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1 Aula 3: Identidade latinoamericana: Democracia, Cultura de Paz e Direitos Humanos Apresentação Sejam bem-vindos à terceira aula do curso! Nesta aula abordaremos os seguintes temas: o Impulsos integradores na história latino-americana: projetos e pensadores. o As bases da identidade do Mercosul: democracia, paz e direitos humanos. o O patrimônio intangível do Mercosul. A ideia de América Latina A unidade continental do que hoje se define como América Latina teve, desde os anos da luta pela independência, avanços e retrocessos. Não obstante, a ideia ou o conceito de América Latina sempre manteve sua validade por essas terras. Em nenhuma outra parte do globo a ideologia unitária teve tanto desenvolvimento e persistência. Certamente, quando todos se questionam sobre o que é a América Latina, não constroem uma resposta inequívoca. Ao contrário, múltiplas opções podem se apresentar: a geográfica, como o território que se estende desde o Rio Grande, no norte do México, até o extremo sul do continente, em Ushuaia; o histórico-linguístico, baseado nas nações conquistadas e colonizadas por espanhóis e portugueses, que seguiram um percurso marcado por elementos semelhantes e compartilham traços culturais; ou a política, uma grande nação latino-americana que nasceu unida e foi fragmentada por interesses extrarregionais que se sucederam em camadas. Em todos eles, a imagem que cada um vai construir é a imagem de um mapa imóvel, a-histórico, como se considera sempre um mapa. É possível, porém, pensar o que é a América Latina a partir de outro lugar, de outra episteme. Ou seja, partindo de considerar a nossa Grande Pátria como um espaço em construção, onde ao longo da história se expressaram diferentes projetos políticos, marcados por três valores 2 fundamentais: a autonomia, o desenvolvimento e a defesa dos recursos naturais. Essas três questões, tematizadas como problemas políticos, tornaram-se metas ao longo da história da região que podem ser alcançadas por meio da integração regional, da unidade. Os ideais unionistas-integracionistas têm sido delineados por intelectuais e lideranças políticas para promover melhorias nas condições sociais, econômicas e políticas de nossos países e de nossos povos. Este pensamento próprio (construído na e para nossa região) tem uma perspectiva continental ao tentar responder a problemas específicos do continente latino-americano. A seguir, apresentaremos alguns projetos de unidade que foram tentados, com maior ou menor sucesso, em nossa região. Antes de começar, é necessário esclarecer que excede nossas possibilidades apresentar a todos os autores e construtores da região. Portanto, fazemos uma seleção e, nas atividades, propomos que possam explorar de forma independente outros processos e/ou autores. Os primeiros projetos de unidade A ideia da unidade latino-americana como projeto político remonta ao período da independência em meados do século XIX. Especificamente, buscou-se concretizar pela primeira vez a ideia de união no planejado Congresso Anfictiônico do Panamá em 1826, comandado pela figura de Simón Bolívar. Em 1815 Bolívar escreveu a Carta da Jamaica, onde descrevia o cenário político da América Latina e analisava o futuro da região. Lá ele avançou a ideia de uma união sul-americana e declarou: “Não somos índios nem europeus, mas uma espécie média entre os legítimos proprietários do país e os usurpadores espanhóis”. 3 Em 1826, convocou representantes de todas as ex-colônias americanas para uma assembléia a ser realizada na Cidade do Panamá, com o objetivo de firmar uma série de acordos visando à formação de uma federação de Estados da América do Sul. Bernardo de Monteagudo foi quem, através do seu texto "Ensaio sobre a necessidade de uma Federação Geral dos Estados Hispano-americanos e seu plano organizativo", explicou os eixos iniciais sobre os quais se deveria construir esta nova entidade que nasceria após a reunião no Panamá. Para Monteagudo existem três eixos fundamentais: a paz, entre nações irmãs; independência, contra o império; garantias recíprocas, como forma de facilitar o comércio interno e regular o seu desenvolvimento. Destas, centrou-se no problema da independência, entendida como a possibilidade de constituir uma vida autônoma nas novas nações