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14/03/2021 1 ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO São três, duas positivas (dar e fazer) e uma negativa (obrigação de não-fazer). 1 – obrigação de dar: conduta humana que tem por objeto uma coisa, subdividindo-se em três: obrigação de dar coisa certa, obrigação de restituir e obrigação de dar coisa incerta. 1.1 – obrigação de dar coisa certa: vínculo jurídico pelo qual o devedor se compromete a entregar ao credor determinado bem móvel ou imóvel, perfeitamente individualizado. O que vai caracterizar a obrigação de dar coisa certa é porque o objeto da prestação é coisa única e preciosa, ex: a raquete de Guga, o capacete de Ayrton Senna, a camisa dez de Pelé, etc. (235). O devedor obrigado a dar coisa certa não pode dar coisa diferente, ainda que mais valiosa, salvo acordo com o credor (313 – mais uma norma supletiva). - A obrigação não geral direito real (jus in re – direito sobre a coisa), mas apenas direito pessoal (jus ad rem – direito à coisa) ( = sobre a conduta). O contrato de compra e venda, por exemplo, tem natureza obrigacional. O vendedor apenas se obriga a transferir o domínio da coisa certa ao adquirente; e este, a pagar o preço. A transferência do domínio depende de outro ato: a tradição, para os móveis (CC, arts. 1.226 e 1.267); e o registro, que é uma tradição solene, para os imóveis (arts. 1.227 e 1.245). 14/03/2021 2 Excepcionalmente, admite-se efeito real caso a coisa continue na posse do devedor (ex: A combina vender a B o capacete de Ayrton Senna, B paga mas depois A recebe uma oferta melhor e termina vendendo o capacete a C; B não pode tomar o capacete de C, mas caso estivesse ainda com A poderia fazê-lo através do Juiz; esta é a interpretação do art. 475 do CC que vocês estudarão em Civil 3). Então o 389 é a regra e o 475 (execução forçada do contrato) é a exceção. Artigo 389 - Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. IMPOSSIBILIDADE DE ENTREGA DE COISA DIVERSA, AINDA QUE MAIS VALIOSA Na obrigação de dar coisa certa o devedor é obrigado a entregar ou restituir uma coisa inconfundível com outra, está assim adstrito a cumpri-la exatamente do modo estipulado, a consequência fatal é que o devedor da coisa certa não pode dar outra, ainda que mais valiosa, nem o credor é obrigado a recebê-la. Dispõe, com efeito, o art. 313 do Código Civil: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”. A entrega de coisa diversa da prometida importa modificação da obrigação, denominada novação objetiva, que só pode ocorrer havendo consentimento de ambas as partes. Do mesmo modo, a modalidade do pagamento não pode ser alterada sem o consentimento destas. Em contrapartida, o credor de coisa certa não pode pretender receber outra ainda de valor igual ou menor que a devida, e possivelmente preferida por ele, pois a convenção é lei entre as partes. A recíproca, portanto, é verdadeira: o credor também não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa. 14/03/2021 3 E se a obrigação não gera direito real, o que vai gerar? Resposta: a tradição para as coisas móveis e o registro para as coisas imóveis. Tradição e registro são assuntos de Direitos Reais mas que já devo adiantar. Tradição é a entrega efetiva da coisa móvel (1226 e 1267), então quando compro uma geladeira, pago a vista e aguardo em casa sua chegada, só serei dono da coisa quando recebê-la. Ao contrário, se compro um celular a prazo e saio com ele da loja, o aparelho já será meu embora não tenha pago o preço (237). Por sua vez, o registro é a inscrição da propriedade imobiliária no Cartório de Imóveis, de modo que o dono do apartamento não é quem mora nele, não é quem pagou o preço ou quem tem as chaves. O dono da coisa imóvel é aquele cujo nome está registrado no Cartório de Imóveis (1245 e § 1º). Mais detalhes sobre tradição e registro em Civil 4. No direito brasileiro o contrato, por si só, não basta para a transferência do domínio. Por ele criam-se apenas obrigações e direitos. Dispõe, com efeito, o art. 481 do Código Civil que, pelo contrato de compra e venda: “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. Código Civil: Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição. Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. Desse modo, enquanto o contrato que institui ou contém promessa de transferência do domínio de imóvel, não estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis, existirá entre as partes apenas um vínculo obrigacional. 