem à sua religião. Insere-se na segunda dimensão do direito à liberdade religiosa (liberdade de crença), porém deve ser exercido com limites. Ao julgar o caso Jonas Habib (STF, RHC 132.682/BA), o Supremo Tribunal Federal entendeu que: “O proselitismo religioso não materializa, por si só, o espaço normativo dedicado à incriminação de condutas preconceituosas”. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que para o discurso proselitista ultrapasse os limites da mera comparação entre religiões e configura o delito previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89 (racismo religioso), é dispensável que reste caracterizado o especial fim de supressão ou redução da dignidade daquele que possui outra religião, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. Nota-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal neste caso foi diferente do entendimento cristalizado no caso Ellwanger (STF, HC 82.424/RS), no qual a Corte Constitucional brasileira entendeu o discurso antissemita realizado na obra realizada pelo escritor Ellwanger transbordava os limites da liberdade de expressão e religiosa, caracterizando verdeiro hate speech (discurso de ódio). Em relação ao proselitismo em rádios comunitárias, o Supremo Tribunal Federal se deparou com o tema no ano de 2018 e decidiu pela inconstitucionalidade da lei que proíbe o discurso proselitista em rádios comunitárias, uma vez que tal situação caracterizava censura prévia e violação à liberdade de expressão dos agentes comunicativos. (STF, ADI 2566). Ainda, ressalto que a Corte Europeia de Direitos Humanos já reconheceu o proselitismo como um direito (Caso Minos Kokkinakis vs. Grécia, julgado em 1993). 101. Ensino religioso em escolas públicas: No ano de 2017, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema do ensino religioso em escolas públicas ao julgar uma ação direta de constitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República que questionou a constitucionalidade do artigo 33, caput, e §§ 1º e 2º da Lei 9.394/1996, bem como a Concordata Brasil-Santa, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro a partir do Decreto 77.101/2010. Neste julgamento, a Corte Constitucional brasileira autorizou o oferecimento de ensino confessional na rede pública das mais variadas crenças, sem que isso viole a laicidade do Estado e a liberdade de religião no sentido negativo, afinal, o ensino religioso nas escolas públicas é de adesão voluntária pelos alunos. Sobre o julgamento em comento, é a lição de André de Carvalho Ramos “No julgamento dessa ADI 4.439, o STF julgou improcedente o pedido e conferiu interpretação conforme à Constituição ao artigo 33, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei. 9.934/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB), e ao art. 11, §1º, do acordo Brasil- Santa Sé, consagrando que o ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional. O STF entendeu que o poder público, observado o binômio laicidade do Estado e consagração da liberdade religiosa (no seu duplo aspecto), deve regulamentar o art. 210, §1º, da CF, autorizando, na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais de credenciamento, de preparo, previamente fixados pelo Ministério da Educação. Para o STF, deve ser permitido aos alunos se matricularem voluntariamente para que possam exercer o seu “direito subjetivo ao ensino religioso”, como disciplina dos horários normais das escolas públicas. O ensino deve ser ministrado por integrantes, devidamente credenciados, da confissão religiosa que será ministrada, a partir de chamamento público, preferencialmente sem qualquer ônus para o poder público”. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 684; grifo nosso) 102. Teste de Lemon (lemon test): Em que pese o princípio da laicidade do Estado, não é possível de forma categórica e absoluta que todo e qualquer ato normativo emanado do Estado que possua algum vínculo entre Estado e religião seja considerado inconstitucional. Nesse sentido, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América (SCOUTS) ao analisar o caso Lemon vs. Kurtzman, 403 U.S. 602 (1971), idealizou o chamado “teste de lemon” (lemon test), fixando critérios objetivos para aferir se determinada legislação viola ou não os parâmetros do texto constitucional que consagra a laicidade do Estado. O teste se divide em três etapas: 1ª etapa: O ato deve ter um propósito secular (purpose prong); 2ª etapa: O ato normativo não pode favorecer e tampouco inibir religiões (effect prong); 3ª etapa: O ato normativo não pode criar uma relação excessiva e desproporcional entre Estado e religião (entanglement prong): 103. Dupla dimensão da liberdade de expressão: O Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhecem uma dupla dimensão em relação ao direito à liberdade de expressão, qual seja, uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. Nessa linha, é a lição de Valério Mazzuoli de Oliveira e Luiz Flávio Gomes: “Tais direitos contam com uma dimensão individual (art. 13.1, primeira parte) e uma dimensão social (art. 13.1 in fine), as quais devem ser garantidas simultaneamente pelo Estado. Nesse sentido, a Corte Interamericana, no caso A Última Tentação de Cristo, declarou firmemente que o conteúdo do direito à liberdade de pensamento e de expressão abrange não só o direito e a liberdade de expressar seu próprio pensamento, senão também o direito e a liberdade de buscar e difundir informações e ideias de toda índole, motivo pelo qual tais liberdades têm uma dimensão individual e uma dimensão social” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira e GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 176). 104. Dimensão instrumental (ou terceira dimensão) do direito à liberdade de expressão: Consiste na necessidade de se transmitir a liberdade de expressão por meio de um meio técnico de difusão do pensamento. É o direito da pessoa humana de acesso aos canais de transmissão de rádio ou televisão de forma livre e desembaraçada. 105. Liberdade de Expressão Qualificada: Ao julgar o “Caso Bolsonaro”, o Supremo Tribunal Federal utilizou a expressão liberdade de expressão qualificada para se referir as opiniões, discursos e frases proferidas por parlamentares e abrangidas pela imunidade prevista na Constituição Federal de 1988. Senão vejamos um trecho do julgamento no qual o Min. Alexandre de Moraes utiliza a referida expressão:"As declaraçõessão totalmente desconectadas da realidade, mas no caso em questão, apesar da grosseria, da vulgaridade, não me parece ter extrapolado limites da sua liberdade de expressão qualificada" (STF, Inq 4694) 106. Direito fundamental à liberdade de expressão como metadireito: O direito fundamental à liberdade de expressão é tido como um metadireito uma vez que ele funciona como instrumento para a concretização de inúmeros direitos fundamentais. Assim, há quem sustente que ele seria “o direito dos direitos”. Não é por acaso que o Supremo Tribunal Federal costuma privilegiar a liberdade de expressão em casos envolvendo colisão entre direitos fundamentais. 107. Liberdade de expressão “responsável”: É a expressão utilizada por André de Carvalho Ramos para retratar o cenário de mercado de ideias admitido no Brasil. Retrata o livre discurso exercício de forma responsável e com limites (proibição de abuso de direito fundamental. V.g: proibição de hate speech, nos termos do HC 82.424/RS, popularmente conhecido como Caso Ellwanger. 108. Em matéria de nacionalidade, no que consiste a cláusula ut des? Segundo a doutrina, a cláusula “ut des” é aquela que confere aos portugueses residentes no Brasil os direitos inerentes a brasileiro naturalizado, se houver reciprocidade de tratamento em favor dos brasileiros em Portugal. Nesse sentido, é a lição do Professor Márcio Cavalcante (editor do site Dizer o Direito): “Aos portugueses com residência permanente no País, serão atribuídos os direitos inerentes a brasileiro naturalizado, se houver reciprocidade de tratamento em favor dos brasileiros em Portugal. Essa regra dirige-se ao português que não quer a naturalização, mas sim permanecer como português no Brasil. Esse nacional português terá os mesmos direitos do brasileiro naturalizado, mesmo sem ter obtido a naturalização, desde que haja reciprocidade de tratamento para os brasileiros em Portugal. A isso se chama de cláusula do ut des (cláusula de reciprocidade)” (CAVALCANTE, Márcio. Nacionalidade. 109. Constitucionalismo multinível, interconstitucionalismo e constitucionalismo multinacional O tema do “constitucionalismo multinível” ou multilevel constitucionalismo é pouco desenvolvido no direito latino americano, tendo suas bases enraizadas na Europa a partir da perspectiva do direito comunitário atualmente vigente na União Europeia. A proposta do constitucionalismo multinível versa sobre a cessão por parte dos países de uma parcela de sua soberania em troca de uma ordem supraestatal, tal como funciona no âmbito da União Europeia. Canotilho trata o tema do constitucionalismo multinível no âmbito da interconstitucionalidade, que segundo o autor português: “estuda as relações interconstitucionais, ou seja, a concorrência, convergência, justaposição e conflito de várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político” (CANOTILHO, 2003, p. 1425). Vale lembrar que embora o MERCOSUL possua algum resquício da ideia de constitucionalismo multinível, não há como compará-lo com a União Europeia em termos de ordem supraestatal, uma vez que na União Europeia, as normas de direito comunitário aprovadas entram em vigor de forma automática nos países que integram a comunidade europeia, o que não ocorre no MERCOSUL, uma vez que as normas mercosulinas devem passar pelo processo de interiorização de cada país (STF, ADI 1480). Por outro lado, é importante também não confundir constitucionalismo multinível com constitucionalismo multinacional, uma vez que segundo Guilherme Pena de Moraes, este último traduz a ideia de utilização de precedentes internacionais/estrangeiros como forma de persuasão no ordenamento jurídico interno. 120. No que consiste o efeito purificador dos tratados internacionais de direitos humanos? A irradiação oriunda das convenções internacionais de direitos humanos sobre os atos normativos internos, que atua na correção de assimetrias e na propositura de uma (re)interpretação à luz da atual proteção internacional de direitos humanos. Trata-se de um efeito ocasionado pelo chamado controle de convencionalidade construtivo. O controle construtivo de convencionalidade é aquele que busca compatibilizar a legislação interna com as normas internacionais de direitos humanos por meio da via da hermenêutica, construindo interpretações que viabilizem a harmonia entre as convenções internacionais de direitos humanos e o ordenamento jurídico doméstico, gerando um efeito positivo como resultado do seu exercício. Já o controle destrutivo (também chamado de “saneador”) de convencionalidade é aquele que se materializa com a invalidação das normas domésticas contrárias aos tratados internacionais de direitos humanos, gerando um efeito negativo como resultado do seu exercício. 121. Três questões sobre o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC): É cabível apenas em causas criminais? O dispositivo constitucional que regula o IDC não restringe o cabimento do incidente para as causas criminais, pois apenas elege como requisito “a grave violação de direitos humanos”. Logo, a doutrina defende a possibilidade do incidente de deslocamento de competência também em causas cíveis. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos sobre o assunto: “Ficou, assim, constituído o ‘incidente de deslocamento de competência’ (IDC), com seus elementos principais, a saber: 1) legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República. 2) Competência privativa do Superior Tribunal de Justiça, para conhecer e decidir, com recurso ao STF (recurso extraordinário). 3) Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados, bem como de qualquer espécie de direitos humanos (abarcando todas as gerações de direitos) desde que se refiram a casos de “graves violações” de tais direitos. 4) Permite o deslocamento na fase pré-processual (ex., inquérito policial ou inquérito civil público) ou na fase processual. 5) Relaciona-se ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil. 6) Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado” (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 410; grifo nosso). Cabe habeas corpus para questionar os requisitos do IDC? Segundo o entendimento da Corte Constitucional Brasileira, não é cabível o manejo de habeas corpus para questionar o preenchimento dos requisitos do Incidente de deslocamento de Competência (IDC). Nesse sentido, foi o que decidiu o STF no HC 131036: “(...) In casu, não há demonstração de que forma o paciente estaria impedido de exercer o seu direito de ir e vir. O que se busca, em verdade, é que o Poder Judiciário decrete a nulidade do incidente de deslocamento de competência requerido pelo Procurador Geral da República junto ao Superior Tribunal de Justiça, sem qualquer ato atentatório à liberdade de locomoção do paciente. Sobressai da própria narrativa da peça exordial a ausência de qualquer ameaça concreta ao pleno exercício do seu direito de liberdade, porquanto inexiste notícia nos autos de impedimento ao livre exercício do direito de ir e vir do interessado. Com efeito, a hipótese sub examine contempla apenas afirmações genéricas dissociadas de qualquer ato concreto de lesão ou ameaça ao ius libertatis, capaz de despertar a necessidade de utilização deste instrumento, de índole constitucional, vocacionado à tutela do direito de liberdade de locomoção. (...) Com efeito, a verificação dos requisitos essenciais do incidente, no afã de justificar o deslocamento da competência, demandaria o exame minucioso do acervo fático probatório engendrado nos autos, o que é vedado na via eleita. Destarte, não se revela cognoscível a insurgência que não se amolda à estreita via do habeas corpus”. O IDC ocorre sempre da justiça estadual para a justiça federal? Além da clássicahipótese na qual a competência é deslocada da Justiça Estadual para a Justiça Federal, o Incidente de Deslocamento de Competência pode viabilizar o deslocamento da competência da Justiça Militar para a Justiça Federal. É a posição de André de Carvalho Ramos e de outros setores da doutrina. 122. Direito das Pessoas com Deficiência: Quais são os princípios que regem a curatela e a tomada de decisão apoiada? - Princípio do superior interesse da pessoa com deficiência: permito aqui colar um trecho do meu artigo sobre o tema: Funcionando como “pedra de torque” do Direito das Pessoas com Deficiência, o princípio do superior interesse da pessoa com deficiência preconiza que toda e qualquer decisão ou ato que influencie na vida da pessoa com deficiência deve observar o melhor interesse em jogo. O referido princípio está previsto expressamente no artigo 13 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146.2015): “A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis”. Além do dispositivo referido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência menciona por diversas vezes ao longo do seu corpo legal a necessidade de se levar em consideração o interesse da pessoa com deficiência em determinadas situações que o afetem. Um dos casos mais clássicos envolvendo o princípio do superior interesse da pessoa com deficiência reside justamente no iter procedimental do instituto conhecido como “tomada de decisão apoiada”. Nesse sentido, o artigo 1.783- A, §1o, do Código Civil, preconiza que: “Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito a vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar”. Portanto, ao regulamentar o instituto da tomada de decisão apoiada, o legislador brasileiro consignou o dever por parte dos apoiadores em observar os interesses da pessoa com deficiência como forma de perfectibilizar o ato de forma apoiada. Ainda no bojo da Lei 13.146.2015, ao tratar do tema da curatela, o Estatuto da Pessoa com Deficiência positivou em seu artigo 85, §2o, que “A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”. No mesmo sentido, o artigo 37, parágrafo único, inciso III do mesmo diploma legislativo prevê como diretriz para a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho o “respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada”. Por fim, e ainda demonstrando algumas manifestações do princípio do superior interesse da pessoa com deficiência na Lei 13.146.2015, o artigo 27, caput, ao tratar do tema da educação inclusiva, aduz que “a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”. -Princípio do in dubio pro capacitas: A ratio da Convenção da ONU e do Estatuto da Pessoa com Deficiência é o reconhecimento da pessoa com deficiência como um ser humano dotado de dignidade na sua mais alta plenitude. Desse modo, o princípio do in dubio pro capacitas deve ser aplicado não apenas nas questões envolvendo a curatela e a tomada de decisão apoiada mas em todas as situações regidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência e pela Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas com Deficiência. - Princípio da excepcionalidade: A tomada de decisão apoiada e a curatela são medidas excepcionais, uma vez que conforme já dito, a regra é a capacidade e na dúvida também deve prevalecer a capacidade (in dubio pro capacitas). 123. No que consiste a função nomofilácica dos recursos especiais e extraordinários? A “função nomofilácica” dos tribunais superiores visa a conferir, na medida do possível, uma interpretação uniforme aos casos similares. Assim, com o advento do Novo Código de Processo Civil, está mais do que evidenciada a necessidade de os ministros do STF exercerem tal função; afinal, o NCPC estabelece um rígido sistema de precedentes a ser cumprido pelos intérpretes do direito. Sobre a função nomofilácica, é a lição de José Rogério Cruz e Tucci: “Cabe, pois, precipuamente, às cortes superiores a função nomofilácica, isto é, de zelar pela interpretac ̧ão e aplicac ̧ão do direito de forma tanto quanto possível uniforme. A jurisprudência consolidada garante a certeza e a previsibilidade do direito, e, portanto, evita posteriores oscilac ̧o ̃es e discusso ̃es no que se refere à interpretac ̧ão da lei” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. STJ interpretou mal a nova regra sobre o cumprimento de sentença). Nesse sentido, também é a posição do próprio STF: “Esse entendimento guarda fidelidade absoluta com o perfil institucional atribuído ao STF, na seara constitucional, e ao STJ, no domínio do direito federal, que têm entre as suas principais finalidades a de uniformizac ̧ão da jurisprudência, bem como a func ̧ão, que se poderia denominar nomofilácica – entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei, destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma aplicac ̧ão uniforme –, funço ̃es essas com finalidades ‘que se entrelac ̧am e se iluminam reciprocamente’” (STF, Rcl 4335, Voto do Ministro Teori Albino Zavascki, p. 155 do inteiro teor do julgado). 124. No que consiste a função dikelógica dos recursos especiais e extraordinários? A função dikelógica está relacionada a persecução da justiça no caso concreto por meio da adequada aplicação do direito. Trata-se de uma função presente em todos os recursos e sucedâneos recursais ordinários e que, recentemente, também passou a estar presente até mesmo em recursos especiais e extraordinários, conferindo uma roupagem subjetiva para esses recursos pensados originariamente pelo legislador como recursos de estrito direito. 125. No que consiste a teoria do pensamento do possível (ou pensamento das possibilidades)? A teoria do pensamento do possível atua no âmbito da interpretação constitucional e propo ̃e que a interpretação constitucional seja aberta para mais de uma possibilidade. Nesse sentido, Peter Harberle: “O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para terceiras ou quartas possibilidades, assim como para compromissos. Pensamento do possi ́vel é pensamento indagativo (fragendes Denken). Na res publica existe um ethos jurídico específico do pensamento em alternativa, que contempla a realidade e a necessidade, sem se deixar dominar por elas. O pensamento do possível ou o pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas para “novas” realidades, para o fato de que a realidade de hoje pode corrigir a de ontem, especialmente a adaptac ̧ão às necessidades do tempo de uma visão normativa, sem que se considere o novo como o melhor”. O STF analisou a questão na ADI 1.289 que tratava sobre a composição do quinto constitucional nos Tribunais Regionais e Estaduais. Sobre o tema, cito a análise do Ministro Gilmar Mendes: “A Constituição brasileira, em seu artigo 94, prescreve que um quinto dos lugares nos Tribunais Regionais e Estaduais será composto de membros do Ministério Pu ́blico e de advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos o ́rgãos de representac ̧ão das respectivas classes.No caso, o Supremo Tribunal enfrentou a questão de saber se, ante a inexistência temporária de membros do Ministério Pu ́blico com mais de dez anos de carreira, poderiam concorrer a vagas em Tribunal Regional do Trabalho outros membros que não cumprissem o mencionado requisito constitucional. O tribunal procurou adotar soluc ̧ão que propiciasse, na maior medida possi ́vel, a realizac ̧ão dos princípios constitucionais em questão, permitindo a participac ̧ão de membros do Ministério Pu ́blico na composic ̧ão do tribunal trabalhista. Ao assentar que um dos valores constitucionais para a composic ̧ão de o ́rgãos judiciais era a observância do denominado “quinto constitucional”, o tribunal chamou a atenc ̧ão para um elemento que assume valor ímpar nas sociedades pluralistas: a composic ̧ão plural dos o ́rgãos judiciais”. (Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter- haberle- jurisprudencia-supremo-tribunal-federal?pagina=4 ) EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Embargos Infringentes. Cabimento, na hipótese de recurso interposto antes da vigência da Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999. 3. Cargos vagos de juízes do TRT. Composição de lista. 4. Requisitos dos arts. 94 e 115 da Constituição: quinto constitucional e lista sêxtupla. 5. Ato normativo que menos se distancia do sistema constitucional, ao assegurar aos órgãos participantes do processo a margem de escolha necessária. 6. Salvaguarda simultânea de princípios constitucionais em lugar da prevalência de um sobre outro. 7. Interpretação constitucional aberta que tem como pressuposto e limite o chamado “pensamento jurídico do possível”. 8. Lacuna constitucional. 9. Embargos acolhidos para que seja reformado o aco ́rdão e julgada improcedente a ADI 1.289, declarando-se a constitucionalidade da norma impugnada. (grifado) 126. Em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal admite a existência do chamado “simultaneus processus”? O tema do simultaneus processus no controle concentrado de constitucionalidade foi objeto da última prova discursiva (2a fase) da DPE/MS (2014), assim como da última prova discursiva da PGE/BA (2014). Embora o nome sugira que o tema seja de difícil acesso, trata-se apenas de uma dificuldade apenas aparente, decorrente da nomenclatura utilizada pelas bancas examinadoras. O fenômeno do simultaneus processus no controle concentrado de constitucionalidade seria a possibilidade de se admitir, ao mesmo tempo, o processamento simultâneo de duas ADIs, uma no TJ estadual e outra no STF, ambas impugnando o mesmo dispositivo. https://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle- https://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle- O Supremo Tribunal Federal não admite este fenômeno; afinal, em casos como este, o STF ordena a suspensão da ADI em âmbito estadual até o desfecho do caso na sua jurisdição, já que a decisão deste influenciará na persistência ou não da ADI local. Vejamos um julgado do STF que ilustra o tema em estudo: “EMENTA: AJUIZAMENTO DE AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE TANTO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, ART. 102, I, ‘A’) QUANTO PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL (CF, ART. 125, § 2o). PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA NOS QUAIS SE IMPUGNA O MESMO DIPLOMA NORMATIVO EMANADO DE ESTADO-MEMBRO, NÃO OBSTANTE CONTESTADO, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM FACE DE PRINCÍPIOS, QUE, INSCRITOS NA CARTA POLI ́TICA LOCAL, REVELAM-SE IMPREGNADOS DE PREDOMINANTE COEFICIENTE DE FEDERALIDADE (RTJ 147/404 – RTJ 152/371-373). OCORRÊNCIA DE ‘SIMULTANEUS PROCESSUS’. HIPÓTESE DE SUSPENSÃO PREJUDICIAL DO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO INSTAURADO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. NECESSIDADE DE SE AGUARDAR, EM TAL CASO, A CONCLUSÃO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA. DOUTRINA. PRECEDENTES (STF).” (ADI 4138, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 16.12.2009; grifo nosso.) 127. Normas constitucionais de reproduça ̃o obrigatória versus normas constitucionais de imitação. As normas de reprodução obrigatória são aquelas que devem ser reproduzidas pelo Poder Constituinte decorrente nas Constituiço ̃es Estaduais. Neste caso, deve ser observado o princípio da simetria, sob pena de se reconhecer a inconstitucionalidade da norma. Já as normas de imitaça ̃o são aquelas em que não há obrigatoriamente um dever do Poder Constituinte decorrente em reproduzir na Constituição Estadual determinadas normas da Constituição Federal. Assim, a não reprodução das “normas de imitação” não geram qualquer consequência (inconstitucionalidade, etc). Sobre o tema, recomendo o seguinte texto: http://www.conjur.com.br/2013-mai-08/toda-prova-controle- normas- constitucionais-repeticao-obrigatoria http://www.conjur.com.br/2013-mai-08/toda-prova-controle- O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o preâmbulo não é norma de repetição obrigato ́ria (STF, ADI 2076). Também nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a norma constitucional que consagra a eleição indireta não é norma de repetição obrigato ́ria nas Constituiço ̃es Estaduais. STF, ADI 4.298-MC 128. Qual o significado da expressão “aporofobia”? A) Medo/aversão de pessoas pobres/pessoas em situação de rua. B) Medo/aversão de pessoas com deficiência. C) Medo/aversão de pessoas idosas. D) Medo/aversão de membros da comunidade LGBTQI+. A) CORRETA: A expressão aporofobia foi cunhada pela Professora Adela Cortina, da Universidade de Valência (Espanha) e retrata o medo/aversão de pessoas pobres ou em situação de rua. Em grego, a palavra á-poros significa “sem recursos”, portanto, o termo aporofobia significa “rejeição ou aversão aos pobres”. A aporofobia está constantemente ligada a políticas higienistas praticadas por governantes contra as pessoas em situação de rua. Maiores informações sobre o tema podem ser conferidas neste link: http://www. ihu.unisinos.br/78- noticias/580771-o-que-e-aporofobia-uma-reflexao-util-e-atual E também neste vídeo: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-filosofa-explica- por-que- -aporofobia-ou-medo-dos-pobres-e-a-palavra-do-ano/ B, C e D: INCORRETAS: Ver comentários da alternativa A. 129. No que consiste o chamado “departamentalismo constitucional” ou interpretação constitucional departamentalista? O departamentalismo constitucional é uma corrente constitucional de origem no direito norte-americano que propõe distribuir a prerrogativa de interpretar a Constituição de determinado país entre os três Poderes do Estado, evitando a sobreposição do Poder Judiciário de maneira incontrastável. A ideia de departamentalismo constitucional vai ao encontro da chamada cláusula não obstante (notstandingwith clause) oriunda do direito canadense que permite ao Poder Legislativo manter em vigor determinado ato normativo declarado inconstitucional pelo do Poder Judiciário. http://www/ http://ihu.unisinos.br/78-noticias/580771-o-que-e-aporofobia-uma-reflexao-util-e-atual http://ihu.unisinos.br/78-noticias/580771-o-que-e-aporofobia-uma-reflexao-util-e-atual https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-filosofa-explica-por-que- https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-filosofa-explica-por-que- 130. Princípio da insignificância e sistema interamericano de direitos humanos: No sistema interamericano de direitos humanos não é possível a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que inexiste qualquer previsão convencional ou regimental acerca da sua existência. Neste mesmo sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos nunca aplicou este princípio pela via da construção jurisprudencial em seus julgados. Por outro lado, no sistema europeu de direitos humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanosutiliza o princípio da insignificância em seus julgados como forma de extinção de determinados casos que chegam até a sua jurisdição. Outra informação interessante envolvendo a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos é a impossibilidade de um estado postular contra si próprio no sistema interamericano de direitos humanos. A CorteIDH decidiu isso na controvérsia conhecida como “Caso Viviana Gallardo”. 