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Incertezas e conflitos análise de discurso de familiares de pacientes com COVID-19

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Research, Society and Development, v. 12, n. 3, e10612340567, 2023 
(CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 | DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v12i3.40567 
 
 
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Incertezas e conflitos: análise de discurso de familiares de pacientes com COVID-19 
Uncertainties and conflicts: discourse analysis of relatives of patients with COVID-19 
Incertidumbres y conflictos: análisis del discurso de familiares de pacientes con COVID-19 
 
Recebido: 13/02/2023 | Revisado: 22/02/2023 | Aceitado: 23/02/2023 | Publicado: 27/02/2023 
 
 Etelvina Sampaio Melo 
 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5099-6553 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: etelvina.melo@aluno.uece.br 
Leonardo Saboia Paz 
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1895-6663 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: leonardosaboia@hotmail.com 
Vaniely Oliveira Ferreira 
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3423-6885 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: vaniely.ferreira@aluno.uece.br 
Maria Célia de Freitas 
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4487-1193 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: celia.freitas@uece.br 
Maria Vilani Cavalcante Guedes 
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6766-4376 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: vilani.guedes@uece.br 
Raimundo Augusto Martins Torres 
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8114-4190 
Universidade Estadual do Ceará, Brasil 
E-mail: augusto.torres@uece.br 
 
Resumo 
No final do ano de 2019 a China informou à Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre um surto de uma nova 
doença respiratória. Em meio a essa pandemia pode-se observar acontecimentos discursivos nos vários veículos de 
comunicação e informação que compõem a imprensa cearense. O artigo tem como objetivo analisar os discursos de 
familiares de pessoas acometidas pela COVID-19 através dos meios de comunicação públicos do Estado do Ceará. 
Trata-se de uma pesquisa documental, exploratória e de caráter qualitativo, com a análise de discursos, publicados nos 
três maiores portais de notícias do Ceará no período de 1 de março de 2020 a 30 de junho de 2020. Após leitura 
flutuante dos discursos, surgiram as seguintes categorias: busca de informações sobre o familiar, o sofrimento do 
isolamento e a quebra do processo de luto. Através dessas categorias foi possível analisar que existe uma exclusão dos 
familiares no processo de cuidado, tornando-se invisíveis, também, para a garantia de repasse de informações pela 
equipe de saúde sobre o familiar. Bem como que os impactos psicológicos relacionados à pandemia e as medidas de 
controle, como o isolamento social, podem ser considerados fatores de risco à saúde mental e a alteração no processo 
de luto da família, quando não conseguem expressar o sofrimento e elaboração da perda. A análise dos discursos 
evidenciou a ocorrência de modificações nas relações sociais e familiares, estando elas diretamente relacionadas ao 
isolamento e, consequentemente, a ausência da participação dos familiares no processo saúde-doença. 
Palavras-chave: Discurso; Familiares; Pacientes internados; Pandemia; COVID-19. 
 
Abstract 
At the end of 2019, China informed the World Health Organization (WHO) of an outbreak of a new respiratory 
disease. In the midst of this pandemic, discursive events can be observed in the various communication and 
information vehicles that make up the Ceará press. The article aims to analyze the speeches of relatives of people 
affected by COVID-19 through the public media of the State of Ceará. This is a documentary, exploratory and 
qualitative research, with the analysis of speeches, published in the three largest news portals in Ceará from March 1, 
2020 to June 30, 2020. the following categories emerged: search for information about the family member, the 
suffering of isolation and the breakdown of the grieving process. Through these categories, it was possible to analyze 
that there is an exclusion of family members in the care process, making them invisible, also, to guarantee the transfer 
of information by the health team about the family member. As well as the psychological impacts related to the 
pandemic and control measures, such as social isolation, can be considered risk factors for mental health and the 
change in the family's grieving process, when they are unable to express the suffering and elaboration of the loss. The 
http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v12i3.40567
https://orcid.org/0000-0001-5099-6553
mailto:etelvina.melo@aluno.uece.br
https://orcid.org/0000-0002-1895-6663
mailto:leonardosaboia@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-3423-6885
mailto:vaniely.ferreira@aluno.uece.br
https://orcid.org/0000-0003-4487-1193
mailto:celia.freitas@uece.br
https://orcid.org/0000-0002-6766-4376
mailto:vilani.guedes@uece.br
https://orcid.org/0000-0002-8114-4190
mailto:augusto.torres@uece.br
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analysis of the speeches showed the occurrence of changes in social and family relationships, which are directly 
related to isolation and, consequently, the absence of family participation in the health-disease process. 
Keywords: Discourse; Relatives; Hospitalized patients; Pandemic; COVID-19. 
 
