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Deuses_Mitos_e_Ritos_do_Egito_Antigo

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Deuses, Mitos e Ritos do Egito Antigo 
Esta obra, destinada tanto aos interessados em história, religião e 
mitologia, como aos professores e pesquisadores da Antiguidade, nos 
presenteia com traduções inéditas do egípcio, diretamente para a língua 
portuguesa, com a análise simbólica de relevos e esculturas da arte 
egípcia, com a visão de autores modernos que conformaram o pensamento 
acadêmico ocidental e com estudos de recepção da mitologia em obras 
contemporâneas, como no cinema. O presente livro decifra estas 
complexas relações entre passado e presente, entre Oriente e Ocidente, 
através de uma linguagem precisa e, por vezes, poética, de seus autores. 
A visão destes especialistas imprime um primor acadêmico e, ao mesmo 
tempo, um olhar apaixonado pelo passado, pois só se ama aquilo que se 
conhece! Katia Maria Paim Pozzer, professora da Universidade Federal do 
Rio Grande do Sul. 
 
 
Margaret Marchiori Bakos - Professora do Programa de Pós-graduação da 
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Bolsista de Produtividade do 
CNPq. Maria Aparecida de Oliveira Silva - Pesquisadora e Professora 
Orientadora do Grupo Heródoto da Unifesp, Tradutora de Heródoto e 
Plutarco. 
 
 
 
 
Margaret Marchiori BakoS (Ed.) · Maria Aparecida de 
Oliveira Silva (Ed.) 
Deuses, Mitos e Ritos do 
Egito Antigo 
NovaS Perspectivas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
978-3-330-99783-7 
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Margaret Marchiori Bakos, Maria Aparecida de Oliveira Silva (Eds.) 
 
Deuses, Mitos e Ritos do Egito Antigo 
 
Margaret Marchiori Bakos, Maria Aparecida de Oliveira Silva 
(Eds.) 
 
 
 
 
 
 
 
Deuses, Mitos e Ritos do Egito Antigo 
Novas Perspectivas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NNoovvaass EEddiiççõõeess AAccaaddêêmmiiccaass 
Impressum / Impressão 
Bibliografische Information der Deutschen Nationalbibliothek: Die Deutsche 
Nationalbibliothek verzeichnet diese Publikation in der Deutschen 
Nationalbibliografie; detaillierte bibliografische Daten sind im Internet über 
http://dnb.d-nb.de abrufbar. 
Alle in diesem Buch genannten Marken und Produktnamen unterliegen 
warenzeichen-, marken- oder patentrechtlichem Schutz bzw. sind 
Warenzeichen oder eingetragene Warenzeichen der jeweiligen Inhaber. Die 
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Kennzeichnung nicht zu der Annahme, dass solche Namen im Sinne der 
Warenzeichen- und Markenschutzgesetzgebung als frei zu betrachten wären 
und daher von jedermann benutzt werden dürften. 
Informação bibliográfica publicada por Deutsche Nationalbibliothek: A 
Nationalbibliothek numera esta publicação no Deutsche 
Nationalbibliografie. Os dados biográficos detalhados estão disponíveis na 
internet: http://dnb.d-nb.de. 
Os outros nomes de marcas e produtos citados neste livro estão sujeitos à marca 
registrada ou à proteção de patentes, sendo marcas comerciais registradas 
dos seus respectivos proprietários. 
O uso dos nomes de marcas, nomes de produtos, nomes comuns, nome 
comerciais, descrições comerciais, descrições de produtos, etc., mesmo sem 
um relevo particular nestas publicações, de forma alguma deve interpretar-se 
no sentido de que estes possam ser considerados limitados em matérias de 
marcas e legislação de proteção de marcas e, portanto, ser utilizadas por 
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Verlag / Editora: 
Novas Edições Acadêmicas 
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4, Industriala street, 3100 Balti, Republic of Moldova 
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ISBN: 978-3-330-99783-7 
Copyright / Copirraite © 
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6 
Índice 
 
 
Prefácio.............................................................................................................08 
Katia Maria Paim Pozzer 
 
Apresentação...................................................................................................10 
Evelyne Azevedo 
 
Introdução ao Livro.......................................................................................12 
As Organizadoras 
 
 
Parte I – Deuses e Mitos 
 
1. O Deus Aton e a Solarização da Religião Egípcia durante o Reino 
Novo (c. 1550-1070 a.C.)................................................................................17 
Liliane Cristina Coelho 
 
2. Mitologia do Cosmos e o Egito de Wereshnefer................................26 
Mauricio Schneider 
 
3. Deuses Egípcios no Olimpo, segundo Heródoto................................38 
Maria Aparecida de Oliveira Silva 
 
 
Parte II – Ritos do Egito Antigo 
 
1. O Livro das Respirações.....................................................................51 
Marcia Severina Vasques 
 
 
7 
2. A Religião Funerária Egípcia Antiga: dos textos aos destinos post 
mortem solar e osiríaco..........................................,,,.......................................64 
Cintia Alfieri Gama-Rolland 
 
Parte III – Religião e Poder 
 
1. Akhenaton, a Cidade de Akhetaton e a Extinção Passageira do 
Além................................................................................................................80 
Moacir Elias Santos 
 
2. O Ritual do Poder: simbologia e representação social da 
Monarquia Faraônica.....................................................................................95 
Nely Feitoza Arrais 
 
3. O Festival-Sed: reflexões e abordagens..........................................108 
Julio Gralha 
 
 
Parte IV - O Egito e o Divino na Visão dos Modernos 
 
1. Deuses do Antigo Egito: uma visita a Jaroslav Černý (1898-1970) 
Margaret Marchiori Bakos..........................................................................120 
 
2. A Religiosidade Egípcia Antiga e sua Leitura no Filme “O Príncipe 
do Egito”......................................................................................................136 
Raquel dos Santos Funari 
 
3. O Filme O Egípcio (1954) e o Culto ao Aton: da luz solar à tela 
 do cinema....................................................................................................145 
Leandro Hecko 
 
Sobre os Autores 
8 
 
9 
Prefácio 
 
 
 
É impossível compreendermos as civilizações antigo-orientais sem levarmos em 
consideração o papel fundamental desempenhado pela religião e pelas narrativas 
mitológicas, nestas sociedades. Portanto, um livro que se dedique a esse tema torna-se 
uma contribuição imprescindível para o entendimento da história. 
Ernst Fahmüller1, importante egiptólogo alemão, em referência ao mito da criação 
do Homem, segundo a mitologia egípcia, resume dizendo que "quando o olho do deus 
criador ficou momentaneamente cego, o homem nasceu de suas lágrimas" (1993, p. 227). 
Esta concepção da origem do homem explica o motivo pelo qual a humanidade inteira 
está intimamente ligada aos deuses. 
Assim, a religião adquiriu um caráter político fundante no imaginário do antigo 
Egito. O faraó era concebido como uma divindade terrena, o elo de ligação entre deuses 
e homens, era o líder supremo no mundo político e a autoridade máxima da hierarquia 
sacerdotal. 
No Egito o ideal de vida era usufruir de boa saúde, satisfazer as necessidades 
humanas básicas (alimentar-se, vestir-se e habitar corretamente), ter alegrias, a proteção 
bondosa dos deuses e gozar de uma vida longa! Mas, para que isso fosse possível, era 
necessário conhecer os mitos e realizar corretamente os ritos, isto é, era preciso ser capaz 
de apropriar-se do complexosistema religioso egípcio. 
O Egito antigo produziu inúmeros rituais que expressavam, em práticas e gestos, 
suas variadas concepções teológicas. A crença na existência de um "outro mundo", 
acessível após a morte, através de uma delicada passagem da vida terrena à "outra vida", 
nos foi revelada por preciosos textos e posturas retratadas em relevos e esculturas. O ritual 
da mumificação, o julgamento das almas, a construção de pirâmides e templos 
monumentais são representações concretas desse imaginário. E a riqueza desta 
documentação é analisada neste livro com competência, rigor científico e sensibilidade. 
Além das marcadas influências exercidas nas demais civilizações antigas, como 
os hebreus, os babilônicos, os assírios, os fenícios, os hititas, os gregos, os persas e os 
romanos, os egípcios deixaram raízes profundas e uma herança cultural que perdura até 
 
1 Cf. Ernst Fahmüller. “Les dieux et leurs temples”. In: Eggebrecht, A. L'Egypte Ancienne. Paris: France 
Loisirs, 1993, p. 227-285. 
10 
os dias de hoje. Apenas para citarmos alguns elementos, no âmbito religioso, a crença em 
uma tríade divina influenciou as principais religiões monoteístas; o conhecimento da 
anatomia humana, obtido graças às práticas ligadas ao ritual da mumificação ou, ainda, o 
desenvolvimento da astronomia e do calendário solar, com um ano de 365 dias, são 
conquistas científicas que se mantiveram até o mundo contemporâneo. 
O livro Deuses, Mitos e Ritos do Egito Antigo é uma obra coletiva, fruto da 
maturidade dos estudos de história, cultura e religião da Antiguidade dos pesquisadores 
brasileiros. A obra evidencia, também, a reflexão sobre temas universais, sobre questões 
que interpelam as sociedades humanas desde o princípio até os dias de hoje, como os 
mitos da origem do mundo, do próprio Homem, do poder e seus usos, da vida e da morte. 
Assim como um mosaico, onde cada tessela, com sua forma e cor particular, compõe um 
todo inteligível, cada contribuição do livro apresenta um viés próprio e constrói uma 
narrativa abrangente sobre mitologia e religiosidade no Egito antigo. Múltiplos como os 
deuses egípcios, os capítulos dessa obra se integram entre si, se contrapõem e se 
complementam, compondo um cenário complexo e compreensível ao 
mesmo tempo. 
Esta obra, destinada tanto aos interessados em história, religião e mitologia, como 
aos professores e pesquisadores da Antiguidade, nos presenteia com traduções inéditas 
do egípcio, diretamente para a língua portuguesa, com a análise simbólica de relevos e 
esculturas da arte egípcia, com a visão de autores modernos que conformaram o 
pensamento acadêmico ocidental e com estudos de recepção da mitologia em obras 
contemporâneas, como no cinema. 
O presente livro decifra estas complexas relações entre passado e presente, entre 
Oriente e Ocidente, através de uma linguagem precisa e, por vezes, poética, de seus 
autores. A visão destes especialistas imprime um primor acadêmico e, ao mesmo tempo, 
um olhar apaixonado pelo passado, pois só se ama aquilo que se conhece! 
 