131. Idosos com transtorno de acumulaça ̃o: E ́ cada vez mais frequente o número de idosos no Brasil com transtorno de acumulação compulsiva. Comumente chegam noti ́cias por descendentes ou vizinhos que não suportam mais as consequências da acumulação de objetos e/ ou animais, que acabam tornando inabitável o lar dos idosos com implicaço ̃es sanitárias para eles, para a vizinhança e para a comunidade. Trata-se de uma situação extremamente complexa em que o pro ́prio idoso se autocoloca em risco, além de impactar vizinhos e a comunidade onde vive. Nesses casos, verificada a situação de acumulação por parte do idoso, o Estado aconselha-se que o Estado através do Ministério Público ou da Defensoria Pública solicite uma avaliação de saúde do idoso ao Município, bem como um estudo social na comunidade onde o idoso vive para aferir quais são os laços familiares e afetivos do idoso acumulador e se há alguém que possa exercer seus cuidados. Neste caso, oportuno lembrar que com exceção da medida de abrigamento, o membro do Ministério Público pode aplicar diretamente todas as outras medidas de proteção previstas no artigo 45 do Estatuto do Idoso, dentre elas justamente a determinação de tratamento de saúde. Nas palavras da cartilha Idoso em Risco do MPPR: “Idosos com transtorno de acumulac ̧ão são especialmente vulneráveis, haja vista os riscos gerados pelas condic ̧o ̃es insalubres em que vivem, o comprometimento da sau ́de e a perda de vínculos familiares. Há que se considerar, portanto, a necessidade de um diagno ́stico intersetorial, que avalie indicadores de natureza comportamental, psíquica, social, física e ambiental, além da utilizac ̧ão de estratégias de reduc ̧ão de danos. São medidas essenciais na construc ̧ão de um projeto terapêutico singular, que atenda as demandas específicas de cada caso, sem prejuízo de outras: providenciar relato ́rio social minucioso, que possibilite a compreensão do histo ́rico e condic ̧o ̃es de vida, e o acesso à profissional qualificado da área da sau ́de (psico ́logo e/ou psiquiatra), para diagno ́stico adequado e indicac ̧ão do tratamento”. Ainda nesse sentido, havendo extremo risco pessoal (saúde) ao idoso acumulador, é possível se pensar em uma medida de acolhimento institucional em instituição de saúde ou em uma instituição de longa permanência para idosos ILPI. Nestes casos, também é recomendável o acompanhamento por parte da vigilância sanitária e do Conselho Municipal do Idoso. 132. Princípio da proibição do retrocesso como dimensão negativa dos direitos sociais prestacionais: O Supremo Tribunal Federal reconhece o caráter prestacional dos direitos sociais, uma vez que estes exigem um agir (facere) por parte do Estado. No entanto, um tema pouco tratado pela doutrina brasileira em seus manuais é a dimensão negativa desses direitos prestacionais, que consiste justamente na cláusula da proibição do retrocesso. Vejamos o voto do Min. Celso de Mello no MS 24.875: “Na realidade, a cláusula que proi ́be o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretizac ̧ão, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipo ́teses - de todo inocorrente na espécie - em que políticas compensato ́rias venham a ser implementadas pela instância governamentais". 133. Dimensões do princípio da proibição do retrocesso: A doutrina e a jurisprudência elencam atualmente 4 vertentes (ou dimensões) do princípio da proibição do retrocesso. Vejamos: a.1) Vedação do retrocesso social: Segundo o voto do Min. Celso de Mello no MS 24.875, a vedação do retrocesso social pode ser encarada como “o postulado da proibição do retrocesso social, cuja eficácia impede – considera a sua própria razão de ser – sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão, que não pode ser despojado, por isso mesmo, em matéria de direitos sociais, no plano das liberdades reais, dos níveis positivos de concretização por ele já atingidos”. a.2) Vedação do retrocesso político: O princípio da vedação do retrocesso político foi mencionado pela Min. Cármen Lúcia ao julgar a medida cautelar na ADI 4.543 que dispunha sobre a volta do “voto impresso”. Para a Ministra do Supremo Tribunal Federal, “a proibição de retrocesso político-constitucional impede que direitos conquistados como o da garantia do voto secreto pela urna eletrônica retrocedam para dar lugar ao modelo superado do voto impresso” (STF, ADI 4.543-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19/10/2011, Plenário; grifo nosso). a.3) Vedação do retrocesso civil: Ao julgar, no ano de 2017, a (in)constitucionalidade da desigualdade sucessória conferida pelas Leis 8.971/94 e 9.287/96 em cotejo com o Código Civil de 2002, o Ministro Luis Roberto Barroso reconheceu que “O Código Civil foi anacrônico e representou um retrocesso vedado pela Constituição na proteção legal das famílias constituídas pela União Estável” (STF, RE 878.694/MG, Voto do Min. Luis Roberto Barroso). Neste julgamento o STF fixou a seguinte tese: “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil de 2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002”; a.4) Vedação do retrocesso ecológico: Ao se deparar com diversos julgamentos, como por exemplo as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Novo Código Florestal, a doutrina e até mesmo os tribunais superiores reconhecem a existência da proibição do retrocesso em sua vertente ambiental, qual seja, a vedação ao retrocesso ecológico (termo utilizado pelo doutrinador ambientalista Paulo Leme Machado). 134. Quais são as correntes doutrinárias envolvendo a teoria do direito ao esquecimento? a) Corrente pro liberdade de informaça ̃o: Baseada no livre mercado de ideais (free marketplace of ideais) esta corrente defende a inexistência da teoria do direito ao esquecimento, sendo tal proposta uma verdadeira censura a liberdade de informação dos indivíduos. É a corrente que vigora no Brasil em fatos de noto ́rio interesse público, como por exemplo, fatos ocorridos na época da ditadura militar, conforme já decidido pelo STJ. b) Corrente pró direito ao esquecimento: O direito ao esquecimento é um direito subjetivo do indivíduo e deve sempre ser respeitado em detrimento de outros direitos. O direito ao esquecimento é arriscado de forma irrestrita e sem qualquer sopesamento com outros direitos.Vale lembrar que a doutrina dá o nome de “direito à esperança” a situação na qual o indivíduo postula o direito ao esquecimento em juízo. Não é a adotada em nenhuma situação no Estado brasileiro. c) Corrente intermediária (análise in concreto) da situação: O direito ao esquecimento não é um direito subjetivo mas deve ser analisado de forma casuística em cada caso concreto a partir da técnica da ponderação de interesses. E ́ a corrente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em termos gerais, ressalvados os casos de notório interesse público em que não é cabível a teoria do direito ao esquecimento. 135. O Brasil admite o fenômeno do usucapiãode “legalidade/constitucionalidade”? A resposta é negativa. O fato de uma norma permanecer em vigor por muito tempo no ordenamento jurídico brasileiro não lhe confere constitucionalidade/legalidade, não sendo admitido o fenômeno do “usucapião de legalidade/constitucionalidade”. A expressão “usucapião de legalidade/constitucionalidade” foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4451. 136. Teoria da proteção débil do homem público, Corte Interamericana e tribunais brasileiros. No acórdão do caso Tristan Donoso vs. Panamá, a Corte IDH analisou a temática da proteção da honra dos funcionários públicos, e entendeu que “a protec ̧ão da honra das pessoas envolvidas em assuntos de interesse pu ́blico deve ocorrer em conformidade com os princípios do pluralismo democrático e com uma margem de aceitac ̧ão e tolerância às críticas muito maior que a dos particulares”. (Mérito, §90) Portanto, segundo o tribunal interamericano, os indivíduos envolvidos com assuntos de interesse público estão submetidos a uma maior restrição no que tange ao seu direito à privacidade e à honra. Trata-se da materialização da teoria da proteção débil do homem público, que possui origem doutrinária e jurisprudencial, e propo ̃e que o ocupante de cargo público, devido a seu mister, deve estar propenso a eventuais críticas a seus posicionamentos e posturas profissionais, críticas que visam, exatamente, o aperfeiçoamento do exercício do cargo público e legitimam o processo democrático de governabilidade. Logo, o indivíduo envolvido com assuntos de interesse público possui uma maior relativização na proteção da sua honra e da sua privacidade, já que, em uma ponderação de valores, o interesse público e o acesso à informação da coletividade também devem ser levados em consideração. Atualmente, os tribunais de direitos humanos idealizaram dois standards que devem ser observados na ponderação envolvendo o direito à imagem e o direito à privacidade em locais públicos, são eles: a) a autorização do indivíduo que sera ́ fotografado ou filmado e; b) a presença de interesse público na captação das imagens. Nesse sentido, foi o entendimento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos no caso Von Hannover vs. Germany, julgado em 24/6/2014. Trata- se do célebre caso envolvendo a Princesa Caroline de Mônaco. Vejamos alguns precedentes brasileiros que já abordaram aa teoria da proteção débil ao homem público: APELAC ̧ÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - COMENTÁRIOS REALIZADOS POR MEIO DE REDE SOCIAL - LIBERDADE DE EXPRESSÃO - MANIFESTAÇÃO QUE NÃO INDIVIDUALIZA CARGO OCUPADO NEM NOME DA AUTORA - AGENTE POLÍTICO - TEORIA DA PROTEÇÃO DÉBIL DO HOMEM PÚBLICO - AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DA APELADA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - SENTENC ̧A MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.A protec ̧ão constitucional em relac ̧ão àqueles que exercem atividade poli ́tica deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar a violac ̧ão aos direitos de personalidade do agente político, pois estão sujeitos a uma forma especial de fiscalizac ̧ão pelo povo e pela mídia. (TJ-RR - AC: 08137523820158230010 0813752- 38.2015.8.23.0010, Relator: Des. , Data de Publicac ̧ão: DJe 26/09/2018, p.) RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAC ̧ÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA EXTEMPORÂNEA. INÉPCIA DA INICIAL. SÚMULA 62 DO TSE. FALTA DE LEGITIMIDADE DO SUPOSTO BENEFICIÁRIO. MATÉRIA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. ENTREVISTA VEICULADA EM JORNAL. DURAS CRÍTICAS DE CAMPANHA. TEORIA DA PROTEC ̧ÃO DÉBIL DO HOMEM PÚBLICO. AUSÊNCIA DE OFENSA À HONRA DO CANDIDATO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Não é inepta a petic ̧ão que não indica a norma jurídica incidente sobre os fatos narrados (su ́mula 62 do TSE). 2. Saber se o candidato supostamente beneficiado pela propaganda praticou ou não alguma das condutas narradas na inicial são matérias que se confunde com o pro ́prio mérito. 3. Indiscutivelmente, é tênue a linha que separa a matéria veiculada com conteúdo informativo e jornalístico daquele informe que extravasa a simples crítica para caracterizar ofensa pessoal, cuja aferic ̧ão deve ser feita em cada caso concreto. 4. A "teoria da proteção débil do homem público" estabelece que as pessoas ocupantes de atividades pu ́blicas fazem jus à protec ̧ão à honra de forma atenuada e em menor latitude que as demais pessoas, pois estão mais sujeitas a um controle rígido da sociedade, pela natureza da atividade que livremente escolheram. 5. A veiculac ̧ão de opinio ̃es contrárias, mesmo que consubstanciadas em severas críticas às propostas e atos de governo não configura conduta apta ser sancionada pelo aparato Estatal. 6. Não demonstrada a divulgac ̧ão de mensagem capaz de violar a honra e dignidade do candidato, imperiosa é a improcedência da demanda ajuizada. 7. Recurso conhecido e provido. (TRE-GO - RE: 10378 GOIANIRA - GO, Relator: FABIANO ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, Data de Julgamento: 28/08/2017, Data de Publicac ̧ão: DJ - Diário de justic ̧a, Tomo 162, Data 06/09/2017, Página 23/27) 137. Questão cobrada na prova oral do MPBA (2019): Pode o Governador de Estado editar medida provisória? R: Segundo a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal o Governador de Estado pode editar medida provisória desde que tal possibilidade esteja prevista na Constituição do respectivo Estado. (ADI 2391). 138. Questão cobrada na penúltima prova oral do MPGO: No que consiste o sistema diretorial (ou convencional)? R: Consiste em um sistema de governo no qual o poder é exercido por um diretório constituído por um grupo de pessoas que atua nas funções de chefe de Estado e chefe de Governo. Não há Poder Executivo atuando em separado (regra) e se houver, o presidente será mera figura decorativa. Adotado pela antiga URSS e também na Suíça. 139. Questão cobrada na última prova oral do MPMG: É necessária a edição de lei formal para instituir o programa de cotas em determinada universidade? R: Não. Ao julgar a APDF 186 envolvendo as cotas na Universidade de Brasília (UnB) o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a RESOLUÇÃO editada pela UnB, sendo desnecessária, portanto, a edição de lei formal para instituir política de cotas em universidades. Argumentos utilizados pelo STF: autonomia universitária, igualdade e promoção do pluralismo (todas normas constitucionais). 140. Questão da Prova Oral da DPE/RS (2019): O que é o modelo escabinado? Onde este modelo pode ser visualizado no direito brasileiro? Em matéria de Tribunal do Júri existem dois modelos: a) MODELO PURO e; b) MODELO ESCABINADO. No modelo puro o corpo de jurados (juízes) é composto apenas por pessoas leigas. É o modelo adotado no Brasil. No modelo ESCABINADO o corpo de jurados é composto por juízes leigos e juízes togados. Não é adotado no Brasil. No entanto, é possível visualizar um resquício do modelo escabinado no BRASIl a partir da composição do STM cuja composição é composta por 10 militares e 5 civis. 141. Questão Prova Oral MP/MG (2014): Em direito constitucional, no que consiste o denominado "condomínio legislativo"? R: Trata-se de uma expressão cunhada pelo Professor Raul Machado Horta (UFMG) para retratar a situação das competências legislativas concorrentes no âmbito da Constituição Federal de 1988. Nestes casos, a União edita normas gerais e os Estados membros complementam a legislação, como ocorre em matéria ambiental, por exemplo. O Município ainda pode legislar em casos de interesse local. A utilização de termos do Professor Raul Machado Horta costuma aparecer nos certames do Estado de Minas Gerais. 142. Questão da Prova Oral do MPBA (2019):No que consiste a cláusula “no meu quintal, não”? A cláusula no meu quintal, não, também chamada de NIMBY (not in my backyard) é uma expressão que exemplifica a forma como alguns movimentos de bairro se posicionam contra determinadas mudanças em suas vizinhanças, principalmente em relação as chamadas “áreas verdes” e em favor de uma maior proteção ambiental. A cláusula NIMBY também pode ser concebida como um ativismo em favor do meio ambiente, de forma que a mobilização popular consiga barrar a construção de um empreendimento imobiliário ou a abertura de novas vias sobre determinadas áreas verdes. 143. Questão prova oral MP/BA (2019): O que são consumidores heavy users?. R: Os consumidores “heavy users” também chamados de “heavy buyers” são consumidores que utilizam com muita frequência determinado produto, serviço ou marca. Ex: Consumidores que utilizam aparelho celular Iphone desde a primeira geração do aparelho e estão sempre adquirindo as novas gerações/modelos do aparelho celular da apple. Ex2: Consumidor contumaz de determinado serviço (internet, uber ou outro serviço de utilização corriqueira por determinada pessoa). Já os consumidores “light users” são aqueles com baixo índice de utilização de determinado serviço ou de compra de determinado produto. 144. Questão Prova Oral MPBA (2019): Diferencie normas constitucionais mandatórias de normas constitucionais diretivas. R: Segundo José Afonso da Silva em seu clássico livro “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, a jurisprudência norte-americana distingue as normas constitucionais em duas categorias: a) normas constitucionais mandatórias (mandatory provisions) que seriam cláusulas constitucionais essenciais ou materiais cujo cumprimento é obrigatório e inescusável; b) normas constitucionais diretivas (directory provisions) que seriam normas constitucionais de caráter meramente regulamentar, podendo o legislador comum dispor de outro modo, sem que isso importasse inconstitucionalidade de seu ato, 145. Questão prova oral MPBA (2019): Fale sobre a doutrina conhecida como “separados mas iguais”. A doutrina “separados mas iguais” vigorava nos Estados Unidos da América e versava, em breve síntese, em um pensamento no qual a segregação racial no país norte-americano não violava a 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, emenda esta que garantia uma proteção em pé de igualdade para todos os seres humanos. Durante o vigor da doutrina “separados mas iguais” eram oferecidas oportunidades (ao menos formalmente) para brancos e negros, bem como a oferta de serviços públicos. Todavia, esses serviços, instalações, acomodações públicas , habitação, cuidados médicos, educação, emprego, transporte eram segregados por raça. Ex: “transporte para brancos” e “transporte para negros”. “escolas para brancos e escolas para negros”. Na prática, as instalações separadas fornecidas para afro-americanos raramente eram iguais; normalmente eles não estavam nem perto de igual em relação às instalações oferecidas aos brancos. A doutrina “separados mas iguais” passou a perder força a partir de diversos precedentes da Suprema Corte Norte Americana contra diversas leis que visavam a segregação racial, sendo o precedente mais conhecido o caso Brown vs. Board of Education of Topeka, de 1954. No caso Brown foi decidido ser inconstitucional as divisões raciais entre estudantes brancos e negros em escolas públicas pelo país, revertendo o entendimento até então em vigor nos Estados Unidos a partir do caso Plessy v. Ferguson de 1896, que havia se tornado a base jurídica para validar a segregação racial pelos Estados Unidos em locais públicos, tais como escolas, hospitais, praças e paradas de ônibus e trem. 146. Princípio da retroalimentação recíproca entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos: Um tema pouco tratado (ao menos com este nome) pela doutrina brasileira é o princípio da retroalimentação recíproca entre direito interno e direito internacional. Segundo preconiza este princípio, existe um permanente processo de retroalimentação entre o direito internacional dos direitos humanos e o direto interno, devendo o juiz nacional aplicar o direito internacional dos direitos humanos em detrimento ao direito interno quando este for mais favorável ao indivíduo. Também segundo o princípio da retroalimentação recíproca entre direito internacional e direito interno, deverá o juiz internacional aplicar o direito interno em detrimento do direito internacional quando as normas domésticas forem mais favoráveis ao indivíduo. Desta forma, o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos estão em constante processo de retroalimentação, maximizando a proteção do indivíduo, independente do locus em que o mesmo litiga. Sobre o princípio da retroalimentação entre direito interno e direito internacional, é a lição de Humberto Nogueira Alcalá: “El principio de retroalimentación recíproca entre el derecho nacional y el derecho internacional de los derechos humanos determina que el juez nacional debe interpretar y aplicar el derecho internacional de los derechos humanos cuando este fije un "plus" sobre el derecho nacional; a su vez, el juez internacional debe considerar el derecho nacional que mejora o complementa el derecho internacional. En síntesis, el principio plantea la aplicación de aquella norma, sea ésta de fuente interna o de fuente internacional válidamente incorporada al orden jurídico interno, que mejor proteja los derechos humanos. De esta manera, el Derecho Internacional de los derechos humanos incorporado al Derecho Interno, cuando contiene algunos «plus» respecto de este último se aplica preferentemente por ser más favorable al sistema de derechos, o viceversa, el derecho interno prevalece frente al derecho internacional cuando el primero protege en mejor forma los derechos que el segundo”. (ALCALÁ, Humberto Nogueira. Los Derechos Esenciales o Humanos Contenidos em Los Tratados Internacionales y Su Ubicación em El Ordenamento Jurídico Nacional: Doctrina y Jurisprudência. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718- 00122003000100020) 147. Eixos da prevenção no âmbito do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher: Prevenção primária (prevenção em sentido estrito): as ativididades são destinadas à população como um todo, tendo como foco as causas primárias ou subjacentes da violência doméstica relacionada à visão estereotipada de papéis sociais entre homens e mulheres, que normalizam a violência como aceitável ou tolerável. Prevenção secundária: Também chamada de “intervenção precoce”, a prevenção secundária visa alcançar indivíduos que estão numa situação de risco acima da média de sofrerem ou praticarem a violência doméstica, ou ainda se relaciona a intervenções imediatas após a violência, usualmente pelos serviços de saúde, a fim de se evitar a escalada da violência. Prevenção terciária: Também chamada de “resposta”, envolve interações de longo prazo para mitigar os impactos negativos da violência, como os tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.cl%2Fscielo.php%3Fscript%3Dsci_arttext%26pid%3DS0718-00122003000100020 tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.scielo.cl%2Fscielo.php%3Fscript%3Dsci_arttext%26pid%3DS0718-00122003000100020 programas de apoio à vítima e de responsabilização do agressor, bem como as respostas pelo sistema de justiça, igualmente com a finalidade de prevenir em longo prazo a reiteração da violência, ante seu caráter usualmente cíclico. 148. No dia de ontem (15/01) foram cobradas na prova oral do Ministério Público do Estado de São Paulo duas questões diferentes acerca da matéria de Direito das Pessoas com Deficiência: a) O que trata a lei Berenice Piana? b) Qual o objeto da Lei Romeo Mion? A Lei 12.762/12, também chamada de Lei Berenice Piana, instituiu no Brasil a Política Nacionalde Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista. O referido diploma legislativo estende aos autistas todos os direitos previstos nos diplomas normativos existentes acerca das pessoas com deficiência. Berenice Piana é uma militante brasileira dos direitos das pessoas autistas e foi coautora da lei. Já a Lei Romeo Mion (Lei 13.977/2020) foi sancionada recentemente pelo Presidente da República e recebe este nome em homenagem ao filho do apresentador de televisão Marcon Mion, o menino Romeo Mion. A referida lei cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). Ambos os diplomas legislativos tratam, portanto, dos direitos das pessoas autistas. 149. Os Tratados internacionais possuem o condão de tipificar condutas como crimes? Qual a posição do STJ e do STF sobre o tema? O tema ganhou controvérsia inicialmente no Brasil a partir do julgamento do HC 96.007 (caso Igreja Renascer) no qual o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou alguns integrantes da Igreja Renascer pelo crime de lavagem de dinheiro e pelo crime antecedente de organização criminosa em período anterior as leis que definiram o conceito de organização criminosa (Lei 12.694/2012 e Lei 12.850/2013). O Ministério Público do Estado de São Paulo utilizou o conceito de organização criminosa previsto na Convenção de Palermo (tratado já na época dos fatos internalizados pelo Estado brasileiro). O Supremo Tribunal Federal determinou o trancamento da ação penal, com fulcro no argumento de violação ao princípio da legalidade na sua vertente lex populi. Argumentou a Corte Constitucional Brasileira que não seria possível a utilização de um conceito previsto em uma convenção internacional (ainda que internalizada pelo Brasil) pois o tratado não é confeccionado e debatido no Congresso Nacional (em que pese o Congresso participe do procedimento de incorporação dos tratados). Vejamos a ementa do acórdão: TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (HC 96007, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012) Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão novamente a partir da análise do famoso Caso Riocentro, atentado ocorrido na época do período militar e refutou a persecução penal com base única e exclusivamente no Estatuto de Roma pois, em que pese se trate de um tratado internacional que prevê diversos tipos penais que são processados e julgados pelo Tribunal Penal Internacional, a referida convenção internacional também carece da vertente do princípio da legalidade denominada lex populi, reconhecendo, assim, violação ao princípio da legalidade: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. ATENTADO AO RIOCENTRO. VIOLAÇÃO A DIREITOS HUMANOS. DÉCADAS DE 60, 70 E 80. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA. NECESSIDADE DE RECONCILIAÇÃO NACIONAL. OBSERVÂNCIA À SOBERANIA PÁTRIA. POSSIBILIDADE DE RECONSTRUÇÃO PELA PAZ. EXEMPLO DA ÁFRICA DO SUL. 2. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. VIOLAÇÃO DO ART. 107, IV, DO CP. DISPOSITIVO QUE NÃO ABRANGE A CONTROVÉRSIA DOS AUTOS. IMPRESCRITIBILIDE DOS CRIMES DE LESA- HUMANIDADE. MATÉRIA CONSTANTE DE TRATADOS INTERNACIONAIS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE NORMA INTERNACIONAL VIOLADA. NORMA CONSTITUCIONAL PRÓPRIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DO VERBETE N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO NA ORIGEM. NÃO ENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCLUSÃO DO TRF/2ª REGIÃO FIRMADA COM BASE NO ARCABOUÇO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO NA VIA ELEITA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 4. ARQUIVAMENTO DO IP NA JUSTIÇA MILITAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA PELO STM. ANISTIA DA EC 26/1985. COISA JULGADA MATERIAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES DO STF. 5. LEI DA ANISTIA. ADPF 153/DF. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, EM CASOS DIVERSOS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A ORDEM JURÍDICA INTERNA. COMPETÊNCIA DO STF. 6. SOBERANIA NACIONAL. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA. DECISÕES INTERNACIONAIS. DEVER DE HARMONIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DA ORDEM INTERNA. 7. CRIME CONTRA A HUMANIDADE. CONCEITO TRAZIDO NO ART. 7º ESTATUTO DE ROMA. AUSÊNCIA DE LEI EM SENTIDO FORMAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ART. 5º, XXXIX, DA CF. TRATADO INTERNALIZADO EM 2002. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. AFRONTA AO ART. 5º, XL, DA CF. 8. CONVENÇÃO SOBRE A IMPRESCRITIBILIDADE DOS CRIMES DE GUERRA E DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO PELO BRASIL. PEDIDO DE APLICAÇÃO COMO JUS COGENS. COSTUME INTERNACIONAL RESPEITADO E PRATICADO. ANÁLISE QUE DEVE SER FEITA PELO STF. INAPLICABILIDADE DO JUS COGENS ASSENTADA NA EXTRADIÇÃO 1.362/DF. 9. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. PREMISSA DE STATUS DE SUPRALEGALIDADE. TRATADO NÃO INTERNALIZADO DE ACORDO COM O ART. 5º, § 3º, DA CF. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM A CF. 10. TRATADOS INTERNACIONAIS NÃO INTERNALIZADOS. OBSERVÂNCIA NA ORDEM INTERNA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, § 2º, DA CF. PRINCÍPIO DA UNIDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE. SOBERANIA ESTATAL E SUPREMACIA DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE SUBVERSÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. OFENSA A OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 11. NORMAS PRESCRICIONAIS. DIREITO PENAL MATERIAL. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. PRESCRITIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 12. A ADMISSÃO DO JUS COGENS NÃO PODE VIOLAR PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO COM O ORDENAMENTO PÁTRIO. RESGUARDO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. FINALIDADE PRINCIPAL DOS DIREITOS HUMANOS. IMPOSSIBILIDADE DE TIPIFICAR CRIME SEM LEI PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE DE RETIRAR A EFICÁCIA DAS NORMAS PRESCRICIONAIS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIOS CAROS AO DIREITO PENAL. 13. CONCLUSÃO QUE NÃO DIMINUI O COMPROMISSO DO BRASIL COM OS DIREITOS HUMANOS. PUNIÇÃO APÓS QUASE 40 ANOS. NÃO RESTABELECIMENTO DE DIREITOS VIOLADOS. VIOLAÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DE IGUAL MAGNITUDE. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SEGURANÇA JURÍDICA. COISA JULGADA MATERIAL. LEGALIDADE E IRRETROATIVIDADE. 14. OFENSA AOS ARTS. 347 E 348 DO CP. RECURSO CONHECIDO NO PONTO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA NATUREZA PERMANENTE DOS TIPOS PENAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRIMES INSTANTÂNEOS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 15. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO. 1. Considerações preliminares: A matéria trazida nos presentes autos é de extrema relevância, haja vista ter, de fato, havido graves violações a direitos humanos durante as décadas de 60, 70 e 80. Contudo, não há uma única forma de reconstrução após crises como a ocorrida no Brasil. Na verdade, as experiências de reconciliação nacional, em vários países do mundo, foram diversas, respeitando-se sempre a cultura e a soberania de cada país. Emblemática é, por exemplo, a experiência de justiça restaurativa na África do Sul sob a direção do estadista Nelson Mandela e coordenação do arcebispo Desmond Tutu. O processo transicional, do regime racista do apartheid para a democracia multirracial, ocorreu de forma negociada e pacífica. A criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação promoveu o encontro de vítimas, familiares, ofensores e representantes das comunidades locais para discutiremsobre as violações dos direitos humanos praticadas durante o sistema segregacionista. Nesses encontros, os violadores reconheciam os seus erros, pediam perdão às famílias ou aos seus familiares e se responsabilizavam pelas consequências materiais dos seus atos lesivos. Essas foram as condições necessárias para a declaração de anistia aos ofensores naquele país. 2. Admissibilidade: O exame do recurso especial deve se ater à matéria efetivamente submetida ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que "o recurso especial possui fundamentação vinculada, de modo que não cabe ao STJ imiscuir-se em questões que não lhe tenham sido devolvidas especificamente". (AgInt no AREsp 1325685/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). O recorrente aponta violação ao art. 107, IV, do CP, por considerar que "os delitos imputados aos ora recorridos devem ser tomados como crimes de lesa- humanidade na linha dos diplomas internacionais, e, por conseguinte, imprescritíveis". Contudo, a norma infraconstitucional apontada como violada não tem o alcance pretendido. Não se aborda, na referida norma, a imprescritibilidade (tema previsto na Lei maior e em tratado não internalizado). Constata-se, portanto, a falta de correlação entre a norma apontada como violada e a discussão efetivamente trazida nos autos, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial. "A indicação de preceito legal federal que não consigna em seu texto comando normativo apto a sustentar a tese recursal e a reformar o acórdão impugnado padece de fundamentação adequada, a ensejar o impeditivo da Súmula 284/STF" (REsp n. 1.715.869/SP, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 7/3/2018). 3. A ordem foi concedida pelo Tribunal de origem, por maioria, reconhecendo a ocorrência da prescrição, "em virtude de os fatos não se enquadrarem nos crimes contra a humanidade". Dessa forma, ainda que o recorrente tivesse indicado o dispositivo correto, que trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, seu exame não teria o condão de desconstituir o acórdão proferido pela Corte local, porquanto fundamentado na não configuração de crime de lesa-humanidade. Inviável, outrossim, aferir se os fatos narrados se inserem na categoria de crime contra humanidade, uma vez que o recorrente não apontou igualmente violação a dispositivo legal, ou mesmo supralegal, que albergue referida discussão. Ademais, desconstituir a conclusão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que possui amplo espectro de cognição dos fatos e provas juntadas aos autos, demandaria o revolvimento fático-probatório, o qual é vedado na via eleita, nos termos do enunciado n. 7/STJ. 4. Preliminares de mérito: O STM, por mais de uma vez, "inadmitiu o prosseguimento de inquérito instaurado para apurar o atentado do Riocentro, e fez mais, decretou a extinção de punibilidade de todos os envolvidos, face a anistia deferida pela Emenda Constitucional 26/1985". Como é cediço, "a decisão que declar[a] extinta a punibilidade em favor do Paciente, ainda que prolatada com suposto vício de incompetência de juízo, é susceptível de trânsito em julgado e produz efeitos. A adoção do princípio do ne bis in idem pelo ordenamento jurídico penal complementa os direitos e as garantias individuais previstos pela Constituição da República, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que o direito à liberdade, com apoio em coisa julgada material, prevalece sobre o dever estatal de acusar". (HC 86606, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 22/05/2007, DJe 2/8/2007). Precedentes outros do STF na mesma direção. Assim, caso fosse acolhida a tese recursal do MPF, deveria este Colegiado examinar, previamente e de ofício, o tema da coisa julgada material (matéria de ordem pública, que foi expressamente analisada pela Corte de Origem). Recorde-se: em favor do acusado, sempre é possível a concessão da ordem de habeas corpus até mesmo de ofício. 5. Os fatos, ocorridos em 30/4/1981, estão albergados pela anistia trazida no art. 4º, § 1º, da EC n. 26/1985, promulgada pela própria Assembleia Nacional Constituinte, a qual reafirmou a Anistia de 1979. Não se pode descurar, ademais, que a Lei n. 6.683/1979 foi considerada constitucional pelo STF, no julgamento da ADPF n. 153/DF, embora estejam pendentes de julgamento embargos de declaração. Nada obstante, conforme explicitado pelo Ministro Alexandre de Moraes, Relator da Rcl n. 18.686/RJ, "essa decisão, proferida no âmbito de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, é dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 10, § 3º da Lei 9.882/99)". Nessa linha de entendimento, cabe ao STF verificar os efeitos da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") vs Brasil, bem como no Caso Herzog e outros vs Brasil, com a consequente harmonização da jurisprudência relativa à Lei de Anistia, o que é objeto também da ADPF n. 320/DF, da relatoria do eminente Luiz Fux. 6. Conclusão que não revela resistência ao cumprimento das decisões proferidas pela CIDH, ou reticência em exercer o controle de convencionalidade, porquanto a submissão à jurisdição da CIDH não prescinde da devida harmonização com o ordenamento pátrio, sob pena de se comprometer a própria soberania nacional. A soberania é fundamento da República Federativa do Brasil e justifica a Supremacia da CF na ordem interna. Dessa forma, o cumprimento das decisões proferidas pela CIDH não pode afrontar a CF, motivo pelo qual se faz mister sua harmonização, sob pena de se subverter nosso próprio ordenamento, negando validade às decisões do Supremo Tribunal Federal, em observância a decisões internacionais. 7. Mérito: O conceito de crime contra a humanidade se encontra positivado no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/7/1998, porém apenas passou a vigorar em 1º/7/2002, sendo internalizado por meio do Decreto n. 4.388, de 25/9/2002. No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008. Diante da ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, rememoro que o STF já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade - art. 5º, XXXIX, da CF (exemplo: tipo penal de organização criminosa trazido na Convenção de Palermo). Dessa maneira, não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta. Ademais, cuidando-se de tratado que apenas passou a vigorar no Brasil em 25/9/2002, tem-se igualmente, na hipótese, o óbice à aplicação retroativa de lei penal em prejuízo do réu, haja vista o princípio constitucional da irretroatividade, previsto no art. 5º, XL, da CF. (…) (REsp 1798903/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 30/10/2019) Parte da doutrina critica esse entendimento dos tribunais superiores, principalmente nos casos em que os tratados internacionais são de direitos humanos, uma vez que a partir do entendimento do STF no RE 466343/SP, os tratados internacionais de direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico brasileiro no mínimo com status de supralegalidade, podendo inclusive ingressar com o status de emenda constitucional caso observem o rito previsto no artigo 5º, §3º da Constituição Federal de 1988. Assim, parte da doutrina questiona como um tratado internacional de direitos humanos que possui o status no mínimo de supralegalidade não possui o condão de preencher o requisitoda legalidade para fins penais. 150. Três novidades no combate à violência contra a mulher no Brasil: a) INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM AÇÕES DE FAMÍLIA EM QUE FIGURE VÍTIMA DE VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A MULHER: A Lei 13.894/2019 introduziu a intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher. Vejamos a nova redação do artigo 698, parágrafo único do NCPC: “O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha)” b) NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA À AUTORIDADE POLICIAL DE CASOS COM INDÍCIOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE: A Lei 13.931/2019 introduziu o parágrafo 4º no artigo 1º da Lei 10.778/2003, a notificação compulsória à autoridade policial pelas autoridades de saúde. Vejamos o novo dispositivo que entrará em vigor dia 10/03/2020: “Os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher referidos no caput desse artigo serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos” c) INAPLICABILIDADE DO SISTEMA DO JUIZ DE GARANTIAS NOS CRIMES COMETIDOS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Min Dias Toffoli, exarou medida cautelar nas ações diretas que versam sobre a constitucionalidade do novo “Juiz de garantias” e excluiu a aplicação do sistema de juiz de garantias dos crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Por fim, lembro que se trata de uma decisão cautelar e que pode vir a ser revertida no plenário do Supremo Tribunal Federal. 151. Constitucionalismo abusivo (Abusive constitutionalism) Ao analisar a medida cautelar na ADPF 622 proposta pela Procuradoria Geral da República no fim do ano de 2019, o Ministro Luis Roberto Barroso suspendeu trechos do editado por Bolsonaro e restabeleceu os mandatos dos antigos conselheiros do Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Um dos fundamentos levantados por Barroso foi justamente o constitucionalismo abusivo que, em breve síntese, pode compreendido como atos aparentemente legais, mas que provocam retrocesso democrático. A ideia de constitucionalismo abusivo foi cunhada por David Landau que define este modo de constitucionalismo como “o uso de institutos de origem democrática para ceifar o espaço do pluralismo num determinado país”. Esta forma de constitucionalismo, portanto, utiliza de mecanismos formais de mudança constitucional para atentar contra o regime democrático. O constitucionalismo abusivo pode ser visualizado na América Latina em períodos nos quais os Estados americanos passaram por ditaduras, uma vez que em diversas destas situações, buscou-se dar uma aparente legalidade e legitimidade para estes regimes. Sobre o tema, Barroso ao julgar a MC na ADPF 622 salientou que: "Ao contrário, as maiores ameaças à democracia e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se examinadas isoladamente, deixam dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela de direitos e o regime democrático." O Ministro Luis Roberto Barroso também chama o constitucionalismo abusivo de legalismo autocrático e em texto denominado “Democracia Liberais, Direitos Humanos e Papel dos Tribunais Internacionais” conceitua o fenômeno como um modelo que: “produz democracias iliberais, isto é, sem suficiente proteção a direitos, com enfraquecimento das instituições e os riscos à autenticidade e lisura dos processos eleitorais que daí advêm. Suas lideranças elegem alvos estratégicos na debilitação da democracia” Barroso também define três consectários do constitucionalismo abusivo: a) Ataques às cortes supremas ou tribunais constitucionais: “Este é um alvo bastante óbvio: são esses tribunais que apreciam a validade dos atos administrativos e normativos que vêm do Executivo e do Legislativo, com o poder de invalidá-los. Tais ataques envolvem: (i) supressão de matérias da sua competência jurisdicional; (ii) redução da idade de aposentadoria dos juízes, de forma a criar vagas a serem preenchidas pelo governo; (iii) alteração do número de membros do tribunal; (iv) modificação do processo de escolha de tais membros; e (v) restrição das garantias da magistratura. Tais ataques têm o objetivo de reduzir a independência judicial e transformar as cortes em órgãos legitimadores das medidas do governo” b) Ataques a atores internos que fiscalizam ou limitam o poder (aqui entraria o caso analisado na ADPF 622): “Diversos atores públicos e privados funcionam como barreira de contenção ao exercício abusivo do poder: o Legislativo, o Ministério Público, os partidos políticos de oposição, a imprensa, as organizações não- governamentais (ONGs), movimentos sociais, entidades da sociedade civil (como OAB, por exemplo) e a academia. As armas para esses ataques incluem a desqualificação pública, a interferência em nomeações, o corte de financiamento, a imputação inverídica de delitos criminais a membros da sociedade civil, a jornalistas e órgãos de imprensa e a supressão de recursos para pesquisas acadêmicas, em meio a outras medidas”. c) Ataques a atores internacionais e tribunais internacionais: “Também as cortes internacionais são usualmente alvo de ataques por parte de líderes autoritários. 152. Constitucionalismo moralmente reflexivo (J.J Gomes Canotilho) A ideia de constitucionalismo moralmente reflexivo foi desenvolvida por Canotilho a partir da reformulação da sua ideia inicial de constituição dirigente. Ao desenvolver a proposta de constitucionalismo moralmente reflexivo, Canotilho buscou o equilíbrio entre as exigências mínimas de uma constituição, como por exemplo, direitos fundamentais e proteção de minorias e grupos vulneráveis e uma teoria de justiça calçada em estruturas básicas da sociedade sem se comprometer com situações atomizadas ou particulares. Qual a localização da ideia de constitucionalismo moralmente reflexivo dentro da teoria constitucional? A ideia formulada por Canotilho está entre as concepções procedimentalista e substancialista (há um post sobre essa diferenciação no canal), uma vez que o autor português dá importância a questões formais e ao próprio processo constitucional democrático e ao mesmo tempo reconhece a essencialidade e a inegociabilidade de determinadas normas constitucionais, como por exemplo, os direitos fundamentais. O constitucionalismo moralmente reflexivo fica situado, portanto, entre a premissa do agir do Estado de forma mais enérgica nas demandas e questões sociais e a premissa da autocontenção a partir de questões financeiras como responsabilidade fiscal, reserva do possível e enxugamento de políticas sociais. Concluindo em síntese: Canotilho reformulou a sua primeira ideia de constituição dirigente para uma ideia de constitucionalismo moralmente reflexivo, na qual o Estado deve sim ligar para questões sociais e promessas impostas para o texto constitucional porém sem se descuidar das questões democráticas, financeiras e orçamentárias que são as pedras estruturantes do Estado, tudo isso sem o comprometimento de indivíduos de forma atomizada. 153. É possível o Tribunal de Justiça local em sede de controle concentrado estadual reconhecer a inconstitucionalidade da própria norma parâmetro da Constituição Estadual com base na Constituição Federal? (QUESTÃO DA 2ª FASE DO MPGO PROVA 19/01/2020) Suponhamos que esteja em tramitação uma ADI (representação de inconstitucionalidade)no controle concentrado estadual perante o Tribunal de Justiça local. É possível que, ao julgar a respectiva ADI o Tribunal de Justiça local reconheça a inconstitucionalidade da própria norma parâmetro da Constituição Estadual que deu sustentabilidade para a ADI com base na Constituição Federal? A resposta é afirmativa. Ocorrendo essa questão, o próprio Tribunal de Justiça local deve de maneira incidental e de ofício declarar a inconstitucionalidade da norma parâmetro por violação ao texto da Constituição Federal de 1988 julgando extinto o processo por absoluta impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que não se admite em nosso ordenamento jurídico um pedido de inconstitucionalidade calçado em uma norma paramétrica considerada inconstitucional por violar a Constituição Federal. Contra essa decisão de ofício do Tribunal de Justiça local é cabível recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. A partir daí existem dois caminhos: (a) caso o Supremo Tribunal Federal julgue procedente o recurso extraordinário interposto reconhecendo a constitucionalidade da norma paramétrica prevista na Constituição do respectivo Estado a ação voltará para o TJ local e será julgada no âmbito do controle de constitucionalidade estadual; (b) caso o Supremo Tribunal Federal julgue improcedente o recurso extraordinário proposto e reconheça a inconstitucionalidade da norma paramétrica da Constituição estadual o feito será encerrado. 154. Qual foi o fundamento do STF para equiparar a conduta de homofobia ao delito de racismo? (QUESTÃO COBRADA NO DIA 22/01/2020 NA PROVA ORAL DO MPSP) O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Injunção 4733 e a ADO 33 entendeu pela existência de um dever constitucional de classificar a homofobia. O fundamento utilizado pela Corte Constitucional brasileira para punir determinada conduta homofóbica a partir do artigo 20 da Lei 7.719/1989 foi no conceito de racismo social idealizado pelo Supremo Tribunal Federal no caso Ellwanger (HC 82.424). O conceito de racismo social firmado no caso Ellwanger consiste, em breve síntese, em delimitar a prática do racismo a partir de um conceito político-social, motivado em elementos históricos, antropológicos e sociológicos, em detrimento dos biológicos. Nesse sentido, Paulo Vechiatti adverte que: “A literatura negra antirracismo referenda esse conceito, ainda que com importantes nuances, aduzindo que o racismo não e ́ um conceito vinculado a elementos biológicos (como o senso comum ainda acredita), mas é um elemento político-social. Na síntese de Djamila Ribeiro, o racismo é um sistema de opressão social que supõe relações de poder entre um grupo dominante, detentor de privilégios sociais, e um grupo dominado, socialmente inferiorizado, e na ̃o uma mera discriminaça ̃o isolada (por isso, não existe “racismo reverso”)”. O mesmo autor continua: “Aduz-se, assim, que o racismo consiste na obstinaça ̃o de dividir, classificar, diferenciar e hierarquizar, a partir de uma categoria essencial da diferença, de sorte que o racismo consiste em processos de diferenciação, classificaça ̃o e hierarquização, para fins de exclusa ̃o, expulsão e erradicaça ̃o. Assim, aduz que a raça não tem nenhuma esse ̂ncia, mas caracteriza-se por um processo perpétuo de poder, movediço em seu conteúdo, visando o racismo substituir aquilo que “e ́” por uma realidade “diferente”, de forma necessariamente inferiorizante. Dessa forma, aduz que a raça é, portanto, aquilo que permite situar, em meio a categorias abstratas, aqueles que procura estigmatizar, desqualificar moralmente e, eventualmente, internar ou expulsar. Nesse sentido, lembre-se que pessoas LGBTI em geral sempre foram desumanizadas, consideradas degeneradas, bem como animalizadas/bestializadas, como supostamente na ̃o aptas a controlar seus instintos, tidas como “perigosas” e que precisariam ser “controladas”, consideradas assim longo do modelo de pessoa ideal (heterossexual e cisgênera) que a ideologia de gênero heteronormativa e cisnormativa dominante nos padrões e estereótipos culturais e religiosos dominantes na sociedade (a na ̃o- heterossexualidade e não-cisgeneridade já foram consideradas crimes de lesa- majestade e, até hoje, internam-se pessoas LGBTI em hospitais psiquiátricos para deixarem de sê-lo, perseguição mais comum no passado). Para, com isso, serem inferiorizadas relativamente a pessoas heterossexuais cisgêneras, como uma forma de se fabricar uma diferença relativamente a estas maiorias sexuais e de gênero, usada para “justificar” a discriminaça ̃o estrutural, sistemática, institucional e histórica voltada a estigmatizar, desqualificar moralmente, expulsar do convívio familiar ou ate ́ internar em hospitais psiquiátricos as minorias sexuais e de ge ̂nero (a população LGBTI), em prol de ideologias normalizadoras do heterossexismo e do cissexismo dominantes. E, ate ́ quando mais toleradas, direcionadas a determinadas profissões ou presumidas como detentoras de determinados comportamentos, também por estereótipos culturais”. A Procuradoria-Geral da República também defendeu a aplicação do artigo 20 da Lei 7.716/1989 para punir discursos de ódio homofóbicos no julgamentos do Mandado de Injunção 4733 e da ADO 33. 155. Quais são os tipos de internação psiquiátrica? (QUESTÃO COBRADA NA PROVA ORAL DO MP/SP DIA 23.01.2020): A lei 10.216/2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Percebam que o legislador utilizou o termo “pessoa portadora” pois à época da edição da lei, vigorava no Brasil o modelo médico de pessoa com deficiência (existe um post no canal sobre o modelo médico vs o modelo de direitos humanos da pessoa com deficiência). Respondendo a questão, o artigo 6º da Lei de Pessoas com Transtornos mentais prevê três tipos ou modalidades de internação psiquiátrica: internação voluntária, internação involuntária e internação compulsória. a) internação voluntária: é aquela com o consentimento do usuário (a lei chama o paciente de usuário). b) internação involuntária: é aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro (a lei chama o paciente de usuário). c) internação compulsória: é aquela determinada pela justiça de forma compulsória. Um dos artigos mais importantes da Lei 10.216/2001 é o artigo 8º, §1º que determina, nos casos de internação psiquiátrica involuntária, a comunicação no prazo de 72 (setenta e duas) horas ao Ministério Público Estadual. Incumbe ao responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido a internação involuntária realizar essa comunicação. Outro detalhe importante: no procedimento de alta do paciente da internação psiquiátrica involuntária o Ministério Público estadual também deverá ser comunicado no prazo de 72 (setenta e duas) horas. 156. No que consiste o chamado “ageísmo” ou “edaísmo”? Esses termos retratam a chamada discriminação por idade/discriminação etária. Nestes casos, o ato de preconceito ou fobia em relação a uma ou mais pessoas é baseada no critério etário, ou seja, na idade da pessoa. A população vulnerável vítima de ageísmo/edaísmo são justamente os idosos, ou seja, aqueles que possuem mais de 60 (sessenta anos) no Estatuto do Idoso. A discriminação etária também pode ser chamada de “discriminação generacional” e o edaísmo/ageísmo também é conhecido como etarismo, idadismo ou etaísmo na doutrina especializada. 157. O que são normas constitucionais interpostas? O Supremo Tribunal Federal adota a essa teoria? A teoria das normas constitucionais interpostas é uma criação do italiano Gustavo Zagrebelsky. Segundo esse autor, se as normas constitucionais fizerem referência expressa a outras disposições normativas, a violação constitucionalpode advir da violação dessas outras normas, que, muito embora não sejam formalmente constitucionais, vinculam os atos e procedimentos legislativos; por conseguinte, tais normas seriam “normas constitucionais interpostas”. A teoria das normas constitucionais interpostas não é admitida no Brasil, já que o Supremo Tribunal Federal trabalha com a ideia de bloco de constitucionalidade restrito; ou seja, apenas as normas formalmente constitucionais (explícitas e implícitas) e os tratados internacionais de direitos humanos incorporados pelo rito do art. 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988 podem ser tomados como normas constitucionais. O tema já foi mencionado pelo STF no MS 26.915 MC/DF (Voto Monocrático do Min. Gilmar Mendes). 158. O que é decisão “vestidinho preto”? A expressão decisão “vestidinho preto” é utilizada pela doutrina processual para retratar a utilização de uma fundamentação que se pode usar em diferentes situações, sem risco de incidir em grave erro. Seria uma fundamentação apta a ser aplicada em qualquer decisão. A expressão foi cunhada por Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello que explicam a decisão “vestidinho preto” da seguinte maneira: “Norma já embutida nas anteriores (489, § 1.º, I e II) é que consta do § 1.º, III, que considera não motivada a decisão “vestidinho preto”,(Expressão de uso corrente a significar algo que se pode usar em diferentes situações, sem risco de incidir em grave erro), que se prestaria a justificar qualquer decisum: como, por exemplo, concedo a liminar porque presentes os seus pressupostos. A fundamentação deve ser expressa e especificamente relacionada ao caso concreto que está sendo resolvido”. O tema pode ser conferido com maior profundidade em: https://cpcnovo.com.br/blog/decisao-vestidinho-preto-no-ncpc/ 159. É possível a criogênia no Brasil? Trata-se de mais um direito da personalidade relacionado ao corpo do indivíduo. Diante da ausência de previsão legal deve-se utilizar de métodos de integração do direito para solucionar, sendo assim, sendo direito da personalidade e não prejudicando direito de terceiros é possível o instituto no Brasil. Embora não seja esse o objeto do julgado, o STJ decidiu que não se exige um requisito formal para a pessoa deseja ser submetida a criogenia. tg://unsafe_url/?url=https%3A%2F%2Fcpcnovo.com.br%2Fblog%2Fdecisao-vestidinho-preto-no-ncpc%2F RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. 1. DISCUSSÃO TRAVADA ENTRE IRMÃS PATERNAS ACERCA DA DESTINAÇÃO DO CORPO DO GENITOR. ENQUANTO A RECORRENTE AFIRMA QUE O DESEJO DE SEU PAI, MANIFESTADO EM VIDA, ERA O DE SER CRIOPRESERVADO, AS RECORRIDAS SUSTENTAM QUE ELE DEVE SER SEPULTADO NA FORMA TRADICIONAL (ENTERRO). 2. CRIOGENIA. TÉCNICA DE CONGELAMENTO DO CORPO HUMANO MORTO, COM O INTUITO DE REANIMAÇÃO FUTURA. 3. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL SOBRE O PROCEDIMENTO DA CRIOGENIA. LACUNA NORMATIVA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO DA NORMA POR MEIO DA ANALOGIA (LINDB, ART. 4º). ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO QUE, ALÉM DE PROTEGER AS DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE DO INDIVÍDUO, COMO DECORRÊNCIA DO DIREITO AO CADÁVER, CONTEMPLA DIVERSAS NORMAS LEGAIS QUE TRATAM DE FORMAS DISTINTAS DE DESTINAÇÃO DO CORPO HUMANO EM RELAÇÃO À TRADICIONAL REGRA DO SEPULTAMENTO. NORMAS CORRELATAS QUE NÃO EXIGEM FORMA ESPECÍFICA PARA VIABILIZAR A DESTINAÇÃO DO CORPO HUMANO APÓS A MORTE, BASTANDO A ANTERIOR MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO INDIVÍDUO. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA VONTADE POR QUALQUER MEIO DE PROVA IDÔNEO. LEGITIMIDADE DOS FAMILIARES MAIS PRÓXIMOS A ATUAREM NOS CASOS ENVOLVENDO A TUTELA DE DIREITOS DA PERSONALIDADE DO INDIVÍDUO POST MORTEM. 