Resumen 
A fines de 2019, China informó a la Organización Mundial de la Salud (OMS) sobre un brote de una nueva 
enfermedad respiratoria. En medio de esta pandemia, se pueden observar hechos discursivos en los diversos vehículos 
de comunicación e información que componen la prensa cearense. El artículo tiene como objetivo analizar los 
discursos de familiares de personas afectadas por COVID-19 a través de los medios públicos del Estado de Ceará. Se 
trata de una investigación documental, exploratoria y cualitativa, con análisis de discursos, publicados en los tres 
mayores portales de noticias de Ceará del 1 de marzo de 2020 al 30 de junio de 2020. Surgieron las siguientes 
categorías: búsqueda de información sobre el familiar, el el sufrimiento del aislamiento y la ruptura del proceso de 
duelo. A través de estas categorías, fue posible analizar que existe una exclusión de los familiares en el proceso de 
atención, invisibilizándolos, además, para garantizar la transferencia de información por parte del equipo de salud 
sobre el familiar. Así como los impactos psicológicos relacionados con la pandemia y las medidas de control, como el 
aislamiento social, pueden ser considerados factores de riesgo para la salud mental y el cambio en el proceso de duelo 
de la familia, cuando no logra expresar el sufrimiento y la elaboración de la pérdida. El análisis de los discursos 
mostró la ocurrencia de alteraciones en las relaciones sociales y familiares, que están directamente relacionadas con el 
aislamiento y, consecuentemente, con la ausencia de participación familiar en el proceso salud-enfermedad. 
Palabras clave: Discurso; Parientes; Pacientes hospitalizados; Pandemia; COVID-19. 
 
1. Introdução 
No final do ano de 2019 a China informou à Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre um surto de uma nova 
doença respiratória. Doença transmitida pelo novo coronavírus, que foi denominada de COVID-19. No ano seguinte, em 
janeiro de 2020, novos casos da COVID-19 foram notificados em outros países, diante disso a OMS resolveu declarar 
emergência internacional em saúde pública. O primeiro caso registrado na América Latina foi no Brasil, em São Paulo, no dia 
26 de fevereiro de 2020 (Matta et al., 2021). 
Somente em 11 de março de 2020, Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, declarou que a organização elevou o 
estado de contaminação à pandemia. A partir desse momento, com a chegada da COVID-19 no Brasil, medidas de prevenção e 
controle da doença foram tomadas pelas autoridades sanitárias (OMS, 2020). 
Essas medidas foram particularizadas de uma região para outra do país, em muitos locais causando muitas 
polêmicas, considerando-se que algumas autoridadesse mostraram céticas quanto à sua eficácia. A medida mais difundida foi 
o distanciamento social ou isolamento social, que notoriamente tem causado alguns impactos na vida das pessoas, seja no 
contexto domiciliar ou no contexto hospitalar, em que o paciente não tem acompanhamento de familiares durante o tratamento 
(Bezerra et al., 2020). 
 Apesar das medidas adotadas, a pandemia da COVID-19 infectou cerca de 16.624.480 pessoas e vitimou 465.199 
mil vidas. O Brasil destaca-se no ranking como segundo país do mundo em óbitos e infectados. No Estado do Ceará a COVID-
19 infectou 805.134 pessoas e vitimou 20.587 mil vidas, até o momento (MS, 2021). 
 Em meio a pandemia, uma crise sanitária de grandes proporções, pode-se observar acontecimentos discursivos nos 
vários veículos de comunicação e informação que compõem a imprensa cearense. Por isso, justifica-se este estudo na 
importância de compreender os discursos estabelecidos pelas relações sociais, visto que na mídia podem ser observados muitos 
dos sentidos postos em movimento durante a crise. 
 Decidiu-se nesta pesquisa buscar e analisar os discursos de familiares de pessoas acometidas pela COVID-19 nos 
meios de comunicação do Estado do Ceará. Diante do exposto tem-se como questão do estudo: quais os discursos divulgados 
referentes ao processo saúde doença ao longo do período pandêmico estabelecido? 
Escolheu-se analisar os discursos de familiares que conviveram com a COVID-19, divulgados em grandes portais de 
comunicação digital no Ceará com base na analística discursiva de Foucault, filósofo francês do século XX. Na sua concepção, 
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para analisar discursos é necessário desprender-se de um aprendizado que nos faz olhar os discursos apenas de forma oculta, 
dissimulada, distorcida, corrompida intencionalmente. É como se no interior de cada discurso, ou num tempo anterior a ele, se 
pudesse encontrar, intocada, a verdade (Barros, 2004; Fischer, 2021). 
 