 
 
Katia Maria Paim Pozzer 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul 
11 
Apresentação 
 
 
 
Quando falamos de uma civilização com mais de 3000 anos de História e uma 
lista enorme de títulos que se dedicaram a ela, parece difícil que ainda exista um assunto 
pouco ou não explorado. O que se verá aqui é, no entanto, a contribuição de diversos 
autores sobre um tema fundamental nos estudos sobre a antiga população nilótica: a 
religião, seus deuses e seus mitos. 
O Antigo Egito é uma das civilizações que mais fascínio exerceu sobre as pessoas. 
E não apenas desde o século XIX, mas desde a própria Antiguidade, começando pelos 
gregos, na figura de ninguém menos que Heródoto, como poderá ser visto em um dos 
textos aqui publicados. Deuses, Mitos e Ritos do Egito Antigo traz diversas perspectivas 
dos aspectos religiosos de uma das culturas que mais imprimiu suas marcas na História, 
escritas por importantes nomes ligados à Egiptologia no Brasil. 
Aqui estão pessoas cujas trajetórias profissionais foram dedicadas ao estudo do 
Antigo Egito e, por isso mesmo, cada texto é o reflexo individual de sua visão sobre esta 
cultura. Dividido entre quatro eixos, cada um deles se debruça sobre um aspecto da 
religião egípcia: desde os deuses e sua cosmogonia até a sua recepção cinematográfica, 
passando ainda pelos seus ritos funerários e finalmente, a vinculação entre a religião e o 
poder faraônico. 
Os deuses egípcios constituem o primeiro viés abordado pelo livro, o qual se 
divide em três artigos que abordam a relação dos egípcios com suas divindades. O 
primeiro trata da criação de uma nova teologia solar com a adoção do deus Aton sob o 
reinado de Akhenaton; o segundo texto fala da representação do Egito como centro do 
mundo a partir da análise da cosmografia do sarcófago de Wereshnefer e o terceiro 
disserta sobre o sincretismo religioso feito por Heródoto ao associar os deuses egípcios 
aos gregos. 
O segundo viés trata dos principais textos funerários egípcios que os auxiliavam 
em sua jornada post mortem, como o famoso Livro dos Mortos, que, mesmo tendo seu 
aparecimento no Novo Império, é o mais conhecido dos corpi de fórmulas para 
acompanhar o morto em sua passagem ao mundo dos mortos. Na terceira parte, retoma- 
se o reinado de Akhenaton e sua tentativa de extinguir o culto osiríaco em prol do culto 
ao faraó. Em seguida, fala-se sobre a função divina do faraó como mantenedor da ordem 
e do Egito e de como os rituais em torno deste tinham a função de simbolizar essas 
12 
atribuições diante da sociedade. Um deste rituais, inclusive, o Festival-Sed, é o tema do 
terceiro artigo desta seção. Apesar de sua grande importância, o autor aponta o pouco 
estudo dedicado a ele. 
A quarta e última parte do livro é dedicada à leitura feita por Jaroslav Šerný da 
religião egípcia e traz ainda a apropriação contemporânea feita pelo cinema nas obras O 
Egípcio, de 1954 e O Príncipe do Egito, animação da DreamWorks de 1998. 
Ciência que se consagrou na Europa com a tradução dos hieróglifos por 
Champollion, a Egiptologia sempre esteve ligada a países como Itália, França, Alemanha 
e, mais recentemente, os Estados Unidos. No Brasil, seu estudo sempre dependeu, deste 
modo, da importação de literatura especializada. A produção de material específico em 
português constitui um trabalho de extrema importância para a consolidação deste campo 
na academia brasileira. Trata-se, portanto, de um material que procurou abordar a antiga 
religião egípcia sob seus mais diversos aspectos, mas que é, sobretudo, o esforço coletivo 
de estudiosos que buscam difundir os estudos egiptológicos no Brasil. 
 
Evelyne Azevedo 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
13 
Introdução ao Livro 
 
 
 
Os egípcios despertam o interesse dos povos que com eles interagem, ou que 
apenas visitam seu território, desde os tempos dos faraós. Os que por lá passam se 
maravilham com suas belezas manifestas em sua religiosidade e todas as suas formas de 
expressão, em seus mitos e histórias milenares grafadas em pedras e em papiros, em suas 
artes e ciências. Dentro deste riquíssimo quadro cultural e da impossibilidade de abarcar 
todas as questões levantadas pelos estudiosos, a nossa proposta com a organização deste 
livro é refletir sobre o Egito antigo sob a perspectiva da criação dos seus mitos, da relação 
deste povo com seus deuses e suas práticas religiosas. Compreender a criação e a força 
desses elementos não apenas em seus contextos religiosos, mas também político e social. 
E ainda indagar como os egípcios foram pensados pelos outros povos a partir de suas 
percepções míticas e religiosas do mundo. 
Este livro está organizado em quatro partes que subdividem e agrupam as 
principais temáticas abordadas pelos autores. A primeira parte, intitulada Deuses e Mitos, 
inicia-se com o capítulo “O Deus Aton e a Solarizaçãoda Religião Egípcia durante o 
Reino Novo (c. 1550-1070 a.C.), de Liliane Cristina Coelho. A autora discorre sobre o 
processo de adoção do Aton como divindade dinástica durante o reinado de Akhenaton 
como sendo resultante de um projeto político-religioso, que se relaciona com uma 
proposta de criação de uma Nova Teologia Solar. Para tanto, Coelho apresenta ao leitor 
diferentes representações do deus Aton durante a XVIII Dinastia, percurso que nos mostra 
o sincretismo religioso e as ressignificações por que passam os deuses e suas 
representações neste período. Outro aspecto abordado pela autora é o uso dos símbolos 
religiosos para a manutenção e a expansão do poder desta Dinastia. 
“Mitologia do Cosmos e o Egito de Wereshnefer”, de Mauricio Schneider, o 
segundo capítulo desta parte, o leitor entra em contato com a Representação do Cosmos 
Egípcio representada no Sarcófago de Wereshnefer, 30ª dinastia, localizado no 
Metropolitan Museum of Art. O autor aponta que, em meio às várias especificações 
mitológicas contidas na representação, a mensagem mais eloquente da cosmografia de 
Wereshnefer é que o Egito é o axis mundi, o centro do mundo, enquanto as terras 
estrangeiras formam sua periferia. Assim, Schneider demonstra que no imaginário 
14 
faraônico, esse contraste espacial evoca o próprio ideal de maat, a ordem cósmica, 
garantido na terra por seu perpétuo vigilante, o faraó. 
“Deuses Egípcios no Olimpo, segundo Heródoto”, de Maria Aparecida de Oliveira 
Silva, o terceiro capítulo, onde a autora demonstra como os registros de Heródoto trazem 
informações que causam estranhamento aos seus ouvintes/leitores quanto à associação 
dos deuses egípcios aos dos helenos. Ao estabelecer uma relação direta entre os deuses, 
Osíris e Dioniso, ou Apolo e Hórus, por exemplo, Heródoto não apenas lhe confere o 
mesmo nome, associa atributos e significados culturais, desconsidera suas 
especificidades. Conforme Silva, a associação direta que leva a simplificações que 
retiram a historicidade de cada divindade para tratar a religiosidade como algo sem 
contexto próprio, portanto sem qualquer relação com a cultura de um povo. 
A segunda parte Ritos do Egito Antigo inicia-se com o capítulo “O Livro das 
Respirações”, de Marcia Severina Vasques. A autora analisa o Livro das Respirações, um 
dos textos funerários egípcios mais comumente utilizado no período ptolomaico e 
romano, ao lado do Livro dos Mortos, que foi escrito em hierático, demótico e, mais 
raramente, em hieróglifo, cujo objetivo era auxiliar o morto em sua viagem para a outra 
vida. Vasques conclui que, embora o Egito tenha sido dominado, o seu povo pouco alterou 
seu modo de vida tradicional e suas crenças religiosas, a religião popular egípcia pode ser 
usado como base para a observação da não como uma “sobrevivência pagã”, mas como 
um fenômeno de reorganização da cultura religiosa. 
O segundo capítulo desta parte é “A Religião Funerária Egípcia Antiga: dos textos 
aos destinos post mortem solar e osiríaco”, de Cintia Alfieri Gama-Rolland, no qual a 
autora logo esclarece seu recorte temático em três documentos básicos para a 
interpretação dos ritos funerários egípcios, a saber, os Textos das Pirâmides, os Textos 
dos Caixões e o Livro dos Mortos ou Livro para sair à luz do dia. Gama-Rolland explica 
que se tem um grande número de fontes escritas referentes ao contexto funerário egípcio 
que dizem respeito tanto a cosmogonias quanto a confecção de amuletos, encantamentos 
e guias para a vida após a morte. Assim, a autora afirma que a seleção da documentação 
estudada atende a finalidade de análise do destino post mortem dos egípcios. 
A terceira parte intitula-se Religião e Poder e traz ao leitor análises sobre a relação 
existente entre religião e poder no Egito antigo. O capítulo que abre este tema é 
“Akhenaton, a Cidade de Akhetaton e a Extinção Passageira do Além”, de Moacir Elias 
Santos, o leitor entenderá como os governantes egípcios interferem nos ritos religiosos. 
Santos conclui que a nova concepção religiosa imposta por Akhenaton, acabou por banir 
15 
os deuses e o mundo do além. Tal fato resultou no fato de o oeste ter deixado de ser a 
terra dos mortos e a viagem para o além, feita pelo deus-sol para se unir a Osíris, por ter 
sido extinta. De acordo com o autor, o que foi oferecido em troca aos egípcios um rei 
divino, que partilhava de um renascimento continuo com o sol, que era igual ao seu deus 
e que centralizava tudo, dado que se revela na dependência dos egípcios para com seu rei. 
O capítulo seguinte é “O Ritual do Poder: simbologia e representação social da 
monarquia faraônica, de Nely Feitoza Arrais. Nele a autora demonstra como o faraó 
exercia as funções de provedor, guerreiro e protetor do Egito e, ao mesmo tempo, como 
partilhava da dupla natureza, humana e divina, era sacerdote por excelência. Arrais 
conclui que essa função protetora do guerreiro faraó legitimidade socialmente o uso da 
violência, pois não apenas defende, também mantém a ordem social, com um conjunto 
de normas e critérios que configuram esta ordem social, além de ser um aviso para seus 
opositores externos. Portanto, o ritual em torno da realeza procurava, assim, representar 
simbolicamente as funções atribuídas ao monarca perante sua sociedade. 
O terceiro capítulo intitulado “O Festival-Sed: reflexões e abordagens”, de Julio 
Gralha, apresenta ao leitor duas situações relativas ao festival-sed que têm sido pouco 
exploradas. Segundo o autor, a primeira se remete aos 30 anos de reinado que estaria 
relacionada a uma geração ou ciclo de vida do egípcio antigo; ao ápice do tempo de vida 
e consequente declínio; a um tipo de simbolismo mágico-religioso do número 30 para os 
egípcios; e finalmente uma relação astronômica com o Ciclo Sothíaco (Ciclo da estrela 
Sírius). Gralha aponta que a segunda situação diz respeito à morte ritual do rei que por 
falta de artefatos e indícios parece ter sido pouco explorada. Talvez também haja certo 
protecionismo no sentido de negar que a sociedade egípcia primitiva seria capaz desta 
prática. 
A quarta parte intitulada O Egito e o Divino na Visão dos Modernos principia com 
o capítulo “Deuses do Antigo Egito: uma visita a Jaroslav Šerný (1898-1970)”, de 
Margaret M. Bakos. A autora formula questões e respostas, como em uma entrevista com 
Jaroslav Šerný para, com suas palavras, dialogar informalmente com o leitor. Antes, 
Bakos redige uma breve biografia do autor e os motivos que a levaram a tal escolha, 
destacando as duas obras mais importantes publicadas post-mortem: A late Egyptian 
Grammar e A community of workmen at Thebes in the Ramesside Period , obras que 
despertaram o reconhecimento de todos os bons orientalistas do mundo contemporâneo, 
como um egiptólogo inigualável, arqueólogo e filólogo, o “pai da ostracologia”. 
16 
“A Religiosidade Egípcia Antiga e sua Leitura no Filme O Príncipe do Egito, 
escrito por Raquel dos Santos Funari, é o segundo capítulo desta parte. A autora esclarece 
que começa sua exposição com uma apresentação da perspectiva adotada, a partir da 
perspectiva dos usos do passado. Para tanto, Santos dá prosseguimento a sua 
argumentação com a apresentação do filme, a religiosidade egípcia antiga e como ela é 
representada na produção da sétima arte, numa contraposição entre monoteísmo e 
politeísmo. Procedimentos que levam a autora a afirmar que a religiosidade egípcia, face 
ao desencantamento do mundo contemporâneo, atrai por essa profundidade espiritual, 
representada no cinema. 
O capítulo “O Filme O Egípcio (1954) e o Culto ao Aton: da luz solar à tela do 
cinema”, de Leandro Hecko, encerra nossa coletânea pensando sobre o problema geral 
das temporalidades quando se trabalha com um filme, que basicamente nos coloca numa 
relação entre passado e presente que pode culminar em formas de usos do passado, que 
provocam alterações e ressignificações, produto de um olharpermeado pelas lentes do 
presente, embora ele venha a conter um pouco de cada temporalidade. Hecko continua 
seu raciocínio argumentando que se deve levar em conta que o filme histórico é produzido 
em um tempo diferente do período que busca retratar e que, por sua vez, pode ser 
lido/assistido já em outro tempo, noutro contexto cultural. 
Para concluir, destacamos que esta obra tem como objetivo levar ao leitor 
interessado pela religiosidade egípcia em seus diferentes contextos, com debates 
atualizados sobre cada uma das temáticas propostas. O propósito deste encadeamento de 
estudos relacionados à religiosidade no Egito antigo é o de proporcionar ao leitor uma 
compreensão mais ampla do contexto religioso deste povo que nos maravilha até hoje. 
Esperamos ter alcançado nosso objetivo e que o leitor possa refletir sobre as questões 
propostas como incentivo para novos questionamentos. 
 