contra o poder imperial. No projeto americanista de Simón Bolívar, os Estados Unidos, recentemente independentes de seu domínio britânico, aparecem como mais um aliado, diante da ameaça da Santa Aliança. Essa aliança conservadora entre as monarquias da Rússia, Prússia e Áustria promoveu o retorno de Fernando VII ao trono espanhol e a recuperação dos territórios americanos sob o domínio da coroa espanhola. O Congresso não teve o sucesso esperado. Ao contrário, os processos de independência centraram-se na separação dos territórios sul-americanos, na erradicação dos projetos de união política entre as ex-colônias e na geração de antinomias entre as novas nações. Como resultado, a América Latina foi dividida em 31 estados livres, que cobriam todo o território anteriormente colonizado por Espanha, Portugal, França, Reino Unido e Holanda, desde o México ao norte até a Argentina ao sul. As mulheres no projeto de unidade latino-americana Juana Azurduy foi uma das mulheres latino-americanas que, por meio de sua luta nas guerras emancipatórias das terras americanas, liderou a libertação de nossa Pátria Grande. Essa heroína se lançou no campo de batalha, junto com sua família, para lutar contra o jugo colonial. Nasceu em Chuquisaca, Alto Peru (Bolívia) em 1780, destino geográfico que marcaria sua vida. Junto com seu 4 marido Manuel Ascencio Padilla, ela liderou a revolta de Chuquisaca de 1809, o primeiro movimento de independência na América do Sul. Admirada por Castelli, Monteagudo e Belgrano, sua luta contra as tropas monarquistas serviu de exemplo para muitas mulheres que aderiram à façanha. Sua coragem e determinação para alcançar a liberdade dos povos da América do domínio estrangeiro fizeram dela um símbolo da unidade sul-americana. Sua figura reivindica o papel que a mulher teve na história de nossos povos, tradicionalmente negado pela história oficial. Destino semelhante teve outra heroína das lutas pela independência, Manuela Saénz, que foi a grande companheira de Bolívar, sendo, além de seu apoio, sua mentora e protetora. Incorporada à luta pela independência antes de conhecê- lo, ela cruzou os Andes e foi reconhecida pelo general San Martín como "Caballeresa del Sol", a mais alta condecoração que o governo peruano outorga aos militantes da causa patriótica. Mais tarde, após a batalha de Ayacucho, foi nomeada Coronel do Exército Colombiano. Lutadora ativa pela independência e militante pela unidade nos atuais territórios do Peru, Equador e Colômbia, foi também mulher de extrema confiança do Libertador, alertando-o para as intrigas contra ele e salvando-o em múltiplas ocasiões. Nos últimos anos, derrotada a causa da integração, organizou e cuidou fielmente do seu arquivo pessoal. A geração de 900 A geração de 900 pode ser definida, em princípio, como um movimento cultural literário que defende a unidade latino-americana a partir da oposição com uma série de ideais norte- americanos ligados especialmente ao materialismo. Enrique Rodó, um de seus principais expoentes, conclama em seu livro, Ariel, a defesa do idealismo sobre o utilitarismo pragmático que os saxões pregavam. Para conhecer um pouco mais sobre a geração de 900, convidamos-lhe a assistir este vídeo. 5 Link: http://bit.ly/3nKuOJw Fonte: https://uruguayeduca.anep.edu.uy/recursos- educativos/225#:~:text=Esta%20generaci%C3%B3n%20de%20autores%20estuvo,y%20Florencio% 20S%C3%A1nchez,%20entre%20otros. Embora a geração de 900 retome o espírito de unidade expresso pela ideologia bolivariana, algumas diferenças substanciais podem ser observadas com relação a esse pensamento. Eles podem ser resumidos na recuperação e revalorização do passado hispânico; a religião católica como elemento de união e fé dos povos; a figura do mestiço, aquele em cuja imagem será construída a unidade latino-americana; e o idealismo e a transmissão de valores em oposição à lógica positivista importada pelas elites europeizantes. Um dos conceitos mais interessantes que trazem, porém, é o de anti-imperialismo. Como veremos, há três eventos históricos que marcam o surgimento e o progresso desse conceito: ● O primeiro foi a vitória dos Estados Unidos na guerra contra o México em 1846, que levou à anexação de uma grande extensão de territórios pelos Estados Unidos – http://bit.ly/3nKuOJw