Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Leitura de Imagens Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Maria Jos Spiteri Tavolaro Passos Revisão Textual: Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos O Que é Imagem • Imagem: Conceitos Gerais; • Um Percurso Histórico pelo Mundo das Imagens; • A Relação Imagem-Espectador; • Metodologias: Uma Introdução. • Compreender os conceitos e as classifi cações da imagem; • Conhecer os aspectos da imagem ao longo da História; • Refl etir sobre a presença da imagem na cultura atual e a forma como nos relaciona- mos com as imagens; • Compreender a importância de uma educação do olhar e da leitura das imagens; • Refl etir sobre as relações entre o espectador e a imagem. OBJETIVO DE APRENDIZADO O Que é Imagem Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Que é Imagem Imagem: Conceitos Gerais Um dos nossos mais potentes canais de comunicação com o mundo é o da vi- são; assim, o ser humano é um grande consumidor de imagens. Mas, afinal, o que é imagem? A imagem é algo que sempre nos remete a algo visível e independentemente do meio em que ela se manifeste – físico ou mental -, a imagem é sempre produ- zida por alguém. Veja como o nosso mundo é povoado por imagens: até mesmo quando fechamos os olhos, nosso cérebro continua alimentando os nossos pensa- mentos com imagens. No campo da arte, da fotografia, da comunicação, a imagem está ligada à re- presentação visual, o que se dá por diferentes meios: pintura (em suas diferentes técnicas), desenho, gravura, fotografia, filme, vídeo... Na antiguidade ocidental, “imago” era um tipo de máscara mortuária, asso- ciada a manifestações ritualísticas. Assim, etimologicamente, imagem, imaginar, imaginação têm uma mesma palavra matriz: imago, a representação de algo que formamos e de que guardamos uma lembrança. Ao longo da História, a imagem já passou por diferentes interpretações. Para o filósofo Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.), por exemplo, as imagens cria- das pelo homem eram todas enganadoras, pois não passavam de interpretações da realidade. Assim, para esse pensador, as imagens criadas pelo homem imitavam a realida- de e, portanto, poderiam nos desviar da verdade, nos enganar, afetando-nos pelas partes mais frágeis de nossa alma. Por isso, para Platão somente imagens produzi- das pela natureza – as sombras, os reflexos etc. - deveriam ser objeto de atenção, pois não tinham a intenção de imitar (Figura 1). Já um de seus discípulos, o também filósofo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), via as imagens sob um outro ponto: para ele uma imagem poderia ter um caráter educativo, transmitir conhecimento e assim conduzir o ser humano a algum tipo de prazer. Na Idade Média, definiu-se a imagem como algo que está no lugar de outra coisa (aliquid stat pro aliquo), assim a imagem é algo fabricado ou ainda gerado pelo recorte do olhar de alguém. Diferentes autores nos apresentarão outros pontos de vista a respeito da ima- gem. Para Martine Joly (2005, p. 13), por exemplo, embora a imagem nem sem- pre remeta ao visível (pois às vezes estamos lidando com imagens mentais), para ser construída, “toma de empréstimo alguns traços ao visual e, em todo o caso, depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém, que a produz ou a reconhece”. 8 9 Resumindo, entendemos que a imagem é algo feito para representar uma outra coisa em sua ausência e, por isso, apresenta três dados intrínsecos: • uma seleção da realidade (que pode inclusive excluir qualquer representação da realidade, como na pintura abstrata); • uma seleção de elementos representativos; • uma estruturação interna que organiza os referidos elementos. Embora acredite-se que uma imagem possa falar mais do que mil palavras, é inte- ressante observar que há ainda o contexto em que essa imagem se apresenta, pois fatores culturais podem interferir na sua leitura, gerando diferentes interpretações. Em vários momentos da história da humanidade, em que o analfabetismo abran- gia a maior parte da população, as imagens eram, sem dúvida, um potente instru- mento para a divulgação das informações. Nos dias atuais, mesmo que esse ponto não seja uma constante em todas as re- alidades