2. Metodologia 
Tratou-se de uma pesquisa documental, exploratória e de caráter qualitativo com a análise de discursos (AD). 
Um discurso pode ser analisado por abordagem qualitativa de muitas maneiras. Considerando AD como possibilidade 
de captar o sentido não explícito no discurso, portanto como forma de aproximação do processo saúde-doença por meio da 
interpretação da linguagem, pois é no terreno da linguagem que explicamos a determinação de vários fenômenos e conceitos, 
sendo a palavra uma espécie de ponte lançada entre um ou mais locutores e um ou mais interlocutores (Macedo et al., 2008). 
Para analisar os discursos, de acordo com a perspectiva de Foucault, faz-se necessário recusar as explicações 
unívocas, as fáceis interpretações e igualmente a busca insistente do sentido último ou do sentido oculto das coisas práticas 
bastante comuns, pois que, é preciso trabalhar arduamente com o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que 
lhe é peculiar (Fischer, 2021). 
Foram coletados treze discursos mais incisivos de familiares de pacientes com COVID-19, publicados nos três 
maiores portais de notícias do Ceará, O Povo, Diário do Nordeste e G1 Ceará, no período de 1 de março de 2020 a 30 de junho 
de 2020. Esse período foi escolhido devido ser característico da 1ª onda de casos de COVID-19 no Ceará como mostra a 
Figura 1. 
 
Figura 1 - Curva epidemiológica dos casos suspeitos, confirmados e óbitos, segundo início dos sintomas, Ceará, 2020. 
 
Fonte: Boletim Epidemiológico nº 31/2021 da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. 
 
A curva epidemiológica dos casos de COVID-19 mostrou duas ondas. Houve aumento no número de casos suspeitos 
a partir do dia 04 de março de 2020, atingindo o primeiro pico no dia 20 de março. O segundo pico pode ser visualizado entre 
os dias 1º e 20 maio, com redução até o dia 24 do mesmo mês e apresentando estabilização até o começo de junho, quando 
sofrem redução gradativa posteriormente (Boletim Epidemiológico, 2020). 
A observação e coleta dos discursos ocorreram em três dias do mês de maio, do ano corrente, sendo realizada a busca 
através do Google e dentro do próprio site do portal de notícias, usando as palavras chaves “familiares”, “pacientes”, 
“internados” e “COVID-19”. Além disso, foi usado o filtro de intervalo personalizado através das ferramentas de busca 
determinando o período desejado. 
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Os discursos da amostra específica foram identificados com a letra F, referindo-se a familiar e cada um recebeu uma 
numeração. Após leitura flutuante dos discursos, surgiram as seguintes categorias: busca de informações sobre o familiar 
internado, o sofrimento do isolamento, sofrimento psicológico no processo da doença e quebra do processo de luto. 
Posteriormente, foram analisados à luz do discurso na base teórica da analítica de discurso de Foucault, que problematiza-os 
como dispositivos de saber, poder e desejo, com efeitos não lineares nos modos de vidas e produção de subjetividades, 
atomizando as práticas de si, pela disciplina, sujeição e ou resistência (Foucault, 1999). 
Pois através da produção dos discursos, nos defrontamos com o que somos, libertando-nos do presente e nos 
instalando quase num futuro, numa perspectiva de transformação de nós mesmos. Nós e nossa vida, essa real possibilidade de 
sermos, quem sabe um dia, obras de arte com a necessidade de se encontrar logo de cara com o discurso (Foucault, 2007). 
 
3. Resultados e Discussão 
Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por 
certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, 
esquivar sua pesada e temível materialidade (Foucault, 1980). 
 