https://uruguayeduca.anep.edu.uy/recursos-educativos/225#:~:text=Esta%20generaci%C3%B3n%20de%20autores%20estuvo,y%20Florencio%20S%C3%A1nchez,%20entre%20otros https://uruguayeduca.anep.edu.uy/recursos-educativos/225#:~:text=Esta%20generaci%C3%B3n%20de%20autores%20estuvo,y%20Florencio%20S%C3%A1nchez,%20entre%20otros https://uruguayeduca.anep.edu.uy/recursos-educativos/225#:~:text=Esta%20generaci%C3%B3n%20de%20autores%20estuvo,y%20Florencio%20S%C3%A1nchez,%20entre%20otros 6 quase equivalente ao tamanho atual do México – que não eram próprios. Como resultado, as áreas que hoje conhecemos como os Estados do Texas, Novo México, Arizona, Colorado, Nevada e Califórnia, entre outros, foram incorporadas aos Estados Unidos. Esse fato deu início a um novo olhar sobre os Estados Unidos, que passou de aliado contra o imperialismo europeu a uma ameaça. ● O segundo evento foi a invasão da Nicarágua por William Walker em 1856, com o apoio do governo dos Estados Unidos, com a intenção de explorar a criação de um canal bioceânico através do rio San Juan. Isso deu início à reação latina contra o avanço saxão. ● Finalmente, a invasão de Cuba em 1898 pôs fim à presença espanhola na América, estabelecendo um pontapé central para o que é conhecido como a Geração de 900. Assim, a autonomia política aparece como eixo da proposta desses autores, voltados para a criação dos Estados Unidos do Sul, antítese do gigante norte-americano. As reflexões desses pensadores e pensadoras não se cristalizaram em um projeto político. No entanto, deram continuidade ao ideal integracionista nascido em plena independência, aprofundando as reflexões que, desde meados do século XX, seriam centrais para a conformação de novos projetos políticos na região. A Geração de 900 também propôs um programa educacional. Suas principais características eram a consciência da autenticidade da América Latina, a importância do autoconhecimento para se apresentar ao mundo e a concepção do sujeito como um todo integral. Devido a essas orientações, o papel da educação para a preparação do homem para o mundo e desenvolvimento humano, a promoção do amor à pátria e a construção de uma identidade são eixos comuns de seu projeto pedagógico para a América Latina. O exemplo do mexicano José Vasconcelos, que desenvolveu projetos concretos para voltar a universidade para o povo e regenerá-la através da escola, é esclarecedor neste sentido. Autonomia e desenvolvimento como motores da unidade A década de 1970 assistirá a um renascimento de projetos em torno da unidade, desta vez a partir do trabalho de um grupo de pensadores que se reúnem no que conhecemos como a 7 escola da autonomia. Os principais expoentes desse movimento são Juan Carlos Puig (da Argentina), Helio Jaguaribe (do Brasil) e Luciano Tomassini (do Chile). Por meio deles, o Cone Sul dá uma contribuição substantiva às ciências sociais, refletindo sobre a dependência e autonomia de países periféricos como o nosso. Com esta perspectiva, Juan Carlos Puig mostrou a necessidade de realizar análises aprofundadas para compreender estruturalmente a política internacional de nossos países. Assim, afirmou, seria possível identificar os acertos e erros dessas medidas, conforme permitissem ou não alcançar um maior grau de autonomia, diferenciando as preocupações com a soberania como conceito derivado do direito internacional. Puig vincula, assim, a noção de autonomia a uma ferramenta de política externa: a celebração de acordos de integração regional. Para o autor, a integração regional é: “um segundo fenômeno social ou no qual dois ou mais grupos humanos [Estados, empresas, comunidade internacional] adotam uma regulamentação permanente de certas matérias que até então pertenciam à sua exclusiva competência (ou domínio reservado) […] O objetivo é fazer com que os grupos sociais em questão renunciem à ação individual em determinados assuntos para fazê-lo conjuntamente e com sentido de permanência.” (Puig 1986, 41). Não obstante, destaca que os acordos de integração regional não implicam, por si só, a ampliação das margens de autonomia, pois isso depende de terem sido concebidos (ou não) com base em objetivos regionais. Mais enfaticamente, destaca a importância da integração solidária, baseada em um objetivo comum entre os países latino-americanos: a busca constante pela autonomia política. Por sua vez, a