culturais e sociais, vivemos em um mundo com grande apelo visual e não raro as informações transmitidas por meio de imagens têm um alcance muito maior em velocidade e abrangência do que aquelas transmitidas por meio de textos verbais. Figura 1 – Sombras projetadas Fonte: Pixabay Basicamente, poderíamos dividir as imagens em dois grandes grupos: imagens naturais, ou seja, produzidas sem intervenção humana (Figura 2), como os reflexos na água (imagem de Platão), e imagens artificiais ou fabricadas (Figura 3), aquelas que são construídas pelo ser humano. Nesse segundo grupo, insere-se a concepção de imagem mais frequente: representação gráfica ou verbal de coisas existentes ou que possam existir. Assim, as imagens podem assumir diferentes naturezas, como afirma o histo- riador da arte, iconólogo e crítico William John Thomas Mitchell (CONTRERA; HATTORI, 2003): • Imagens gráficas – abrangem o universo das imagens construídas por meio da pintura, desenho e estátuas; 9 UNIDADE O Que é Imagem • Imagens óticas – aquelas geradas pelo espelhamento e projeção; • Imagens perceptuais – as que nos chegam pelos sentidos e reconhecimento de aparência; • Imagens mentais – as que são geradas nos sonhos, pela memória e pelas ideias; • Imagens verbais – aquelas descritas pelas palavras e sugeridas por metáforas. É importante considerar que além desses grupos, podemos ainda ter imagens surgidas do intercruzamento entre eles, como, por exemplo, uma imagem mental que se forme a partir da descrição de algo, ou seja, de uma imagem verbal. Figura 2 – Reflexos da natureza nas águas de um lago Fonte: Pxhere Figura 3 – Imagem artificial – pintura (Herman Saftleven, Landscape, cerca de 1680) Fonte: Wikimedia Commons As imagens fabricadas, ou seja, aquelas produzidas pelo homem, podem ser classifi- cadas a partir de alguns parâmetros (veja o quadro a seguir) e com base neles podemos desenvolver verdadeiras sistemáticas para a leitura e interpretação dessas imagens. 10 11 Quadro 1 –Parâmetros para análise de imagens Parâmetros Tipos de imagens Materialidade Imagens materiais (quadro, fotografia) e imateriais (imagem mental ou projeção holográfica) Espacialidade Imagens bidimensionais ou tridimensionais Temporalidade Imagens estáticas e móveis Intenção semântica Imagens representativas ou não representativas (figurativas ou abstratas) Condições de produção Utilizando meios mecânicos ou meios humanos Imagens são, em linhas gerais, signos analógicos, ou seja, se assemelham a algo concreto e, por meio das analogias estabelecemos relações entre algo e aquilo que é representado na imagem. É a constância perceptiva que nos permite atribuir qua- lidades constantes aos objetos e ao espaço. Ela está na base da nossa percepção do mundo visual, enfim, das imagens. Com base na constância perceptiva, ou seja, nessas analogias, é que conseguimos reconhecer um objeto, por exemplo, a partir de uma representação. Segundo E. Gombrich, “a imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicitar nossa relação com o mundo visual: ela desempenha papel de descoberta do visual” (apud Aumont, 2002, p. 81). As imagens têm histórias, relacionando-se a valores culturais e temporais. As- sim, signos plásticos, como cores, texturas, formas e estruturas compositivas, po- dem guardar uma mensagem visual. Um Percurso Histórico pelo Mundo das Imagens O estudo das imagens é um campo amplo que pode envolver aspectos históri- cos, simbólicos, técnicos etc. Na história da arte, temos, por exemplo, a iconologia como um estudo especifi- camente dirigido à leitura das imagens. Iconologia: Ciência voltada ao estudo e interpretação, de forma ampla, do signifi cado dos ícones ou do simbolismo artístico de uma obra ou artista, em diferentes contextos históricos e culturais. Também designa uma área das belas-artes que estuda como um determinado tema é tratado por diferentes artistas em diferentes épocas, resultando em representações alegóricas ou emblemáticas de uma visão de mundo. (ICONOLOGIA. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Ex pl or É interessante pensar que os mais antigos registros de imagens produzidas pelo homem nos levam à Pré-história, quando utilizando materiais naturais, como terras 11 UNIDADE O Que é Imagem misturadas com água, gordura animal ou resinas vegetais e outros extratos retira- dos de plantas ou mesmo minerais, nossos antepassados criaram diferentes tipos de sinais gráficos e figuras representando animais, pessoas, cenas que provavel- mente estivessem relacionadas a suas crenças e desejos (Figura 4). Figura 4 – Reprodução de pintura rupestre na gruta de Lascaux – França Fonte: Wikipedia Com o passar dos séculos, os conhecimentos a respeito dos materiais se am- pliaram e civilizações como a egípcia, bem como os povos da Mesopotâmia, já de- monstram um grande domínio sobre elementos da natureza, o que lhes possibilitou o uso de diferentes cores, mais vibrantes e com maior poder de fixação à superfície. Com relação às imagens produzidas por esses povos, é importante observar que ainda guardam um grande conteúdo simbólico, relacionado à hierarquia social e às suas crenças. São representações sintéticas, que privilegiam o uso da figura de perfil e não usam de artifícios gráficos para expressar volumes, luzes e sombras (Figura 5). Figura 5 – Arte egípcia Fonte: Wikimedia Commons 12 13 O desenvolvimento das sociedades e as diferentes concepções a respeito do mundo também influenciaram o modo de ver e representar as imagens. Na Grécia e, pos- teriormente, no Império Romano, as representações passaram a envolver as figuras mitológicas e pessoas de maior destaque no império (em Roma). As técnicas de pintura e escultura também se desenvolveram, bem como as imagens passaram a expor uma maior atenção quanto aos estudos de proporções das formas naturais, aos estudos de anatomia (humana e animal), gerando, assim, um maior realismo em suas obras. O cristianismo encontrou no mundo das imagens um rico espaço para a evange- lização. O índice de analfabetismo era altíssimo e o acesso às leituras também era muito difícil. Assim, as imagens se tornaram algo muito favorável para a transmissão de conhecimentos (Figura 6). Embora durante a Idade Media tenham ocorrido muitas discussões a respeito do uso ou não das imagens, elas provaram a sua eficácia e, assim, ocuparam as paredes e os tetos das igrejas sob a forma de pinturas e, poste- riormente, de esculturas, além de aparecerem como ilustrações nos textos sagrados. Iluminura: Chamamos de iluminura aos elementos decorativos que eram aplicados às le- tras capitulares (letra de abertura do texto) dos textos religiosos medievais, bem como às ilustrações que acompanhavam esses escritos. Essas produções eram feitas pelos monges copistas que trabalhavam nos mosteiros e abadias. Ex pl or Assista ao fi lme O nome da rosa (França, 1986 – Jean-Jacques Annaud) e veja um exemplo de um desses gabinetes onde os monges trabalhavam.Ex pl or Figura 6 – Letra “P” capitular – iluminura na Bíblia de Malmesbury – letra “P” Fonte: Wikipedia Com a chegada do Renascimento, os modelos clássicos de representação foram retomados e, assim, as imagens votaram a apresentar um naturalismo que refletia os resultados das investigações científicas de que passaram a se cercar artistas como Leonardo da Vinci, Rafael dei Sanzio e outros. Assim, a anatomia humana, animal e vegetal passaram a ser representadas de modo a aproximar-se mais da 13 UNIDADE O Que é Imagem realidade e isso estendeu-se a todas as linguagens utilizadas na época – desenho, pintura a óleo, a têmpera, escultura, gravura etc. (Figura 7). É interessante observar como ao longo da história da arte pare- cem surgir ciclos alternando razão e emoção, equilíbrio e exagero, objetividade e subjetividade. Isso se torna visível quando tratamos de imagens. Após um período em que se buscou enfatizar o equilí- brio racional das formas, como ocorreu durante o Renascimento, surge um novo modo de olhar e representar o mundo, destacando as emoções, como ocorreu nos séculos XVII e XVIII. Basta observar obras como as dos pintores Michelangelo Cara- vaggio, Diego Velazquez, as do escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini, entre outros, nas quais a dramaticidade promovida pelo uso das composições em diago- nal, as poses contorcidas e os jogos de luzes e sombras vêm acentuar um caráter teatral nessas produções (Figura 8 e Figura 9). Figura 8 – Michelangelo Caravaggio, A conversão de São Paulo a