A falta de informações sobre o familiar e o sofrimento do isolamento 
 
 “Eu o vi no dia que eu o internei e, de lá para cá, não o vi mais. Não tive mais contato com ele. Só com assistente 
social. E até agora ligo para cá, pergunto e quero saber como ele está e pergunto como está a saúde dele e não me 
informaram nada” (F1) 
 “Só soube notícia do médico dizendo que ele estava estável. A assistente social mandou eu entrar para assinar a 
transferência dele, mas até agora nada. Provavelmente, é porque ele vai precisar de uma UTI”. (F2) 
"A gente tentava ligar, mas nunca conseguia saber nada direito. Foi quando publiquei nas redes sociais e consegui 
saber dela na quarta-feira, por meio de funcionários de lá que estavam de plantão." (F11) 
 
Diante dos discursos foi possível analisar que existe uma exclusão dos familiares no processo de cuidado, tornando-se 
invisíveis, também, para a garantia de repasse de informações pela equipe de saúde sobre o familiar com COVID-19. Isso 
acarreta os mais variados sentimentos, como revolta, angústia, medo e insegurança como é relatado no discurso quando foi 
necessário a publicação em redes sociais para se obter informações acerca do familiar internado. 
Isso corrobora com a analítica discursiva de Michel Foucault, quando o mesmo refere que em uma sociedade como a 
nossa, conhecemos procedimentos de inclusão, exclusão e interdição. Pois estes discursos foram atualizados nos modos de 
operar a disciplina dos corpos, da separação, segregação e poder sobre eles através da estratégia do isolamento social. E 
quando aplicado nas instituições hospitalares onde os profissionais de saúde que operam a biopolítica dos corpos e de fazê-los 
viver não podem falar de tudo em qualquer circunstância, isso causou conflitos entre os familiares e profissionais / serviços de 
saúde (Foucault,2007). 
 
“Como estive no hospital pra fazer a questão burocrática, ‘tô’ em isolamento de novo, longe do meu filho, da minha 
família. No meu pior pesadelo eu não imaginei passar por isso” (F4) 
“Quando a gente deixa de ver só número na televisão e passa a ser estatística, fica mais chateado com pessoas que 
não têm sensibilidade, que dizem que isolamento é uma besteira e que o comércio tem que voltar.” (F5) 
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“Foi como um efeito dominó, um ficando doente atrás do outro, e não tinha mais como controlar. Assim que eu tive 
os sintomas, me tranquei dentro do quarto, minha mãe colocava as coisas na cadeira do lado de fora pra eu pegar. A 
gente foi se isolando” (F6) 
“Ele ficou em isolamento domiciliar e hoje se encontra bem, graças a Deus. Foram dias muito difíceis para toda a 
família e atribuímos isso à boa saúde que ele tem.” (F9) 
“Foi muito complicado estar em casa só, sem meu velho, acostumado a todo dia estar junto mais ele, toda noite, toda 
manhã. Foi horrível, muito horrível, não gosto nem de lembrar.” (F10) 
“Quando o serviço social do HGF me ligou avisando que ia realizar uma videochamada com meu pai, eu fiquei 
eufórica e ansiosa." (F7) 
 
Cabe destacar que o isolamento é destinado a separação das pessoas que foram diagnosticadas com uma doença 
contagiosa daquelas que não estão doentes. O isolamento dos casos confirmados como positivos pode ser realizado no 
domicílio ou em unidades especialmente preparadas, caso a pessoa infectada necessite de hospitalização (Aquino et al., 2020). 
A importância da família para a recuperação de seus membros doentes e hospitalizados já foi evidenciada em alguns 
estudos (Burns et al., 2018), considerando que a família é a primeira unidade de cuidado, ela pode ser considerada como 
sujeito do cuidado. Quando um membro da família adoece, o estado de equilíbrio dos demais modifica, tendo que sofrer 
reorganização (Roberts et al., 2020). 
Com o isolamento, a presença do familiar como acompanhante foi proibida e o apoio para enfrentar a enfermidade foi 
retirado, causando um déficit no enfrentamento da doença. 
A pandemia da COVID-19, com a imposição de afastamento da família, desconstrói o modelo do Cuidado Centrado 
no Paciente e na Família (CCPF), causando um impacto na abordagem assistencial. Ao impedir a família de estar junto de seu 
ente querido retira-lhe o poder e intensifica sua vulnerabilidade. 
A família sente-se ameaçada em sua autonomia, em nome de um foco totalmente direcionado para a doença, sem 
considerar as pessoas doentes. Corre-se o risco de um retorno a uma abordagem centrada na patologia, desconstruindo o 
modelo do cuidado centrado no paciente e família (Mandetta & Balieiro, 2020). 
Em tempos de pandemia pela COVID-19 tem-se o risco de afastar a família do processo de cuidado. Por isso é 
importante que se mantenha um canal de comunicação com a família para que ela seja ouvida, participe das tomadas de 
decisões e acompanhe a evolução do seu ente querido. 
 