4. CASO CONCRETO: RECORRENTE QUE CONVIVEU E COABITOU COM SEU GENITOR POR MAIS DE 30 (TRINTA) ANOS, SENDO A MAIOR PARTE DO TEMPO EM CIDADE BEM DISTANTE DA QUE RESIDEM SUAS IRMÃS (RECORRIDAS), ALÉM DE POSSUIR PROCURAÇÃO PÚBLICA LAVRADA POR SEU PAI, OUTORGANDO-LHE AMPLOS, GERAIS E IRRESTRITOS PODERES. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE PERMITEM CONCLUIR QUE A SUA MANIFESTAÇÃO É A QUE MELHOR TRADUZ A REAL VONTADE DO DE CUJUS. 5. CORPO DO GENITOR DAS PARTES QUE JÁ SE ENCONTRA SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DA CRIOGENIA HÁ QUASE 7 (SETE) ANOS. SITUAÇÃO JURÍDICA CONSOLIDADA NO TEMPO. POSTULADO DA RAZOABILIDADE. OBSERVÂNCIA. 6. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia instaurada neste feito diz respeito à destinação do corpo de Luiz Felippe Dias Andrade Monteiro, pai das litigantes. Enquanto a recorrente busca mantê-lo submetido ao procedimento de criogenia nos Estados Unidos da América, sustentando ser esse o desejo manifestado em vida por seu pai, as recorridas pretendem promover o sepultamento na forma tradicional (enterro). 2. A criogenia ou criopreservação é a técnica de congelamento do corpo humano morto, em baixíssima temperatura, com o intuito de reanimação futura da pessoa, caso sobrevenha alguma importante descoberta médica ou científica capaz de ressuscitar o indivíduo. 3. O procedimento da criogenia em seres humanos não possui previsão legal em nosso ordenamento jurídico. Nesses casos, para preencher a lacuna normativa sobre a matéria, o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB enumera as técnicas de integração da norma jurídica, estabelecendo que: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". 3.1 Na hipótese, deve-se aplicar a analogia jurídica (iuris), pois o nosso ordenamento jurídico, além de proteger as disposições de última vontade do indivíduo, como decorrência do direito ao cadáver, contempla diversas normas legais que tratam de formas distintas de destinação do corpo humano após a morte em relação à tradicional regra do sepultamento, dentre as quais podemos citar o art. 77, § 2º, da Lei de Registros Públicos, que disciplina a possibilidade de cremação do cadáver; a Lei n. 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento; o art. 14 do Código Civil, que possibilita a destinação do corpo, após a morte, para fins científicos ou altruísticos, dentre outras. 3.2. Da análise das regras correlatas dispostas no ordenamento jurídico, considerando a necessidade de extração da norma jurídica a ser aplicada ao caso concreto, verifica-se que não há exigência de formalidade específica para a manifestação de última vontade do indivíduo, sendo perfeitamente possível, portanto, aferir essa vontade, após o seu falecimento, por outros meios de prova legalmente admitidos, observando-se sempre as peculiaridades fáticas de cada caso. 3.3. Ademais, o ordenamento jurídico brasileiro, em casos envolvendo a tutela de direitos da personalidade do indivíduo post mortem, legitima os familiares mais próximos a atuarem em favor dos interesses deixados pelo de cujus. São exemplos dessa legitimação as normas insertas nos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil, que tratam especificamente sobre direitos da personalidade, bem como no art. 4º da Lei n. 9.434/1997, que diz respeito à legitimidade dos familiares em relação à autorização para a remoção de órgãos, tecidos e outras partes do corpo humano para fins de transplante, dentre outras. 3.4. Nessa linha de entendimento, extraindo-se os elementos necessários à integração da lacuna normativa pela analogia, é de se concluir que, na falta de manifestação expressa deixada pelo indivíduo em vida no sentido de ser submetido à criogenia após a morte, presume-se que sua vontade seja aquela manifestada por seus familiares mais próximos. 4. Na hipótese dos autos, não obstante as partes litigantes - recorrente e recorridas - tenham o mesmo grau de parentesco com o falecido, pois todas são descendentes de 1º grau (filhas), é razoável concluir que a manifestação da filha Lígia Monteiro, ora recorrente, é a que traduz a real vontade de seu genitorem relação à destinação de seus restos mortais, visto que, sem dúvida alguma, é a que melhor pode revelar suas convicções e desejos, em razão da longa convivência com ele, que perdurou até o final de sua vida. 4.1. Com efeito, revela-se incontroverso nos autos que a recorrente conviveu e coabitou com seu pai por mais de 30 (trinta) anos, após ele ter se divorciado da mãe das recorridas, sendo a maior parte desse tempo - mais de 20 (vinte) anos - em cidade bem distante da que residem suas irmãs (recorridas). 4.2. Também é fato incontroverso que Luiz Felippe Dias de Andrade Monteiro lavrou procuração pública em favor de sua filha Lígia (recorrente), com quem residia, outorgando-lhe amplos, gerais e irrestritos poderes, o que indica a confiança irrestrita inerente a uma convivência duradoura entre pai e filha. 4.3. Por outro lado, as autoras da ação (recorridas) não se desincumbiram de refutar, de forma concreta, o fato de que sua irmã Lígia, por ter convivido com o genitor delas por mais de 30 (trinta) anos, teria melhores condições de traduzir sua vontade, sobretudo porque a causa de pedir está totalmente fundada no desejo delas próprias de realizar o sepultamento de seu pai em território nacional, e não na aferição da manifestação de última vontade dele. 5. Vale destacar que o corpo do genitor das litigantes já se encontra submetido ao procedimento de criogenia, no Cryonics Institute, localizado na cidade de Michigan (EUA), desde julho de 2012, isto é, há quase 7 (sete) anos. 5.1. Tal fato deve ser levado em consideração na análise do presente caso, visto que, embora legítimo o interesse das recorridas em tentar sepultar o pai em território nacional, não se pode ignorar que a situação jurídica, de certa forma, já se consolidou no tempo. De fato, negar provimento ao presente recurso especial para que o corpo seja repatriado e, posteriormente, sepultado e enterrado no Rio de Janeiro/RJ, cidade na qual as recorridas nem sequer residem, não se mostra razoável, pois, além de restabelecer o difícil sentimento de perda e sofrimento já experimentado quando do falecimento, essa situação, certamente, não teria o condão de assegurar a pacificação social almejada pelo direito. 5.2. A solução da controvérsia perpassa pela observância ao postulado da razoabilidade, porquanto, a par do reconhecimento de que o de cujus realmente desejava ser submetido ao procedimento da criogenia após a morte, não se pode ignorar, diante da singularidade da questão discutida, que a situação fático- jurídica já se consolidou no tempo, impondo-se, dessa forma, a preservação do corpo do pai da recorrente e das recorridas submetido ao procedimento da criogenia no referido instituto. 6. Recurso especial provido. (REsp 1693718/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 04/04/2019) 160. O que são normas de reprodução proibida? (Tema da prova da 2ª fase do MPGO) No contexto do tema de repartição de competências, princípio da simetria e Estado federativo, o Supremo Tribunal Federal divide as normas constitucionais em três espécies: a) normas de reprodução obrigatória; b) normas de reprodução facultativa; c) normas de reprodução proibida. Nas palavras do Supremo Tribunal Federal: “A vedação das Cartas estaduais à Constituição da República determina que os Estados: (i) adotem normas de observância obrigatória; (ii) optem pela previsão ou não de normas de reprodução facultativa; (iii) não editem normas de reprodução proibida. Essas três implicações do dever de obediência à Constituição Federal obrigação, permissão e proibição levaram a doutrina constitucional a procurar sistematizar as possibilidades e limites do poder constituinte estadual”. (STF, ADI 4777/BA). a) adoção de normas de reprodução obrigatória pelo Poder Constituinte Estadual: essa situação ocorre quando o Poder Constituinte estadual é obrigado a seguir o princípio da simetria e o modelo já adotado pela união na Constituição da República Federativa do Brasil. Exemplo: A aposentadoria compulsória de servidores públicos é norma de reprodução obrigatória para os Estados membros e a idade prevista para a aposentadoria compulsória não pode extrapolar a idade prevista pela Constituição da República Federativa do Brasil (STF, ADI 4698/MA); b) opção pela previsão ou não de normas de reprodução facultativa pelo Poder Constituinte Estadual: nesta situação o Poder Constituinte do estado membro possui uma maior liberdade de conformação em relação a Constituição da República Federativa do Brasil. O Estado membro não fica vinculado ao princípio da simetria e pode atuar como uma espécie de laboratório legislativo (expressão utilizada pelo STF na ADI 2922 e tema já explicado aqui no canal). Ex: O STF decidiu que o preâmbulo não é norma de reprodução obrigatória (STF, ADI 2076); 2) STF decidiu que a norma constitucional que consagra eleição indireta também não é norma de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais (STF, ADI 4298-MC); c) não edição pelos estados membros de normas de reprodução proibida: Aqui está justamente a situação cobrada na recente prova da 2ª fase do Ministério Público do Estado de Goiás. Nesta situação ocorre uma total contraposição ao que ocorre no caso das normas de reprodução obrigatória. Nos casos da não edição pelos Estados membros de normas de reprodução proibida é vedado ao Poder Constituinte estadual reproduzir uma norma adotada pelo modelo da Constituição Federal de 1988. Ex: A (des)necessidade de autorização pela Assembleia Legislativa para o processamento do Governador do Estado. O STF decidiu que tal norma prevista no caso do Presidente da República é uma norma de reprodução proibida pelas Constituições Estaduais (STF, 4777/BA). 161. Cinco consectários exógenos da decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou a prática de homofobia como uma espécie de racismo social: Tendo em vista o enquadramento por parte do Supremo Tribunal Federal da conduta de homofobia como espécie de racismo é possível visualizar uma série de consequências/consectários exógenos lógicos no ordenamento jurídico brasileiro. a) possibilidade de se postular refúgio no Brasil com base em discriminação por motivos de orientação sexual: O artigo 1º da Lei 9.474/1997 (lei que regulamenta a concessão de refúgio no Brasil) prevê que será reconhecido como refugiado o indivíduo que, dentre outras situações, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país. Se a discriminação por motivo de orientação sexual é uma espécie de racismo segundo o Supremo Tribunal Federal, nada impede que se postule a concessão de status de refugiado no Brasil a partir de motivos lastreados por uma discriminação por orientação sexual. b) crime de tortura preconceito: A Lei 9.455/1997 define os crimes de tortura e elenca em seu artigo 1º, inciso I, alínea ‘c’ o seguinte dispositivo: constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental em razão de discriminação racial ou religiosa. Ora, se para o Supremo Tribunal Federal a discriminação por orientação sexual é uma espécie de racismo social então é possível a caracterização do delito de tortura preconceito uma vez presente os elementos de discriminação por conta de orientação sexual. c) qualificadora motivo torpe: a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal enquadrando a conduta de homofobia como uma espécie de racismo, é possível a utilização da discriminação por motivos de orientação sexual como qualificadora por motivo torpe no júri. d) crime de terrorismo por motivação homofóbica: A lei 13.260/2016 definiu as condutas tipificadas como terrorismo no Estado brasileiro. Já no artigo 2º, a polêmica lei define terrorismo como “a prática por um ou mais indivíduosdos atos previstos neste artigo , por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Logo, a partir do conceito de terrorismo firmado pelo legislador brasileiro é possível concluirmos pela possibilidade da caracterização da prática de terrorismo por motivos homofóbicos. e) Injúria racial: Por fim, o delito de injúria racial também restar caracterizado por motivos de homofobia, tendo em vista o conceito de racismo social firmado pelo STF no caso Ellwanger e utilizado na ADO e no MI que criminalizaram a homofobia pelo Supremo Tribunal Federal. 162. Dica rápida sobre Direito das Mulheres: A lei 13.964/2019 popularmente chamada de Pacote anticrime introduziu no Código de Processo Penal a figura do acordo de não persecução penal. No entanto, é de suma importância ressaltar que o artigo 28-A, §2º, inciso IV, veda a aplicação do acordo de não persecução penal nos crimes cometidos no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. O pacote anticrime seguiu, portanto, a lógica do sistema processual penal e da lei maria da penha, uma vez que anteriormente ao próprio acordo de não persecução penal já era vedada a aplicação dos institutos despenalizadores da lei 9099/95 nos crimes e contravenções cometidos à luz da Lei Maria da Penha (transação penal, suspensão condicional do processo e etc). 163. No que consiste o transconstitucionalismo? E o princípio do cosmopolitismo ético? Em breve síntese, trata-se de uma tese desenvolvida pelo Professor Marcelo Neves (UFRJ) no qual o mesmo propõe um entrelaçamento entre as mais variadas ordens juri ́dicas sem que exista hierarquia entre as mesmas. Assim, em determinados casos, influxos e consectários da ordem jurídica estrangeira influenciariam ou serviriam como argumento para uma decisão nacional. Um exemplo bastante citado pela doutrina é a ADPF 101 julgada pelo STF (pneus usados) no qual a Corte Constitucional brasileira utilizou de diversos precedentes para fundamentar a sua decisão de proibir a importação de pneus usados no Estado brasileiro. Nesse sentido, Daniel Sarmento denomina de princípio do cosmopolitismo ético a utilização de experiências estrangeiras no direito interno e a utilização de experiências brasileiras no direito estrangeiro. Ainda sobre o tema do transconstitucionalismo e do princípio do cosmopolitismo ético, é importante ressaltar que ambos os autores supracitados (Daniel Sarmento e Marcelo Neves) refutam a hierarquia do direito estrangeiro (ou internacional) para com o direito interno. Na utilização da teoria do transconstitucionalismo ou do princípio do cosmopolitismo ético não há uma hierarquização entre direito estrangeiro x direito interno. O que ocorre é apenas uma troca amistosa de experiências que busca enriquecer o debate na busca de uma solução para o caso concreto. 164. No que consiste o fenômeno denominado “cherry picking”? Denomina-se como “cherry picking” o fenômeno pelo qual o intérprete do direito seleciona estrategicamente a legislação de um país ou um caso estrangeiro que apresenta semelhanças pontuais com o caso paradigma, com vistas a meramente reforçar o argumento comparativo, sem justificar os motivos pelos quais o caso em comparação realmente se aplica ao caso paradigma. Senão vejamos um trecho da ADI 6299 MC/DF: “Denomina-se como “cherry picking” o fenômeno pelo qual o intérprete do direito seleciona estrategicamente um país ou um caso estrangeiro que apresenta semelhanças pontuais com o caso paradigma, com vistas a meramente reforçar o argumento comparativo, sem se ter o cuidado de se justificarem os motivos pelos quais o caso em comparação realmente se adequa ao paradigma. Trata-se, assim, de um mero uso retórico do direito comparado, que desconsidera particularidades dos arranjos institucionais e da cultura política de cada um dos países, divergências contextuais, dissidências doutrinárias e jurisprudenciais, entre outros pontos”. (STF, ADI 6299 MC/DF) O cherry-picking consiste, portanto, em um uso indevido e à la carte do Direito Comparado. De <https://web.telegram.org/#/im?p=c1405769441_4711257770556620473> 165. No que consiste o valor comunitário da dignidade da pessoa humana, também chamada de dignidade como heteronomia)? https://web.telegram.org/#/im?p=c1405769441_4711257770556620473 Trata-se do elemento social do princípio da dignidade da pessoa humana, que materializa a relação entre a pessoa humana e a coletividade, atuando como espécie de limite às escolhas individuais da pessoa humana. Vejamos a lição do Ministro Luis Roberto Barroso: “O valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, identificando a relação entre o indivíduo e o grupo. Nesta acepção, ela está ligada a valores compartilhados pela comunidade, assim como às responsabilidades e deveres de cada um. Vale dizer: a dignidade como valor comunitário funciona como um limite às escolhas individuais. Também referida como dignidade como heteronomia, ela se destina a promover objetivos sociais, dentre os quais a proteção do indivíduo em relação a atos que ele possa praticar capazes de afetar a ele próprio (condutas autorreferentes), a proteção de direitos de outras pessoas e a proteção de valores sociais, dos ideias de vida boa de determinada comunidade. Para minimizar os riscos do moralismo e da tirania da maioria, a imposição de valores comunitários deverá levar em conta (a) a existência ou não de um direito fundamental em jogo, (b) a existência de consenso social forte em relação à questão e (c) a existência de risco efetivo para direitos de terceiros” (BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios para aplicação. Belo Horizonte: Editora Forum, 2013, p. 327). 166. Hiperpresidencialismo: Este é um tema pouco desenvolvido pela doutrina brasileira e já debatido na literatura estrangeira. O hiperpresidencialismo é um sistema de governo no qual formalmente o Brasil é regido por um modo presidencialista de governo mas com algumas peculiaridades que destoam do presidencialismo para um regime antidemocrático. Características do hiperpresidencialismo: A) A concentração de poder do Estado em lideranças personificadas: Uma das características do hiperpresidencialismo é justamente a concentração do poder do Estado em lideranças personificadas, como por exemplo, o que ocorre na Venezuela desde Hugo Chavez até o regime de Nicolás Maduro. A liderança exercida pelo presidente da república é excessivamente personificada, o que não é necessariamente bom para o regime democrático, uma vez que o indivíduo em um regime presidencialista em um contexto de normalidade democrática está de passagem na cadeira presidencial. B) A concentração de poder no Executivo: No hiperpresidencialismo o Presidente da República intervém de forma indevida nas instituições públicas de determinadas áreas. A autonomia dos funcionários e servidores nomeados para as instituições públicas é meramente de fachada. C) A ameaça constante ao regime democrático: Outra característica do hiperpresidencialismo é justamente colocar a todo momento o regime democrático em cheque. Os regimes hiperpresidencialistas costumam ser/ter uma duração excessiva e longa, o que acaba desgastando a figura do Chefe do Executivo perante a população e colocando em questão a existência de democracia, uma vez que um dos pilares da democracia é justamente a alternância de poder. A partir daí, o país vira uma “panela de pressão” e existem frequentes conflitos entre a população e o Estado, que frequentementese vale do uso da força para conter os manifestantes. Exemplos: Venezuela e Turquia. D) O controle das demais instituições pelo Presidente da República: No hiperpresidencialismo, o Poder Executivo possui o controle das demais instituições e até mesmo de outros poderes, que existem apenas de forma decorativa. Cito novamente como exemplo a Venezuela, país onde o Presidente Nicolás Maduro possui total ingerência sobre o Poder Legislativo até mesmo destituindo e custodiando determinados parlamentares. Outro exemplo seria a ingerência no Parlamento realizada pelo atual Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. 167. Teoria do right to try (direito de tentar) e direito à saúde: A teoria do right to try (“direito de tentar”) consiste na garantia de que o paciente possa tentar a cura de uma doença por meio de tratamentos médicos experimentais, ainda que não exista prova da eficácia do medicamento e de registros nos órgãos reguladores. O right to try visa garantir ao indivíduo a manutenção do direito à vida, corolário do princípio mater do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Antes da suspensão da lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina pelo STF, muitos juízes autorizaram a distribuição e uso da “pílula do câncer” com base no “direito de tentar”. Para maior aprofundamento no tema, recomendo a leitura da notícia “Justiça manda USP fornecer ‘cápsula contra o câncer’ a mulher de 41 anos”, que pode ser encontrada neste link: http://www.conjur.com.br/2016-jan-30/usp-fornecer-capsula-cancer-mulher- 41-anos. Recomendo também a leitura da reportagem “Direito de tentar: paciente consegue acesso à pílula do câncer da USP”, que pode ser encontrada neste link: tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.conjur.com.br%2F2016-jan-30%2Fusp-fornecer-capsula-cancer-mulher-41-anos tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.conjur.com.br%2F2016-jan-30%2Fusp-fornecer-capsula-cancer-mulher-41-anos http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI232838,71043Direito+de+tenta r+paciente+consegue+acesso+a+pilula+do+cancer+da+USP. 168. Necrodireito, direitos humanos e grupos vulneráveis. O “necrodireito” pode ser compreendido como o direito que mata, a partir de uma construção teórica de que o sistema do Estado não contempla/planifica tudo e todos e acaba deixando vácuos/espaços por omissão onde morrem pessoas, geralmente as ligadas aos grupos mais vulneráveis da população. Isso ocorre, por vezes, porque o Estado canaliza e dirige suas forças e objetivos para questões que considera essenciais como “questões econômicas” e acaba deixando outras questões existenciais de lado, afetando normalmente grupos vulneráveis que acabam perdendo a vida por conta de escolhas do Estado. As questões envolvendo o necrodireito se tornam mais evidentes quando a temática é economia ou seguridade social, já que por vezes o Estado prefere determinadas políticas públicas que deixa de lado minorias e grupos vulneráveis como a população LGBTQI+, mulheres, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, idosos e etc. José Ramón Narvarz explica que há inclusive um nível mais complexo do necrodireito quando o Estado consente sadicamente e elimina de forma velada certo grupo vulnerável da sociedade pois se considera que isso é necessário para a segurança ou para a estabilidade do sistema e da economia. O necrodireito não poderia nem ser considerado um “direito” pois não está contemplado no marco jurídico formalmente falando. Assim, o necrodireito se caracteriza tanto para os processos formais do Estado que geram a morte de pessoas como também seria possível falar em necrodireito nos processos que militam contra a vida de maneira indireta, descaracterizando grupos vulneráveis, removendo a questão identitária, separando-os e diminuindo a autoestima destes grupos. Os teóricos chamam isso de “morte cultural” que deriva da morte física, se perde a identidade, a imigração internação. Em contraposição ao necrodireito se propõe o chamado vitalismo jurídico, que propõe que todos estamos interconectados e necessitamos uns dos outros para sobreviver. O vitalismo prõe que se tome uma consciência coletiva e gerar a boa cumplicidade, a banalidade do bem. tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.migalhas.com.br%2FQuentes%2F17%2CMI232838%2C71043-Direito%2Bde%2Btentar%2Bpaciente%2Bconsegue%2Bacesso%2Ba%2Bpilula%2Bdo%2Bcancer%2Bda%2BUSP tg://unsafe_url/?url=http%3A%2F%2Fwww.migalhas.com.br%2FQuentes%2F17%2CMI232838%2C71043-Direito%2Bde%2Btentar%2Bpaciente%2Bconsegue%2Bacesso%2Ba%2Bpilula%2Bdo%2Bcancer%2Bda%2BUSP A teoria do necrodireito é de José Ramón Navarz e ainda não abordada com profundidade no Brasil. 169. Direito à moradia adequada, dimensões da reforma agrária e erosão da consciência constitucional O tema da reforma agrária foi inserido pelo Poder constituinte originário na Constituição Federal de 1988 a partir do artigo 184 e seguintes e retrata uma promessa constitucional a ser perquirida e implementada pelo Estado brasileiro. A partir disso, a doutrina desenvolveu duas dimensões da reforma agrária: a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva. A dimensão objetiva propõe, em breve síntese, a realização dos objetivos da Constituição Federal de 1988 como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, tudo isso a partir da concretização da reforma agrária. Portanto, a sua não concretização pode levar ao fenômeno que o Ministro Celso de Mello define como “erosão da consciência constitucional”, que pode ser definido com um perigoso processo de desvalorização da Constituição a partir da omissão ou inércia do Estado em efetivar as promessas constitucionais. Por outro lado, a dimensão subjetiva da reforma agrária pode ser compreendida como a concretização do direito à moradia adequada e o consequente princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, lembro que o Comentário nº 4 do Comitê sobre Direito Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU) define moradia adequada a partir das seguintes características: § Segurança da posse: a moradia não é adequada se os seus ocupantes não têm um grau de segurança de posse que garanta a proteção legal contra despejos forçados, perseguição e outras ameaças. § Disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura: a moradia não é adequada, se os seus ocupantes não têm água potável, saneamento básico, energia para cozinhar, aquecimento, iluminação, armazenamento de alimentos ou coleta de lixo. § Economicidade: a moradia não é adequada, se o seu custo ameaça ou compromete o exercício de outros direitos humanos dos ocupantes. § Habitabilidade: a moradia não é adequada se não garantir a segurança física e estrutural proporcionando um espaço adequado, bem como proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, outras ameaças à saúde. § Acessibilidade: a moradia não é adequada se as necessidades específicas dos grupos desfavorecidos e marginalizados não são levados em conta. § Localização: a moradia não é adequada se for isolada de oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais ou, se localizados em áreas poluídas ou perigosas. § Adequação cultural: a moradia não é adequada se não respeitar e levar em conta a expressão da identidade cultural. 170. Constitucionalismo transformador: O constitucionalismo transformador propõe como objetivo o cumprimento das promessas centrais das constituições, em especial: a) a garantia de direitos humanos; b) a implementação da democracia e; c) a preservação do Estado de direito. A proposta do constitucionalismo transformador recebe este nome justamente em virtude do objetivo de tentar “transformar” regiões em que ainda não estão consolidadas nos três aspectos mencionados: garantia de direitos humanos, implementação/solidificaçãoda democracia e preservação do Estado de Direito. A grande maioria dos Estados alvo da proposta do constitucionalismo transformador possuem traços característicos em comum: graves problemas de desigualdade e exclusão social, baixo acesso da população a serviços públicos essenciais, altos índices de violência e baixa institucionalidade no âmbito dos Poderes. Assim, o constitucionalismo transformador aposta em uma transformação gradual do cenário narrado, a partir de três medidas: (a) supraestatalidade (notadamente tratados internacionais e arcabouço normativo internacional de direitos humanos como um todo); (b) pluralismo dialógico de ideias entre ordens nacionais e internacionais. Aqui podemos lembrar daquela ideia de conversações constitucionais de Marcelo Neves, ou mesmo do diálogo de cortes proposto por André de Carvalho Ramos e; (c) atuação judicial. 