caminho de Damasco, 1600-0 Fonte: Wikimedia Commons Figura 9 – Gian Lorenzo Bernini – Netuno e Tritão, 1622-23 – Victoria and Albert Museum, Londres Fonte: Wikipedia O século XVIII foi marcado pelo Iluminismo, corrente de pensamento que va- lorizava a investigação científica e a compreensão de Deus e do Homem a partir Figura 7 – Rafaello Sanzio – A Escola de Atenas (detalhe), 1510 Fonte: Wikimedia Commons 14 15 de princípios calcados na razão. Nesse período, as investigações arqueológicas conduziram à descoberta das ruínas das antigas cidades de Herculano e Pompeia (Figura 10), reacendendo o interesse pelos princípios valorizados pelos gregos e romanos. Assim, o gosto pela dramaticidade e exagero do Barroco e do Rococó deram lugar à busca de uma postura nobre, austera, equilibrada, pura e verdadeira, características do Neoclassicismo e, em seguida, à expressão individual como algo único e insubstituível e ao espírito de contemplação da natureza, que marcaram o Romantismo e o Naturalismo. Figura 10 – Ruínas da antiga cidade romana de Pompeia, Itália Fonte: Pixabay Talvez uma das mais significativas mudanças na história das imagens tenha ocor- rido no século XIX: o surgimento da fotografia. Embora os experimentos óticos já acompanhassem o homem desde a Idade Media, por meio da câmara escura e que posteriormente passou a ser utilizada pelos artistas, bem como das lentes e dosespelhos (já no Renascimento), foi por meio da associação entre os conhecimentos da química e da ótica que Nicéphore Niépce (1765-1833) conseguiu registrar pela primeira vez uma imagem real em uma superfície. Sua descoberta foi possível pois sensibilizou uma placa de estanho com uma emulsão de betume-da-Judeia e a ex- pôs à luz natural por oito horas consecutivas (Figura 11). Figura 11 – Nicéphore Niépce, Vista da janela no Le Gras, 1826 Fonte: Wikimedia Commons 15 UNIDADE O Que é Imagem Importante! A câmara escura é um instrumento óptico composto por uma caixa (pode ser até uma sala) com um pequeno orifício em uma de suas paredes. A luz externa entra por esse orifício e projeta na parede interna oposta uma imagem invertida do ambiente externo à caixa. Figura 12 – Princípio da câmara escura Fonte: Wikipedia Você Sabia? O artista e pesquisador inglês David Hockney desenvolveu uma série de análises dos retratos pintados e outras obras de renomados artistas do Renascimento e de períodos posteriores, concluindo que utilizaram a câmara escura e a associaram a lentes e espelhos como ferramentas de apoio para os seus projetos de pinturas. Confira lendo o livro Conhecimento secreto, de David Hockney. Editora Cosac & Naify, 2001, e assista ao documentário David Hockney e o conhecimento secreto (BBC, 2003).Ex pl or Aprenda a fazer uma câmara escura neste vídeo muito didático: https://youtu.be/fVi8NhD8BAE Ex pl or E assim nasceu a fotografia: Foi com betume branco da Judeia que Niépce conseguiu a sua primeira imagem. Dá-se o nome de betume da Judeia ao asfalto natural, substância de composição semelhante à do asfalto que resulta da destilação do petróleo bruto. Niépce cobriu uma placa de estanho com betume da Judeia, que tem a propriedade de endurecer quando atingida pela luz, usou essa placa na sua câmara escura com uma exposição de cerca de 10 horas, depois retirou as partes do betume não afetadas pela luz, com uma solução de essência de alfazema. Niépce chama ao seu procedimento heliografia Ex pl or Gradativamente, a invenção dos franceses foi aperfeiçoada tanto nos equipa- mentos quanto nos materiais e, consequentemente, nos resultados obtidos. O tem- po de exposição à luz tornou-se cada vez menor, o que permitiu à fotografia o re- gistro de imagens da realidade com grande precisão (Figura 13), coisa que a pintura e o desenho não poderiam realizar da mesma forma. Isso gerou uma crise no mun- do da arte, e os artistas, especialmente os pintores, passaram a questionar o seu 16 17 próprio papel e as suas produções. Foi assim que a pintura se reinventou a partir do século XIX: o artista não precisava mais copiar o mundo, mas sim interpretá-lo segundo a sua própria visão, e ao longo do tempo, a fotografia foi, inclusive, incorporada pelos artistas em seus processos de criação, aos poucos ganhou autonomia e