As Organizadoras 
17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Parte I 
 
 
Devses e Mitos 
18 
 
1 
 
 
 
O Deus Aton e a Solarização da Religião Egípcia durante o Reino Novo 
(c. 1550-1070 a.C.) 
 
 
 
Liliane Cristina Coelho 
 
 
 
 
Introdução 
 
A associação de Akhenaton e do Aton, o disco colar, como divindade única é 
bastante conhecida dentro e fora da Egiptologia. Já se sugeriu que Akhenaton teria sido o 
primeiro monoteísta, ao adotar o culto a uma única divindade durante seu período de 
governo, assim como é comum a ideia de que o faraó e sua esposa, Nefertiti, formariam 
uma “tríade invertida” com o Aton, onde este seria o criador e as personagens reais os 
seus filhos1. Afirma-se também que durante a XVIII Dinastia (c. 1550-1307 a.C.)2 houve 
um processo conhecido como “solarização da religião”, que culminou com a adoção do 
Aton como divindade principal. 
A solarização da religião, que atingiu seu auge durante o reinado de Amenhotep 
IV/Akhenaton (c. 1353-1335 a.C.), precisa ser entendida como um processo de longa 
duração, cujas raízes podem ser encontradas nos reinados de seus predecessores. 
Divindades solares, como Ra, já eram cultuadas em templos ao céu aberto em Heliópolis 
no Reino Antigo (c. 2575-2134 a.C.), por exemplo, mas parece ser durante o governo de 
Tothmés IV (c. 1401-1391 a.C.) que o Aton começa a se tornar uma divindade 
 
 
 
1 É comum, na religião egípcia antiga, a existência de tríades divinas, formadas por um deus pai, uma deusa 
mãe e um deus ou deusa filho, conforme pode ser observado, por exemplo, com Osiris, Ísis e Hórus, ou 
Amon, Mut e Khonsu, as principais divindades tebanas. Desta maneira, Aton, Akhenaton e Nefertiti 
formariam uma tríade invertida, com um deus pais e dois deuses filhos. 
2 Sigo aqui a cronologia proposta por John Baines e Jaromir Málek (1996). 
14 
proeminente, quando aparece relacionado a Amon na inscrição presente em um 
escaravelho. 
É possível também pensar a solarização como uma simplificação da divindade, já 
que um deus que está visível no céu e que percorre uma trajetória diária é mais facilmente 
assimilável por populações com religiões menos complexas que a egípcia, como aquelas 
presentes na região da Síria-Palestina no período. O trajeto percorrido pelo sol, assim, 
poderia ser visto como uma passagem por todas as terras dominadas pelo Aton, sendo o 
deus o responsável pela manutenção de todos os espaços preenchidos por ele. Ressalta- 
se aqui que os domínios egípcios no período se estendiam desde quarta catarata do Nilo, 
na Núbia, até o Eufrates, ao Norte, numa distância de aproximadamente 3200 quilômetros 
(Kendall, 1999, p. 157). 
A hipótese aqui discutida, então, procura entender a adoção do Aton como 
divindade dinástica por Akhenaton (c. 1353-1335 a.C.) como parte de um projeto 
político-religioso. Político porque a escolha do Aton está relacionada a um aumento do 
poder real, já que o deus não possuía, como Amon ou Ra, um clero forte e atuante, e 
religioso porque pode ser entendido como parte de uma Nova Teologia Solar, conforme 
proposta de Jan Assmann (2001). Para comprovar tal proposição discuto as diferentes 
representações do deus Aton ao longo da XVIII Dinastia, bem como a possível utilização 
da imagem do deus como parte de um processo de conquista e manutenção de territórios 
fora do Egito. Iniciarei, então, pela escolha do Aton como deus dinástico. 
 
A Escolha do Aton 
 
O deus Aton, assim como a sua representação como o disco solar com braços 
terminados em mãos, não foram uma criação de Akhenaton. Há menções ao nome do 
Aton ainda durante o Reino Médio, no Conto de Sanehet3, no qual a palavra (em 
egípcio, itn) aparece de duas maneiras diferentes, mas muito próximas: (1) como o sol, o 
corpo celeste, e (2) como o deus solar que se manifesta no sol (Tawfik, 1973, p. 77). Tais 
menções podem auxiliar para o entendimento do crescimento do culto ao deus, que 
resultou na religião proposta por Akhenaton durante o seu governo. 
 