171. Supremo Tribunal Federal declara em controle concentrado de constitucionalidade a inconstitucionalidade de leis que proíbem o debate sobre “educação de gênero” nas escolas. “São inconstitucionais as leis municipais que proíbem o debate sobre “educação de gênero” nas escolas”. STF, ADPF 457, pleno, j. em 24/04/2020 No dia 25 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal reconheceu pela primeira vez em controle concentrado de constitucionalidade a inconstitucionalidade de leis que proíbem o debate sobre “educação de gênero” nas escolas. Com base em dispositivos constitucionais como o direito à igualdade, a vedação de censura em atividades culturais, a laicidade do estado e o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Ao analisar o caso, o Ministro Barroso compreendeu que o não enfrentamento de questões de gênero nas escolas contribui para a perpetuação do estigma e do preconceito. "É na escola que eventualmente alguns jovens são identificados, pela primeira vez, como afeminados ou masculinizados, em que o padrão cultural naturalizado é caracterizado como o comportamento normal, em que a conduta dele divergente é rotulada como comportamento anormal e na qual se naturaliza o estigma. Nesse sentido, o mero silêncio da escola na matéria, a não identificação do preconceito, a omissão em combater a ridicularização das identidades de gênero ou em ensinar o respeito à diversidade é replicadora da discriminação e contribui para a consolidação da violência às crianças homo e trans." Ainda sobre o tema, é oportuno destacar menção de trecho do julgamento no sentido de que “A expressão “ideologia de gênero” não é reconhecida no universo educacional, mas utilizada por grupos conservadores e religiosos contrários ao debate sobre diversidade sexual e identidade de gênero." Assim, a Corte Constitucional brasileira reconheceu pela primeira vez em controle concentrado a inconstitucionalidade de leis municipais que proíbem o debate de gênero nas escolas, posicionamento este que já havia sido exarado monocraticamente por vários Ministros da Corte. 172. Transconstitucionalismo, Constituição Transversal do Estado Nacional, Constitucionalismo provinciano, conversações constitucionais, cosmopolitismo ético e cherry picking O Transconstitucionalismo é uma proposta doutrinária desenvolvida pelo professor Marcelo Neves (UNB) na qual se propõe o entrelaçamento entre constituições e ordenamentos jurídicos distintos, sem qualquer hierarquia entre um ordenamento sobre outro, ou entre ordem jurídica interna e ordem jurídica internacional. Aqui, vale lembrar que não há hierarquia entre os tribunais internacionais de direitos humanos (Corte IDH, CIDH e TPI) e Supremo Tribunal Federal. Para Neves, o transconstitucionalismo é uma forma de buscar uma melhor e mais adequada solução aos casos debatidos em terras brasileiras. A partir dessas premissas, o autor propõe a chamada “Constituição transversal do Estado Nacional”, que pode ser compreendida como uma Constituição relacionada ao modelo contemporâneo de Estado Constitucional. A Constituição transversal no plano interno da Constituição do Estado (nacional) envolve a complexidade da relação entre a Política e o Direito (sistema político e sistema jurídico) e busca o chamado “acoplamento estrutural” que canaliza irritações sistêmicas como instâncias de relação e influências recíprocas e duradouras e intercâmbio de experiências entre as racionalidades particulares da política e do direito. (…) Também no transconstitucionalismo, Neves define o conceito de CONSTITUCIONALISMO PROVINCIANO, que se caracteriza, em síntese, por uma tradição jurídica que enfatiza a pretensão de “identidade constitucional” de um Estado, ignorando o entrelaçamento entre ordens jurídicas. Para o autor, o “constitucionalismo provinciano” não se operacionaliza ou articula segundo ordens constitucionais de 3 tipos: estatal (nacional); supranacional e internacional. Por fim, o autor desenvolve a ideia de “conversações entre cortes” onde as Cortes constitucionais citam-se reciprocamente não como precedente (vinculante), mas em que os julgados passam a ter autoridade persuasiva; a “conversação” deve ser considerada a partir das “pontes de transição” entre ordens jurídicas a partir de seus centros, juízes e Tribunais, como forma de intercâmbio e aprendizado recíproco os limites estão em que essas “conversações” pressupõem ausência de “Constitucional diktat” (relação vertical) no intercâmbio entre Cortes e inexistência de estrutura hierárquica entre ordens jurídicas. Resumindo: Marcelo Neves defende a citação de precedentes de outras cortes constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal como argumento de autoridade (eficácia persuasiva). O próprio autor adverte que esses precedentes não são dotados de vinculatividade por conta da ausência de relação de hierarquia entre Corte Constitucional brasileira e tribunais constitucionais estrangeiros. A partir da aplicação do transconstitucionalismo, o Estado deixa de atuar à luz do constitucionalismo provinciano e passaria a adotar a ideia de Constituição Transversal do Estado Nacional. Por fim, alerto que a ideia do transconstitucionalismo também foi desenvolvida pelo professor Daniel Sarmento a partir do princípio do cosmopolitismo ético, que propõe a utilização de precedentes do direito comparado no direito nacional como argumento persuasivo. E ainda, que a utilização desses precedentes deve ser utilizada de forma fidedigna e sem qualquer distorção de seu conteúdo, levando inclusive as particularidades do Estado estrangeiro e do precedente citado em questão, sob pena de incidirmos no fenômeno chamado de “cherry picking, que pode ser entendido como o fenômeno pelo qual o intérprete do direito seleciona estrategicamente um país ou um caso estrangeiro que apresenta semelhanças pontuais com o caso paradigma, com vistas a meramente reforçar o argumento comparativo, sem se ter o cuidado de se justificarem os motivos pelos quais o caso em comparação realmente se adequa ao paradigma. O cherry-picking consiste, portanto, em um uso indevido e à la carte do Direito Comparado, cf explicação do STF na ADI 6299 173. Duas importantes decisões do Supremo Tribunal Federal em tempos de pandemia: “A competência para legislar sobre direito à saúde é concorrente, logo, Estados e Municípios podem adotar medidas sanitárias de caráter restritivo a partir do princípio federativo da predominância do interesse”. STF, ADI 6341-MC, j. 14/04/2020 Os princípios da prevenção e precaução são aplicáveis no direito sanitário e podem ser utilizados como fundamento de proteção e prevenção do direito à saúde. STF, ADI 5592, j. 11/09/2019 174. Dimensões objetiva e subjetiva do princípio da segurança jurídica: Segundo a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da segurança jurídica possui duas dimensões: uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva.A dimensão objetiva do princípio da segurança jurídica está atrelada ao tema da retroatividade dos atos promulgados pelo Estado, através de mecanismos como ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada material (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). Já a dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica pode ser compreendida justamente como a materialização do princípio da proteção da confiança jurídica. Nesse sentido, cito um precedente do Supremo Tribunal Federal acerca da temática: (...) “A recente jurisprudência consolidada do STF passou a se manifestar no sentido de exigir que o TCU assegure a ampla defesa e o contraditório nos casos em que o controle externo de legalidade exercido pela Corte de Contas, para registro de aposentadorias e pensões, ultrapassar o prazo de cinco anos, sob pena de ofensa ao princípio da confiança – face subjetiva do princípio da segurança jurídica”. STF, MS 24781/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel p/o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 02.03.2011. 175. Estrutura variada dos Direitos Humanos: direito-poder, direito-liberdade, direito- pretensão e direito imunidade. Segundo o professor André de Carvalho Ramos, os direitos humanos possuem estrutura variada, podendo ser classificados como: direito-pretensão, direito- liberdade, direito poder e direito-imunidade. Vamos analisar cada uma dessas estruturas: a) Direito-pretensão: consiste na busca por algo, gerando uma contraprestação jurídica de outrem. Segundo André de Carvalho Ramos: “O direito-pretensão consiste na busca de algo, gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar. Nesse sentido, determinada pessoa tem o direito a algo, se outrem (Estado ou mesmo outro particular) tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito. Assim, nasce o direito-pretensão, como por exemplo, o direito à educação fundamental, que gera o dever do Estado de prestá-la gratuitamente, nos termos do artigo 208, inciso I, da CF88)”. b) Direito-liberdade: pode ser compreendido como gera uma abstenção ou ausência de direito de qualquer outra pessoa ou ente. Sobre o direito-liberdade, a lição de André de Carvalho Ramos: “O direito-liberdade consiste na faculdade de agir de uma pessoa que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa. Assim, uma pessoa tem a liberdade de credo (art. 5º, VI, da CF/88), não possuindo o Estado (ou terceiros) nenhum direito (ausência de direito) de exigir que essa pessoa tenha determinada religião”. c) Direito-poder: implica em uma relação jurídica de poder de uma pessoa em exigir a sujeição de uma outra pessoa ou do próprio Estado. Sobre o direito- poder, é a lição de André de Carvalho Ramos: “Por sua vez, o direito-poder implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa. Assim, uma pessoa tem o poder de, ao ser presa, requerer a assistência da família e do advogado, o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos (art. 5º, inciso LXIII, da CF/188)”. d) Direito-imunidade: pode ser concebido como a autorização dada por uma norma a determinado indivíduo, impedindo que outro interfira de qualquer modo. Nesse sentido, André de Carvalho Ramos: “Finalmente, o direito-imunidade consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa, impedindo que outra interfira de qualquer modo. Assim, uma pessoa é imune à prisão, a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LVI, da CF/88), o que impede que outros agentes públicos (como, por exemplo, agentes policiais) possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão”. 176. Teoria da democracia militante (Karl Lowenstein e Daniel Sarmento): Pouco estudado no Brasil, o conceito de “democracia militante” surgiu a partir de um artigo do alemão Karl Lowenstein em 1937, pouco após a ascensão do Partido Nazista na Alemanha. No Brasil, o tema é desenvolvido pelo professor Daniel Sarmento (UERJ). Para Lowenstein, “a democracia deve ser capaz de resistir àqueles agentes políticos que, como Adolf Hitler, utilizam-se de instrumentos democráticos para assegurar o triunfo de projetos totalitários ou autoritários de poder”. A essa ideia, Loewenstein deu o nome de democracia militante (cit. Daniel Sarmento). Segundo Daniel Sarmento, diversos ordenamentos jurídicos acolhem a ideia de democracia militante: Alemanha, Alemanha, da Espanha, de Portugal, da Costa Rica, da Croácia, da Lituânia, da Romênia, Israel e etc. Para o professor Daniel Sarmento, a Constituição Federal de 1988 também contempla a ideia de democracia militante em seu artigo 17, caput. O seu art. 17, caput, a Constituição de 1988 determina que “[é]livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana […]”. Assim, para Daniel Sarmento, “se a Carta Maior determina que a criação de partidos políticos deve observar valores cruciais, como a democracia e o respeito aos direitos fundamentais, ela proíbe, a contrario sensu, a existência de agremiações partidárias que rejeitem esses valores”. Sarmento explica que “a ideia central que permeia o conceito de democracia militante é A lógica que anima a democracia militante é bastante similar ao raciocínio sobre o qual se funda a vedação ao hate speech. Em praticamente todos os ordenamentos jurídicos de países democráticos, entende-se que as manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra minorias vulneráveis, motivadas por preconceitos ligados a fatores como etnia, religião, gênero, nacionalidade, deficiência e orientação sexual, não devem ser constitucionalmente protegidas. A premissa é a de que esse tipo de discurso, além de não contribuir para o debate social, viola gravemente os direitos fundamentais de indivíduos e grupos estigmatizados. Dessa forma, é necessário que se restrinja a liberdade de expressão para resguardar direitos constitucionais das vítimas, como a dignidade humana e a igualdade”. Esse entendimento foi adotado pelo STF no julgamento do caso Ellwanger (HC 82.424) que reconheceu que manifestações claramente antissemitas, mesmo sob a forma de livros publicados, caracterizam a prática do crime de racismo. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal também utilizou a ideia de democracia militante para reconhecer a discriminação por motivo de orientação sexual (homofobia e a transfobia) também como crime de racismo. (MI 4733 e ADO 26) O professor Daniel Sarmento explica a ideia de Karl Lowenstein no sentido de que: “Assim como a tutela da liberdade de expressão não se estende a manifestações de ódio contra minorias, sustenta a teoria da democracia militante que os direitos políticos podem ser restringidos para evitar a ascensão ao poder de pessoas, partidos e ideologias profundamente autoritários, que comprometam a sobrevivência da própria democracia” Por outro lado, o professor da UERJ reconhece que a ideia de democracia militante não é isenta de problemas ligados à segurança jurídica e à possibilidade de tirania judicial. No entanto, reconhece que: “a democracia militante possui amparo na Constituição Federal de 1988 (art. 17, caput), já que, uma interpretação teleológica do art. 17 poderia lastrear a exegese de que candidatos que simbolizem a exata antítese da democracia e assim impossibilitá-los de concorrer a qualquer pleito eleitoral”. Em síntese: a teoria da democracia militante propõe que se impeçam candidaturas eleitorais contrárias aos valores considerados o núcleo duro da Constituição Federal de 1988: respeito aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. 177. As trêsfunções do Supremo Tribunal Federal para o Ministro Luis Roberto Barroso: Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, a Corte Constitucional brasileira possui três funções: a) Função contramajoritária: a função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal ocorre quando o tribunal declara a constitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo exarado pelo parlamento. Esta função está expressa na nossa Constituição e recebe este nome em virtude do Supremo Tribunal Federal invalidar atos oriundos de representantes eleitos pelo povo para o Legislativo e Executivo. b) Função representativa: o Supremo Tribunal Federal também possui uma função representativa, quando atende demandas sociais que não foram satisfeitas a tempo pelo Poder Legislativo. Barroso cita como exemplo os seguintes casos: proibição do nepotismo, fim do financiamento eleitoral por empresas e fidelidade partidária. Todas estas demandas foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal na omissão ou contra o Congresso Nacional. Para o Min. Barroso, neste caso o Supremo Tribunal Federal “inequívocas reivindicações da sociedade, não acolhidas em razão de um déficit de representatividade” c) Função iluminista: Por fim, o Ministro Barroso entende que uma das funções do Supremo Tribunal Federal, que deve ser exercida com bastante parcimônia e em situações muito excepcionais, é a função iluminista, que nada mais seria do que “empurrar a história, mesmo contra vontades majoritárias, para indispensável avanço civilizatório". Barroso citou a função iluminista do Supremo Tribunal Federal como um dos seus argumentos para votar favoravelmente ao tema da criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF MI 4733 e ADO 26) 178. Lei não-norma (lei-medida), Lei-norma e norma-não lei (classificação adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a partir das lições de Renato Alessi e Eros Roberto Grau) A classificação acerca das normas e leis como “lei-medida (norma não lei), lei-norma e norma lei” era utilizada com bastante frequência pelo Ministro Eros Roberto Grau na época em que o mesmo estava no Supremo Tribunal Federal, além de também aparecer em votos de outros ministros como Teori Zavascki. Percebam que se trata de uma classificação encampada, portanto, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Vamos a cada um desses conceitos: a) lei-norma: As “leis-normas” são aquelas leis que possuem generalidade e abstração suficiente, ou seja, são consideradas lei tanto em sentido formal quanto em sentido material. Vejamos um um trecho da ementa da ação direta de inconstitucionalidade número 820/RS, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 13/03/2007: “(…) A lei estadual impugnada consubstancia lei-norma. Possui generalidade e abstração suficientes. Seus destinatários são determináveis, e não determinados, sendo possível a análise desse texto normativo pela via da ação direta”. (…) b) lei não-norma (lei-medida): A partir de uma classificação formulada pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, a Lei de Anistia brasileira é classificada pela Corte Constitucional brasileira como uma “lei-medida”. As leis-medidas “são aquelas que disciplinam diretamente certos interesses, mostrando-se imediatas e concretas. Consubstanciam-se, em si mesmas, um ato administrativo especial”. Assim, é possível afirmar que a lei-medida é uma lei apenas em sentido formal, já que não é dotada de generalidade e abstração. Portanto, em razão da Lei de Anistia brasileira veicular uma decisão política assumida naquele momento — o momento da transição conciliada de 1979. A Lei n. 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade, que deve, segundo o Supremo Tribunal Federal, ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada. Ainda sobre o tema das leis-medidas, é importante ressaltar que atualmente o Supremo Tribunal Federal admite o controle de constitucionalidade destas leis, afinal, além da ADPF 153 julgada pela Corte Constitucional brasileira, a mesma vem admitindo o controle de constitucionalidade de leis orçamentárias, que também são classificadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal como leis-medidas. Vejamos um trecho da ementa da ADPF 153 julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 29/04/2010: “A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política assumida naquele momento --- o momento da transição conciliada de 1979. A Lei n. 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade”. As leis-medidas também são chamadas pelo Supremo Tribunal Federal de “lei não-norma”, vejamos um trecho do voto do Min. Eros Grau na ADPF 153/DF: “O Poder Legislativo não veicula comandos abstratos e gerais quando as edita, fazendo-o na pura execução de certas medidas. Um comando concreto é então emitido, revestindo a forma de norma geral. As leis medida configuram ato administrativo completável por agente da Administração, mas trazendo em si mesmas o resultado específico pretendido, ao qual se dirigem. Daí por que são leis apenas em sentido formal, não o sendo, contudo, em sentido material. Cuida-se, então, de lei não-norma”. c) norma-não lei: cabe ao Poder Legislativo mediante a edição de leis a criação, modificação e extinção de normas (de modo geral) em ordenamento jurídico. No entanto, em algumas situações, a Constituição Federal de 1988 permitiu em seu texto constitucional a possibilidade de órgãos desvinculados do Poder Legislativo de editarem normas de sentido primário sem a intermediação de uma lei em sentido formal propriamente dita, mas diretamente da constituição, como por exemplo, as Resoluções do CNJ que versam sobre o tema do nepotismo (STF, ADC 12, julgada em 20/08/2008). Eros Roberto Grau chama essas normas de normas-não lei, uma vez que são impostas pro força própria a partir de um dispositivo constitucional e não contam com a intermediação de uma lei (delegação legislativa). Sobre o tema, ensina Arthur Jacon Matias: “Ex vi da verticalização hierárquica definida pela Constituição da República sobre o restante do tecido normativo, se ela confiou ao Poder Legislativo o escopo precípuo de produzir normas jurídicas gerais, com aptidão para criar, modificar ou suprimir direitos, exceções a tal premissa podem validamente existir se, e somente se, igualmente encontrarem permissão hospedada na Constituição da República. Em rigor, os art. 62, 84, IV, 96, I, 'a', 103-A, 103-B, § 4º, I, 114, § 2º, e 130-A, § 2º, I, da Constituição da República previram, observados os limites assentados pela Carta, a possibilidade jurídica de órgãos desvinculados do Poder Legislativo dimanarem normas jurídicas primárias, sem intermediação de lei em sentido formal. São as chamadas por Eros Grau de normas-não lei, visto que impostas por força própria (= força constitucional), e não por delegação legislativa.260 Nem por isso deixam de ser derivadas, no sentido de que devem se fundar sobre uma atribuição de poder normativo contida explícita ou implicitamente na Constituição. Esses dispositivos vertem, com inobjetável clareza, hipóteses de criação de normas jurídicas de caráter geral, disciplinadoras de incontáveis situações, que não provêm do corpo legislativo; antes, de outros órgãos de estado pertencentes ao arcabouço constitucional, tais como a Presidência da República, os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal” (MATHAIS, Arthur José Jacon. Precedentes: Fundamentos. Elementos. Aplicação. Editora Jhmizuno, 2019; grifo nosso) 179. Direito constitucional, concepções de moralidade e interpretação constitucional: 1. Moralidade privada: A moralidade privada diz respeito ao que cada um faz na sua vida e que não afeta direitos de terceiros. Ex: devo me exercitar hoje ou não devo me exercitar e posso ficar sem fazer nenhum tipo de exercício físico? A moralidadeprivada é desprovida de intersubjetividade e pode ser conceituada como as compreensões de vida boa que em sociedades plurais tendem a conviver em um mesmo espaço. 2. Moralidade pública: A moralidade pública é dotada de intersubjetividade. São aqueles comportamentos do indivíduo que afetam direitos do outro ou a forma de se organizar a sociedade, a economia e as instituições que inexoravelmente irá refletir na vida das pessoas. É este campo da moralidade que a Constituição permite que o direito intervenha de forma heterônoma. 3. Moralidade positiva: São os valores socialmente compartilhados. A moralidade positiva pode ser problemática pois a sociedade brasileira ainda é dotada de uma carga forte de preconceitos. Exemplos: heteronormatividade no campo da população LGBTQI+, racismo no campo da igualdade étnico racial, machismo e violação do direito das mulheres além de uma ampla desigualdade econômica. 4. Moralidade crítica: A moralidade crítica não se desliga completamente dos valores vigentes em uma determinada sociedade, mas ela interpela os valores vigentes naquela sociedade. A moralidade crítica questiona e se propõe a rediscutir os supostos valores de determinada sociedade a partir de certos parâmetros de justiça. A interpretação das normas jurídicas e da Constituição Federal de 1988 incorpora uma agenda de moralidade crítica do direito, interpelando as pessoas a sempre questionar: isso é tratar o outro como uma pessoa digna? Ou é impor ao outro um determinado padrão de vida? Isso se justifica racionalmente? 180. Conversão do entendimento fixado em cautelar no controle concentrado de constitucionalidade em mérito de forma imediata na mesma sessão de julgamento que fixou o entendimento cautelar: No julgamento da ADPF 378 proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) o relator, Min. Fachin, com o escopo de garantir a segurança jurídica do processo de impeachment envolvendo a ex-Presidente da República Dilma, propôs aos seus pares que o entendimento sufragado em sede cautelar fosse desde já convertido em mérito. Para viabilizar tal proposta, o Min. Fachin elencou dois requisitos como necessários para que o entendimento proferido em sede cautelar pelo STF fosse desde já convertido em mérito: a) no momento da decisão pela conversão do entendimento proferido em sede cautelar como definitivo, haveria a necessidade da existência de quorum para o julgamento de mérito e; b) que já no momento em que a Corte se debruçar sobre o pedido cautelar, a demanda esteja instruída com todos os elementos necessários para o julgamento do feito de forma definitiva. A proposta foi acolhida por unanimidade pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Percebam que entendimento interessante e que não é tratado pelos livros de Direito Constitucional em geral no Brasil. 181. Direitos à prestação jurídica x direitos à prestação material: Os direitos à prestação são aqueles direitos que exigem um facere estatal, ou seja, uma verdadeira “obrigação de ação” para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais/humanos. A doutrina divide a classificação acerca do direito à prestação de forma binária: direitos à prestação material e direitos à prestação jurídica. a) direitos à prestação jurídica: são aqueles que ensejam uma discussão sobre a criação de medidas específicas para combater a inércia do Estado em regulamentar a questão. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos: “Os direitos à prestação jurídica acarretam uma discussão sobre a criação de medidas específicas no combate à inércia do Estado em legislar, como ocorreu no Brasil com a criação do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão”. Ainda segundo o professor da USP: “A prestação jurídica é realizada pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito. Assim, o devido processo legal para ser protegido exigirá uma prestação estatal de regulação de normas processuais e procedimentais adequadas”. b) direitos à prestação material: são aqueles em que o próprio Estado intervém e a partir de uma obrigação de ação positiva implementa o direito judicializado. Ex: Estado fornece vaga em creche para determinada criança ou um medicamento para determinada pessoa. Vejamos a lição de André de Carvalho Ramos: “Já a prestação material consiste na intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente do seu direito. Por exemplo, no caso do direito à saúde, o Estado deve realizar prestações materiais por meio de construção de hospitais, equipamentos, equipe médica e ainda fornecimento gratuito de medicamentos, tudo isso para assegurar materialmente o efetivo gozo do direito à saúde” 182. Democracia iliberal ou de baixa intensidade: A democracia iliberal (Fareed Zakaria) também chamada de democracia parcial, democracia de baixa intensidade, democracia vazia ou democracia guiada é um sistema de governo no qual, em que pese as eleições democráticas ocorram, a população é afastada de exercer controle (accountability) sobre as atividades dos governantes em virtude da prática de atos de violação de liberdade civis e direitos fundamentais/humanos dos cidadãos por parte do Estado, não sendo, portanto, uma sociedade aberta. Segundo o Ministro Luis Roberto Barroso, a democracia iliberal ou de baixa intensidade é um produto do chamado constitucionalismo abusivo (tema já abordado aqui no canal). Ao analisar o constitucionalismo abusivo, Barroso adverte “produz democracias iliberais, isto é, sem suficiente proteção a direitos, com enfraquecimento das instituições e os riscos à autenticidade e lisura dos processos eleitorais que daí advêm. Suas lideranças elegem alvos estratégicos na debilitação da democracia” Aprofundando, o Estado “Democrático” iliberal ou de baixa intensidade se caracteriza a partir de uma situação onde governos eleitos ou referendados legitimamente (às vezes de maneira repetida) costumam ignorar os limites constitucionais e privar a população que o elegeu ou aceitou de direitos fundamentais, e que a maior parte dos países que se situam em algum ponto do espectro entre as ditaduras reconhecidas e as democracias consolidadas (países em democratização) são democracias iliberais, onde o povo possui maior proteção às liberdades políticas, e menor às liberdades civis. Na democracia iliberal o Poder Judiciário também possui sua independência questionada. A mídia e a sociedade civil são enfraquecidas e a desigualdade entre grupos vulneráveis e sociedade majoritária aumenta. O país assolado por uma democracia iliberal não é considerado nem democrático e nem não democrático. O termo democracia iliberal foi utilizado pelo Ministro Luis Roberto Barroso na ADPF 622 que tratou da análise da constitucionalidade do Decreto do Presidente da República que reduziu os assentos do CONANDA e por conseguinte o controle e participação popular no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente. A cautelar foi concedida. 