14/03/2021 4 1.2 – obrigação de restituir: é também chamada de obrigação de devolver. Difere da obrigação de dar, pois nesta a coisa pertence ao devedor até a tradição, enquanto na obrigação de restituir a coisa pertence ao credor, apenas sua posse é que foi transferida ao devedor. Posse e propriedade são conceitos que serão estudados em Direitos Reais, mas dá para entender que quando se aluga um filme, a locadora continua sendo proprietária do filme, é apenas a posse que se transfere ao cliente. Então na locação o cliente/devedor tem a obrigação de restituir o bem ao locador após o prazo acertado (569, IV). Como se vê, na obrigação de restituir a prestação consiste em devolver uma coisa cuja propriedade já era do credor antes do surgimento da obrigação. Igualmente se eu empresto um carro a meu vizinho, eu continuo dono/proprietário do carro, apenas a posse é que é transferida, ficando o vizinho com a obrigação de devolver o veículo após o uso. Locação e empréstimo são exemplos de obrigação de restituir, ficando a coisa em poder do devedor, mas mantendo o credor direito real de propriedade sobre ela. Como a coisa é do credor, seu extravio antes da devolução trará prejuízo ao próprio credor (240), enquanto na obrigação de dar o extravio antes da tradição traz prejuízo ao devedor. 2 - Obrigação de Dar Coisa Incerta 1 – obrigação de dar coisa incerta: nesta espécie de obrigação a coisa não é única, singular, exclusiva e preciosa como na obrigação de dar coisa certa, mas sim é uma coisa genérica determinável pelo gênero e pela quantidade (243). Ao invés de uma coisa determinada/certa, temos aqui uma coisa determinável/incerta (ex: cem sacos de café; dez cabeças de gado, um carro popular, etc). - Indicação – É indispensável nas obrigações de dar coisa incerta a indicação de gênero e quantidade, já que, sem qualquer desses elementos, a indeterminação será absoluta e a avença não gerará obrigação eis que o devedor não pode ser compelido à prestação genérica. - Exemplos de Indeterminação absoluta “... entregar sacas de café ...” (quantas????) “...entregar dez sacas ...” (de quê???) ■ Faltam quantidade e gênero 14/03/2021 5 Essa indeterminação absoluta não pode ser objeto de prestação, e o contrato, com tal objeto, não será capaz de gerar obrigação. Pois o objeto tem que determinável. - Obrigação de dar coisa incerta hígida. “Obrigação de dar 10 bois” ■ A indeterminação é apenas relativa. O objeto da prestação é incerto porém suscetível de determinação futura. Há determinação do gênero (bois) e de quantidade (dez) Resta individualizar que bois serão entregues A coisa incerta não é qualquer coisa, ou coisa completamente indeterminada. É coisa parcialmente determinada, suscetível de completa determinação oportunamente, mediante a escolha da qualidade ainda não indicada Esta escolha chama-se juridicamente de concentração. Conceito: processo de escolha dacoisa devida, de média qualidade, feita via de regra pelo devedor (244). é aquilo que se realiza no ato de cumprimento da obrigação, aquele momento em que é determinada ou individualizada a res debita. A concentração implica também em separação, pesagem, medição, contagem e expedição da coisa, conforme o caso. O estado de indeterminação da coisa é transitório e cessa com essa escolha Notificado o credor, a coisa que era indeterminada torna-se certa Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor. A escolha da qualidade caberá ao devedor, se o contrário não for convencionado Pode-se, no contrato, convencionar que a escolha caberá ao credor ou a um terceiro Na omissão do contrato, a escolha pertencerá ao devedor Tratando-se este artigo 244 de uma norma supletiva, que apenas completa a vontade das partes em caso de omissão no contrato entre elas. 14/03/2021 6 - Critério da coisa intermediária – Quando a escolha couber ao devedor, ele não poderá escolher a pior qualidade, entretanto, também não será obrigado a entregar a melhor qualidade. O legislador optou pelo princípio da qualidade média nos casos de escolha pelo devedor. E se houver apenas duas qualidades? Se existirem apenas duas qualidades, e a escolha couber ao devedor, o critério lógico seria poder escolher qualquer delas, entretanto a lei é omissa nesse caso. As partes podem convencionar que um terceiro, alheio à relação obrigação, faça a escolha, funcionando como um árbitro. Cabendo a escolha ao credor, será ele citado para essa finalidade, sob pena de perder o direito da escolha, que passará ao devedor. Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente. Qual era a seção antecedente? SeçãoIDas Obrigações de Dar Coisa Certa Após a concentração a coisa incerta se torna certa (245). Pela importância da concentração, o credor deve ser cientificado quando o devedor for realizá-la, até para que o credor fiscalize a qualidade média da coisa a ser escolhida. - A OBRIGAÇÃO DE DAR COISA INCERTA E A TEORIA DO RISCO - A interrupção na relação jurídica obrigacional apontada no Código Civil, no artigo 246, indica que não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, pois o gênero não perece (genus nunquam perit). Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. Podemos citar como exemplo desta hipótese, quando o devedor se obriga a entregar dez sacas de milho, ainda que se percam todas as sacas, deverá obter o produto prometido e cumprir a prestação estabelecida na avença. 