3 O Conto de Sanehet relata a história de Sanehet que, ao ouvir a notícia da morte de Amenemhat I, fugiu 
para terras estrangeiras, com medo de ser associado ao atentado que levou à morte do monarca. O 
protagonista passou muitos anos entre os estrangeiros, mas manteve sempre uma grande vontade de voltar 
ao Egito e ser enterrado em sua terra natal. Ao final do conto, Sanehet foi perdoado por Senusert I, sucessor 
de Amenemhat I, e foi recebido no Egito pelo próprio faraó (Araújo, 2000, p. 101). 
15 
Até o Reino Médio (c. 2040-1640 a.C.) a palavra itn foi usada tanto para designar 
o sol quanto para nomear uma divindade. Em um primeiro momento a palavra itn aparece 
no Conto de Sanehet identificada como o disco solar. Isso ocorre em duas situações: 
primeiro em B213, quando Sanehet se dirige ao novo faraó, Senusert I (c. 1971-1926 a.C.) 
e diz “Que o medo de ti se mantenha (se repita) nas terras (baixas) e altas, pois tu 
subjugaste tudo o que o disco solar compreende!” (Cardoso, 1998, p. 137), e em seguida 
quando o protagonista continua seu discurso com a frase “O disco solar se levanta devido 
ao amor por ti” (Cardoso, 1998, p. 138). Aqui itn é diretamente relacionado ao sol como 
corpo celeste, sem que se faça menção alguma à divindade Aton. 
No mesmo conto, no entanto, aparece uma das primeiras menções ao Aton como 
uma divindade. Isso acontece em R7, quando o protagonista fala sobre a morte do faraó 
Amenemhat I, ocorrida em cerca de 1962 a.C.. Utilizando aqui a tradução publicada por 
Ciro Cardoso: “Ele voou para o céu e uniu-se ao disco solar. O corpo divino misturou- 
se com aquele que o fez.” (Cardoso,1998, p. 128). Neste sentido, o Aton – aqui traduzido 
como ‘o disco solar’ – aparece como uma divindade criadora, já que o faraó se une àquele 
que o fez. 
Passando ao início da XVIII Dinastia (c. 1550-1307 a.C.), em uma estela do rei 
Ahmés (c. 1550-1525 a.C.) aparecem quatro divindades solares: Ra, Aton, Khepri e 
Atum. Destes, apenas Aton não aparece com o determinativo de deus, mas com o disco 
solar, o que significa, segundo Sayed Tawfik, que os egípcios, nesta época, ainda não 
haviam personificado o Aton entre os deuses solares. Na estela o rei Ahmés é “como Ra 
(quando ele) se levanta, como Aton (quando ele) brilha, como Khepri (quando ele) 
aparece nos olhos, seus olhos nas faces são como Atum no leste do céu” (Tawfik, 1973, 
p. 78). Ainda segundo o autor, Aton aparece pela primeira vez com o determinativo de 
um deus com o sol sobre sua cabeça em uma inscrição na ilha de Tombos, que se localiza 
em uma região próxima à terceira catarata do Nilo, datada do segundo ano do reinado de 
Tothmés I (Idem, p. 80). 
Já a personificação do Aton, conforme aponta Tawfik (1973, p. 78), ocorreu 
apenas durante o reinado de Tothmés IV, que mandou confeccionar um escaravelho em 
cujo texto o deus aparece personificado como uma divindade que acompanha o faraó na 
guerra, assumindo assim as características de Amon, conforme pode ser percebido em sua 
tradução: 
16 
Os príncipes de Naharincarregando os seus presentes contemplam Men- 
kheperu-Ra quando ele sai do seu palácio, eles ouvem a sua voz como a do 
filho de Nut, seu arco na mão, como o filho do sucessor de Shu. Se ele desperta 
a ele mesmo para lutar, com Aton a sua frente, ele destrói as montanhas, 
pisando as terras estrangeiras, trilhando o Naharin e até Karoy, a fim de trazer 
os habitantes de terras estrangeiras, como submetidos ao governo de Aton para 
sempre (Shorter, 1931, p. 23). 
 
Este escaravelho é bastante emblemático, pois a tentativa de datar o surgimento 
do culto ao deus Aton ao longo da XVIII Dinastia e especialmente durante o reinado de 
Amenhotep III (c. 1391-1353 a.C.), o pai de Amenhotep IV/Akhenaton, fez com que 
alguns artefatos que sugeriam uma época diferente fossem considerados falsos, como foi 
o caso deste artefato, que pertencia ao reverendo George Denis Nash e atualmente faz 
parte do acervo do Museu Britânico (EA65800), onde consta como uma falsificação. Na 
década de 1930, após a tradução do texto hieroglífico publicada no Journal of Egyptian 
Archaeology por Alan W. Shorter, surgiu a dúvida sobre a autenticidade do objeto. 
 
 
Figura 1: Pequena estela de Amenhotep II. In: Hassan, 1953, pl. XXXIX. 
 
A partir da dúvida levantada, uma equipe liderada por F. A. Bannister e H. J. 
Plenderleith fez diversos testes químicos na peça, comprovando que o material era 
autêntico, assim como a inscrição não havia sido alterada, conforme propagavam alguns 
críticos (Bannister & Plenderleith, 1936). A autenticidade foi comprovada por meio da 
comparação com o material com o qual foi confeccionado outro escaravelho do mesmo 
período, mas não há um método para datar a idade do material, então a dúvida sobre sua 
autenticidade continua, conforme é possível observar na página do Museu Britânico na 
17 
internet, onde o objeto consta como uma falsificação4. Não há dúvidas, no entanto, com 
relação à associação entre o Aton e o deus Amon neste caso. 
Assim como acontece com relação à divindade, a representação o Aton como o 
sol radiante, ou o disco solar com raios como se fossem braços terminados em mãos, não 
foi uma invenção de Akhenaton. Aparece já em uma estela de Amenhotep II encontrada 
próximo à esfinge de Gizé, em um templo erigido por este faraó nesta área (Hassan, 1953, 
p. 79). Trata-se de uma estela de arenito composta por um painel retangular rodeado por 
uma moldura em relevo, acima da qual há uma parte superior arredondada, infelizmente 
bastante erodida, conforme pode ser visto na figura 1. Nesta parte arredondada há um 
disco solar alado, a forma comum de representação do deus Hórus de Behedet, mas neste 
caso há uma particularidade interessante: o disco solar tem dois raios em forma de braços 
que terminam em mãos e envolvem o cartucho do faraó Tothmés IV, em sinal de proteção. 
Esta imagem, se realmente influenciou a representação posterior do Aton, não 
parece ter sido adotada de imediato por Amenhotep IV/Akhenaton. Em um bloco 
encontrado em Karnak, datado provavelmente dos primeiros anos do reinado deste faraó, 
à direita há uma imagem de Amenhotep IV portando a coroa azul e à esquerda há um 
deus hieracocéfalo com o disco solar sobre a cabeça e identificado na legenda como Aton. 
O estilo artístico é aquele do reinado de Amenhotep III e a face de Amenhotep IV é muito 
semelhante à de seu pai. A imagem do deus, tal como pode ser visto na figura 2, é muito 
parecida com a do deus solar Ra. 
 
 
 
Figura 2: Relevo com o deus-falcão Aton. In: Seyfried, 2013, p. 207. 
 
4 Forgery/Commemorative Scarab. Disponível em, p. http, 
p.//www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=141177& 
partId=1&searchText=scarab+aten&page=1 Acesso em: 25jan14. 
http://www.britishmuseum.org/research/collection_online/collection_object_details.aspx?objectId=141177
18 
Nos talatat, no entanto, o Aton já aparece representado com sua imagem 
tradicional, qual seja, o disco solar com braços que terminam em mãos, conforme pode 
ser visto na figura 3. Trata-se aqui de blocos de pedra utilizados nas construções de 
Amenhotep IV que foram encontrados reutilizados em edifícios posteriores, a maioria dos 
quais, segundo Ramadan Saad (1967, p. 64), têm 22x27x55 cm de lado , mas que 
aparecem mais frequentemente na bibliografia com dimensões de 24x26x52 cm, 
relacionadas, conforma aponta o egiptólogo canadense Ronald Redford, a uma medida 
pura, correspondente ao côvado real, que media cerca de 52 cm5. Claude Vanderleyen 
(1998, p. 418) afirma que, tomando como base a densidade da pedra retirada da pedreira 
de Gebel el-Silsila, os blocos teriam em média cinquenta quilogramas cada um. 
Os talatat, bem como blocos maiores como aquele apresentado na figura 2, faziam 
parte da construção dos quatro templos dedicados ao Aton em Tebas: gm.t-pA-itn, Hwt- 
bnbn, rwD-mnw e tni-mnw, nomeados aqui conforme o número de vezes em que seus 
nomes aparecem nos blocos (Redford, 1975, p. 9). Sua quantidade chega a dezenas de 
milhares e eles foram recuperados principalmente no Segundo e no Nono Pilonos de 
Karnak, na Grande Sala Hipóstila do Templo de Amon em Karnak e em Medamud, onde 
foram usados como enchimento para as estruturas erigidas por Horemheb, e no pilono de 
Ramsés II no templo de Luxor (Redford, 1992, p. 66). Parte de um grande quebra-cabeças, 
estes blocos de arenito ajudam a entender alguns aspectos do culto ao Aton em Tebas que, 
possivelmente, foram depois transferidos para Akhetaton. 
 