proposta de Jaguaribe surge de conceber a realidade internacional de duas maneiras. Por um lado, afirma que os países podem ser divididos em centrais e periféricos. Mas, por outro, também são estratificados segundo níveis de autodeterminação (internos ou externos) superiores ou inferiores. Para medir o grau de autodeterminação, devemos olhar para a capacidade de um Estado exercer primazia regional sobre uma área geográfica, 8 autonomia, garantida pela possibilidade de aplicação de penalidades no nível local, e tomar decisões com peso individualmente no nível internacional. Dessa forma, os Estados oscilam entre os modelos: Desenvolvido-Norte-Centro e Dependente-Sul-Periferia. Sua interpretação do quadro internacional no qual os países latino-americanos estão inseridos é complementada por sua visão das condições estruturais que favorecem ou impedem o desenvolvimento e o crescimento autônomo dos países latino-americanos. Para isso, distingue dois fatores: a viabilidade nacional e a permissibilidade internacional. Enquanto a primeira tem a ver com a capacidade nacional, a segunda considera o contexto internacional em que ocorre. Simultaneamente, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)1 –com outro importante teórico, Raúl Prebisch, à frente– promoveu a criação de um Mercado Comum Latino-Americano –para as economias da América do Sul junto com o México– e de um Mercado Central Americano – uma vez que esta sub-região tinha características especiais e homogêneas o suficiente para desenvolver um processo separado. O Mercado Comum Latino-Americano permitiria resolver os problemas econômicos e de desenvolvimento da região a partir da promoção massiva das exportações (tanto de bens tradicionais como não tradicionais) e da passagem de uma industrialização leve ou fácil para uma industrialização pesada ou difícil processo de industrialização. As propostas sobre como configurar o Mercado Comum Latino-Americano estão refletidas em um pequeno documento que inclui uma conferência de Prebisch no México em 1959. 1 A CEPAL é uma das comissões regionais da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é contribuir para o desenvolvimento econômico e social da América Latina, fortalecendo as relações econômicas dos países da região entre si e com o resto do mundo. 9 Convidamos-lhe a ler o documento completo em: https://repositorio.cepal.org/handle/11362/32867 Os projetos da segunda metade do Século XX Nesse quadro de ideias e políticas, nasceu em 1960 a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). A ideia central desse projeto era construir as bases para um processo de industrialização dos países latino-americanos. Apesar das expectativas, o projeto não cumpriu seus ambiciosos objetivos iniciais. Embora a ideia da CEPAL, em tese, contemplasse as diferenças entre centro e periferia, sua proposta prática de integração não fez mais do que reproduzir a mesma lógica, alimentando as assimetrias, agora dentro do continente. No entanto, seu significado beneficiou apenas as principais economias (Argentina, Brasil e México), que passaram a exportar produtos industriais para outros países da região, sem favorecer as economias menores. Por sua vez, essas economias se viam necessitadas de divisas para importar produtos, não apenas dos https://repositorio.cepal.org/handle/11362/32867 10 principais países, mas de seus aliados regionais. Essas diferenças internas entre os países produziram rupturas intransponíveis que gradualmente levaram a um enfraquecimento da associação. Diante disso, os países andinos geraram uma primeira ruptura da ALALC em 1969, com base no que ficou conhecido como Acordo de Cartagena ou Pacto Andino. Nela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Chile (com a posterior entrada da Venezuela e a saída do Chile após o golpe de Estado de Pinochet em 1973), levantaram a necessidade de dar conta das assimetrias e dos “diferentes tempos” de integração, gerando para si um espaço comum e um modelo de diferentes velocidades que colocam o eixo do debate na possibilidade de um desenvolvimento harmonioso. Ditaduras, crises da dívida e um cenário global polarizado puseram fim a essa primeira tentativa de integração, que aceitou sua substituição pela constituição de 1980 da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), cuja