hoje é considerada linguagem artística. A fotografia abriu possibilidades para que os artistas se dedicassem a outras investigações visu- ais, como, por exemplo, a distorção das formas, a exploração da cor, da linha, das texturas... Sem o compromisso de retratar a realidade, o artista se permitiu mergulhar na linguagem visual e en- contrar as sínteses formais, os valores simbólicos e, inclusive, a abstração (Figura 14 e Figura 15). Figura 14 – Wassily Kandinsky – All Saints, 1911 – pintura abstrata Fonte: Wikimedia Commons Figura 15 – Pablo Picasso – Guernica – 1937 – Museo Reina Sofi a, Madri Fonte: Wikimedia Commons Figura 13 – Felix Nadar – Retrato de Sarah Bernardt – 1864 Fonte: Wikipedia 17 UNIDADE O Que é Imagem Embora a fotografia tivesse solucionado o problema da captura de imagens com maior precisão e em menor tempo do que a pintura, ainda faltava solucionar um problema com relação ao registro das imagens: o movimento. A solução encon- trada foi o registro sequencial de imagens de um corpo em deslocamento, criando, assim, uma série de fotogramas. Em seguida, esses mesmos fotogramas passaram a ser projetados em ordem de registro e numa velocidade de 24 imagens por segundo, e o cérebro do observador as uniria e interpretaria como um movimento contínuo. No início (cerca de 1895), os primeiros filmes eram mudos, em preto-e- -branco e de curta duração, mas os avanços tecnológicos trouxeram uma grande evolução, tanto em qualidade de imagem quanto na duração, e em 1932, o surgi- mento das imagens coloridas. Os filmes falados surgiram em 1927, com O cantor de jazz, de Alan Crosland. Se você gosta de cinema, pode assistir a um clássico dos musicais: Cantando na chuva (EUA, 1952, direção de Gene Kelley e Stanley Donen) e, mais recentemente, O artista (França, 2011, direção de Michel Hazanavicius), filmes que têm como tema central o surgimento do cinema falado e como isso revolucionou a atuação dos profissionais da área. Assista também ao filme A invenção de Hugo Cabret (2011, direção de Martin Scorsese), que trata a respeito dos primeiros efeitos especiais no cinema. Ex pl or Figura 16 – Cartaz do filme Cantando na chuva (Singing in the rain), 1952 Fonte: Wikimedia Commons Ainda com relação às imagens em movimento, temos algumas outras possibili- dades: as animações e a televisão. É interessante notar como a relação observador- -imagem é alterada pela presença do movimento, exigindo do observador uma 18 19 atenção e velocidade maiores do que aquelas dispendidas para a apreciação de imagens fixas. O surgimento dos computadores e das tecnologias para a manipulação digital de imagens tornou-se, sem dúvida, uma nova revolução nesse campo. O desenvolvi- mento de equipamentos e programas vem favorecendo não apenas o tratamento, mas também a criação de imagens bidimensionais e tridimensionais, podendo-se associar recursos físicos e digitais, com resultados de elevado nível de sofisticação, sem, no entanto, diminuir ou anular a sensibilidade, imaginação, conhecimento e criatividade dos seres humanos (Figura 17). Processo de criação digital para o fi lme O planeta dos macacos. Disponível em: https://goo.gl/qeyteB Ex pl or Figura 17 – Cenário criado digitalmente representando a cidade de Buenos Aires Fonte: Pixabay Assim, verificamos que ao longo da história a produção de imagens concretas pelo homem passou por grandes transformações técnicas, formais e conceituais. Hoje somos constantemente bombardeados por um turbilhão de imagens que nos envolvem por todos os lados, o importante é saber como nos relacionamos com elas, como as lemos e compreendemos. A Relação Imagem-Espectador As imagens são elementos atraentes e cativantes. Em nosso estudo, percebemos que as imagens, em sua maioria, são criadas para determinados fins, sejam estes individuais ou coletivos. Cientes disso, meios de comunicação exploram esse universo de modo ávido, influenciando o compor- tamento das massas em suas atitudes pessoais, sociais, éticas e ideológicas, desde a mais tenra idade. Basta verificar como o público infantil vem sendo marcado por “modelos estereotipados” amplamente divulgados pela mídia. A questão é que 19 UNIDADE O Que é Imagem esses padrões raramente contribuem para a construção do