14/03/2021 7 Adotamos o mesmo posicionamento de Caio Mário (2005, p. 57) quanto à teoria dos riscos aplicada na obrigação de dar coisa incerta: entendemos que tal teoria deve ser compreendida em duas fases distintas. Na primeira fase, até que se efetive a concentração, por meio da notificação ou pela oferta, a obrigação deve ser considerada de gênero, e não versa objeto especificado. Indicada a coisa apenas pela espécie, não comporta alegação de perecimento ou deterioração, pois que o devedor tem de prestar uma coisa, dentro da espécie acordada. A obrigação persiste, enquanto houver possibilidade de ser encontrado exemplar da coisa, na quantidade estipulada, sendo que apenas por via excepcional desaparece todo a espécie. Na segunda fase, realizada a escolha pelo credor, pelo devedor ou por terceiro (indicado no título, como dispõe o artigo 485 do CC), perde a prestação o caráter de indeterminação, que será considerada de dar coisa certa. Esta alteração de categoria se dá no momento da escolha, e a coisa, que indeteriorável e imperecível, por aquele fato se torna suscetível de dano ou perda. Antes da concentração a coisa devida não se perde pois genus nunquam perit (o gênero nunca perece). Se João deve cem laranjas a José não pode deixar de cumprir a obrigação alegando que as laranjas se estragaram, pois cem laranjas são cem laranjas, e se a plantação de João se perdeu ele pode comprar as frutas em outra fazenda (246). Todavia, após a concentração, caso as laranjas se percam (ex: incêndio no armazém) a obrigação se extingue, voltando as partes ao estado anterior, devolvendo-se eventual preço pago, sem se exigir perdas e danos (234, 389, 402). O risco é suportado pela parte que sofre o prejuízo proveniente da prestação, caso esta venha se tornar impossível por caso fortuito ou força maior (TELLES, 1997, p. 306). O credor suportará o risco se a obrigação se extinguir, com a consequente liberação do devedor. (após concentração) Suportará o risco o devedor, caso continue vinculado ao cumprimento do acordo, devendo, portanto, indenizar os danos suportados pelo credor. (antes concentração) 14/03/2021 8 - Gênero limitado de coisas certas Alertarmos, todavia, uma flexibilização à regra de que o gênero (entende-se espécie) não perece, que é o caso das coisas de existência limitada, como um vinho raro ou livros com edições limitadas e que não mais existem no mercado. Nestas hipóteses, poderá o devedor alegar perda ou deterioração quando desaparecida a coisa. Maria Helena Diniz (2004, p. 89) explicando o assunto adverte que “se o genus (gênero) é assim delimitado, o perecimento ou inviabilidade de todas as espécies que o componham, desde que não sejam imputáveis ao devedor, acarretará a extinção da obrigação”. O perecimento de todas as espécies que componham o genus acarretará a extinção da obrigação. 3 - Obrigação de Fazer - conduta humana que tem por objeto um serviço. Conceito: espécie de obrigação positiva pela qual o devedor se compromete a praticar algum serviço lícito em benefício do credor. (Maria Helena Diniz) Enquanto na obrigação de dar o objeto da prestação é uma coisa, na obrigação de fazer o objeto da prestação é um serviço (ex: professor ministrar uma aula, advogado redigir uma petição, cantor fazer um show, pedreiro construir um muro, médico realizar uma consulta, etc.). E se eu quero comprar um quadro e encomendo a um artista, a obrigação será de fazer ou de dar? Se o quadro já estiver pronto a obrigação será de dar, se ainda for confeccionar o quadro a obrigação será de fazer. A obrigação de fazer tem duas espécies: 14/03/2021 9 2.1 – fungível: quando o serviço puder ser prestado por uma terceira pessoa, diferente do devedor, ou seja, quando o devedor for facilmente substituível, sem prejuízo para o credor, a obrigação é fungível (ex: pedreiro, eletricista, mecânico, caso não possam fazer o serviço e mandem um substituto, a princípio para o credor não há problema). As obrigações de dar são sempre fungíveis pois visam a uma coisa, não importa quem seja o devedor (304). 2.2 – infungível: ao credor só interessa que o devedor, pelas suas qualidades pessoais, faça o serviço (ex: médico e advogado são profissionais de estrita confiança dos pacientes e clientes). Chama-se esta espécie de obrigação de personalíssima ou intuitu personae ( = em razão da pessoa). São as circunstâncias do caso e a vontade do credor que tornarão a obrigação de fazer fungível ou não. Em caso de inexecução da obrigação de fazer o credor só pode exigir perdas e danos (247). Viola a dignidade humana constranger o devedor a fazer o serviço por ordem judicial, de modo que na obrigação de fazer não se pode exigir a execução forçada como na obrigação de dar coisa certa (art. 475 – sublinhem exigir-lhe o cumprimento). Ex: Imaginem um cantor se recusar a subir no palco, não é razoável o Juiz mandar a polícia para forçá-lo a trabalhar “manu militari”, o coerente é o credor do show exigir perdas e danos (389). Ninguém pode ser diretamente coagido a praticar o ato a que se obrigara. Assim, a execução “in natura” do art. 475 do CC deve ser substituída por perdas e danos quando for impossível (ex: a coisa devida não está mais com odevedor) ou quando causar constrangimento físico ao devedor (ex: obrigação de fazer). Se ocorrer recusa do devedor de executar obrigação fungível, o credor pode pedir a um terceiro para fazer o serviço, às custas do devedor (249). Havendo urgência, o credor pode agir sem ordem judicial, num autêntico caso de realização de Justiça pelas próprias mãos (pú do 249, ex: consertar o telhado de casa ameaçando cair). Mas se tal recusa decorre de um caso fortuito (ex: o cantor gripou e perdeu a voz), extingue-se a obrigação (248). 