criação buscou flexibilizar na prática as premissas da integração A LAFTA responde a uma nova ordem mundial emergente: a da globalização. Às ideias apresentadas até agora, é necessário acrescentar uma escola muito importante para o pensamento social latino-americano e para o futuro desenvolvimento de projetos de integração em nossa região: a escola da dependência. A partir dessa escola, linhas rigorosas e inovadoras foram propostas para entender a dinâmica da economia mundial e o papel da América Latina no sistema global. Três dos principais expoentes desta escola são os brasileiros Theôtonio dos Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini. As principais contribuições de Theôtonio dos Santos estão sintetizadas em seu documento "Research Outline on Dependency Relations in Latin America", de 1968, considerado o documento fundador da teoria da dependência. Este documento foi publicado no Chile, onde dos Santos se exilou da ditadura brasileira. Como resultado dessa viagem, vários pesquisadores chilenos se juntariam à equipe. As contribuições de Vânia Bambirra, por sua vez, estão ligadas à reflexão sobre as relações entre as pressões internacionais sobre os países 11 periféricos e as disputas sociais que ocorrem nos países latino-americanos. A partir deste lugar, procura relativizar as abordagens mais deterministas. Por fim, o pensamento de Ruy Mauro Marini foi marcado pela preocupação com a superação das desigualdades sociais na América Latina. Seu interesse pela região o levou a perceber que a maior parte dos estudos sobre o tema vinha dos Estados Unidos e da Europa, levando-o com maior determinação a produzir um pensamento latino-americanista. A unidade em torno da defesa dos recursos naturais Outro elemento sobre o qual se organiza o pensamento da integração em nosso continente, além da autonomia e do desenvolvimento, é a defesa dos recursos naturais. Esse elemento também pode encontrar seu vínculo com a matriz colonial sobre a qual se constitui a América Latina. Nossa região foi colocada como um espaço central de exploração e extração de recursos naturais para o desenvolvimento da indústria em nível global. Evitar esse quadro foi um dos motivos para buscar motorizar a unidade a partir de uma lógica defensiva. Porém, em meados da década de 1950 esse sentido foi rompido, passando de uma lógica defensiva para uma lógica propositiva de construção de unidade para o futuro. O projeto que materializou esses ideais foi o Novo ABC (Argentina, Brasil e Chile), promovido pelos presidentes Juan Domingo Perón (Argentina), Getúlio Vargas (Brasil) e Carlos Ibáñez (Chile). Embora este projeto não tenha se concretizado, é considerado por alguns autores como a primeira experiência de integração efetiva na América Latina, pois combina parte da herança lusitana (Brasil) com o país mais significativo de herança hispânica (Argentina). Ao propor essa ideia, Perón apontou que o mundo caminhava para um cenário de conflito devido ao crescimento descontrolado da população. Este fato, marcado pelos frios números da demografia, obrigava cada vez mais os países centrais a explorarem as suas reservas de matérias-primas, quer para a produção de alimentos, quer como componentes centrais da indústria. E essas reservas, em meados da década de 1950, estavam começando a se esgotar. Diante dessa realidade de um mundo superpovoado e superindustrializado, o olhar dos grandes países do mundo começa a se voltar para a América Latina (e particularmente o olhar de Perón, sobre o Cone Sul latino-americano), para se apropriar de suas riquezas. 12 Diante disso, a única forma de preservá-los era a unidade, entendendo-a como lógica de coordenação defensiva para a conservação dessas reservas. Esse projeto levantava a necessidade de unitarização não em virtude de um passado comum, como foi o caso de Bolívar ou da geração de 900, nem apenas em relação à questão do desenvolvimento, pensado em termos de aumento do comércio ou da produção, mas sim partindo de uma análise conceitual, por um lado, da evolução da humanidade e, por outro, do momento conjuntural que viveu e que levaria ao ano 2000 nos encontrando –segundo sua célebre frase– “Unidos ou Dominados ”. Paz, democracia e direitos humanos: os pilares da integração do Mercosul Com o fim das ditaduras militares e após a chegada