 
Figura 3: Talatat mostrando Amenhotep IV/Akhenaton celebrando o jubileu. In: Limestone relief 
(E.GA.2300.1943) of King Akhenaten. http://www.fitzmuseum.cam.ac.uk/explorer/index.php?oid=56692 
 
 
5 Ronald Redford, egiptólogo canadense responsável pelo Akhenaten Temple Project, afirma que a 
dimensão dos blocos justificaria seu nome, que pode ser derivado da palavra “três”, já que sua medida seria 
de três palmos, ou da palavra italiana “tagliata”, literalmente “cortada”, sendo neste caso a “alvenaria 
cortada”, segundo o pesquisador. (Redford, 1992, p. 66.) 
http://www.fitzmuseum.cam.ac.uk/explorer/index.php?oid=56692
19 
Um ponto importante a discutir aqui é a escolha do Aton, um deus solar cuja 
proeminência era bem menor que a de Ra, como divindade principal da religião proposta 
por Akhenaton. Sayed Tawfik (1976, p. 226) aponta razões políticas para a escolha do 
menos conhecido Aton e não de Ra como deus único no governo de Akhenaton, 
defendendo que existia uma grande influência política e religiosa dos sacerdotes de 
Amon-Ra em Tebas e de Ra em Heliópolis. Como o objetivo de Akhenaton era aumentar 
o poder real, a escolha de Ra não seria a melhor para atingir a meta, já que este deus tinha 
um clero poderoso. 
O mesmo autor defende, no entanto, que o deus Aton não passa de uma 
manifestação do deus Ra. Segundo ele, há uma inscrição fragmentária, na tumba de 
Ramose, na qual Akhenaton fala a Ramose sobre a crença no Aton e na qual há uma 
associação clara entre Aton e Ra. Ele apoia sua teoria também na existência de uma 
necrópole em Akhetaton para o touro Mnevis, animal sagrado do deus Ra de Heliópolis 
(Tawfik, 1976, p. 219-221). Tal cemitério, no entanto, não foi localizado pelas equipes 
de arqueólogos que escavaram a cidade e seus arredores, apesar de aparecer como uma 
das necrópoles que deveriam ser construídas no projeto inicial de Akhetaton presente nas 
estelas de fronteira6. Outra aproximação entre Ra e Aton está na adoção, por parte de 
Akhenaton, do título do sumo sacerdote solar de Heliópolis, “Maior dos Videntes”, 
também para o sacerdócio maior do Aton. 
A questão da escolha do Aton como divindade principal, no entanto, envolve 
temas mais complexos, como uma solarização da religião, que é defendida por Jan 
Assmann e que é mais bem percebida a partir do reinado de Amenhotep III. Segundo este 
egiptólogo, “a Nova Teologia Solar pode ser definida como a explicação e representaçãodo circuito do sol em categorias não-constelativas de teologia explícita” (Assmann, 
2001, p. 201). Esta nova teologia rejeita inteiramente os mitos, o mundo pictórico e o 
politeísmo, o que explica a ausência de imagens tridimensionais do Aton na arte do 
período. 
Esta solarização também pode ser resultado de uma tentativa de recuperar o poder 
régio, baseado em governos da IV Dinastia (c. 2575-2465 a.C.), época de construção das 
grandes pirâmides mas também de foco no culto solar. Conforme apontam David 
Silvermann, Josef Wegner e Jennifer Wegner (2006, p. 27-29), Akhenaton pode ter 
 
6 Uma tradução para a língua portuguesa dos textos presente nas estelas de fronteira de Akhetaton pode ser 
encontrada em minha tese de doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da 
Universidade Federal Fluminense. Ver: Coelho, 2015. 
20 
tentado recriar de alguma maneira a relação existente entre o faraó e o deus solar Ra 
naquele período, que viu surgir o título “Filho de Ra”. O processo de solarização também 
pode ser percebido na região da Síria-Palestina, conforme discutirei posteriormente. 
A aproximação entre o deus solar e o faraó, no entanto, já vinha acontecendo 
durante o reinado de Amenhotep III. Segundo Cyril Aldred (2001, p. 151-152) é visível, 
por meio dos monumentos régios, que houve uma divinização em vida de Amenhotep III. 
Este faraó e Tiy, sua esposa, fariam parte de uma tríade divina junto com o demiurgo 
solar Atum, assim como posteriormente aconteceria com Akhenaton, Nefertiti e Aton. 
A tentativa de aumentar o poder régio por parte de Akhenaton teve início com a 
colocação do nome do seu deus em dois cartuchos – tal como ocorria com os nomes do 
faraó, aproximando, assim, o rei e o deus. Os chamados “nomes didáticos do Aton” 
refletem, então, a ideologia real e o passo a passo de sua reforma. Ao adotar o primeiro 
nome didático, “Ele vive – Ra-Harakhty que se alegra no horizonte em seu nome de Shu 
que está no Aton”, ainda em Tebas, Amenhotep IV deu o primeiro passo em direção ao 
seu intento. O segundo passo foi dado possivelmente no ano 5, quando o faraó mudou 
seus nomes e começou a construção de uma nova cidade, Akhetaton, que se tornou o 
principal local de culto à divindade solar. 
 
A Solarização da Religião na Região da Síria-Palestina 
 
Dada a extensão do domínio egípcio durante o reinado de Amenhotep III, que se 
estendia desde a quarta catarata do Nilo, na Núbia, até o Eufrates, ao Norte, é de se esperar 
que existissem relações diplomáticas entre os faraós e os governantes das regiões sob 
influência egípcia. Tais relações são conhecidas por meio de um conjunto de documentos, 
descoberto em 1887 por uma camponesa que vasculhava as ruínas da antiga cidade de 
Akhetaton em busca de materiais que pudessem ser utilizados como fertilizantes no 
campo (sebak, em árabe) segundo algumas fontes, e que denominou-se Cartas de Amarna 
(Shaw e Nicholson, 1996, p. 27; Araújo, 2001, p. 185). Tais cartas correspondem, na 
realidade, a tabletes escritos em cuneiforme e são uma pequena parte da correspondência 
trocada entre os faraós e reis de Estados da Síria-Palestina. Atualmente são conhecidos 
382 tabletes, dos quais 350 são cartas ou listas que deveriam estar anexadas às cartas e os 
demais constam de contos ou relatos mitológicos, possivelmente relacionados ao 
aprendizado da escrita utilizada nos documentos por escribas egípcios, e que não constam 
na compilação das cartas organizada por William Moran (2004). A linguagem utilizada é 
21 
o cuneiforme acadiano ou babilônico, a “língua franca” do século XIV a.C., modificado 
pelo emprego de termos específicos de cada região Moran (2004, p. 22)7. Do conjunto, 
apenas nove cartas foram “escritas” pelo faraó, sendo todas as outras correspondências 
recebidas pelos reis egípcios (Huehnergard e Izre’el, 2003, p. 238). 
As Cartas de Amarna, junto com documentos contemporâneos ugaríticos e hititas8 
e outras fontes egípcias, são documentos valiosos para a história da Síria e da Palestina 
durante parte do século XIV a.C. (Moran, 2004, p. 237-238). A correspondência cobre 
cerca de 25 a 30 anos, entre os últimos anos de reinado de Amenhotep III e o primeiro 
ano de governo de Tutankhamon9, sendo mais abundante durante o reinado de Akhenaton. 
Segundo nos informa o assiriólogo americano William Moran (2004, p. 223), que é autor 
de uma das traduções dos documentos, apesar de escritas em acadiano, as cartas são fontes 
valiosas sobre o cananita, que tem no hebraico bíblico um de seus dialetos. 
Em 1896 Hugo Winckler, um orientalista alemão, realizou a primeira 
transliteração e tradução dos textos contidos nos tabletes até então conhecidos. Em 1907, 
após novas descobertas que aumentaram o número de tabletes para 358 e quando os 
estudos amarnianos atingiram seu auge, o assiriólogo norueguês Jorgen Alexander 
Knudtzon publicou o primeiro volume de sua obra Die El-Amarna Tafeln, que até hoje é 
uma referência importante sobre as cartas e que estabeleceu não apenas a numeração 
ainda utilizada para sua organização, que consta das letras EA seguidas pelo número 
correspondente, como também a organização cronológica e geográfica dos tabletes 
(Moran, 2004, p. 15). 
Foi Knudtzon também quem estabeleceu, em função de diferenças nas formas de 
tratamento e de linguagem, a divisão das cartas em dois grandes grupos: no primeiro está 
a correspondência trocada com os Estados aliados, um grupo pequeno de cerca de 40 
cartas trocadas entre os governantes egípcios e aqueles da Babilônia, da Assíria, do 
Mitanni, de Arzawa (Anatólia), de Alashiya (Chipre) e do Hatti (Cohen e Westbrook, 
2000, p. 6-7), e no segundo, que soma cerca de 350 cartas, estão as missivas trocadas com 
7 Do conjunto, há algumas cartas que não foram escritas em acadiano. São elas a EA 15 (assírio), EA 24 
(hurrita) e EA 31-32 (hitita). 
8 Refiro-me aqui ao arquivo encontrado na cidade de Bogazkale (Anatólia), datado do reinado de Murshilish 
II, filho de Shuppiluliumash, o governante hitita que aparece nas Cartas de Amarna. Trata-se, no entanto, 
de um grupo muito fragmentário de documentos, mas que auxiliam para uma reconstrução das relações 
diplomáticas no final do século XIV a.C. (Dodson, 2009, p. 53). 
9 Alguns autores consideram que as últimas Cartas datam do ano três de Tutankhamon, argumentando que 
este foi o ano da transferência da corte novamente para Tebas e consequente abandono de Akhetaton. A 
datação das cartas, no entanto, é bastante difícil, pois há assuntos, como as corregências, que devem ser 
levados em consideração e para os quais não há documentos comprobatórios. Sobre o ano três de 
Tutankhamon ver Kozloff, 1993, p. 48. Já sobre a corregência ver, por exemplo, Aldred, 2001, p. 191. 
22 
os “vassalos”10 ou Estados subordinados, pequenos reinos da Síria-Palestina que estavam 
sob domínio egípcio. 
Um dentre os muitos assuntos que podem ser debatidos por meio das Cartas de 
Amarna, quando analisadas em conjunto com outros documentos do mesmo período, é a 
solarização da figura dos Grandes Reis, não apenas no Egito, mas em toda a região da 
Síria-Palestina. É possível perceber, nos cabeçalhos das Cartas dos vassalos, a associação 
do rei ao sol: enquanto os Grandes Reis tratam o faraó como “irmão”, os vassalos dirigem- 
se a ele por meio de termos como “meu senhor” ou “meu sol”. A orientalista Beate 
Pongratz-Leisten sugere que tal identificação, no sul, como por exemplo no Egito, faz 
parte da criação de um discurso cosmotopográfico que busca invocar, por meio da 
trajetória do sol, a extensão geográfica do controle político de determinado rei em todas 
as quatro direções, enquanto no norte, como por exemplo no Hatti, isto reflete o equilíbrio 
entre o poder político e o poder regional (Pongratz-Leisten, 2013, p. 299). 
Um exemplo da extensão da solarização do rei ao norte pode ser encontrado em 
selos aediculae11 do rei hitita Suppiluliuma I (c. 1344-1322a.C.)12. Nestes, um disco solar 
alado é suportado em ambos os lados pelo hieróglifo para “rei”, semelhante a uma coluna, 
encimado por uma voluta, que significa “grande”. Próximo a cada conjunto há uma adaga, 
signo associado ao título “Labarna”. Um selo semelhante aparece em um edito de 
Suppiluliuma I, apresentado na figura 4, referente aos tributos anuais que Niqmaddu II, 
governante da cidade costeira de Ugarit, deveria enviar ao rei. 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 Utilizo aqui o termo “vassalo” para fazer referência aos governantes de Estados livres, mas que estavam 
diretamente subordinados ao rei egípcio. A utilização do termo é comum aos pesquisadores que estudam 
as relações internacionais do Egito durante a XVIII Dinastia por meio, principalmente, das Cartas de 
Amarna, e é útil no sentido de que expressa de maneira adequada a relação de dependência entre os 
governantes de pequenos Estados da Síria-Palestina e o Egito. 
11 A chamada forma aediculae foi criada durante o reinado de Suppiluliuma I. Trata-se de um selo composto 
de duas partes principais: um núcleo central, onde o nome do rei, juntamente com o epíteto de "o Grande 
Rei" é inscrito em hieróglifos, e uma inscrição cuneiforme que envolve o núcleo, onde os títulos e 
genealogia do rei são demonstrados (Yalcin, 2011, p. 524.). 
12 Suppiluliuma I foi um poderoso rei hitita que estabeleceu o controle do Hatti sobre a area que vai do 
oeste da Turquia ao norte da Síria. Suas conquistas são conhecidas a partir de um texto posterior ao seu 
reinado, “O Testamento de Suppiluliuma”, elaborado possivelmente por ordem de seu filho, Mursili II 
(Bienkowski, 2000, p. 280-281.) 
23 
 