Sofrimento psicológico no processo da doença e o distanciamento social 
O distanciamento social tem como objetivo reduzir as interações em uma comunidade, minimizando ou evitando o 
contato de pessoas infectadas com pessoas não infectadas. Como estamos falando da COVID-19, uma doença transmitida por 
gotículas respiratórias, o distanciamento social faz-se necessário. Em casos extremos a contenção comunitária ou bloqueio 
(também chamada de lockdown) está sendo aplicado em Estados, cidades e regiões, proibindo que as pessoas saiam dos seus 
domicílios, excetuando algumas situações emergenciais (compras de alimentos, trabalho essencial e consultas médicas de 
urgência e emergência) com o objetivo de reduzir o contato social (Aquino et al., 2020). 
 
“A doença é real, tá aí, tirando vidas. Pode ter um recorte de doença pré-existente, de idade… Mas todo dia ela vai 
tirar uma pessoa, o amor da vida de alguém, de maneira sangrenta. Dói, dói muito. Foi quase um mês de viver na 
esperança de ir buscá-la. A gente fica vendo vídeo de gente que melhora, e esperando que seja nossa vez. Mas muitas 
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vezes não vai ser. Como não foi no meu caso, como não foi no de milhares de pessoas que não estão se despedindo da 
família, da mãe, dos filhos. Ninguém tá preparado pra uma dor dessa. Ela é palpável e tá na nossa porta” (F3) 
“Hoje estou bem melhor, e graças a Deus estamos em casa. Mas foi algo que abalou demais a nossa família, mexe 
muito com o nosso psicológico. Quando a pessoa é internada, você pensa que não vai voltar. Foram dias muito 
difíceis para nós, vendo todo mundo doente” (F7) 
 
Os impactos psicológicos relacionados à pandemia e as medidas de controle estão evidenciados nos discursos e 
podem ser considerados fatores de risco à saúde mental. A pandemia não é apenas uma crise epidemiológica, é também 
psicológica. Os efeitos negativos incluem sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva, que podem estar relacionados 
com a preocupação, pela escassez de suprimentos, perdas financeiras, isolamento social e as perdas de familiares e amigos 
(Martin, 2020). 
O confinamento imposto pela COVID-19, que já foi descrito como o “maior experimento psicológico do mundo” 
(Van Hoof, 2020), tem colocado à prova a capacidade humana de extrair sentido do sofrimento e desafiando indivíduos e 
sociedade, no Brasil e em todo o planeta, a promoverem formas de coesão que amorteçam o impacto de experiências-limite na 
vida mental (Lima, 2020). 
Além disso, a expansão da internet, das redes sociais e dos dispositivos móveis gera uma indústria de informação e de 
notícias verdadeiras e falsas, com o potencial de desencadear o agravamento da situação patológica física, mental e espiritual 
do indivíduo. A verdade é um feito humano, algo que parte e se potencializa a linguagem, fortalecido por qualquer ato de 
comunicação entre indivíduos, ademais, à medida que a rede social se fecha em torno dos indivíduos, a saúde parece diminuir 
gradativamente e as doenças se diversificam e se combinam (Aquino et al., 2020). 
Esses fenômenos também podem ser percebidos além dos discursos, pelas mudanças nas rotinas e relações familiares, 
na sociedade, por aumentar o estigma social de determinados grupos e bem como dos idosos, faixa etária que tem ocorrido o 
maior número de óbitos em decorrência da COVID 19 (Schmidt et al., 2020). 
Deste modo, a doença é percebida em um espaço de projeção sem profundidade e de coincidência sem 
desenvolvimento. Por isso o sujeito deve ser considerado em sua totalidade, para se conhecer a doença deve-se subtrair o 
indivíduo com as suas qualidades singulares (Aquino et al., 2020). 
 