14/03/2021 10 Atento a isso, o Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor, nos termos do seu art. 249: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”. Comentando esse dispositivo, concernente às obrigações fungíveis, SÍLVIO VENOSA pontifica: “É interessante notar que, no parágrafo único, a novel lei introduz a possibilidade de procedimento de justiça de mão própria, no que andou muito bem. Imagine-se a hipótese de contratação de empresa para fazer a laje de concreto de um prédio, procedimento que requer tempo e época precisos. Caracterizada a recusa e a mora, bem como a urgência, aguardar uma decisão judicial, ainda que liminar, no caso concreto, poderá causar prejuízo de difícil reparação”. Assim, poderá o credor, independentemente de autorização judicial, contratar terceiro para executar a tarefa, pleiteando, depois, a devida indenização. Por outro lado, se ficar estipulado que apenas o devedor indicado no título da obrigação possa satisfazê-la, estaremos diante de uma obrigação infungível. Trata-se das chamadas obrigações personalíssimas (intuitu personae), cujo adimplemento não poderá ser realizado por qualquer pessoa, em atenção às qualidades especiais daquele que se contratou. Finalmente, cumpre-nos analisar quais são as consequências do descumprimento de uma obrigação de fazer. 14/03/2021 11 Se a prestação do fato torna-se impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação, sem que haja consequente obrigação de indenizar. Assim, se um malabarista foi contratado para animar um aniversário de criança, e, no dia do evento, foi vítima de um sequestro, a obrigação extingue-se por força do evento fortuito. Entretanto, se a impossibilidade decorrer de culpa do devedor, este poderá ser condenado a indenizar a outra parte pelo prejuízo causado. Utilizando o exemplo acima, imagine que o malabarista contratado acidentou-se porque, no dia da festa, dirigia seu veículo alcoolizado e em alta velocidade. Nesse caso, o descumprimento obrigacional decorreu de sua imprudência, razão pela qual deverá ser responsabilizado. Tendo em vista situações como essas, o Código Civil, em seu art. 248, dispõe que: “Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos”. Pablo Stolze: O tratamento dispensado pelo Código Civil ao descumprimento das obrigações de fazer não foi o mais adequado, apresentando-se de forma extremamente lacunosa. Isso porque a consequência do inadimplemento culposo dessa espécie de obrigação não gera apenas o dever de pagar perdas e danos (indenização) como única forma de consequência lógico-jurídica do ilícito praticado. A moderna doutrina processual nos ensina que, ao lado da pretensão indenizatória, existem outros meios de tutela jurídica colocados à disposição do credor. 14/03/2021 12 Na hipótese de descumprimento sem culpa do devedor, não há como, em regra, responsabilizá-lo, uma vez que ausente um dos requisitos básicos para a responsabilidade civil no direito positivo brasileiro. Havendo culpa, contudo, outras considerações devem ser feitas. A visão tradicional do direito das obrigações, pelo seu cunho intrinsecamente patrimonialista, sempre defendeu que seria uma violência à liberdade individual da pessoa a prestação coercitiva de condutas, ainda que decorrentes de disposições legais e contratuais. Assim, pela convicção de que a liberdade humana é o valor maior na sociedade, a resolução em perdas e danos seria a única consequência para o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer. Essa visão, em nosso entendimento, é, todavia, inaceitável na atualidade. Isso porque o vigente ordenamento jurídico brasileiro há muito vem relativizando o princípio tradicional do nemo praecise potest cogi ad factum (ninguém poderá ser coagido a prestar um fato), reconhecendo que a incoercibilidade da vontade humana não é um dogma inafastável46, desde que respeitados direitos fundamentais. (Pablo Stolze) Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990) garante, em diversos dispositivos, o direito do consumidor à tutela específica, inclusive do adimplemento contratual, em razão da natureza obrigacional inerente às lides individuais consumeristas. Senão, vejamos: 14/03/2021 13 “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I — a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II — a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III — o abatimento proporcional do preço. (...) Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I — o abatimento proporcional do preço; II — complementação do peso ou medida; III — a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV — a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuí zo de eventuais perdas e danos. (...) Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I — exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II — aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III — rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. (...) Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (...)”. Tão importante inovação, todavia, conforme observa FREDIE DIDIER JR., “estava restrita às lides de consumo: as outras ainda estavam ao desabrigo, havendo de conformar-se com a solução da tutela reparatória em dinheiro, prevalecendo a vontade humana de descumprir o pactuado. A discussão acabou, entretanto, com o advento da Reforma Legislativa de 1994, também chamada de dezembrada, que culminou com a modificação de mais de cem artigos do CPC, implementando a tutela específica das obrigações, contratuais ou legais, de fazer ou não fazer. Ampliou-se a possibilidade da mencionada modalidade de tutela de forma a alcançaro ideal chiovendiano da maior coincidência possível”. Valendo-nos, novamente, das conclusões do jurista baiano, o “art. 461 do Código de Processo Civil serve à tutela do adimplemento contratual, seja seu conteúdo uma obrigação de fazer ou não fazer, fungível ou infungível”48. 14/03/2021 14 Daí, não é de estranhar que o Código de Processo Civil de 2015, que teve no mencionado jurista baiano um de seus principais artífices, contenha um Capítulo específico, dentro do Título referente ao “Cumprimento da Sentença”, destinado ao “Cumprimento de Sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa” (Capítulo VI do Título II do Livro I — “Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença” — da Parte Especial do novo CPC). Sobre as obrigações de fazer ou não fazer, estabelecem os arts. 536 e 537, in verbis: “Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. § 2º O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1º a 4º, se houver necessidade de arrombamento. § 3º O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência. § 4º No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber. § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional. 14/03/2021 15 Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I — se tornou insuficiente ou excessiva; II — o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. § 2º O valor da multa será devido ao exequente. § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. § 4º A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. § 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional”. Para a efetivação da tutela específica, poderá o magistrado valer- se, inclusive ex officio, da fixação de astreintes, que são justamente essas multas diárias pelo eventual não cumprimento da decisão judicial, previstas no art. 537 do CPC/2015, bem como quaisquer outras diligências necessárias para a regular satisfação da pretensão, sendo a relação do § 1º do art. 536 do CPC/2015 meramente exemplificativa, na espécie. Obviamente, a busca da tutela específica não exclui a indenização pelas perdas e danos ocorridos até a data da realização concreta da obrigação de fazer submetida à apreciação judicial. Por outro lado, a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos poderá ocorrer nos termos do art. 499 do Código de Processo Civil de 2015, que preceitua: “Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. 14/03/2021 16 Ressalte-se, ainda, que tais regras são aplicáveis também para a obrigação de entregar coisa, o que não é uma novidade do Código de Processo Civil de 2015. Com efeito, por força da Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, o Código de Processo Civil de 1973 também adotou a disciplina da tutela específica para as obrigações de dar coisa certa, tendo em vista a redação que foi conferida ao seu art. 461-A: “Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. § 1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461”. Mantendo tal diretriz, estabeleceram os arts. 498 e 538 do CPC/2015: “Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz. (...) Seção II Do Cumprimento de Sentença que Reconheça a Exigibilidade de Obrigação de Entregar Coisa Art. 538. Não cumprida a obrigação de entregar coisa no prazo estabelecido na sentença, será expedido mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. § 1º A existência de benfeitorias deve ser alegada na fase de conhecimento, em contestação, de forma discriminada e com atribuição, sempre que possível e justificadamente, do respectivo valor. § 2º O direito de retenção por benfeitorias deve ser exercido na contestação, na fase de conhecimento. § 3º Aplicam-se ao procedimento previsto neste artigo, no que couber, as disposições sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer.” 14/03/2021 17 4 – Obrigação de não-fazer: trata-se de uma obrigação negativa cujo objeto da prestação é uma omissão ou abstenção. Os romanos chamavam de obrigação ad non faciendum. Conceito: vínculo jurídico pelo qual o devedor se compromete a se abster de fazer certo ato, que poderia livremente praticar, se não tivesse se obrigado em benefício do credor. O devedor vai ter que sofrer, tolerar ou se abster de algum ato em benefício do credor. Exemplos: o engenheiro químico que se obriga a não revelar a fórmula do perfume da fábrica onde trabalha; o condômino que se obriga a não criar cachorro no apartamento onde reside; o professor que se obriga a não dar aula em outra faculdade; o comerciante que se obriga a não fazer concorrência a outro, etc. Pode haver limite temporal para a obrigação (1.147). Como na autonomia privada a liberdade é grande, as obrigações negativas podem ser bem variadas, mas obrigações imorais e antissociais, ou que sacrifiquem a liberdade das pessoas, são proibidas, ex: obrigação de não se casar, de não trabalhar, de não ter religião, etc. A violação da obrigação negativa se resolve em perdas e danos, então se o engenheiro divulgar a fórmula do perfume terá que indenizar a fábrica. Mas se for viável, o credor poderá exigir o desfazimento pelo devedor (ex: José se obriga a não subir o muro para não tirar a ventilação do seu vizinho João, caso José aumente o muro, João poderá exigir a demolição, 251). Neste exemplo do muro, se Josése mudar, o novo morador terá que respeitar a obrigação? Não, pois quem celebrou o contrato não foi ele. Mas se João, ao invés de um simples contrato de obrigação negativa, fizer com José uma servidão predial, todos os futuros proprietários da casa não poderão aumentar o muro (1.378). 14/03/2021 18 Servidão predial é assunto de Civil 5, e por se tratar de um direito real, já se percebe sua maior força em relação a um direito obrigacional. Enquanto uma obrigação vincula pessoas (João a José), uma servidão predial vincula uma pessoa a uma coisa, então a segurança para o credor é bem maior. Ainda tratando do exemplo do muro, e se a Prefeitura obrigar José a aumentar o muro por uma questão de estética ou urbanismo? José terá que obedecer e João nada poderá fazer, pois o Direito Público predomina sobre o Direito Privado (250 – é o chamado “Fato do Príncipe”, em alusão aos monarcas que governavam os países na Europa medieval). Posto isso, quais seriam os efeitos decorrentes do descumprimento das obrigações negativas? Se o inadimplemento resultou de evento estranho à vontade do devedor, isto é, sem culpa sua, extingue- se a obrigação, sem perdas e danos: “Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar”. É o caso do sujeito que se obrigou a não construir um muro em seu imóvel, a fim de não prejudicar a vista panorâmica do vizinho, mas, em razão de determinação do Poder Público, que modificou a estrutura urbanística municipal, viu-se forçado a realizar a obra que se comprometera a não realizar. Trata-se, portanto, de um descumprimento fortuito (não culposo) da obrigação de não fazer. 14/03/2021 19 Pode, todavia, acontecer que o descumprimento da obrigação decorra de ato imputável ao próprio devedor, que realizou voluntariamente, sem a interferência coercitiva de fator exógeno, a conduta que se obrigara a não realizar. Opera-se, então, o descumprimento culposo da obrigação de não fazer. Utilizando o exemplo supra, imagine-se que, em razão de um desentendimento qualquer, o vizinho, por espírito de vingança, resolva erguer o muro que não deveria levantar. Tendo em vista situações como essa, dispõe o art. 251 do Código de 2002: “Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos. Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido”. A análise desse dispositivo legal nos indica que, havendo o inadimplemento culposo, o credor, além das perdas e danos, poderá lançar mão da tutela específica, assim como previsto para as obrigações de fazer, podendo, inclusive, atuar pela própria força, em caso de urgência, independentemente de autorização judicial. Em relação ao descumprimento culposo das obrigações de não fazer, conforme já visto, o art. 461 do Código de Processo Civil de 1973, com as modificações inseridas posteriormente, diretriz mantida no vigente CPC/2015, admitiu a tutela específica em face do adimplemento contratual. Nesse sentido, quando “a obrigação, apesar de inadimplida, ainda pode ser cumprida, e o seu cumprimento é de interesse do credor, podemos pensar na tutela do adimplemento da obrigação contratual na forma específica”. 14/03/2021 20 Da mesma forma que as obrigações de fazer, o que deve ser levado em consideração é se é possível (ou não) restituir as coisas ao status quo ante ou, mesmo assim, se o credor tem interesse em tal situação. Sendo possível, e havendo interesse do credor, pode este demandar judicialmente o cumprimento da obrigação de não fazer, sem prejuízo das perdas e danos, até o desfazimento do ato que o devedor se obrigou a não fazer, com base no art. 251 do Código Civil de 2002. E a legislação processual respalda tal afirmação, tanto no já mencionado art. 461 do CPC/1973 quanto no também já transcrito art. 536 do CPC/2015, que dá o mesmo tratamento às obrigações de fazer e de não fazer. Também nesse diapasão, estabelece o art. 497 do Código de Processo Civil de 2015: “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”. Tudo o que foi aqui exposto serve para corroborar que é possível, sim, a tutela específica da obrigação de fazer, impondo medidas coercitivas para que o devedor cumpra a prestação a que estava adstrito, seja de fazer, seja de não fazer. 