 
Figura 4, p. Edito de Suppiluliuma I. In: Aruz, J.; Benzel, K. e Evans, J. M., 2008, p. 173. 
 
A solarização, tal como demonstrado até o momento, pode ser vista também como 
uma forma de exercer o poder utilizada pelo rei egípcio. Tal afirmativa também pode ser 
confirmada por meio da linguagem utilizada pelos governantes estrangeiros ao se referir 
ao faraó. Um exemplo bastante claro deste fato aparece na carta EA 147, repleta de 
elogios ao rei: 
 
Ao rei, meu senhor, meu deus, meu sol: Mensagem de Abi-Milki teu servidor. 
Eu caio aos pés do rei, meu senhor, sete vezes e sete vezes. Eu sou a poeira 
sob as sandálias do rei, meu senhor. Meu senhor é o sol que se eleva sobre 
todos os países dia após dia, da maneira (de ser) do sol, seu pai gracioso; que 
concede a vida por seu doce vento do norte; que estabelece a segurança sobre 
todos os países, pela força de seu braço: ha-ap-shi; que eleva seu grito para o 
céu como Baal, e todos os países se amedrontam com seu grito (Moran, 2004, 
p. 378). 
 
Assim, a identificação do rei ao sol foi utilizada como uma forma de dominação, 
o que relaciona a escolha do Aton e a simplificação de sua representação como partes de 
um projeto político-religioso que tinha como objetivo manter a soberania egípcia sobre 
os territórios conquistados ao longo da XVIII Dinastia. 
 
Considerações Finais 
 
Conforme se pode inferir por meio das fontes aqui analisadas, a adoção do Aton 
como divindade principal por Akhenaton pode ser entendida como um processo político- 
24 
religioso. Político porque a escolha da divindade levou ao aumento do poder real, já que 
somente por meio do rei era possível chegar ao deus – o que não era, conforme explica 
Ciro Cardoso (2011, p. 12), uma novidade da reforma amarniana, mas que se torna um 
ponto positivo exagerado a partir do momento em que a divindade é uma só e o faraó seu 
representante e intérprete exclusivo. Religioso porque justamente leva à adoção de um 
novo modelo religioso: prevê a centralização do culto a um único deus, mas sem deixar 
de lado a existência, defendo aqui, de outras divindades, dentre as quais estão o próprio 
faraó e sua esposa. 
O processo de solarização da religião passou também pela associação do rei ao 
sol, conforme pode ser inferido por meio das Cartas de Amarna, e nelas em especial a 
correspondência trocada entre o faraó e os estados vassalos. Já quando se trata dos 
Grandes Reis a relação é imediata, sendo estes descritos por meio de associações ao astro 
rei, tal como no caso do selo aedicula que contém o edito de Suppiluliuma I apresentado 
na figura 4. 
Por fim, a simplificação da representação do deus também pode ser associada ao 
processo político-religioso proposto por Akhenaton. A imagem do Aton – o disco solar 
com raios como se fossem braços terminados em mãos que levam o símbolo da vida ao 
faraó e à sua esposa – se para os egípcios impossibilitou a representação em três 
dimensões, para outros povos dominados pode ter funcionado como uma forma de 
assimilação do astro ao deus, e de sua trajetória como o espaço de seu domínio. Dessa 
maneira, o Aton percorreria todas as suas possessões ao longo do seu ciclo diário e 
confirmaria a autoridade egípcia sobre todas aquelas áreas. 
 
 
 
Bibliografia 
 
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26 
 
 
 
2 
 
 
 
Mitologia do Cosmos e o Egito de Wereshnefer 
 
 
Mauricio Schneider 
 
 
 
 
O Egito remete ao cenário do Nilo, esse rio benfazejo que é sinônimo de vida para 
muitos povos, de outrora ou de hoje, assentados em suas margens. No transcorrer de sua 
longeva história de mais de três milênios, e ainda que enfrentasse diversos momentos de 
crise, o povo egípcio antigo sempre encontrou no Nilo a artéria de seu desenvolvimento. 
Nação agrícola, considerado, e com toda justiça, “o celeiro do mundo antigo”, o Egito 
dos faraós extraía seu sustento através do cultivo da terra existente às margens do rio, cuja 
inundação anual em muito contribuía para a fertilização do solo – destacou-se, nesse 
particular, a rica produção do trigo. “O Egito é uma dádiva do Nilo”, proclama a célebre 
frase de Heródoto, mas nada se obtinha sem o trabalho árduo de milhares de camponeses 
humildes, realizadores anônimos da prosperidade nacional alardeada a todo canto por seu 
senhor terreno, o faraó. 
Encravado em meio ao ambiente hostil do deserto do Saara, o Nilo e suas margens 
de terra, verdejantes de cultivos, dão ao Egito o aspecto de um oásis esticado. E como tal, 
parece ser um genuíno milagre natural. Na mentalidade religiosamente regulada de seus 
antigos habitantes, tratava-se de um milagre operado pelos deuses. Todos os anos, o início 
da inundação (meados de julho) era aguardado com grande expectativa. Observavam-na 
atentamente em medidores especiais, os nilômetros – alguns ainda podem ser vistos junto 
das ruínas de certos templos. Uma subida desejável situava-se entre 5 e 7 metros. Do nível 
das águas dependia, pois, o futuro do país: se muito alto, destruiria canais e diques, 
avançaria sobre vilas e cidades, provocaria o atraso dos cultivos; sendo muito baixo, 
comprometeria a extensão das plantações, resultando em fome e carestia. Se o Nilo era 
simplesmente “o rio”, a boa inundação manifestava uma divindade, Hâpy, personificação 
27 
da fartura e da abundância, representada por uma figura andrógina carregando víveres. A 
terra escura banhada pelas águas, fonte de alimento, tipificava a vida;1 o deserto 
adjacente, seco e inóspito, lembrava a morte. 
Na cosmovisão egípcia, o Nilo divide relevância com outro elemento natural: o 
sol. Fonte de calor para todas as criaturas, luz poderosa que dissipa as trevas, força 
abrasadora que não se pode controlar, o disco solar em seu espetáculo cruzando o céu era 
entendido como a manifestação por excelência da energia que engendra a vida – um 
verdadeiro e supremo deus, seja chamado de Rá ou por outros nomes. 
Nas águas e no sol, os egípcios reconheceram as fontes de tudo o que existe. No 
princípio nada havia senão Nun, as águas primordiais, turbulentas, envoltas na mais 
completa escuridão. Das águas elevou-se então um montículo de terra onde apareceu, 
auto-gerado, o deus-sol – a primeira manhã –, que começou a criar tudo o que existe: o 
céu e a terra, o Nilo e as montanhas, os deuses e as deusas, os animais e as plantas, os 
homens e aquilo que necessitam em sua existência, também as forças mágicas, para sua 
proteção. 
Não surpreende que entre os antigos egípcios – esse “povo mais religioso que 
existe”, segundo Heródoto – o entendimento do mundo tenha suscitado diversas 
especulações em bases mitológicas, a começar pelo problema das origens. Como bem 
postulou Leonard Lesko (2002, p. 110), se a tarefa dos pensadores faraônicos era 
filosófica e teológica, “seu modo de expressão era mitológico”. Ao longo da história 
egípcia, surgiram diferentes concepções cosmogônicas (relativas à criação), não raro 
concomitantes, com os grandes centros religiosos procurando afirmar sua divindade como 
supremo demiurgo – temática essa das mais ricas do pensamento faraônico, e objeto de 
inúmeros e recorrentes estudos (Allen, 1988; Bickel, 1994; Lesko, 2002; Traunecker, 
2004). Ainda que guardando suas especificidades, ou sendo contraditórias, essas 
concepções apresentam diversos elementos comuns, repetindo por milênios certas 
tradições, sobretudo aquelas herdadas dos teólogos da antiga cidade de Yunu, a Helópolis 
dos gregos, centro do culto do deus-sol.2 A “Cosmogonia de Khonsu”, por exemplo, que 
data do 1º milênio a.C., era senão uma síntese de conceitos locais tebanos com a doutrina 
heliopolitana, quase dois mil anos mais antiga (Cruz-Uribe, 1994). 
 