ao poder dos presidentes Raúl Alfonsín, na Argentina, e José Sarney, no Brasil, nos anos de 1983 e 1985 respectivamente, uma nova etapa começou a se configurar no pensamento e na prática da integração do Cone Sul da América Latina. A recuperação da democracia em ambos os países permitiu o fortalecimento de seus laços políticos. Assim, apareciam como os encarregados de dar o pontapé inicial e construir a base a partir da qual o restante da região começaria a moldar um processo de integração mais amplo, que culminaria na construção do tão esperado mercado comum latino-americano que havia foi proposta a CEPAL. Desde o início considerou-se que a integração profunda deveria ocorrer em um contexto de paz. Isso significava banir a desconfiança e a rivalidade mútuas que haviam prevalecido durante as ditaduras militares presentes na região desde meados do século. Implicava não só a inexistência de guerras no território – algo que não aconteceu durante o século XX – como também a inexistência de hipóteses de conflito. A democracia também foi considerada vital para a integração regional. A assinatura de acordos de longo prazo e a coordenação de posições requerem um clima de confiança mútua e continuidade institucional, que só é gerado neste quadro. Portanto, desde os primeiros acordos bilaterais entre Argentina e Brasil, a consolidação da democracia é mencionada 13 como um objetivo comum, deixando claro o compromisso assumido pelos novos governos com o fortalecimento democrático de seus países. Assim, não só o retorno à democracia deu impulso ao processo de integração, como a própria integração foi pensada para contribuir para o reforço da democracia recém- reinstaurada. De fato, em princípio, era uma exigência tácita que os Estados Partes fossem democráticos. De fato, o Paraguai não participou das negociações anteriores à formação do MERCOSUL até o fim da ditadura naquele país, em 1990. Este importante requisito está expresso na Declaração Presidencial de Las Leñas de 1992. Da mesma forma, em 1998, a assinatura do Protocolo de Ushuaia estabeleceu a cláusula democrática no MERCOSUL. Posteriormente, em dezembro de 2011, foi assinado o Protocolo de Montevidéu sobre o compromisso com a democracia no MERCOSUL (Ushuaia II), com o mesmo significado, ratificando a prioridade dada ao tema. Avançando no processo de integração, a promoção e defesa dos Direitos Humanos se somarão à paz e à democracia como condição indispensável da unidade. Isso começou a ser discutido em 2005 e se concretizou em 2009 com a criação do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH). Este corpo técnico sediado na cidade de Buenos Aires tem como missão "Fortalecer os direitos humanos como eixo fundamental da identidade e integração regional por meio da cooperação e coordenação de políticas públicas". Entre seus objetivos são mencionados: Fortalecer os mecanismos e espaços de diálogo e participação para a geração de consensos e acordos para a gestão pública em direitos humanos. Promover o desenvolvimento de sistemas de medição, informação e monitoramento em direitos humanos. Ampliar a formação e a pesquisa em direitos humanos por meio dos programas da Escola Internacional e da projetada biblioteca de pesquisa especializada. Promover a cultura e a promoção dos direitos humanos e da cooperação Sul-Sul a nível regional e internacional. Alcançar a sustentabilidade financeira e melhorar a captação de recursos. O patrimônio intangível do Mercosul 14 Como vimos até agora, a ideia de América Latina se manifestou ao longo dos anos por meio de diferentes projetos políticos na região, mas também por meio de ideias, crenças e formas de ver o mundo compartilhadas. Nesse conjunto de elementos, nossa região construiu um amplo patrimônio cultural e simbólico que se apresenta de diversas formas. A seguir, propomos alguns recursos que permitem explorar diferentes manifestações desse patrimônio comum. o O cinema em Latinoamérica: https://encuentro.gob.ar/programas/serie/8226 ● Poetas latinoamericanos: https://encuentro.gob.ar/programas/serie/8025 ● Escritores latinoamericanos: https://www.educ.ar/recursos/156347/mercosur-lee ● Propostas didáticas para abordar o patrimônio intangível do Mercosul em diferentes níveis educativos: https://www.educ.ar/recursos/132315/dia-del-mercosur-compartir-un- mate-compartir-culturas