Quebra do processo de luto 
Os rituais relacionados com a morte, como os funerais, servem para contextualizar a experiência, permitindo as 
mudanças de papéis e a transição do ciclo de vida. Além do mais, podem oferecer à família o suporte da sensação de pertencer 
a uma cultura capaz de proporcionar respostas previsíveis num momento em que o choque da perda pode a deixar entorpecida 
e desarticulada (Souza & Souza, 2019). 
De acordo com os seguintes discursos, pode-se observar que há uma quebra no processo de luto devido a pandemia: 
 
“A gente não se despede, não pode velar, rezar. Recebe a notícia e tem que enterrar. Parece que você não encerra 
um ciclo, não tem tempo de entender, processar. (F3) 
“Nós estamos sem os nossos rituais tradicionais de despedida e temos uma tendência inicial de negar a realidade da 
morte. Sem visualizar o corpo, isso se torna mais difícil, porque essavisualização, por mais que doa, contribui para 
que avancemos nas fases do luto.” (F8) 
 
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Os rituais fúnebres dão à família a oportunidade de estruturar a perda e se despedir daquele que se foi. Durante o 
velório e enterro, os familiares e amigos expressam aquilo que não conseguiram dizer em palavras. Devido a pandemia, a 
celebração desses rituais está proibida ou limitada, o que pode alterar o processo de luto da família, quando não conseguem 
expressar o sofrimento e elaboração da perda. 
Os discursos trazem como produto último, a vontade de verdade, portanto, a partir de instituições e de pontos de 
distribuição e apoio disseminados por todo tecido social, tende a exercer poder de influência sobre os outros discursos 
produzindo outras verdades que se dizem pelos modos de linguagem, dos gestos, da escrita, das narrativas reiteradas nos mais 
variados meios de comunicação (Foucault, 2007). 
 
4. Conclusão 
Analisando os discursos produzidos fica evidente a ocorrência de modificações nas relações sociais e familiares. 
Essas modificações estão diretamente relacionadas ao isolamento e consequentemente a ausência da participação dos 
familiares no processo saúde-doença. 
A comunicação entre familiares e profissionais da saúde, neste momento pandêmico, torna-se frágil ou até mesmo 
inexistente provocando uma sensação de exclusão da família durante o tratamento do familiar. Contudo, ressaltamos que, 
assim como pacientes e familiares, os profissionais também vivenciam um turbilhão de informações, um estado de sofrimento, 
por inúmeros motivos, tais como a sobrecarga de trabalho, o medo de contaminar-se e contaminar suas próprias famílias, entre 
outros. 
É importante ressaltar que a espiritualidade tende a ser um recurso importante para muitas famílias, podendo ajudar 
no enfrentamento da doença e favorecer a maneira de lidar com situações adversas, como o luto. Sabemos que rituais 
funerários podem favorecer o processo de despedida e a elaboração do sentimento de perda, entretanto, os velórios e enterros, 
estão proibidos ou sendo realizados com restrições. 
Tais mudanças, o isolamento, o processo saúde-doença e o processo de luto tornam ainda mais desafiador o 
enfrentamento à pandemia, sobretudo quando os familiares consideram que o ente querido não recebeu a assistência 
necessária, ou mesmo quando não houve a oportunidade de serem confortados e oferecerem conforto, sendo-lhes negado o 
direito ao apoio social que auxilia a lidar com as crises e perdas e a seguir em frente. 
 É evidente que o sofrimento psicológico torna-se um fator agravante durante a pandemia, sendo necessário 
acompanhamento psicológico ampliado até mesmo no pós-COVID-19. Dessa forma, é necessário que novos estudos sejam 
desenvolvidos relacionando os impactos psicológicos à pandemia e refletindo-se a respeito da necessidade de políticas públicas 
para acompanhamento do paciente e seus familiares. 
 
Referências 
Aquino, E. M. L., Silveira, I. H., Pescarini, J. M., Aquino, R., Souza-Filho, J. A., Rocha, A. S. & Lima, R. T. R. S. (2020). Medidas de distanciamento social 
no controle da pandemia de COVID-19: potenciais impactos e desafios no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 25(1)2423-2446. https://doi.org/10.1590/1413-
81232020256.1.10502020 
 
Barros, J. D. (2004). O campo da história: especialidades e abordagens. Vozes. 
 
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