 
1 Um dos nomes do Egito era justamente Kemet, ou “Terra Negra”. 
2 Além de Heliópolis, as cosmogonias mais originais foram aquelas dos teólogos de Hermópolis, que 
atribuíam a criação à Ogdoade (as oito divindades casais), e de Mênfis, tendo Ptah como supremo criador. 
28 
Considerado em suas características particularmente físicas, que mundo egípcio é 
esse, criado pela vontade divina? Adentramos aqui no tema central de nossa discussão 
nesse volume: a cosmologia faraônica e suas implicações míticas. 
Dada à importância do Nilo, era natural que o entendimento espacial egípcio 
tomasse por base o curso do rio. Era pela geografia do Nilo que os antigos habitantes se 
situavam, se orientavam. Seu país, concebiam, era formado pelas “Duas Terras”, isto é, 
as duas regiões observadas na paisagem fluvial. A antiga cidade de Yebu – a Elefantina 
dos gregos, junto da moderna Aswan –, marcava o limite meridional de Ta-Shemau, isto 
é, a “Terra dos Juncos”, a porção sul do território, região do vale do Nilo, que hoje 
designamos de Alto Egito. Até o Fayum, distante centenas de quilômetros mais ao norte, 
faixas de terra de poucos quilômetros seguem paralelas ao rio em suas duas margens. O 
solo agricultável termina abruptamente no deserto arenoso, com escarpas rochosas por 
vezes marcando o encontro entre os dois ambientes. Contavam-se ali 22 sepat, ou distritos 
faraônicos, que os gregos chamaram nomos. Para além de Mênfis adentrava-se em Ta- 
Mehu, a “Terra dos Papiros”, ou Baixo Egito, com outros 20 distritos. Essa porção norte 
é a região do Delta do Nilo, onde o rio se divide em vários braços que seguem a 
desembocar no Mar Mediterrâneo. O terreno fértil vai ali se tornando bastante alargado, 
formando um enorme triângulo invertido, cuja parte mais setentrional era dominada, pelo 
menos nos tempos mais antigos, por pântanos impenetráveis. 
Com a maioria das localidades situando-se às margens do rio,a navegação 
sobressaía como o meio de transporte por excelência nos tempos faraônicos – de pessoas, 
de mercadorias, das mais variadas coisas. No idioma egípcio, o verbo khenti significava 
“subir (o Nilo)”, isto é, navegar contra a correnteza, sendo a maneira de expressar “ir para 
o norte”; inversamente, “ir para o sul” dizia-se khedi, literalmente “descer (o Nilo)”, 
navegar pela correnteza. A palavra para “oeste” é a mesma para “direita”, do mesmo 
modo que “leste” equivale à “esquerda”, o que demonstra que a orientação dos egípcios 
era voltada para o sul, ou seja, para a fonte, ainda que mal concebida, do Nilo (Allen, 
2003, 23). 
Em diferenciação à paisagem plana do Egito, as terras estrangeiras eram marcadas 
na escrita como lugares montanhosos, mesmo que tal consideração escapasse à realidade. 
Ao norte do país, abria-se o “Grande Verde”, isto é, o Mar Mediterrâneo, também 
chamado “o grande circundador”, definição que, como lembrou Lesko (2002, p. 142), 
“parece ter sido um protótipo do grego okeanós.” 
29 
O Egito, os outros países, os mares de águas salgadas – nesse mundo perceptível, 
incluíam-se também os elementos que o egípcio, incapacitado ao pleno entendimento, 
lançou-se ao campo imaginativo: 
 
O céu foi objeto de detalhada especulação. Com nada mais do que o olho nu 
para se basear, os observadores egípcios viram-no como a superfície de um 
vasto corpo de água – como o Nilo ou o mar, azul durante o dia e negro durante 
a noite. [...] As especulações sobre a natureza dessa expansão celestial 
centraram-se no céu à noite, provavelmente porque exibe mais características 
diversificadas do que o trecho ininterrupto do costumeiro céu diurno do Egito. 
As estrelas, como o sol, aparentemente se moviam pelo céu durante a noite e 
no decorrer do ano, e por essa razão foram vistas como viajantes sobre a 
superfície, ao invés de elementos fixos de sua topografia. (Allen, 2003, p. 24). 
 
Buscando compreender o mundo visível, e também aquele que se julgava existir 
além dos limites percebidos, o gênio egípcio produziu outras respostas cujos 
protagonistas eram suas múltiplas divindades. Que era a inundação do Nilo senão as 
lágrimas de Ísis em pranto pela morte de Osíris? (Derchain, 1970). Nesse sentido, a 
interpretação de elementos e fenômenos naturais, ou de eventos cósmicos, integrava-se à 
rica e complexa mitologia: 
 
os eventos cósmicos são muitas vezes interpretados através da mitologia. Isso 
ocorre não somente na forma de etiologias explicando a razão para o estado 
atual do cosmos, mas também como incidentes mitológicos conectados com 
eventos recorrentes. Eventos míticos conectam-se com regiões cósmicas 
específicas, frequentemente os horizontes do outro-mundo, e com tempos 
específicos: um dos casos mais conhecidos é o uso da mitologia do olho de 
Hórus para interpretar o crescente e o minguante lunar. (Jorgensen, 2011, p. 
74). 
 
No conjunto das especulações mítico-cosmológicas, dois temas ganham 
relevância: a separação do céu e da terra e a jornada do astro solar. 
Tendo se erguido do montículo de terra nas águas de Nun, o deus-sol, em seu 
nome de Rá-Temu, criou Shu e Tefnut. Esse primeiro casal divino gerou outro par, Gueb 
e Nut. Desaprovando a união amorosa dos filhos, segundo certa versão, Shu colocou-se 
entre eles, erguendo Nut, que se tornou o céu, e mantendo Gueb aos seus pés, tornando- 
o a terra. Shu, por sua vez, passou a personificar o ar, o vento, a atmosfera. Descrita desde 
a literatura funerária do 3º milênio a.C. (os “Textos das Pirâmides”), essa alegoria mítica 
do mundo físico tornar-se-ia, muitos séculos depois, um motivo iconográfico recorrente 
nos papiros e ataúdes decorados (Englund, 1974) – imagem bem distinta dos sinais 
hieroglíficos indicativos de “céu” (um dossel com apoios) e “terra” (uma extensão plana). 
30 
Nut era parte integrante do tempo cíclico egípcio. Quando se erguia no horizonte 
oriental a cada manhã, o astro solar – mais propriamente, o deus-sol – iniciava sua 
“navegação” pelo corpo arqueado da deusa, até ser engolido por ela ao entardecer. No 
interior de Nut, o deus-sol prosseguia em seu trajeto noturno, para então ser parido ao 
nascer do dia – ou criado numa roda de oleiro, segundo outra tradição (Dorman, 1999). 
Sobre essa mística jornada, explicou Lesko (2002, p. 144-145): “O sol egípcio, que os 
estudiosos modernos descrevem como um disco, na verdade era concebido como uma 
esfera, como fica claro nos antigos baixo-relevos. Para os criadores de mitos, o ‘disco’ 
necessitaria de asas ou de um besouro para sua propulsão, e poderia tanto ser uma barca 
quanto conter uma barca.” 3 
O percurso cíclico do deus-sol foi tema, ao longo dos séculos, de diversas 
composições mitológicas (Hornung, 1999). O “Livro dos Dois Caminhos”, que data do 
Médio Reino, é um desses guias para o espírito bem-aventurado acompanhar a jornada 
solar. Espécie de mapa do outro-mundo, nele são descritos os espaços que se alegava 
existir no interior do céu – lugares como Rosetau, Duat e Imhet, também os “Campos da 
Paz”: 
 
A maior parte do mapa indicava o caminho seguido pelo deus-sol, com seus 
acólitos e seguidores, em sua viagem, primeiro de leste para oeste, ao longo 
de um canal azul que atravessava a parte interna do céu, e depois de volta, de 
oeste para leste, num caminho por uma região escura através da parte externa 
do céu. Os percursos descritos nesse livro e em guias posteriores de túmulos 
reais do Novo Império (Amduat, Livro dos Portões, Livro das Cavernas) eram 
povoados por demônios cujos nomes e características tinham que ser 
conhecidas, para que se pudesse superar os obstáculos e portões que eles 
aguardavam. Quem não conseguisse passar por eles com sucesso, também não 
poderia continuar para sempre nessa jornada cíclica. O principal obstáculo a 
ser enfrentado era o demônio Apophis, uma serpente gigantesca que ameaçava 
devorar o sol, uma personificação que refletia claramente a familiaridade dos 
antigos egípcios com os eclipses solares. (Lesko, 2002, p. 145). 
 