conhecimento significa- tivo, tornando-se verdadeiros limitadores do desenvolvimento de um pensamento reflexivo e criativo (BUORO, 2003, p. 35). Nem tudo o que é veiculado por meio das imagens é verdadeiro: o desenvolvi- mento das tecnologias digitais vem permitindo tamanha manipulação das imagens que muitas vezes chegamos a duvidar de sua veracidade e realidade. Isso já era previsto há anos, como nos apresenta o escritor cubano Ítalo Calvino em seu livro Seis propostas para o próximo milênio: Vivemos sob uma chuva ininterrupta de imagens; os media todo-pode- rosos não fazem outra coisa senão transformar o mundo em imagens, multiplicando-o numa fantasmagoria de jogos de espelhos-imagens que em grande parte são destituídas da necessidade interna que deveria caracterizar toda imagem, como forma e como significado, como força de impor-seà atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve imediatamente com os sonhos que não deixam traços na memória; o que não se dissolve é uma sensação de estranheza e mal-estar (CALVINO, 1990, p. 73). Com relação às imagens, um dos caminhos para desenvolver competências para a construção do homem como ser social e cultural, leitor e intérprete, criador e criatura é o estudo da arte e da linguagem visual. Segundo Anamélia Bueno Buoro: A obra de arte parece ser um objeto especialmente facilitador desse resga- te, não só porque aglutina múltiplas formas do saber, mas principalmente porque uma obra de arte não é apenas objeto de apreciação estética; é fruto de uma experiência de vida desvelada pelo processo de criação do artista e pelo sistema de signo da obra. Partilhamos da sua criação quando no momento da leitura somos interpretantes, criando signos-pensamen- tos, habitando a obra, recriando-a. (BUORO, 2003, p. 31.) Enquanto as imagens veiculadas pela mídia nos chegam prontas, rápidas, efê- meras, a arte exige do observador um tempo maior para a apreciação significativa. No entanto, a falta de alfabetização visual cria uma grande distância entre especta- dor e obra, sobretudo quando tratamos de arte contemporânea. Jacques Aumont, em seu livro A imagem (1993, p. 81-86), nos explica que para Rudolf Arnheim, do ponto de vista psicológico, duas funções estão envolvidas na relação entre o observador e as imagens artísticas: o reconhecimento e a re- memoração. Ao observar uma imagem, reconhecer significa identificar nela, pelo menos em parte, algo que já vimos no mundo real. Imagine que você esteja perdido, sozinho em um lugar desconhecido e, de re- pente, depois de dias de muita solidão, encontra um outro ser humano. É possível que a sensação seja de conforto, afinal está encontrando alguém da sua espécie e talvez seja possível ter companhia a partir de então. No campo da percepção visual, o reconhecimento pode trazer a mesma sen- sação. Não é à toa que muitas pessoas ao olharem para uma imagem abstrata 20 21 tentem encontrar nela alguma figura reconhecível, identificando-a com algo do seu próprio repertório. Esse reconhecimento também se dá em razão da “rememoração”, ou seja, exis- tem determinados esquemas compositivos, quase como “esqueletos” das formas, que podem se repetir e, ainda que aquilo que estamos vendo não seja exatamente como a realidade, ainda assim somos capazes de reconhecer. Lembre-se das ima- gens da Pré-história, elas não eram exatamente como aquilo que representavam, porém guardavam esquemas estruturais que nos permitem ainda hoje relacioná-las aos seres que conhecemos. No campo da arte, esse exercício às vezes se torna difícil, especialmente quando tratamos de arte abstrata e também quando nos relacionamos com imagens da arte contemporânea, pois não nos trazem respostas prontas, ou uma relação direta com o real. E mais, na arte contemporânea, muitas vezes quando a relação com a realidade é muito explícita, o significado é completamente diferente. Exemplos como esse podem ser vistos em obras como O porco, do brasileiro Nelson Leirner. Uma obra criada durante um período de rígidas sanções com rela- ção à expressão individual e coletiva no Brasil. Ou ainda, A fonte (Figura 18), do francês Marcel Duchamp – obra essa em que ao expor um mictório e ressignificá-lo chamando-o de “fonte”, ele próprio questiona anonimamente