183. Princípio “sight and sound” no direito de reunião, manifestação e protesto. Em matéria de direito de reunião, manifestação e protesto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos alerta para a necessidade de observância do princípio sight and sound que traduz a ideia de que quando uma manifestação ou protesto busca emitir uma mensagem específica para uma pessoa, grupo ou organização, o ato de protesto ou manifestação deve se realizar em um lugar e horário que permitam a difusão visual e sonora da mensagem. A temática foi abordada recentemente em informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre derecho de la protesta (dez/2019). 184. Função Social da Escola: “A função socializadora (ou social) da escola consiste em inserir a criança e o adolescente em um espaço público de convívio com outros menores em semelhante estágiode desenvolvimento psicossocial”. STF, RE 888815/RS, j. 12/09/2018 O Recurso Extraordinário citado tratou do tema do homeschooling no Brasil. 185. Princípio (ou teoria) da reserva do impossível): Recentemente, ao julgar o Recurso Especial nº 1.537.053, o Superior Tribunal de Justiça analisou a seguinte questão: é cabível o manejo de ação civil pública para compelir o Estado a providenciar banho em temperatura adequada (quente) nos estabelecimentos prisionais? O STJ entendeu que sim, com fulcro em diversos argumentos, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o Tribunal da Cidadania advertiu que “nos domínios da dignidade da pessoa humana prevalece o princípio da reserva do impossível, havendo portanto uma intocabilidade da essência humana seja por ação ou por ação estatal”. Mas o que é o tal princípio (ou teoria) da reserva do impossível? A teoria ou princípio da reserva do impossível consiste na possibilidade de o STF não reconhecer a inconstitucionalidade formal de determinadas matérias em virtude do cenário fático posto, dando-se prevalência para a realidade subjacente em detrimento das formalidades, evitando-se maiores prejuízos. Percebam, portanto, que a teoria da reserva do impossível já era aplicada pelo STF para salvaguardar direitos e passou também a ser aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça. Sobre o princípio da reserva do impossível, é a lição de Uadi Lammego Bulos: “Pelo princípio da reserva do impossível existem matérias que, do ponto de vista formal, podem até se afigurar inconstitucionais, mas, por uma impossibilidade fática, o Supremo proíbe a pronúncia da nulidade do ato inconstitucional, para evitar prejuízos incalculáveis para o Estado. Assim, existem situações excepcionais consolidadas que devem ser mantidas para preservar a força normativa dos fatos, a segurança da ordem jurídica, a continuidade do Estado, os valores éticos da convivência pacífica entre os homens, a confiança e a boa-fé das relações sociais, permitindo ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, pelo quórum qualificado de dois terços dos votos de seus Ministros (= 8 Ministros), com a possibilidade de estender, para o futuro, os efeitos de sua decisão, ou fixar prazo que achar razoável (Lei n. 9.868/99, art. 27). [...] Na jurisprudência do Supremo, a reserva do impossível foi invocada por ocasião do julgamento da ADIN 2.240-7/BA, interposta pelo Partido dos Trabalhadores contra a Lei n. 7.619, de 30-3-2000, do Estado da Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, decorrente do desmembramento de área do Município de Barreiras. Esse julgado, relatado pelo Ministro Eros Grau e proferido antes do advento da EC n. 57/2008, demonstra a aplicação da reserva do impossível em ação direta de inconstitucionalidade” (BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 375). 186. Papéis dos tribunais internacionais de direitos humanos para o Ministro Luis Roberto Barroso: O Ministro Luis Roberto Barroso, em seu texto intitulado “Democracias Iliberais, Direitos Humanos e Papel dos Tribunais Internacionais” elenca três papeis/funções dos tribunais internacionais na proteção do regime democrático e na proteção de direitos humanos. a) Papel informativo: O Ministro Barroso reconhece o papel informativo dos tribunais internacionais de direitos humanos, já que esses tribunais “apuram que ocorreu nos países sujeitos à sua jurisdição, valoram os fatos e, nessa medida, expressam uma espécie de verdade oficial”. O papel informativo dos tribunais internacionais de direitos humanos é muito importante pois a comunidade internacional passa a ter ciência do que efetivamente está ocorrendo em determinado país bem como para a reconstrução histórica dos fatos apurados. b) Papel preventivo: Barroso também reconhece uma função preventiva dos tribunais internacionais de direitos humanos. Segundo o Ministro do STF: “Quando julgam um determinado caso, sua decisão constitui res judicata apenas para as partes do caso, mas formam res interpretata para todos os demais países sujeitos à sua jurisdição. Os precedentes firmados pelas cortes internacionais constituem standards objetivos sobre o alcance da tutela da democracia e dos direitos fundamentais, que desincentivam comportamentos violadores”. c) Papel repressivo: Por fim, o Ministro Barroso reconhece a função repressiva dos tribunais internacionais de direitos humanos, já que estes órgãos: “quando afirmam a ocorrência de tais violações e condenam os respectivos Estados, responsabilizando-os na esfera internacional por fazer cessar tais violações, criar condições para que não voltem a ocorrer e reparar as suas vítimas”. 187. Controle de constitucionalidade por omissão e impossibilidade de fixação do dever de indenizar: É possível que seja reconhecido o dever do Estado em indenizar determinado(s) indivíduo(s) no bojo de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão? A resposta é negativa. Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão número 26, que tratou do tema da criminalização da homofobia e transfobia, um dos pedidos do autor da ação foi justamente o reconhecimento da responsabilidade civil da União Federal, cujo comportamento negligente no combate à homofobia e à transfobia teria, supostamente, propiciado a ocorrência de graves ofensas e agressões às vítimas de tais condutas, fazendo emergir, em decorrência do quadro de abandono a que foram expostas, o dever do Estado de indenizá-las pelos danos morais e/ou patrimoniais por elas sofridos. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: “Pleiteia-se, finalmente, o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, condenando-se a União Federal e os congressistas responsáveis pelo retardamento abusivo na efetivação da prestação legislativa a indenizarem as pessoas do grupo LGBT prejudicadas pelo comportamento omissivo ora imputado ao Estado”. Ao analisar a temática, o Ministro Relator Celso de Mello abriu um tópico em seu voto com o seguinte título “Inviabilidade da formulação, em sede de processo de controle concentrado de constitucionalidade, de pedido de índole condenatória, fundado em alegada responsabilidade civil do Estado, eis que, em ações constitucionais de perfil objetivo, não se discutem situações individuais ou interesses subjetivos” E aduziu que: “em tema de controle abstrato de omissão inconstitucional, revela-se inviável a concessão de tutela de índole ressarcitória, requerida com o objetivo de reparar danos morais e/ou patrimoniais eventualmente sofridos por terceiros, seja ela postulada em caráter individual, seja ela formulada em defesa de interesses coletivos ou transindividuais’. Assim, como a finalidade do controle objetivo de constitucionalidade é a fiscalização abstrata das normas e a proteção objetiva da ordem jurídica constitucional, é descabida a fixação do dever de indenizar por parte do Estado a partir de situações jurídicas de caráter individual ou concreto. 188. “O princípio da fraternidade é um macroprincípio dos Direitos Humanos e passa a ter uma nova leitura prática, diante do constitucionalismo fraternal prometido na Constituição Federal, em especial no seu art. 3º, bem como no seu preâmbulo” (STJ, AgRg no PExt no RHC 113084). 189. “Não estão protegidos pela liberdade de expressão, atos que, a pretexto de ideologia política, visem retirar direitos ou a excluir determinadas pessoas da sociedade”. Corte Europeia de Direitos Humanos, Norwood vs Reino Unido (2004) 190. Vamos falar um pouco sobre MOBBING (ASSÉDIO MORAL) E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? . O “mobbing” é uma expressão técnica utilizada no estudo do comportamento de animais para identificar uma postura antipredatória. Quando analisada no âmbito das relações humanas está ligadaao assédio moral nas relações de trabalhando, redundando em uma humilhação. No Brasil, a maioria das vítimas de mobbing é do sexo feminino. No entanto, o mobbing também pode ser praticado contra homens. Aprofundando, a Lei Maria da Penha prevê diversas categorias de violências contra a mulher, dentre elas a violência moral e psicológica. Situações que caracterizam a prática do mobbing: sobrecarregar propositalmente a pessoa assediada de tarefas, espalhar falsos rumores, ser agredida(o) verbalmente, ser vigiada(o) excessivamente no âmbito profissional, ser vítima de constrangimentos, receber tarefas inferiores ou diferentes da sua atribuição com o propósito de humilhação, atentar contra a privacidade da pessoa assediada. O mobbing pode ser praticado a partir de três modalidades: (a) horizontal; (b) vertical; (c) ascendente. MOBBING HORIZONTAL: ocorre entre funcionários e colegas de trabalho do mesmo nível hierarquico. MOBBING VERTICAL (BOSSING ou MOBBING ESTRATÉGICO): o autor é chefe ou está hierarquicamente superior a vítima no quadro funcional. MOBBING ASCENDENTE: ocorre quando empregados ou funcionários hierarquicamente inferiores praticam os atos característicos do mobbing contra empregados hierarquicamente superiores no quadro funcional/pessoal. A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê em seu artigo 10 que: “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher também reconhece a prática do mobbing como atentatória aos direitos da mulher (art. 2.1) 191. Vamos falar um pouco sobre FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA? O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e está previsto no artigo 1o, inciso III, da Constituição Federal de 1988. É tido por muitos como “a célula mãe” da CFederal de 1988, ou ainda, como o epicentro do ordenamento. Não há um conceito fechado de dignidade da pessoa humana, no entanto, não é raro visualizarmos a ideia de dignidade a partir de Kant: “as coisas possuem preço enquanto os homens possuem dignidade”. A doutrina elenca quatro principais funções da dignidade da pessoa humana. Vamos lá. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA como fundamento da criação jurisprudencial de novos direitos: na fundamentação de novos direitos, a dignidade da pessoa humana é frequentemente invocada, como por exemplo, no caso em que o STF reconheceu o “direito à busca pela felicidade”. Essa primeira função da dignidade da pessoa humana também é chamada de “eficácia positiva do princípio da dignidade da pessoa humana”. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA utilizada para conferir a interpretação adequada de determinado direito: a DPH também possui uma função de vetor interpretativo, como por exemplo, no caso em que o STF reconheceu que o direito ao acesso à justiça e à prestação jurisdicional deve ser célere, pleno e eficaz. DPH COMO LIMITE ÀS AÇÕES ESTATAIS: a dignidade da pessoa humana também funciona como limite às ações do Estado. É a chamada “eficácia negativa da DPH”. Exemplo: DPH invocada para traçar limites ao uso desnecessário de algemas. DPH INVOCADA NO JUÍZO DE PONDERAÇÃO: uma última função da dignidade da pessoa humana é sua utilização como fundamento no juízo de ponderação no momento em que o intérprete faz a escolha pela prevalência de um direito em detrimento de outro. Por fim, um tema especial. DIMENSÃO ECOLÓGICA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: ao julgar o REsp 1.797.175, o STJ reconheceu a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana de forma expressa ao vetar a reintegração de uma ave silvestre ao seu habitat natural após a mesma já possuir hábitos de animal de estimação e convivência habitual duradoura com seu dono. Trata-se de uma faceta ambienta da DPH que reconhece os animais como sujeitos “especiais” de direito. 192. Princípio constitucional da fraternidade, constitucionalismo fraternal e jurisprudência do STJ: O princípio da fraternidade é concebido como um macroprincípio dos Direitos Humanos e possui previsão constitucional implícita no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg no PExt no RHC 113084/PE). Vejamos um trecho do referido julgado do STJ: “O princípio da fraternidade é um macroprincípio dos Direitos Humanos e passa a ter uma nova leitura prática, diante do constitucionalismo fraternal prometido na Constituição Federal, em especial no seu art. 3º, bem como no seu preâmbulo”; Ainda sobre o princípio da fraternidade segundo o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no PExt no RHC 113084/PE) a) O princípio da fraternidade é uma categoria jurídica e não pertence apenas às religiões ou à moral. Sua redescoberta apresenta-se como um fator de fundamental importância, tendo em vista a complexidade dos problemas sociais, jurídicos e estruturais ainda hoje enfrentados pelas democracias. A fraternidade não exclui o direito e vice-versa, mesmo porque a fraternidade, enquanto valor, vem sendo proclamada por diversas Constituições modernas, ao lado de outros historicamente consagrados como a igualdade e a liberdade; b) O princípio da fraternidade é um macroprincípio dos Direitos Humanos e passa a ter uma nova leitura prática, diante do constitucionalismo fraternal prometido na Constituição Federal, em especial no seu art. 3º, bem como no seu preâmbulo; c) O princípio da fraternidade é possível de ser concretizado também no âmbito penal, através da chamada Justiça restaurativa, do respeito aos Direitos Humanos e da humanização da aplicação do próprio direito penal e do correspondente processo penal. 193. Vamos falar um pouco sobre HOMESCHOOLING (ENSINO DOMICILIAR)? O “homeschooling” também chamado de “educação em casa” ou “ensino domiciliar” pode ser compreendido como a prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino, sejam elas públicas ou privadas. Ao longo do mundo, o homeschooling é permitido em diversos países: EUA, Canadá, Itália, França, Rússia, Nova Zelândia entre outros. Os pais adeptos ao homeschooling geralmente se valem de diversos argumentos, desde o medo de que os filhos se envolvam com riscos do ambiente escolar (violência, drogas etc), passando por argumentos religiosos e até por acreditarem que os métodos escolares são ultrapassados. Não se deve confundir o homeschooling (educação domiciliar) com o fenômeno do “unschooling” que consiste na desescolarização. No unschooling nega-se a instituição escolar e a criança passa a ser o próprio agente diretivo do aprendizado, escolhendo o conteúdo e carga horária. Mas qual a diferença do unschooling para o homeschooling? No homeschooling não se nega o currículo escolar e as crianças e adolescentes recebem a educação em casa seja dos pais seja em parceria com instituições de ensino do Estado. O estudante não é o agente diretivo. Ao julgar o RE 888.815/RS, o STF decidiu que a Constituição Federal de 1988 não veda o homeschooling. No entanto, o STF advertiu que o tema carece de regulamentação legal no país, requisito previsto no artigo 208, p. 3o da Constituição Federal de 1988. Para o STF, o Estado pode editar uma lei acerca do homeschooling, disciplinando meios de avaliação dos alunos e a fiscalização da frequência dos mesmos. Editada a lei específica seria possível implementar o homeschooling no país. Atualmente, a adoção do homeschooling pelos pais pode gerar inclusive responsabilidade civil (art: 1.634 do Código Civil) e criminal (art. 246 do Código Penal). Por fim, destaco dois pontos interessantes da decisão do STF. Dupla função do direitoà educação: de um lado qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada e desenvolvida (cidadania) e, por outro lado dignifica o indivíduo, verdadeiro titular do direito subjetivo à educação (dignidade da pessoa humana). Por fim, o STF também debateu a chamada “função socializadora da escola” que consiste em inserir a criança e o adolescente em um espaço público de convivo com outros menores em estágio semelhante de desenvolvimento psicossocial. 194. Vamos falar um pouco sobre CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS? Os direitos humanos possuem uma série de características. Vou falar das principais características elencadas pela doutrina especializada na área de direitos humanos. HISTORICIDADE: Os direitos humanos possuem um caráter histórico e são objeto de conquista da humanidade. Em virtude do seu caráter histórico e atemporal os direitos humanos não devem ser deixados de lado pelo simples passar do tempo. UNIVERSALIDADE: os direitos humanos são universais e inerentes a própria condição de ser humano. Basta existir para ser titular de direitos humanos, independentemente de quem você seja, de sua classe social etc. Todos somos livres e iguais. TRANSNACIONALIDADE: os direitos humanos são transnacionais. O indivíduo é titular de direitos humanos independentemente do local, país ou nacionalidade. Ainda, mesmo os apátridas (sem nacionalidade) são titulares de direitos humanos. IMPRESCRITIBILIDADE: os direitos humanos são imprescritíveis. O passar do tempo não gera uma perda dos direitos humanos, já que são dotados de atemporalidade. O não uso pelo seu titular também não gera a sua prescrição ou decadência. INEXAURIBILIDADE: os direitos humanos são inexauríveis. É possível que surjam novos direitos humanos com o passar do tempo. Ex: atualmente se fala em direito humano à internet e à água potável, este último já reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. IRRENUNCIABILIDADE: os direitos humanos são irrenunciáveis de forma absoluta, isso não significa que em situações excepcionais o indivíduo não possa renunciar por período certo e determinado PARTE de seu direito humano. Ex: direito à imagem e participantes de reality shows. RELATIVIDADE: os direitos humanos em regra não são absolutos e podem ser limitados POR OUTROS DIREITOS HUMANOS em uma ponderação de interesses. No entanto, existiriam 3 direitos humanos absolutos no BR: vedação à tortura, à escravidão e vedação de ser compulsoriamente associado em uma associação. INTERDEPENDÊNCIA: os direitos humanos estão vinculados uns aos outros. Possuem uma relação de interdependência. INALIENÁVEIS: os direitos humanos são inalienáveis de forma absoluta e perpétua, mas aqui vale a mesma exceção para atos de caráter temporário e excepcionalíssimo como cessão de imagem temporária e participação em reality shows (BBB, A Fazenda etc). INDIVISIBILIDADE: os direitos humanos são indivisíveis, na mesma lógica da interdependência. EFETIVIDADE: há ainda quem considere a efetividade uma característica dos direitos humanos, cabendo ao Estado garantir a efetividade desses direitos e proteger para que esses direitos não sejam violados seja por agentes estatais seja por outros particulares. 195. Vamos falar um pouco sobre AS CORES DAS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS? No livro “O fim dos direitos humanos” o autor grego Costas Douzinas atribui, a partir da clássica classificação das gerações de direitos humanos de Karel Vasak, uma cor para cada uma das três primeiras dimensões dos direitos humanos. Os direitos humanos de primeira dimensão seriam “direitos azuis” já que simbolizam a liberdade individual. Os direitos de segunda dimensão seriam “direitos vermelhos”, uma vez que simbolizam as reivindicações de igualdade e as garantias de um padrão de vida decente. Os direitos de terceira dimensão seriam “direitos verdes”, uma vez que retratam a proteção ambiental e a autodeterminação dos povos. Utilizei o termo “dimensão” em detrimento do termo “geração” em virtude do último dar a falsa impressão de substituição de uma classe de direitos humanos por outra, o que não ocorre (os direitos humanos são interdependentes). 196. Vamos falar um pouco sobre as DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS? A teoria das gerações (ou dimensões) dos direitos humanos foi idealizada por Karel Vasak e posteriormente foi ampliada pela doutrina. DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO: são os direitos de liberdade em sentido amplo, como por exemplo, os direitos civis e políticos. Exemplos: direito à vida, à propriedade, à intimidade etc. DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAÇÃO: são os direitos econômicos, sociais e culturais. Exemplo: direito à saúde, à educação, à previdência etc. DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA DIMENSÃO: são os direitos da comunidade e possuem como destinatário todo o gênero humano. São os direitos difusos e coletivos. Exemplo: direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrismo, direito ao desenvolvimento e à fraternidade. DIREITOS HUMANOS DE QUARTA GERAÇÃO: são os direitos humanos resultantes da globalização. Exemplos: direito à democracia, à informação, ao pluralismo etc. DIREITOS HUMANOS DE QUINTA GERAÇÃO: é o reconhecimento da normatividade do direito à paz. Exemplo: direito à paz social. DIREITOS HUMANOS DE SEXTA GERAÇÃO: o direito humano à água potável vem sendo encarado pela doutrina como um direito humano de sexta geração. Recentemente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu expressamente o direito à água como um direito humano. DIREITO HUMANO DE SÉTIMA GERAÇÃO: a doutrina elenca como direito humano de sétima geração o direito ao respeito (right to respect), que prega o respeito a todos os direitos desde os menores até os de maior escala. DIREITO HUMANO DE OITAVA GERAÇÃO: há quem defenda o direito à segurança pública como um direito humano de oitava geração. Trata-se de uma ampliação substancial da classificação de Karel Vasak mas que já é possível encontrar pela doutrina. É importante ressaltar que uma dimensão não substitui a outra, os direitos humanos são interdependentes e estão todos conectados. 197. Vamos falar um pouco sobre ONDAS DO FEMINISMO E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA MULHER? A história do movimento feminista e de suas conquista é dividida em partes, as chamadas “ondas do feminismo”. Essa divisão não significa que as reivindicações foram isoladas, mas uma onda complementa a outra e algumas pautas continuam até hoje. PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO: aconteceu a partir do final do século XIX e avançou no início do XX. As principais pautas do movimento feminista foram os direitos civis básicos, como o direito ao voto (movimento sufragista), direito ao trabalho remunerado e acesso à educação. SEGUNDA ONDA DO FEMINISMO: inicia-se no início da década de 60 e é marcada por um caráter libertário, a partir de uma união entre estudantes e a classe operária. A pauta do movimento feminista era a conquista de um novo formato de relacionamento, no qual a mulher tivesse mais liberdade e autonomia para decidir sobre seu corpo e sua vida. Igualdade entre homens e mulheres nas relações. TERCEIRA ONDA DO FEMINISMO: surgiu a partir da década de 80 e durou até 1990. A pauta do movimento era a consolidação pelos direitos das ondas anteriores bem como a luta por saúde materna, contra o racismo e a favor da livre orientação sexual das mulheres. QUARTA ONDA DO FEMINISMO: atualmente já se fala em uma 4a onda do feminismo a partir de 2012. Esta atual onda do feminismo foca no combate à violência contra a mulher e na oposição ao assédio sexual por meio das redes sociais. Foi uma onda que ganhou corpo com as redes sociais 198. Vamos falar um pouco sobre HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS? ANTIGUIDADE: as manifestações de direitos humanos podem ser visualizadasjá na antiguidade (Séc VIII e a.C) a partir de filósofos como Buda, Confúcio, Zaratustra e outros, que idealizaram ideias e códigos baseados no respeito e no amor. EGITO: reconhecimento de direito dos indivíduos na codificação de amenas. SUMÉRIA ANTIGA: edição do Código de Hammurabi (lei do talião) que impunha a reciprocidade no trato de ofensas (o violado de direitos humanos recebi a mesma ofensa que violou). Nesta thread vamos tentar traçar algumas manifestações dos direitos humanos ao longo da história. Segundo André de Carvalho Ramos, o cerne dos direitos humanos é a luta contra a opressão e a busca por bem estar do indivíduo a partir da ideia de justiça e igualdade. SUMÉRIA E PERSA: edição de declaração de boa governança. ATENAS: democracia ateniense e participação política dos cidadãos. Platão e a defesa da igualdade na obra “A república”. Aristóteles e a importância da ideia de justiça “Ética Nicômaco”. ROMA ANTIGA: sedimentação do princípio da legalidade. Consolidação dos direitos de propriedade, liberdade, personalidade jurídica e igualdade. NOVO TESTAMENTO: preocupação com a solidariedade e bem estar de todos (inclusive dos vulneráveis). IDADE MÉDIA: surgimento de revoluções contra determinados estamentos. Magna Carta Inglesa de 1215 (Rei João Sem Terra). Questionamento do Estado Absolutista e limitação do poder do Estado (habeas corpus act, petition of rights), revolução gloriosa e Bill of Rights. ILUMINISMO: Hobbes e o reconhecimento do ser humano em seus textos. GRÓCIO: e o reconhecimento de direitos naturais “princípios inerentes ao ser humano”, LOCKE: limitação do poder do Estado em relação ao direito à vida e à propriedade. ROUSSEAU: ideia de contrato social. ILUMINISMO: BECCARIA em “dos delitos e das penas” com a ideia de proporcionalidade e limite no jus puniendi do Estado. KANT: ideia de dignidade intrínseca a todo ser racional. Coisas possuem preço e seres humanos possuem dignidade. CONSTITUCIONALISMO LIBERAL: Revolução inglesa consagrou o império da lei e a supremacia do legislativo. Revolução Americana: criação da Constituição e independência das colônias britânicas. Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. CONSTITUCIONALISMO LIBERAL: Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Edição da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (primeiro documento consagrado com vocação universal). CONSTITUCIONALISMO SOCIAL: introdução dos direitos sociais (Constituição do México de 1917 e de Weimar de 1919). Além da Constituição Brasileira de 1934. Criação da Org. Mundial do Trabalho pelo tratado de Versalhes após o fim da 1a Guerra Mundial. FASE DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: com o fim da 2a Guerra Mundial o respeito a democracia e direitos humanos foram elevados à objetivo global. Criação da Organização das Nações Unidas (ONU) pela Carta de San Francisco e FASE DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Declaração de Paris) aprovada em 10 de dezembro de 1948. Atualmente estamos na fase de internacionalização dos direitos humanos que só vem crescendo com a implementação dos sistemas regionais de direitos humanos (interamericano, europeu e africano) além da confecção de diversos tratados internacionais de direitos humanos. 