Do interesse mítico-cosmológico, e também funerário, resultou a preocupação não 
apenas em descrever textualmente – a começar pelos “Textos das Pirâmides” (Allen, 
1989) –, mas também o de representar artisticamente os espaços e lugares que se 
acreditava existir no mundo, visível ou oculto. Nesse sentido, as vinhetas ilustrativas que 
acompanham o “Livro dos Dois Caminhos” constituem a primeira expressão, por assim 
 
3 Admite-se que a natureza tenha inspirado diversas concepções religiosas egípcias. O sol a navegar pelo 
céu referenciava-se na visão dos barcos singrando as águas do Nilo; do mesmo modo, o montículo do qual 
se elevou o deus-sol em meio às águas de Nun remetia às porções de terra mais elevada que, ao retroceder 
da inundação, iam despontando na paisagem. 
31 
dizer, da cosmografia mitológica egípcia (O’Connor, 2012; Robinson, 2003). As fontes 
imagéticas mais elaboradas, entretanto, são aquelas das composições supracitadas nos 
túmulos faraônicos do Novo Reino (situados no “Vale dos Reis”). Nota-se ali que a 
disposição do material seguia um padrão simbólico associado à arquitetura tumular – tudo 
para que o soberano, em sua vida eterna, compartilhasse a experiência divina (Wilkinson, 
1994). Na doutrina funerária, a viagem noturna do sol resultava, pois, no encontro entre 
Rá e Osíris, o que remetia ao tema da ressurreição da alma (Janák, p. 2003). Já os inimigos 
divinos, os partidários de Apophis, estavam destinados ao sofrimento, ao castigo eterno: 
jaziam consumidos pelas chamas, as cabeças decepadas, os membros despedaçados em 
grandes caldeirões – a imagem mais próxima, vinda do Egito Antigo, do “inferno” cristão 
(Hornung, 1994). 
Em que pese todo o misticismo das composições, é notável a tentativa dos 
teólogos de racionalizar certos conteúdos: em meio às descrições da jornada do deus-sol, 
o passar de cada hora do dia ou da noite, encontramos textos que seapresentam como 
genuínos trabalhos científicos de sua época – resultam, de fato, de interessada observação 
astronômica. O exemplo mais célebre nesse sentido é o “Livro de Nut”, nome 
egiptológico para o antigo “Fundamentos do Curso das Estrelas” (Von Lieven, 2010).4 
Trata-se de um descritivo do movimento do sol, das estrelas e da paisagem celestial, 
visível ou oculta. Predomina, de todo modo, a especulação mitológica tradicional. Diz a 
passagem relativa ao movimento noturno dos astros: 
 
Quando a encarnação desse deus adentra é em sua primeira hora da noite, 
tornando-se poderoso novamente no abraço de seu pai Osíris, e lá se tornando 
purificado. 
Quando a encarnação desse deus descansa da vida no Duat é em sua [i.e., de 
Nut] segunda hora de gravidez. Então a encarnação desse deus está 
governando os ocidentais, e dando ordens no Duat. 
Então a encarnação desse deus sai na terra novamente, tendo chegado ao 
mundo, o jovem, seu poder físico tornando-se grandioso mais uma vez, como 
na primeira ocasião em seu estado primordial. Então ele se desenvolveu no 
grande deus, o disco solar alado. 
Quando esse deus navega até os limites da bacia do céu, ela faz com que ele 
entre novamente na noite, no meio da noite, e ele navega dentro da escuridão, 
essas estrelas estão atrás dele. 
Quando a encarnação desse deus entra em sua boca, dentro do Duat, ela 
permanece aberta depois dele navegar para dentro dela, de modo que essas 
 
 
4 Conhecido por registros monumentais e também em papiro, essa composição atravessou milênios sob 
grande interesse dos egípcios. O exemplo mais antigo, no templo de Seti I em Ábidos, data de cerca de 
1320 a.C., mas admite-se que o original recue aos tempos do Antigo Reino. Foi copiado também no túmulo 
de Ramsés IV no “Vale dos Reis”. 
32 
estrelas navegantes possam entrar depois dele e aparecer depois dele.” (Allen, 
1988, p. 2). 
 
O Duat, espaço próprio de deuses e espíritos, remete à dificuldade dos antigos em 
lidar com seus conceitos: se no “Livro de Nut” ele se situa dentro do corpo da deusa, em 
outras fontes textuais é colocado abaixo da terra, constitui sua contraparte subterrânea. 
Seja como for, o “Livro de Nut”, que pode ser considerado a síntese da cosmologia 
egípcia, define o mundo como formado de três partes: 
 
Juntos, o céu, a terra e o Duat compõem o mundo do egípcio antigo – uma 
espécie de ‘bolha’ de ar e luz no interior senão da infinidade inviolável das 
águas escuras. Esses elementos formam o fundamento para a compreensão 
egípcia do ciclo da vida e do destino humano, determinado pelo drama diário 
do nascer e pôr-do-sol. São eles também o ponto de partida para toda a 
especulação egípcia a respeito das origens do universo. (Allen, 1988, p. 7). 
 
Mas qual o lugar do Egito, mais precisamente, nesse mundo? Chegou-nos, 
felizmente, uma preciosa fonte imagética esclarecedora da questão, uma cosmografia que, 
a despeito da datação tardia, se fundamenta nas concepções egípcias mais tradicionais. 
 
 
 
Representação do Cosmos Egípcio. Sarcófago de Wereshnefer, 30ª dinastia. Metropolitan Museum of Art, 
Nova York. In: Ramson, 1914, p. 117. 
33 
A cerca de 30 Km sul do Grande Cairo, na margem oeste do Nilo, situam-se as 
ruínas da antiga Mênfis. Contígua à cidade está sua necrópole, Saqqara, que durante toda 
a história faraônica serviu como local de sepultamento para egípcios dos mais variadas 
estratos sociais. Em 1912, escavações lá conduzidas pelo antigo Serviço de Antiguidades 
do Egito revelaram o túmulo de um certo Wereshnefer, sacerdote que viveu em fins da 
30ª dinastia (380-343 a.C.). Da sepultura, violada, proveio um belíssimo sarcófago 
retangular talhado em pedra dura (granodiorito). Um ano depois, o governo egípcio 
decidiu pela venda do artefato, que seguiu para os EUA, onde passou a integrar a extensa 
coleção de antiguidades faraônicas do Metropolitan Museum of Art, em Nova York 
(inventário MMA 14.7.1), permanecendo em exibição até hoje (Arnold, 1997). A 
descrição acadêmica do artefato coube a Caroline Ransom, a primeira egiptóloga 
profissional das Américas (Ransom, 1914).5 
Como típico das peças do gênero no período (Manass,, p. 2007), o sarcófago de 
Wereshnefer é um trabalho massivo e esmerado, ricamente decorado, na tampa e na cuba, 
com imagens e inscrições mitológicas em relevo inciso. Predominam as cenas e textos 
relativos ao percurso noturno do deus-sol no Duat, passagens do “Livro do Amduat”, 
cujos protótipos decoravam, séculos antes, os túmulos do “Vale dos Reis”. Na tampa, em 
meio às representações tornadas regulares, sobressai uma imagem única: o “mapa” do 
mundo combinando a essência da cosmologia faraônica (Allen, 2003, p. 28-29). Vejamos 
em detalhes os elementos da cena, reproduzida à página XX. 
Delimitando o conjunto figurativo, sobressai uma grande e bela imagem de Nut, 
em sua característica personificação de deusa do céu: uma figura feminina nua, o corpo 
arqueado (o semicírculo do horizonte), apoiando-se nos pés e nos dedos das mãos 
esticadas até o solo. Dentro do corpo aparecem estrelas e discos solares ladeados de 
serpentes protetoras – os corpos celestiais em seu movimento noturno, oculto aos 
humanos. Um disco solar com serpentes, desta vez alado (próprio ao movimento),6 
aparece entre as pernas de Nut, outro junto da boca: referências ao nascer e pôr-do-sol, 
 
 
5 Caroline Louise Ransom Williams (1872-1952) recebeu o PhD pela Universidade de Chicago, em 1905 
– o primeiro em Egiptologia concedido a uma mulher nos EUA. Foi aluna de Adolf Erman, em Berlim, e 
James Breasted, em Chicago, e ao longo de sua carreira compartilhou experiências com muitos outros 
egiptólogos eminentes. Curadora no Metropolitan Museum, estudou igualmente as coleções egípcias de 
outras instituições, incluindo o Museu do Cairo. Foi também a primeira mulher a integrar o Epigraphic 
Survey, que registrava os monumentos na margem oeste de Luxor, tendo atuado no templo de Ramsés III 
em Medinet Habu. 
6 O sol alado é um dos símbolos mais característicos dos egípcios, associando o deus-sol Rá com a mitologia 
do deus-falcão Hórus Behedety. 
34 
os atos de parir e engolir o astro. Na descrição do artefato, Caroline Ransom não se 
conteve de elogiar o valor artístico da imagem: 
 
a forma da área permitiu que o artista fizesse uso de proporções mais 
convincentes, ainda que irreais, com a terminação arredondada da tampa 
permitindo a bela curva ascendente das costas da deusa. A elasticidade e o 
perfeito balanço da figura satisfazem o senso estético, e a grandeza e 
graciosidade da concepção apelam para a imaginação.” (Ransom, 1914, p. 
118). 
 
Na parte inferior, em contraste com a posição de Nut, vemos Gueb, o deus da 
terra, representado de modo bastante original. De duas pernas surgem dois grandes braços 
estendidos, as palmas das mãos esticadas, tendo um olho no ponto em que as partes 
corpóreas se encontram. Trata-se aqui de um recurso recorrente na arte faraônica, um 
rébus hieroglífico, uma “charada” pelas formas da escrita (Wilkinson, 1992): os braços 
esticados constituem, em verdade, a forma característica dos braços do ka (o duplo 
espiritual egípcio), enquanto as pernas indicam o hieróglifo para o fonema b, do que 
resulta o conjunto kab – era dessa maneira que se pronunciava o nome do deus nas últimas 
dinastias. Junto dos braços do ka desponta a face de Gueb, em visão frontal – o hieróglifo 
her –, encimada pelo disco do sol. Ele lança outros braços em gesto de sustento ao mundo 
acima dele. 
Sob o corpo de Nut vemos Shu, o deus da atmosfera, também representado com a 
face vista de frente, os braços esticados formando uma linha reta em sustento ao céu, com 
sóis alados perto das mãos, em referência ao astro em seu movimento diurno. Outro 
grande sol alado, recheado de estrelas – o sol em seu aspecto noturno –, se posta 
imponente acima da cabeça do deus. 
O mundo em si aparece como um enorme círculo, ideia inspirada na jornada solar,

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