os rumos da arte e do seu sistema no início do século XX. Embora seja uma obra de 1917, este traba- lho de Duchamp ainda suscita muitas discussões até os dias atuais. Figura 18 – Marcel Duchamp – A fonte – 1917 Fonte: Wikimedia A arte contemporânea é questionadora em seu tempo. Nos dias de hoje, a pro- dução artística se questiona quanto ao seu lugar, seu papel, o próprio mundo e suas estruturas. Assim, observadores que não tenham uma relação mais atenta e crítica com o mundo em que estão inseridos terão grande dificuldade em se relacionar com a arte contemporânea e todas as linguagens que nela se encaixam, incluindo a fotografia. 21 UNIDADE O Que é Imagem Metodologias: Uma Introdução Como já vimos, as imagens nos permitem diferentes abordagens, que podem envolver conhecimentos de diferentes áreas, como os fundamentos teóricos e téc- nicos da arte, a história, a filosofia, a antropologia, a psicologia etc., e cada uma dessas abordagens pode ser chamada de metodologia. Nas próximas unidades nos dedicaremos a uma maior aproximação com algumas dessas metodologias, buscando um contato com diferentes olhares a respeito das ima- gens, ampliando, assim, as nossas possibilidades para a sua leitura e compreensão. Vale destacar que cada uma delas enfatizará um ou alguns aspectos da imagem: questões históricas, técnicas, formais, simbólicas etc. A reunião dessas diferentes leituras pode nos conduzir a uma postura mais crítica e aprofundada quanto ao contato com as imagens. O autor Antonio Costella, em seu livro Para apreciar a arte, propõe que o observador, ainda que leigo, olhe uma obra a partir de 10 diferentes pontos de vis- ta: factual, expressional, técnico, convencional, estilístico, atualizado, institucional, comercial, neofactual, estético. Veja que nessa proposta o autor tenta colocar o leitor em contato com dimensões da obra que envolvem desde a imagem como um fato e, portanto, um contato descritivo apenas em termos visuais, passando gra- dativamente por aspectos que envolvem a expressão do criador e seu efeito ao ser recebido pelo observador, questões técnicas ligadas ao “fazer artístico”, chegando até a aspectos comerciais, históricos etc. Neste primeiro momento, tivemos um primeiro contato com alguns pontos de vista que podem estar envolvidos em uma imagem, esses já ampliam a nossa forma de observar uma obra. A partir de agora, procure olhar as imagens por mais do que um único ângulo: tente investigar a sua composição, quem é o seu autor ou, ainda, qual a história dessa imagem. É provável que o seu olhar a respeito de algumas dessas imagens mude e que você até se surpreenda com os resultados! 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Conhecimento secreto HOCKNEY, David. Conhecimento secreto. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. Filmes A vida secreta de Walter Mitty A vida secreta de Walter Mitty (EUA, 2013, direção de Ben Stiller). A invenção de Hugo Cabret A invenção de Hugo Cabret (EUA, 2011, direção de Martin Scorsese). Leitura A civilização das imagens – Entrevista com Jacques Aumont https://goo.gl/VXGVJ2 23 UNIDADE O Que é Imagem Referências ARGAN, G. C.; FAGIOLO, M. Guia de história da arte. Lisboa: Editorial Estam- pa, 1994. AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 2011. BOSI, A. Reflexões sobre a arte. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2003. BUORO, A. B. O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendiza- gem da arte na escola. São Paulo: Cortez, 2003. CALVINO, Í. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CAUQUELIN, A. Arte contemporânea: uma introdução. Trad. Rejane Janowit- zer. São Paulo: Martins Fontes, 2005. COSTELLA, A. F. Para apreciar a arte: roteiro didático. 3ª ed. São Paulo: Se- nac, 2002. FARTHING, S. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2010. GERVEREAU, L. Ver, compreender e analisar as imagens. Portugal: Edições 70, 2007. HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. JESUS, V. G. El comentario de la obra de arte. España: UND, 1993. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. 9ª ed. Campinas: Papirus, 2005. TREVISAN, A. Como apreciar a arte: do saber ao sabor. Uma síntese possível. 3ª ed. Porto Alegre: Age, 2002. 24
Compartilhar