199. Vamos falar um pouco dos FUNDAMENTOS TEÓRICOS QUE JUSTIFICAM A EXISTÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS? Existem diversos fundamentos que justificam a existência dos direitos humanos. Vamos analisar os principais nesta thread. JUSNATURALISMO: está corrente defende a existência de conjunto de normas vinculantes anteriores (naturais ou divinas) feito da razão humana que seriam superiores ao direito que emana do Estado (direito posto). O jusnaturalismo possui um cunho metafísico pois se funda na existência de um direito preexistente ao próprio direito produzido pelo homem, sendo este direito de cunho divino ou de natureza inerente ao ser humano. POSITIVISMO: os direitos humanos seriam os valores e juízos que protegem a dignidade da pessoa humana e estão positivados no ordenamento jurídico pelo Estado. A Escola Positivista destaca que o fundamento dos direitos humanos consiste já existência da norma posta, deste modo, o pressuposto de validade está na edição de normas conforme as regras estabelecidas na Constituição de determinado Estado. Logo, os direitos humanos se justificam diante da existência formal e de estarem expressamente positivados no ordenamento jurídico. UTILITARISMO: as teorias do utilitarismo sustentam que a avaliação de uma conduta decorre de suas consequências e não do reconhecimento de direitos. Há aqui uma maximização das consequências positivas dos direitos humanos. RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: finalizada a 2a Guerra Mundial, a partir da derrubada do regime nazista, buscou-se a positivação internacionalista dos direitos humanos, com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados. 200. Vamos falar um pouco UNIVERSALISMO X RELATIVISMO CULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS? Em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos assinalou o caráter universal dos direitos humanos. A partir deste momento até o dia de hoje há um debate entre universalistas e relativistas acerca da seguinte questão: Qual o alcance das normas de direitos humanos? Os direitos humanos podem ter um sentido universal ou são culturalmente relativizados? Os que defendem o universalismo dos direitos humanos alegam que os direitos humanos destinam-se a todas as pessoas em todos os lugares como forma de proteção do ser humano, independentemente de religião, questões econômicas, sociais ou culturais. Os defensores do relativismo cultural defendem uma relativização dos direitos humanos a partir de questões culturais, já que cada cultura possui uma concepção do que seria moralmente correto e aprovado. Os relativistas também alegam que uma cultura não poderia dar uma “lição de moral” na outra, sob pena, inclusive, de caracterização de uma espécie de hierarquização de culturas. Haveriam diferentes maneiras de se definir o que é certo ou errado a partir da perspectiva cultural. Os universalistas contra-atacam, alegando que o relativismo cultural serve muitas vezes como forma de justificação de graves violações de direitos humanos que, sob o argumento cultural, ficariam imunes ao controle do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Existe uma posição intermediária, chamada de INTERCULTURALISMO, que propõe um diálogo entre as mais variadas culturas (principalmente entre culturas ocidentais e orientais) para que se busque um consenso universal do conceito de dignidade. Herrera Flores defende esta ideia. Os INTERCULTURALISTAS se preocupam com a não caracterização do fenômeno chamado de “canibalização cultural” do ocidente para com o oriente e vice-versa. Nesse aspecto, Boaventura de Souza Santos propõe a chamada “hermenêutica diatopica” como instrumento de alcance Do diálogo proposto pelo interculturalismo e uma compreensão consensuada global do que seria “dignidade” e “humanamente aceitável” no âmbito dos direitos humanos. O interculturalismo é muito bonito na teoria mas de difícil alcance na prática, já que muitas vezes sequer há um diálogo entre os países (e muitas vezes há inclusive ataques bélicos entre países ocidentais e orientais). Enfim, particularmente entendo que graves violações de direitos humanos não podem ser imunes de controle pela comunidade internacional a partir do argumento de que “isso é cultura e deve ser respeitado”. Existe um mínimo ético irredutível dos direitos humanos que deve ser SEMPRE respeitado. Questões como apedrejamento em praça pública, mutilação do órgão reprodutor feminino não devem ser aceitas ou compactuadas pela comunidade internacional sob o argumento de que seria uma questão cultural. Todosseres humanos são livres e iguais. Por outro lado, a diversidade cultural deve ser colocada na balança em situações que não configurem “graves violações de direitos humanos” como um argumento a ser levado em consideração na ponderação de interesses. 201. Vamos falar um pouco sobre DIREITO HUMANO À ÁGUA POTÁVEL? Somente no ano de 2010 a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) reconheceu o direito à água potável como um direito humano, a partir da edição da Resolução 64/292. No Brasil, existe uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa inserir o direito à água potável no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, constitucionalizando esse direito. No ano de 2018, eram mais de 35 milhões de brasileiros sem acesso ao fornecimento de água, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). As regiões que mais carecem de acesso à água no Brasil são as regiões Norte e Nordeste. Na Resolução da ONU citada anteriormente, a referida organização reconheceu o direito à água potável e limpa, bem como o direito ao saneamento básico como essenciais para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos. Não havendo acesso à água potável, portanto, há uma violação ao direito à vida a partir da normativa do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Segundo a ONU, o direito à água se realiza de forma progressiva e continua. Os países membros da ONU possuem a obrigação de respeitar, proteger e cumprir a realização do direito humano à água potável, um direito humano de sexta geração (ou dimensão) segundo a doutrina. A satisfação do direito humano à água potável pode variar em função de diversas condições como a disponibilidade para que o abastecimento de água a cada pessoa seja permanente e suficiente para usos pessoais e domésticos. Algumas pessoas precisam ter acesso a uma maior quantidade de água por razões de saúde, condições de trabalho ou até mesmo em virtude do clima onde vivem (intenso calor). A Corte IDH também reconheceu recentemente a existência de um direito humano à água potável no caso Comunidades Indígenas membros da Asssociacao Lhaka Honhat vs Argentina, julgado em 6 de fevereiro de 2020. Portanto, tanto o sistema interamericano de direitos humanos quanto o sistema global (onusiano) de direitos humanos reconhece o acesso à água potável como direito humano, devendo o Brasil cumprir os parâmetros protetivos fixados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos A recente aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil, ainda que tardiamente (estamos em 2020, é incrível que pessoas não tenham saneamento básico) vai ao encontro dos parâmetros protetivos do direito humano à água potável. 202. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS SOCIAIS? Os direitos sociais estão previstos no artigo 6o da Constituição Federal de 1988. São eles: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Os tratados internacionais de direitos humanos também tratam sobre direitos sociais. Exemplos: Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, Protocolo de San Salvador, tratados setorizados de grupos vulneráveis em espécie etc. Em sua grande maioria os direitos sociais possuem natureza prestacional, já que exigem uma obrigação positiva por parte do Poder Público. Ex: concessão de medicamento, vaga em creche, fornecimento de água potável e alimentação adequada, fornecimento de segurança pública etc. Essas prestações dos direitos sociais podem ser prestações jurídicas (quando o Estado deve criar medidas específicas elaborando normas para a proteção e implementação de determinado direito) ou prestações materiais, quando a partir deixa obrigação de ação positiva o Estado implementa o direito judicializado. Ex: vaga em creche. Concessão de medicamento. Etc Direitos sociais originários: são aqueles direitos sociais que advém diretamente do texto constitucional ou de um tratado internacional de direitos humanos, não existindo nenhuma regulamentação pelo legislador infraconstitucional ou pela administração pública. Direitos sociais derivados: são aqueles que possuem uma regulamentação legal realizada pelo legislador infraconstitucional ou ainda uma regulamentação administrativa. No que consiste a chamada teoria da reserva do possível? Trata-se de uma matéria de defesa alegada pelo Estado no sentido da não existência de recursos orçamentários para a satisfação da prestação material exigida em juízo com base em uma norma de direito social. STF e STJ possuem entendimento no sentido de que não é possível a alegação da teoria ou cláusula da reserva do possível diante do princípio do mínimo existencial. Sendo um direito social que garantirá a vivência do indivíduo de forma digna o Estado deve satisfazê-lo. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos atualmente vigora o modelo de justiciabilidade direta dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Mas o que significa isso? É possível alegar a violação de forma direta de um determinado dispositivo previsto em tratado internacional de direitos humanos sobre os DESCs. Exemplo: Artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos. No âmbito da Constituição Federa de 1988, também vigora no Brasil o modelo da justiciabilidade direta dos direitos sociais, sendo possível a utilização de dispositivos constitucionais como fundamentação para o pedido de satisfação de determinado direito social pelo Judiciário É possível postular um medicamento ou uma vaga em creche em juízo com base nos respectivos dispositivos constitucionais sobre estes temas? Sim. 203. Vamos falar um pouco sobre CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO? Também conhecido como “constitucionalismo verde”, “constitucionalismo ambiental global” ou “environmental constitucionalism”, o constitucionalismo ecológico pode ser compreendido como um entrelaçamento entre o direito ambiental, direito internacional e direito constitucional. Segundo Flávio Martins, o constitucionalismo ecológico consiste na crescente constitucionalizarão de temas ambientais, que deixam o status da infraconstitucionalidade, em razão de sua importância cada vez crescente. José Adercio Sampaio trabalha com a ideia de “três ciclos do constitucionalismo ecológico”. PRIMEIRO CICLO: CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO EMBRIONÁRIO: neste ciclo as Constituições trazem normas protetivas ao meio ambiente de cunho programático, determinando um dever geral de preservação do meio ambiente. SEGUNDO CICLO DO CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO: (CICLO ANTROPOCÊNTRICO): neste segundo ciclo a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado deixa de ser apenas um dever estatal e passa a ser um direito dos indivíduos. TERCEIRO CICLO DO CONSTITUCIONALISMO ECOLÓGICO (CICLO BIOCÊNTRICO): neste último ciclo não existe apenas a proteção constitucional do meio ambiente e de anilais, mas uma mudança de paradigma que passa a considerar animais e o meio ambiente como “sujeitos de direito”. Neste terceiro ciclo, aplica-se a chamada “teoria da pachamamma” que reconhece a mãe natureza como sujeito de direitos (Constituição do Equador e da Bolívia). Recentemente, com a decisão do STJ que reconheceu expressamente a DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, eu diria que o Brasil está saindo do segundo ciclo do constitucionalismo ecológico e em transição para o terceiro ciclo (com algumas ressalvas). O STJ ao julgar o REsp 1.797.175/SP, analisou a transferência e o conseguinte retorno de um animal que já estava fora do seu habitat natural por um longo período, e decidiu pela sua não transferência com base na dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana. 204. Vamos falar um pouco sobre as FASES DO CICLO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E CARACTERIZAÇÃODO CHAMADO “RELACIONAMENTO ABUSIVO”? O teoria do ciclo da violência doméstica e familiar contra a mulher foi criado na década de setenta pela norte-americana Lenore Wallet e vem sendo frequentemente utilizado por profissionais das áreas da saúde, direito e assistência social para identificar casos de violência contra a mulher no mundo globalizado. Nesse sentido, a questão da violência contra q mulher passou a ser enxergada como um problema cíclico composto por três fases: aumento de tensão, ataque violento (ou agressão) e lua de mel (ou reconciliação). FASE DO AUMENTO DE TENSÃO: o agressor passa a criar atritos e acumulando tensões, injúrias e ameaças contra a vítima mulher, que passa a viver em constante sensação de perigo eminente, bem como se sentindo culpada pelas críticas que recebe do agressor. Nesta etapa do aumento de tensão é comum que o agressor faça críticas a respeito de pessoas que possuem fortes laços afetivos contra a vítima, com o objetivo de afastá-la de amigos e familiares. FASE DO ATAQUE VIOLENTO (OU AGRESSÃO): nesta etapa do ciclo de violência o agressor maltrata física e psicologicamente a vítima, geralmente de forma escalonada. É nesta fase que geralmente as mulheres vítimas de violência buscam ajuda médica, apoio de amigos e familiares e ainda, em alguns casos, registram boletim de ocorrência nas repartições policiais (Delegacias de Polícia). FASE DA LUA DE MEL (OU RECONCILIAÇÃO): nesta última etapa do ciclo de violência contra a mulher o agressor tenta se redimir das agressões perpetraras contra a vítima, envolvendo a mesma com pedidos de desculpas, manifestações de amor e carinho, bem como prometendo mudar seu comportamento no sentido de nunca mais voltar a exercer violência de gênero contra a mesma. Está etapa do ciclo de violência contra a mulher pode ser facilmente percebida em situações nas quais o agressor envia flores à vítima como pedido de desculpas promete que irá “parar de beber” ou que “passará a frequentar a igreja”. Este estágio do ciclo de violência é extremamente danoso para a mulher agredida, uma vez que o agressor se utiliza de estratégias de manipulação afetiva para obter o perdão da vítima o que acaba por retroalimentar todo o círculo vicioso da violência contra a mulher, ocasionando a permanência e o aprisionamento das mulheres em situação de vulnerabilidade neste processo danoso e os agressores acabam ficando à margem do sistema de Justiça, já que uma vez concedido o perdão pela vítima, a mesma desiste de levar o caso ao conhecimento da rede de proteção (Estado). Por fim, no ciclo da violência contra a mulher, não há um lapso temporal delimitado para cada etapa e tampouco um número exato de vezes em que o ciclo se consuma, podendo cada fase durar de um a seis meses e o ciclo se repetir por anos de forma ininterrupta. A partir dessa explicação acredito que uma coisa ficou clara: não devemos nunca julgar uma mulher por não conseguir romper com o ciclo de violência na qual está inserida. Não se trata de uma questão simples como as vezes um observador de fora pensa que é. 205. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS DOS POVOS CIGANOS? Segundo estudos realizados por ciganólogos, a origem do povo cigano remonta ao noroeste da Índia, no entanto, o povo cigano foi objeto de perseguição política, religiosa e étnica desde o ano 1000 da era cristã. No Brasil a comunidade cigana soma cerca de 500 mil. Segundo a ONU, embora numerosa, a comunidade cigana parece invisível para as autoridades, sofrendo com o baixo acesso a educação, saúde e participação política, além do estigma e preconceito. As comunidades ciganas possuem representação no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (art. 4o, p. 2, inciso IV). Está em tramitação no Congresso Nacional o chamado “Estatuto dos Ciganos”, ainda pendente de aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado. No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, um dos principais documentos é a “Declaração dos Direitos dos Ciganos”, firmada em 2001 no Foro das Américas pela Diversidade e Pluralidade. Na Europa utiliza-se "romani" ao invés de "cigano". “Romani” seria o termo mais adequado segundo os ciganólogos, no entanto, no Brasil a própria legislação quando faz menção ao referido grupo vulnerável utiliza o termo “povos ciganos” ou “comunidades ciganas”. Os ciganos se distinguem em pelo menos três grandes grupos: ROM, SINTI e CALON (KALÉ). Vamos falar um pouco das características de cada um destes grupos que compõem a comunidade cigana. ROM: falam a língua “romani”, e são divididos em vários sub-grupos com denominações próprias como@os Kalderash, Lovara, Cuara etc. São predominantes nos países balcânicos mas migraram para as Américas no Século XIX SINTI: falam a língua “sintó” e são encontrados com mais facilidade na Alemanha, Itália e França, onde também são conhecidos como “Manouch”. CALON ou KALÉ: falam a língua “caló” e são conhecidos como “ciganos ibéricos”. Vivam originariamente em Portugal e Espanha mas no decorrer dos tempos se espalharam pela Europa e pela América do Sul. No Brasil, a partir dos três grupos supracitados, é possível concluir que a grande maioria dos ciganos são os ROM ou os CALON (KALÉ). Os 500 mil ciganos no Brasil estão espalhados em 337 municípios e 21 Estados da federação. Ao relatar suas maiores dificuldades para a ONU, representantes da comunidade cigana citaram a frequente disseminação de estereótipos negativos ligados a “trapaça e imoralidade”, o que lamentavelmente também contribui para a criminalização da comunidade cigana Outras dificuldades dos ciganos no Brasil segundo a ONU: obtenção de documentos de identidade para acesso em serviços públicos de saúde e educação, além da situação de extrema pobreza, sem acesso a eletricidade, água potável e saneamento básico. 206. Vamos falar um pouco sobre STEALTHING (REMOÇÃO PROPOSITAL E NÃO CONSENTIDA DO PRESERVATIVO) E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? A prática conhecida como “stealthing” consiste na remoção proposital e não consentida do preservativo por um dos parceiros sexuais, geralmente o homem, de forma proposital e sem o consentimento da mulher. O termo “stealthing” foi popularizado a partir de uma pesquisa realizada por Alexandra Brodsky no Jornal de Gênero da Universidade de Columbia (USA). A realização da prática conhecida como “stealthing” certamente viola os direitos humanos das mulheres, seja na forma de violência moral e psicológica, ou ainda na forma de violência sexual, nos termos da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). A prática conhecida como “stealthing” pode ser considerada estupro? Segundo Rogério Sanches e Eduardo Cabette, sim, bastando que após a prática do stealthing a vítima se oponha ao ato sexual e o seu parceiro insista no ato sem preservativo mediante violência ou ameaça. E se o ato sexual é consentido desde que com o uso de preservativo, e após ocorrer a retirada do mesmo (stealthing) a vítima não percebe? Neste caso, para Rogério Sanches e Eduardo Cabette seria possível a caracterização do crime de estelionato sexual (artigo 215 do CP). A prática do stealthing ainda é agravada quando da relação decorre a transmissão de doença sexualmente transmitida (DST), incidindo a majorante de pena do artigo 234-A, IV, do Código Penal. Na Suíça a prática denominada “stealthing” é considerada estupro. Diversas organizações de direitos humanos defendem este tipo de raciocínio. Digitando a palavra no google encontramos diversos posts: “stealthing is rape”. A prática denominada “stealthing” viola também tratados internacionais de direitos humanos que protegem as mulheres, como por exemplo, a Convenção de Belém do Pará. 207. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES CAIÇARAS? Os caiçaras são comunidades tradicionais formadas pela mescla da contribuição étnico-cultural dos indígenas,colonizadores portugueses e, em menor grau, de remanescentes da escravidão africana (Fonte EcoBrasil). A tradicionalidade dos caiçaras pode ser compreendida pelo seu modo peculiar de vida, baseado em atividades de agricultura itinerante, da pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato. A cultura caiçara se desenvolveu principalmente nas áreas costeiras dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. O Decreto 8.750 da União reconhece os caiçaras como comunidade tradicional no Brasil. Nesse sentido, também é aplicada a Convenção 169 da OIT aos caiçaras, sendo aplicável ao grupo vulnerável em estudo os direitos lá previstos (direito de consulta, proibição de deslocamento forçado, direito à saúde dentre outros). A palavra “caiçara” tem origem tupi-guarani: “caa” pau, mato + “içara” = armadilha, ou seja, armadilha feita de galhos e varas entrelaçados, que passou a identificar os pescadores caiçaras que utilizavam esse sistema artesanal de pesca. 208. Vamos falar um pouco sobre DIREITOS HUMANOS DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU? As quebradeiras de coco babaçu são grupos formados por mulheres de comunidades extrativistas de diversos estados brasileiros como Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí. Segundo a Actionaid, existem aproximadamente 300 mil quebradeiras de coco babaçu no Brasil. As quebradeiras de coco babaçu possuem representatividade no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (Decreto 8.750/2016) e são oficialmente uma grupo tradicional reconhecido pelo Estado brasileiro. Assim, a Convenção 169 da OIT (que disciplina direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais de uma forma geral) é aplicável às quebradeiras de coco babaçu. Elas possuem o direito à consulta livre, prévia e informada, por exemplo. As quebradeiras de coco babaçu desenvolveram modos peculiares de manejo com a terra além de um código próprio de organização de sua atividade. A principal fonte de renda é a coleta e a quebra do fruto babaçueiro, a fim de separar a amêndoa da casca. Existe um “Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu” (MIQCB) idealizado para articulação na defesa do modo de vida do grupo tradicional em comento, buscando medidas cooperativas e protetivas. As quebradeiras de coco babaçu buscam historicamente o reconhecimento de seus direitos ao usufruto dos babaçuais. Uma dessas iniciativas vem sendo chamada de “leis babaçu livre” que visam garantir às quebradeiras de coco e às suas famílias o direito de livre acesso e uso comunitário dos babaçus. Além disso, as “leis babaçu livre” também objetivam a imposição pelos Estados membros de restrições significativas à derrubadas da palmeira. Alguns municípios já editaram “leis babaçu livre”. Existem ainda projetos em âmbito dos Estados e também no âmbito federal. Um outro modo de proteção do modo de vida (modus vivendi) das quebradeiras de coco babaçu é a criação de unidades de conservação na modalidade de “Reserva Extrativista”. 209. Vamos falar um pouco sobre TRABALHO ESCRAVO E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS? O Brasil assumiu diversos compromissos internacionais, inclusive perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para combater o trabalho escravo no Brasil. Mas será que essa prática vem sendo combatida de forma eficaz? Vamos estudar este tema na thread de hoje. Após mais de 130 anos da abolição da escravatura no Brasil, milhares de pessoas ainda sofrem com a escravidão laboral em nosso país. Em 2019, mais de mil pessoas foram resgatadas em condições análogas à de escravidão no Brasil. O meio rural continua concentrando o maior número de registros, com 87% dos casos. Atividades como produção de carvão vegetal, cultivo de milho, cultivo de café e criação de bovinos p/corte são situações nas quais o Ministério Público do Trabalho encontrou casos de escravidão. No âmbito urbano o maior número de casos de trabalho escravo no Brasil está concentrado na confecção de roupas. Também há registro nos setores da construção civil, serviços domésticos, serviços ambulantes e construção de rodovias. No ano de 2016, o Brasil foi Condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela existência de trabalho escravo em seu território (Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde x Brasil). No caso, a Corte decidiu uma série de questões que vou falar ao longo da thread. O Código Penal prevê o crime de redução a condição análoga à de escravo (artigo 149) com pena de dois a oito anos que pode ainda ser aumentada se o crime é cometido contra criança, adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Voltando ao caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o tribunal definiu o conceito de escravidão a partir da presença de dois requisitos: a) o estado ou condição de um indivíduo e b) o exercício de algum dos atributos do direito de propriedade, isto é, que o escravizador exerça poder ou controle sobre a pessoa escravizada ao ponto de anular a personalidade da vítima. Percebam que a CorteIDH adotou o conceito de escravidão contemporânea (NEOESCRAVIDÃO) não exigindo a restrição à liberdade de locomoção da vítima. Esse conceito contemporâneo de escravidão que não exige a restrição à liberdade de locomoção também é adotado pelos tribunais brasileiros (STJ e STF). Aliás, segundo esses tribunais, o crime de redução a condição análoga à de escravo é de competência da justiça federal. Ainda sobre o tema da neoescravidão, é preciso diferenciar a “soft-slavery”, situação em que a vítima exara seu consentimento, da “hard-slavery” situação em que a vítima acaba sendo submetida ao regime de trabalho escravo de forma compulsória. Ambas as situações violam DHs. Dado importante sobre o tema em estudo: desde o advento da Emenda Constitucional 81 de 2014, aquele que realiza a prática de trabalho escravo em suas terras sofre uma expropriação dessa propriedade em razão da nefasta situação, nos termos do artigo 243 da Constituição Federal Exemplos de situação de trabalho escravo na contemporaneidade: jornada exaustiva de trabalho sem descanso, trabalho para pagamento de dívidas intermináveis com o empregador, escravidão sexual em casas de prostituiçao, imposição do dever de mendicância ininterrupto etc. Ciclo do trabalho escravo contemporâneo: 1. Vulnerabilidade socioeconômica (ou miséria) 2 aliciamento e (em alguns casos migração para outro país). 3. Trabalho escravo. Este ciclo só consegue ser rompido com a denúncia às autoridades competentes. Infelizmente ainda é uma prática encontrada no Brasil e que também alcança brasileiros que vão para o exterior após falsas promessas (mulheres principalmente). Denúncias podem e devem ser feitas no Disque 100 (Disque Direitos Humanos), ao Ministério Público do Trabalho etc. 210. Vamos falar um pouco sobre TRÁFICO DE PESSOAS E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS? A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo, define tráfico de pessoas como: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. Atualmente, o tráfico de pessoas movimenta mais de 30 bilhões de dólares em todo mundo. Desse valor, 85% é oriundo da exploração sexual. 80% dos casos de tráfico de pessoas no mundo envolvem vítimas do sexo feminino (mulheres adultas e crianças). O Código Penal prevê o crime de tráfico de pessoas no artigo 149-A com a seguinte redação: “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação,fraude ou abuso, com a finalidade de: remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo, submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo, submetê-la a qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual. Pena de 4 a 8 anos. Aumenta em 1/3 se praticado por funcionário público ou praticado contra criança, adolescente, pessoa idosa ou com deficiência, ou ainda se o agente se prevalecer das relações domésticas, de parentesco, coabitação, hospitalidade, dependência econômica ou autoridade hierárquica. Três Elementos do tráfico de pessoas segundo a ONU: 1. Ação (recrutamento); 2. Meios (ameaça ou violência); 3. Finalidade (exploração). Soft-trafficking: nesta modalidade do tráfico de pessoas, os membros da família da vítima participam da ação e desempenham o papel de “vendedor” ou ainda “transportador”. Muitas vezes a vítima sequer percebe que está sendo inserida neste contexto por confiar na sua família. Hard-trafficking: O tráfico de pessoas é conduzido sem a intermediação da família da vítima. Aqui a situação ocorre mediante falsas promessas e coerção. Quais são os três principais objetivos dos autores do tráfico de pessoas? a) prostituição e exploração sexual; b) trabalhos forcados e escravidão; c) remoção de órgãos e práticas semelhantes. Prostituição e exploração sexual: geralmente são oferecidas chances para carreiras de micro ou dançarina: em alguns casos também para atividades sexuais (este último caso é chamado dé SUPEREXPLORAÇÃO). Trabalhos forcados e escravidão: neste caso geralmente ocorrem propostas de trabalho para pessoas desenvolverem atividades laborais na agricultura ou pecuária, na construção civil ou em oficina de costura. Há relator de situações envolvendo serviços domésticos também. Características dos aliciadores(ras): na maioria das vezes são pessoas próximas à família ou a membros da família, apresentam bom nível de escolaridade, são sedutores e possuem alto poder de convencimento e persuasão. 