https://www.educ.ar/recursos/132314/dia-del-mercosur-lenguas-y- costumbres https://www.educ.ar/recursos/157189/cuadernillo-seguimos-educando- actividades-mercosur-nivel-ini Fechamento da aula Ao longo desta aula pudemos observar como as ideias de autonomia, desenvolvimento, defesa dos recursos naturais, paz, democracia e direitos humanos foram marcando o futuro do ideal integracionista para nossa região desde meados do século XIX. Na época do bicentenário de nossa independência, o ideal latino-americano se transformou, no calor de dois séculos de acontecimentos. No entanto, ainda é válido como uma utopia. Por que entendemos assim e para que serve em nossa jornada? Para responder a essa https://encuentro.gob.ar/programas/serie/8226 https://encuentro.gob.ar/programas/serie/8025 https://www.educ.ar/recursos/156347/mercosur-lee https://www.educ.ar/recursos/132315/dia-del-mercosur-compartir-un-mate-compartir-culturas https://www.educ.ar/recursos/132315/dia-del-mercosur-compartir-un-mate-compartir-culturas https://www.educ.ar/recursos/132314/dia-del-mercosur-lenguas-y-costumbres https://www.educ.ar/recursos/132314/dia-del-mercosur-lenguas-y-costumbres https://www.educ.ar/recursos/157189/cuadernillo-seguimos-educando-actividades-mercosur-nivel-ini https://www.educ.ar/recursos/157189/cuadernillo-seguimos-educando-actividades-mercosur-nivel-ini 15 pergunta, é útil recuperar o pensamento do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que afirma que “a utopia está no horizonte. Eu ando dois passos, ela se afasta dois passos e o horizonte se estende mais dez passos. Então, o que é bom utopia? Para isso, serve para caminhar” (2003). Material de leitura Mignolo, W. (2007). “América Latina y el primer reordenamiento del mundo moderno/colonial”. En Mignolo, W. (2007) La idea de América Latina. La herida colonial y la opción decolonial. Barcelona: Gedisa. Disponível em: https://docs.wixstatic.com/ugd/36d710_bb6e167be7672f1dd43fffcb04bf4e36.pdf Perrotta, D.; Arata, N.; Paikin, D. y Porcelli, E. (2016). “Educación para la integración: ideas y recursos para la formación de una ciudadanía regional”. Buenos Aires: PASEM. Disponível em: https://www.educ.ar/recursos/156364/educacion-para-la-integracion-ideas-y-recursos-para-la-forma Material Opcional Ramos, J.A. (1968). “Introducción” [de la edición de 1994] e “Índice” en Ramos, Jorge Abelardo (1968). Historia de la Nación Latinoamericana. Buenos Aires. Disponível em: http://upcndigital.org/~ciper/biblioteca/Nacionalismo%20popular%20Latinoamericano/Jorge%20Abelardo% 20Ramos%20-%20Historia%20de%20la%20Nacion%20Latinoamericana.pdf Referências Bruckmann, M. (2022). La Teoría de la Dependencia: orígenes y vigencia. Presentación. Revista tramas y redes N°2. Magariños, G. (2005). Introducción. En G. Magariños (Ed.) Integración económica latinoamericana. Proceso ALALC/ALADI. 1950-2000 (Vol. Tomo I, pp. 5-28). Montevideo: BID- ALADI. https://docs.wixstatic.com/ugd/36d710_bb6e167be7672f1dd43fffcb04bf4e36.pdf https://www.educ.ar/recursos/156364/educacion-para-la-integracion-ideas-y-recursos-para-la-forma http://upcndigital.org/~ciper/biblioteca/Nacionalismo%20popular%20Latinoamericano/Jorge%20Abelardo%20Ramos%20-%20Historia%20de%20la%20Nacion%20Latinoamericana.pdf http://upcndigital.org/~ciper/biblioteca/Nacionalismo%20popular%20Latinoamericano/Jorge%20Abelardo%20Ramos%20-%20Historia%20de%20la%20Nacion%20Latinoamericana.pdf 16 Paikin, D.; Perrotta, D. y Porcelli, E. (2017). “Pensamiento Latinoamericano para la Integración”. Revista Crítica y Emancipación, N° 15, pp. 49-80. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20171019112058/CyE_N15.pdf Créditos Autores: Leticia González, Daniela Perrotta, Florencia Lagar, Emanuel Porcelli, Lucas Mesquita, Karen Honorio, Felipe Cordeiro, Ramon Blanco. Como citar este texto: González, L. e outros (2023). Aula Nro. 3: Identidade Latinoamericana: Democracia, Cultura da Paz e Direitos Humanos. Cidadania regional no Mercosul. Buenos Aires: Ministério da Educação da Nação. Esta obra está licenciada Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 3.0 http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20171019112058/CyE_N15.pdf http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/deed.es_AR
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