14/03/2021 21 A imediata conversão para indenização de perdas e danos não pode mais ser invocada em qualquer caso de inexecução da obrigação, devendo ser verificado, no caso concreto, apenas se é possível, no campo fático, a realização da prestação objeto da relação obrigacional e se o credor tem efetivo interesse na sua concretização. Por isso, podemos afirmar peremptoriamente que a velha fórmula das perdas e danos convive, sim, com outras formas de tutela jurídica, na obrigação de fazer. Vale dizer: evoluímos das perdas e danos para as perdas e danos e/ou tutela específica, o que nos permite materializar as constantemente invocadas palavras de CÂNDIDO RANGEL DINAM ARCO, refletindo sobre o pensamento de GIUSEPPE CHIOVENDA: “Deve-se proporcionar a quem tem direito à situação jurídica final que constitui objeto de uma obrigação específica precisamente aquela situação jurídica final que ele tem o direito de obter”52. Essa é a diretriz a ser tomada sempre para a compreensão da matéria. CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL DAS OBRIGAÇÕES No tópico anterior, apresentamos a classificação básica das obrigações, considerando a natureza do objeto (prestação) da relação jurídica obrigacional: obrigações de dar (coisa certa/coisa incerta), de fazer e de não fazer. Tais modalidades de obrigações são tidas como básicas justamente porque todas as demais as tomam como premissas, ainda que possam estar eventualmente relacionadas com a natureza do objeto da obrigação. Agora, cuidaremos de analisar o tema sob outras perspectivas, apontando as modalidades mais difundidas de obrigações, valendo-nos, inclusive, do conhecimento daquelas já estudadas. 14/03/2021 22 Para tanto, seguindo respeitável corrente doutrinária, levaremos em conta principalmente os seguintes critérios: a) subjetivo (os sujeitos da relação obrigacional); b) objetivo (o objeto da relação obrigacional — a prestação). Considerando o elemento subjetivo (os sujeitos), as obrigações poderão ser: a) fracionárias; b) conjuntas; c) disjuntivas; d) solidárias. Considerando o elemento objetivo (a prestação) — além da classificação básica, que também utiliza esse critério (prestações de dar, fazer e não fazer) —, podemos apontar a existência de modalidades especiais de obrigações, a saber: a) alternativas; b) facultativas; c) cumulativas; d) divisíveis e indivisíveis; e) líquidas e ilíquidas. E, para que nosso esquema seja completo, estudaremos também as obrigações segundo critérios metodológicos menos abrangentes: Assim, quanto ao elemento acidental, encontramos: a) obrigação condicional; b) obrigação a termo; c) obrigação modal. 14/03/2021 23 Finalmente, quanto ao conteúdo, classificam-se as obrigações em: a) obrigações de meio; b) obrigações de resultado; c) obrigações de garantia. As obrigações naturais também serão aqui tratadas, ao final do capítulo. Antes, porém, de iniciarmos a análise do tema, é preciso que se tenha firme a ideia de que, em Direito, nem sempre uma classificação especial exclui a outra, de forma que se poderá ter, por exemplo, uma obrigação de dar, solidária, divisívele a termo; uma obrigação de fazer, conjunta e de resultado etc. No mesmo sentido, algumas classificações especiais podem se constituir, por vezes, em desdobramentos umas das outras, principalmente se levarmos em consideração os diversos critérios classificatórios aqui estudados. Como exemplo, veremos que as obrigações fracionárias (classificação quanto ao sujeito) pressupõem a divisibilidade das obrigações (classificação quanto ao objeto) etc. Dessa forma, o único enquadramento que não se pode, a priori, conceber é a existência de obrigações contraditórias em seus próprios termos (divisível e indivisível, líquidas e ilíquidas etc.). Espécies de obrigações quanto aos seus elementos: a) Simples: composta de um credor (sujeito ativo), um devedor (sujeito passivo) e um único objeto. b) Compostas ou complexas, com multiplicidade de: Objetos: Cumulativas ou conjuntivas (objetos ligados pela conjunção “e”): todos os objetos. Ex. a obrigação de entregar uma cela e um animal. Alternativas (objetos ligados pela disjuntiva “ou”): apenas um dos objetos. Ex. A obrigação de entregar um veículo ou um animal; A pagará a dívida perante B, mediante a entrega de R$200.000,00 ou de um apartamento nesse valor. 