211. Vamos falar um pouco sobre as HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA? Aplica-se a lei MDP em relação entre pai e filha? Neto e avó? Entre namoradas? Em toda e qualquer espécie de namoro? E em relação entre genro e sogra? Na thread de hoje vamos analisar as hipóteses de aplicação da Lei Maria da Penha e os pressupostos para a sua aplicação. Vamos lá. É desnecessária que a vítima e o autor ou autora residam na mesma casa para a aplicação da Lei Maria da Penha. É possível a aplicação em casos que as partes não moram juntos. Mulheres também podem ser autoras de violência doméstica e familiar contra outras mulheres, em que pese a lei foi pensada principalmente para coibir a violência perpetrada por homens contra mulheres. 1. Para a aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006) a lei exige a constatação da violência de gênero ou uma situação de vulnerabilidade envolvendo a vítima. Vamos analisar os caso concretos agora. FILHO X MÃE: preenchidos um dos requisitos do post número 4, aplica-se a Lei Maria da Penha em violência praticada pelo filho contra a mãe. O STJ já decidiu nesse sentido (HC 290.650/RS). NETO x AVÓ: preenchido um dos requisitos (violência de gênero ou situação de vulnerabilidade da vítima) aplica-se a Lei Maria da Penha em violência praticada por neto contra a sua avó. O STJ entendeu dessa forma no AgRg no AREsp 1.626.825/GO FILHO contra PAI IDOSO: Não se aplica a Lei Maria da Penha pois a vítima deve ser do sexo/gênero feminino. O STJ decidiu assim no RHC 51.481/RS FILHA X MÃE: preenchido um dos requisitos (violência de gênero ou vulnerabilidade da vítima), aplica-se a Lei Maria da Penha em situação de violência de filha contra a mãe. Mulheres também podem ser autoras, conforme STJ, HC 277.561/AL. EX-NAMORADO X EX-NAMORADA: não é todo namoro que se enquadra na Lei Maria da Penha, deve existir um vínculo que não seja efêmero entre autor e vítima (STJ, CC 91.979/MG). Existindo um vínculo entre os ex-namorados a Lei Maria da Penha é aplicada (STJ, HC 182.411/RS). TIA X SOBRINHA: uma vez constatada a violência de gênero ou a situação de vulnerabilidade da vítima, aplica-se a Lei Maria da Penha, conforme já decidiu o STJ no HC 250.435/RJ. PAI X FILHA: uma vez constatada a situação de vulnerabilidade da vítima ou a existência de violência de gênero, aplica-se a Lei Maria da Penha em casos envolvendo agressões praticadas pelo pai contra a filha. STJ, HC 178.751/RS IRMÃO x IRMÃ: uma vez constatada a violência de gênero ou situação de vulnerabilidade da vítima, aplica-se a Lei Maria da Penha envolvendo situações de violência praticada por irmãos contra irmãs. O STJ já decidiu isso no HC 175.816/RS GENRO X SOGRA: uma vez constatada a situação de vulnerabilidade da vítima ou a presença da situação de violência de gênero, aplica-se a Lei Maria da Penha em atos de violência praticados por genro contra sua sogra (STJ, RHC 50.847/BA). PADRASTO X ENTEADA: verificada a existência da situação de vulnerabilidade da vítima ou de violência de gênero, aplica-se a Lei Maria da Penha em casos envolvendo atos de violência praticados por padrasto contra enteada (STJ, RHC 42.092/RJ). NORA X SOGRA: verificada a existência de situação de vulnerabilidade da vítima ou de violência de gênero, aplica-se a Lei Maria da Penha em casos envolvendo atos de violência da nora contra sogra. STJ, HC 175.816 VÍTIMA MULHER TRANS: verficada a existência da situação de vulnerabilidade da mulher trans, da existência de violência de gênero ou de relação íntima de afeto, aplica-se a Lei Maria da Penha às mulheres transgêneros e transexuais, já que as mesmas se autopercebem como mulher. NAMORADA x NAMORADA: verificada a existência de situação de vulnerabilidade, relação íntima de afeto ou violência de gênero, aplica-se a Lei Maria da Penha em relações afetivas envolvendo duas mulheres. As mulheres também podem ser autoras de violência contra a mulher. 212. Vamos falar um pouco sobre FEMINICÍDIO E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? Todo homicídio praticado contra vítima mulher é considerado feminicídio? Qual a diferença entre feminicídio e femicídio? O feminicídio é o grau mais elevado de violência contra a mulher. Na thread de hoje vamos estudar o conceito, dados da ONU e tratamento do feminicídio no direito brasileiro. O termo “feminicídio” foi pela autora Diana Russell para retratar “a matança de mulheres por homens, porque elas são mulheres”. Origem da palavra do latim: femina.ae, fêmea+cídio. o entanto, nem todo homicídio praticado contra a mulher é considerado feminicídio. Existe uma diferença para o direito entre feminicídio e femicídio. Vejamos. FEMINICÍDIO: é o homicídio praticado contra uma mulher “por razões da condição do sexo feminino”,’ é dizer, em uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Este é o critério do Código Penal Brasileiro. FEMICÍDIO: é o homicídio praticado contra uma mulher sem estar presente, no entanto, a motivação por menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou uma situação de violência doméstica contra a mulher. Não há uma questão de gênero no femicídio. Mas qual a diferença para o direito? O feminicídio é uma “qualificadora” do delito de homicídio (aumenta a pena do crime) que normalmente seria de 6 a 20 anos para 12 a 30 anos. No femicídio não há este aumento de pena por conta da ausência de questões de gênero no crime. E o Direito Internacional dos Direitos Humanos? A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu o feminicídio como crime. Isso ocorreu no julgamento do caso Gonzales e outras Vs. México, caso popularmente conhecido como “Campo Algodoeiro”. O Brasil também é signatário de tratados internacionais de direitos humanos que repudiam a violência física contra a mulher, como por exemplo, a Convenção de Belém do Pará. Durante a pandemiado coronavírus os casos de feminicídio cresceram 22% em 12 estados, segundo o Fórum Brasileiro de Seguranca Pública. Os fatores que explicariam essa situação são a convivência mais próxima dos agressores por conta do isolamento social. Aproximadamente 3,5 mil mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina e Caribe em 2018. No Brasil, a taxa em 2018 era de 1,1 feminicídio para cada 100 mil mulheres (aumentando em 2019 e agora com a pandemia em 2020). A ONU publicou 2016 um importante documento chamado “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e ajudar com Perspectiva de Gênero as http://femina.ae/ Mortes Violentas de Mulheres - Feminicídios”. A CorteIDH também entende pela adoção da perspectiva de gênero nas investigações. Entre 2015 e 2017, o Brasil abriu uma investigação por feminicídio A CADA TRÊS HORAS. 8 Investigações POR DIA. 234 POR MÊS e 2.806 INVESTIGAÇÕES POR ANO. A mulher trans pode ser vítima de feminicídio? A resposta é afirmativa. Uma vez que a identidade de gênero é uma questão de autopercepção, uma as mulheres transgêneros podem perfeitamente ser vítimas de feminicídio. 213. Vamos falar um pouco sobre DIREITO E FAKE NEWS? CONCEITO: As fake news são notícias INTENCIONALMENTE e VERIFICAVELMENTE falsas, é que poderiam enganar os leitores; ou seja, desinformação (Allcott e Gentzkow). Primeiramente é necessário diferenciar “misinformation” (informação equivocada) de “desinformation” (desinformação). As fake news situam-se apenas no âmbito da desinformação. Missinformation (informação falsa ou imprecisa): é aquela espalhada de forma não intencional e sem o propósito de enganar o público. Desinformation (desinformação): é a informação espalhada intencionalmente de forma falsa e deliberadamente, com o objetivo de enganar o público. As fake news situam-se aqui neste campo. Características das fake news: 1. Autenticidade (é possível validar ou não a notícia como fake news) 2. Intencionalidade: possuem o propósito de enganar. Quais os objetivos de quem propaga fake news? A doutrina elenca dois principais objetivos: 1) atrair público para um determinado site visando obter benefícios econômicos ou financeiros; 2. Manter e propagar certa ideologia, por exemplo, beneficiar determinado candidato ou arranhar a imagem de outro candidato. As fake news são um fenômeno da pós-verdade (era digital, modernidade líquida etc)? NÃO! Espalhar boatos e notícias falsas sempre foi uma prática lamentável por parte da humanidade, a internet e as redes sociais apenas potencializaram essa problemática. Como é possível combater as fake news? A doutrina elenca algumas possibilidades como por exemplo agências de verificação rápida da autenticidade das notícias (fast acting check), além de outras tecnologias, como por exemplo, o desenvolvimento de softwares que identifiquem prováveis notícias falsas, assim como ocorreu com o combate aos “SPAMs” no e-mail no início dos anos 2000. As fake news podem ocorrer tanto no âmbito das chamadas “hardnews”, quanto das chamadas “softnews”, embora exista uma maior probabilidade de fake news no campo das “hard news”. Vou explicar cada um destes conceitos. HARD NEWS: Dizem respeito ao relato objetivo de fatos e acontecimentos relevantes para a vida política, econômica e cotidiana. Ex: cobertura política pelos veículos de imprensa. Notícias sobre a ordem econômica etc. SOFT NEWS: As “soft news" ou "feature", são textos mais leves que não precisam ter relação imediata com a descrição de um acontecimento (por exemplo, um perfil em uma rede social, uma notícia sobre culinária ou uma charge. É possível que ocorra fake news aqui também. DIREITO E FAKE NEWS. Qual o maior desafio do direito nesta temática? Sob a perspectiva jurídica, a principal questão está relacionada a como combater as fake news sem abrir espaço para a censura. Vale lembrar que a censura é vedada pela Constituição Federal de 1988. 214. Vamos falar um pouco sobre GRUPOS DE REFLEXÃO PARA HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER? Você sabia que desde o ano de 2020 a Lei Maria da Penha passou a prever expressamente que os autores de violência doméstica podem ser encaminhados p/grupos reflexivos? Em regra, o homem autor de violência doméstica contra a mulher não se diferencia dos membros da comunidade onde vive e tampouco exibe socialmente a violência, não demonstrando sinais de agressividade com amigos ou colegas de trabalho. Geralmente, os agressores possuem o perfil do homem “comum” e praticam atos de violência contra a mulher por uma questão de repetição de padrões comportamentais anteriormente vivenciados e internalizados desde a infância. Desta forma, mediante a insuficiência e ineficácia da aplicação do direito penal de forma isolada no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, iniciativas conhecidas como “grupos de reflexão para autores de violência doméstica” foram operacionalizadas em diversos países do mundo (EUA, Espanha etc) e também no BR. A taxa de sucesso desses grupos é fantástica: maior que 70% na maioria dos casos, chegando a alcançar até índices de 80%/90%. A grande maioria dos participantes não volta a praticar violência contra a mulher! Como funcionam os grupos de reflexão para homens autores de violência doméstica? Esses grupos são operacionalizado a partir dos princípios da justiça restaurativa, com o objetivo de romper os padrões de comportamento anteriormente internalizados pelo agressor inibindo a reincidência e rompendo o ciclo de violência estabelecido. Desde o ano de 2020 a Lei Maria da Penha prevê como espécie de medida protetiva de urgência: “o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação) e ainda “o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual ou em grupo de apoio”. Antes de 2020 os grupos funcionavam a partir do encaminhamento dos agressores como forma de medida protetiva de urgência inominada. Os grupos funcionam com a presença de profissionais de saúde, psicologia, assistência social e direito que, por meio de palestras e orientações direcionadas aos agressores, promovem verdadeira “educação em direitos”, conscientizando os participantes da gravidade de seus atos e suas consequências práticas, atuando como facilitadores no rompimento do ciclo de violência. Há uma exposição do alargamento do conceito de violência contra a mulher para além da violência física. Os autores de violência doméstica também contam suas experiências. Minha experiência com esses grupos: quem já me segue por aqui antes da pandemia sabe que atuou fortemente com essa iniciativa. Já postei inclusive algumas fotos das reuniões aqui no twitter (sem identificar ninguém). Iniciei o projeto na Comarca que atuo em outubro de 2018. De outubro de 2018 até dezembro de 2019 + de 70 homens autores de violência doméstica que residem na Comarca onde atuo passaram pelos três grupos reflexivos da Comarca (que foram estruturados em parceria com os Municípios). NENHUM voltou a praticar violência contra a mulher. A minha experiência com essa iniciativa (antes mesmo de virar lei) é uma taxa de 100% de sucesso. Acredito muito nessa ferramenta como instrumento de combate à violência contra a mulher. Gravei um podcast para o MPPR sobre o tema no fim do ano passado: Grupo de recuperação de homens agressores reduz violência doméstica - MP no RádioListen to this episode from MP no Rádio on Spotify. O MP no Rádio desta semana trata do problema da violência doméstica e familiar contra a mulher sob um prisma diferente: o dos agressores. Mais espe…https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3 madcMX4RWew6rB9sOyYiA Para concluir minha experiência, no fim das turmas diversos participantes questionam a possibilidade de continuar frequentando as reuniões, uma vez que se sentem acolhidos e reconhecem o benefício do grupo e das palestrasministradas. Esse feedback é emocionante. O D.Penal aplicado de forma isolada já se mostrou insuficiente no combate à violência contra a mulher. Acredito muito nessa iniciativa baseada na justiça restaurativa e na educação em direitos humanos. Esta matéria do MPPR também é legal: Grupo de recuperação de homens agressores reduz violência domésticaGrupo de recuperação de homens agressores reduz violência domésticahttp://www.mppr.mp.br/2020/01/22233,10/Grupo-de- recuperacao-de-homens-agressores-reduz-violencia-domestica.html 215. Vamos falar um pouco sobre RECALL POLÍTICO (possibilidade de cassação ou revogação do mandato eleitoral pela pelos próprios eleitores)? O recall político pode ser compreendido como o poder de cassar ou revogar o mandato eleitoral de qualquer representante político pelos próprios eleitores. O político é chamado para uma “reavaliação popular” por conta de um mandato incompetente, ímprobo ou decepcionante. Por enquanto não existe em nosso ordenamento jurídico a possibilidade do “recall político”. No entanto, existem diversas propostas de Emendas à Constituição buscando introduzir a figura do “recall político” em nosso país. O recall político é compreendido pela doutrina constitucionalista como uma expressão do próprio poder constituinte, já que a revogação ou cassação de mandatos eleitorais pelo próprio povo significaria um exercício da soberania popular. Para tornar a situação mais clara: o povo, insatisfeito com algum de seus representantes exerceria uma espécie de “revogação” do mandato de https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA https://open.spotify.com/episode/4PsphTtFRSelhvMqNXkg1Q?si=3madcMX4RWew6rB9sOyYiA http://www.mppr.mp.br/2020/01/22233,10/Grupo-de-recuperacao-de-homens-agressores-reduz-violencia-domestica.html http://www.mppr.mp.br/2020/01/22233,10/Grupo-de-recuperacao-de-homens-agressores-reduz-violencia-domestica.html http://www.mppr.mp.br/2020/01/22233,10/Grupo-de-recuperacao-de-homens-agressores-reduz-violencia-domestica.html http://www.mppr.mp.br/2020/01/22233,10/Grupo-de-recuperacao-de-homens-agressores-reduz-violencia-domestica.html determinado político, seja por mera insatisfação com seu representante ou seja por questões que violem o direito. Segundo Paulo Bonavides o recall político “é a forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a destituir funcionários cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando”. Defensores do recall político entendem que o simples fato da existência do instituto acaba se tornando um meio eficaz de prevenir condutas abusivas por parte dos políticos de uma maneira geral. O medo de sofrer um recall imediato funcionaria como espécie de efeito inibidor. A principal crítica ao recall político consiste na possibilidade de que o instituto seja utilizado pelo povo como forma de destituir governantes eleitos de forma legítima s/que houvesse de fato um motivo ensejador da utilização do recall. Haveria um clima de eterna insegurança A primeira notícia de uma espécie de recall político aparece na chamada Carta de Los Angeles (EUA) assinada na época do governo Roosevelt. O sistema norte americano prevê a figura do recall político nas esferas estaduais. Na América Latina o instituto do recall político pode ser visualizado no artigo 72 da Constituição da Venezuela, chamado no referido país de “referendo revocatório” e alcançando todos os cargos eletivos. O instituto do recall político proporciona uma maior fiscalização pelo eleitor, no entanto, também me parece que seria necessária uma maior maturidade democrática em nosso país para que não houvessem “recalls” a todo momento e por motivos irrazoáveis. Por fim, o recall político não deve ser confundido com o impeachment, uma vez que o primeiro é iniciado pelos próprios eleitores é baseado em questões que por vezes retratam a mera insatisfação do povo, não havendo necessariamente um crime de responsabilidade. Enquanto que o impeachment possui um rito formal envolvendo os Poderes da República e uma série de crimes de responsabilidade previamente previstos em lei como motivos que dão ensejo ao processo de impedimento. 216. Vamos falar um pouco sobre ANIMAIS E DIREITOS FUNDAMENTAIS? OS ANIMAIS PODEM SER CONSIDERADOS TITULARES DE DIREITOS NO BRASIL? Não há no Brasil uma lei ou dispositivo constitucional que diga de forma expressa é categórica que animais são titulares de direitos fundamentais. A titularidade dos direitos fundamentais foi pensada a partir do paradigma do antropocentrismo. No entanto, o tema comporta reflexões aprofundadas. Ordinariamente, a legislação brasileira reconhece os animais como bens semoventes, evidenciando o paradigma antropocentrista ou ao menos refutando em certa medida a possibilidade de serem titulares de direitos em nosso país. Todavia, uma corrente (atualmente minoritária) da doutrina capitaneada por Peter Singer chamada de doutrina da ecologia profunda (deep ecology) encara as questões ambientais a partir do ponto de partida violentaste e admite os animais como titulares de direitos. Em Portugal, desde 2017 o país deixou de reconhecer os animais como coisas e passou a categorizá-los como “seres vivos dotados de sensibilidade”. (LEI 08/2017). No Brasil, sem dúvidas a principal norma protetora dos animais é o artigo 225, p. 1o da CF88, que veda a prática de crueldade e maus tratos contra animais. Segundo o STF, trata-se de uma norma de aplicabilidade imediata (STF, ADI 1856). A partir desta norma a Corte Constitucional brasileira desenvolveu uma jurisprudência “pro animal”. O primeiro caso decidido favoravelmente aos animais e ao ambiente foi o caso da Farra do Boi em Santa Catarina. A referida prática cultural foi considerada inconstitucional por violar a norma constitucional supramencionada e o STF deu seu primeiro passo significativo em matéria de “ética animal”. Os animais, contudo, não foram reconhecidos como “sujeitos de direitos”, mas como objetos a serem protegidos pela Constituição a partir da vedação de maus tratos e crueldade (STF, RE 153.531/SC). O mesmo ocorreu com as práticas conhecidas como “brigas de galo” que também foram reconhecidas como inconstitucional pelo STF em virtude da vedação constitucional de maus tratos e crueldade aos animais. STF, ADI 2514/SC O STF adotou o mesmo entendimento no famoso caso da “Vaquejada” (STF, ASI 4983/CE). Posteriormente ao julgado do STF, o Congresso Nacional aprovou uma Emenda Constitucional reconhecendo a vaquejada como prática cultural (EC 97/2017) No entanto, em março de 2019, o STF reconheceu a constitucionalidade de lei que permite o sacrifício de animais em cultos religiosos de matriz africana, desde que sejam observadas algumas condições como a utilização de técnicas indolores que não causem sofrimento. Por fim, foi no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a jurisprudência brasileira cristalizou o seu maior avanço em matéria de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. Ao julgar o Recurso Especial 1.797.175/SP, o STJ reconheceu a existência da DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Essa faceta do princípio da dignidade da pessoa humana reconhece a existência de um Estado Socioambiental de Direito no Brasil no qual a proteção do bem estar ambiental e a proteção dos animais é sempre um objetivo a ser buscado pro Estado (ver a thread sobre constitucionalismo ecológico já feita aqui no twitter). A partir daí, o STJ, ao analisar as mudanças de habitat de um papagaio doméstico entendeu que a situação“viola a dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças de ambiente perpetuam o estresse animal, pondo em dúvida a viabilidade de readaptação a um novo ambiente. Até o momento, foi o STJ que deu o maior passo para reconhecer os animais como “sujeitos especiais de direito”. Ainda no âmbito do STJ, o tribunal da cidadania reconheceu o direito de visita a animal de estimação após a separação do casal (seus donos). Assim, é possível dizer que a jurisprudência brasileira vem evoluindo no reconhecimento do direito dos animais e no próprio tratamento que os animais recebem do direito, principalmente após o reconhecimento pro STJ da dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana. 217. Vamos falar sobre TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? O artigo 2 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados conceitua tratado como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional”. Qual o status normativo dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil? Atualmente, a partir do julgamento do RE 466.343/SP, vigora no Brasil a chamada “TEORIA DO DUPLO ESTATUTO”. Se aprovado pelo rito previsto no artigo 5o, p 3o (3/5 em dois turnos em cada casa do Congresso Nacional) o tratado internacional de direitos humanos terá status equivalente ao de Emenda Constitucional. Se não aprovado neste rito terá status supralegal. Quais os tratados internacionais de direitos humanos já foram aprovados com status de emenda constitucional? São 3: Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência, seu Protocolo adicional e o tratado de marraqueche. Os 3 tratados versam sobre Direitos da Pessoa Com Deficiência. Tratados internacionais de direitos humanos não aprovados no rito especial possuem status de supralegalidade (estão acima das leis mas abaixo da Constituição Federal). Exemplo: Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Há uma obrigatoriedade em submeter todos os tratados internacionais de direitos humanos ao rito previsto no artigo 5o, p.3o da Constituição? Não. Segundo André de Carvalho Ramos trata-se de uma discricionariedade política do parlamento brasileiro. Há ainda quem defenda o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos (Celso de Mello e Flávia Piovesan). Essa posição é conhecida na doutrina como “teoria do trapézio” a partir de uma analogia com a pirâmide de Kelsen trocando-a por um trapézio. A teoria do trapézio é minoritária. O quilate normativo dos TIDH no Brasil é supralegalidade ou equivalente a emenda constitucional. Há ainda quem defenda a supraconstitucionalidade dos TIDH (para estes os tratados de DHs estariam acima da própria Constituição). O que se entende por movimento de convencionalização do direito? Interpretar o ordenamento jurídico doméstico à luz dos tratados e convenções internacionais (incluindo os tratados de direitos humanos). É cabível ação direta de inconstitucionalidade contra tratado internacional de direitos humanos? Não. No entanto, o STF admite o manejo de ADI contra o Decreto Presidencial que internaliza o tratado internacional de direitos humanos. Os tratados internacionais de direitos humanos aprovados no rito similar ao das emendas constitucionais dependem de decreto do executivo para vigorar na ordem interna? Sim. Ainda que as Emendas Constitucionais ñ dependam de sanção presidencial os tratados internacionais de direitos humanos com status normativo equivalente ao de emenda constitucional dependem do Decreto do Chefe do Executivo para passarem a surtir efeitos no ordenamento jurídico doméstico. Os tratados também exercem o efeito de influenciar a confecção de leis e atos normativos internos. A Convenção da ONU sobre Direitos da Criança influenciou a edição do ECA e a Convenção da ONU sobre Pessoa com Deficiência o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 14. Lembrem-se: os tratados internacionais de direitos humanos são normas jurídicas com um status no mínimo de supralegalidade (acima das leis) e alguns (os 3 citados na thread) com status de emenda constitucional. Precisamos introduzi-los na prática do direito. 218. Vamos falar um pouco sobre INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E PRINCÍPIO PRO PERSONA? Hoje vamos estudar os principais métodos de interpretação dos tratados internacionais de direitos humanos e também o princípio pro persona (antigo pro homine) norma central do Direito Internacional dos Direitos Humanos. INTERPRETAÇÃO AUTÔNOMA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: Os conceitos e termos inseridos nos tratados internacionais de direitos humanos podem possuir sentidos próprios, distintos dos sentidos a eles atribuídos pelo direito interno para dotar de maior efetividade os textos dos tratados internacionais de direitos humanos. Assim, o tratado internacional de direitos humanos deve ser interpretado de modo desvinculado c/o já assente nos diversos textos normativos internacionais (André de Carvalho Ramos) INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: os tratados internacionais de direitos humanos estão sujeitos à interpretação de termos de conteúdo indeterminado como “privacidade”, “propriedade”, “devido processo” etc. Assim, o contexto dos conceitos indeterminados pode variar de acordo com cada época. Os tratados internacionais de direitos humanos são verdadeiros “instrumentos vivos” e a interpretação dada em determinado momento histórico pode mudar com o passar do tempo. Exemplo: o artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê o direito à propriedade privada. A partir de uma interpretação evolutiva, a Corte Interamericana de Direitos Humanos passou a entender que o artigo 21 também abrange em sua normatividade a propriedade coletiva dos povos e comunidades tradicionais. Este é um dos melhores exemplos de interpretação evolutiva na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. PRINCÍPIO PRO PERSONA: É o princípio reitor do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Antigamente era conhecido como “PRO HOMINE” mas por conta da nomenclatura misógina passou-se a utilizar o termo PRO PERSONA. O princípio pro persona exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável indivíduo, independentemente da matriz da fonte normativa (independe aqui se a norma é interna ou internacional, aplica-se sempre a norma mais favorável). O Supremo Tribunal Federal já aplicou o princípio pro persona? Sim. Ao deliberar pela proibição do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro e aplicar o Pacto de San José da Costa Rica em detrimento da Constituição Federal, o STF cita expressamente o princípio pro persona (na época chamado de pro homine). Trata-se de uma norma basilar do Direito Internacional dos Direitos Humanos que deve ser conhecida por quem almeja se aprofundar nos estudos da matéria. 219. Vamos falar um pouco sobre ESVERDEAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS (GREENING)? A ideia do esverdeamento dos direitos humanos (greening) no sistema interamericano de direitos humanos foi desenvolvida por Gustavo de Faria Moreira e pode ser compreendida a partir da seguinte síntese: em que pese o sistema interamericano de direitos humanos tutele na maioria das vezes, direitos civis e políticos (ou até mesmo alguns direitos sociais previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos), por vezes, mesmos nestes casos, o meio ambiente é protegido pela Corte de forma indireta ou “por ricochete”. Exemplo: em um caso no qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos salvaguarda direitos indígenas relacionados a propriedade comunal, em alguma medida o tribunal também está protegendo o meio ambiente. Seria o “esverdeamento” do direito à propriedade. A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) reconheceu, inclusive, a existência de um “direito