14/03/2021 24 Facultativas: com faculdade de substituição do objeto, conferida ao devedor, ou seja, consiste a obrigação facultativa na possibilidade conferida ao devedor de substituir o objeto inicialmente prestado por outro, de caráter subsidiário, mas já especificado na relação obrigacional. Ex: A convenciona o pagamento a B da quantia de R$ 3.500,00 em setembro, com a obrigação facultativa de transferir uma moto. Consequentemente, facilita-se o pagamento pelo devedor, passando ele a contar com uma opção a mais para exonerar-se da obrigação, sem para tanto depender da aquiescência do credor. Sujeitos: Divisíveis. Nas obrigações divisíveis cada credor só tem direito à sua parte, podendo reclamá-la independentemente do outro. E cada devedor responde exclusivamente pela sua cota. Ex. José e Geraldo obrigaram-se a entregar a João duas sacas de café, sendo que cada um deles deverá entregar uma das sacas de café para João. Assim, o referido credor somente pode exigir de um dos devedores a entrega de uma delas. Se quiser as duas, deve exigi-las dos dois devedores (CC, art. 257). Indivisíveis. Nas obrigações indivisíveis, cada devedor só deve, também, a sua quota-parte. Mas, em razão da indivisibilidade física do objeto (um veículo ou um animal, por exemplo), a prestação deve ser cumprida por inteiro. Se dois são os credores, um só pode exigir a entrega do animal, mas somente por ser indivisível, devendo prestar contas ao outro credor (CC, art. 259 a 261). Solidárias (mesmo que o objeto seja divisível cada um é responsável pelo todo. Só existe se expressa no contrato). Esta modalidade de obrigação independe da divisibilidade ou indivisibilidade do objeto da prestação, porque resulta da vontade das partes ou da lei. Pode ser também, ativa ou passiva. Se existirem vários devedores solidários passivos, cada um deles responde pela dívida inteira. Havendo cláusula contratual dispondo que a obrigação assumida por dois devedores, de entregar duas sacas de arroz, é solidária, o credor pode exigi-las de apenas um deles. O devedor que cumprir sozinho a prestação pode cobrar, regressivamente, a quota-parte de cada um dos codevedores (CC, art. 283). 14/03/2021 25 Quanto ao conteúdo: a) Obrigação de meio: O devedor promete empregar todos os meios ao seu alcance para a obtenção de determinado resultado, sem, no entanto, responsabilizar-se por ele. Em outros termos, é aquela que não objetiva diretamente um fim e, em havendo negligencia na realização, cabe indenização. Exemplos: serviços prestados por advogados, médicos etc. b) Obrigação de resultado: O devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. É a obrigação que se propõe a um determinado fim e, não o alcançando, tem que indenizar. Exemplos: obrigação do transportador (contrato de transporte); empresa de prestação de serviços de mudança que extravia ou danifica um bem; obrigação do médico cirurgião plástico, que realiza trabalho de natureza estética etc. Quanto à exigibilidade ou quanto ao seu vínculo: a) Obrigações civis: Obrigações civis são as que encontram respaldo no direito positivo (lei), podendo seu cumprimento ser exigido pelo credor, por meio de ação. A obrigação onde há vínculo jurídico imediato (obrigação) e remoto (responsabilidade). Há exigibilidade jurídica (cumprimento forçado da obrigação). Exemplos: Pensão alimentícia etc. b) Obrigações naturais: São aquelas não exigíveis judicialmente. O credor não tem o direito de exigir a prestação, e o devedor não está obrigado a pagar. É a obrigação desprovida de exigibilidade jurídica, ou seja, é uma obrigação sem responsabilidade não obstante exista um débito. Exemplos: dívidas prescritas (art. 882, CC); dívidas de jogo (art. 814, CC) etc. 14/03/2021 26 Quanto aos elementos adicionais ou acidentais: a) puras e simples: não sujeitas à condição, termo ou encargo. b) condicionais (art. 121, CC). São aquelas cujo efeito está subordinado a um evento futuro e incerto (CC, art. 121 a 130). c) a termo (art. 131, CC). Nas obrigações a termo, a eficácia está subordinada a um evento futuro e certo, a determinada data. O termo pode ser inicial (dies a quo) ou final (dies ad quem). d) modais, onerosas ou com encargo (art. 136, CC). Obrigações modais ou com encargo são as oneradas com algum gravame. O encargo ou modo, ao contrário da condição, não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva (CC, art. 136). Exemplo: Em regra, é imposto nas doações ou em testamentos. Mas pode ocorrer também nas declarações unilaterais da vontade, tais como na promessa de recompensa, ou nos contratos onerosos, por ex., na compra e venda de um imóvel, com o ônus de franquear a passagem ou a utilização por terceiros. Quanto ao momento em que devem ser cumpridas: a) Obrigações de execução instantânea: que se consumam imediatamente, num só ato. Ex.: compra e venda, com pagamento à vista. b) Obrigações de execução diferida: que se consumam num só ato, mas em momento futuro. Ex.: estabelecer uma data posterior para entrega do objeto alienado. c) Obrigações de execução continuada ou de trato sucessivo: que se cumpre por meio de atos reiterados. Ex.: prestação de serviços; na compra e venda a prazo ou em prestações periódicas etc. 14/03/2021 27 Obrigações quanto à liquidez: a) Líquida: certa quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto. c) Ilíquida: a que depende de apuração de seu valor para ser exigida. Obrigações reciprocamente consideradas: a) Principais: subsistem por si. b) Acessórias: dependem da existência da obrigação principal e lhe seguem o destino. Obrigações com cláusula penal: são aquelas em que há a cominação de uma multa ou pena para o caso de inadimplemento ou de retardamento do cumprimento da avença.
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