Prévia do material em texto
AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA Maringá 2010 editorA dA universidAde estAduAl de MAringá Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini conselho editoriAl Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científicos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis equipe técnicA Projeto Gráfico e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Antiguidade oriental e clássica: economia, sociedade e cultura Maringá 2010 Antiguidade oriental e clássica: economia, sociedade e cultura 7 históriA e conhecimento Renata Lopes Biazotto Venturini (ORGANIZADORA) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) histÓriA e conheciMento Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Tania Braga Guimarães Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio Leonardo Marques Eliane Arruda Antiguidade oriental e clássica: economia, sociedade e cultura / Renata Lopes Biazotto Venturini, organizadora.-- Maringá: Eduem, 2010. 138p. : Il. color. fot. (Coleção história e conhecimento; n. 7) ISBN: 978-85-7628-294-5 1. História antiga – Estudo e ensino. 2. Egito antigo. 3. Antiguidade oriental. – Estudo e ensino. 3. Roma antiga. 4. Gregos antigos. I. Venturini, Renata Lopes Biazotto, org. CDD 21. ed. 930 A629 Endereço para correspondência: eduem - editora da universidade estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br Copyright © 2010 para o autor 1a reimpressão - 2012 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem. 3 Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro cApÍtulo 1 O Egito Antigo Raquel dos Santos Funari / Julio Gralha cApÍtulo 2 Os gregos antigos José André Banhos / João A. Rocha cApÍtulo 3 Roma Antiga Maria Luiza Corassin cApÍtulo 4 A crise do século III e o fim do Império Romano: uma discussão historiográfica Jaime Estevão dos Reis / Diego Henrique Sanches da Silva cApÍtulo 5 Testemunhos e documentos Renata Lopes Biazotto Venturini / Tiago França > 05 > 07 > 09 > 13 > 37 > 95 > 65 > 117 umárioS 5 DIEgO HEnRIquE SAncHES DA SIlvA graduado em História pela universidade Estadual de Maringá. Desenvolveu projetos em Antiguidade Romana no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação científica – PIBIc – cnPq/uEM. Integra o laboratório de Estudos Antigos e Medievais – lEAM. JAIME ESTEvãO DOS REIS Professor de História Medieval da universidade Estadual de Maringá – uEM. Mestre e Doutor em História e Sociedade pela universidade Estadual Paulista – unESP, câmpus de Assis (SP). É coordenador do laboratório de Estudos Antigos e Medievais – lEAM, do Departamento de História / uEM. JOãO A. ROcHA Mestrando em Educação pela universidade Federal de São carlos-ufscar. Professor de Filosofia do Ensino Médio da Rede Pública do Estado de São Paulo e professor de Filosofia de Ensino a Distância das Faculdades claretianas, em São José do Rio Preto/SP. JOSÉ AnDRÉ BAnHOS Professor de História do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública do Estado de São Paulo e do grupo Objetivo, em catanduva/SP. Pós-graduando em Planejamento, Implementação e gestão da Educação a Distância, em nível lato sensu, pela uFF, e mantenedor do núcleo Educacional Jean Piaget, em catanduva/SP. JulIO gRAlHA Professor substituto do Departamento de História do Instituto de Filosofia e ciências Humanas da universidade do Estado do Rio de Janeiro – IFcH/uERJ, e vice-coordenador do núcleo de Estudos da Antiguidade - nEA. obre os autoresS RAquEl DOS SAnTOS FunARI Pós-doutoranda do Departamento de História do Instituto de Filosofia e ciências Humanas da universidade de campinas – IFcH-unicamp. MARIA luIzA cORASSIn Docente de História Antiga da Faculdade de Filosofia, letras e ciências Humanas da universidade de São Paulo – FFlcH/uSP. Desenvolve atividade docente na Pós-graduação em História Social, na uSP, orientando pesquisas em nível de Mestrado e Doutorado em Antiguidade Romana. REnATA lOPES BIAzOTTO vEnTuRInI Professora de História Antiga da universidade Estadual de Maringá (uEM). Mestre em História e Sociedade (unESP - Assis). Doutora em História Social (uSP). Integra o laboratório de Estudos Antigos e Medievais - lEAM, do Departamento de História da uEM. TIAgO FRAnçA Professor de Metodologia da Pesquisa na Faculdade Maringá (PR). graduado em História pela universidade Estadual de Maringá – uEM. Integra o laboratório de Estudos Antigos e Medievais – lEAM. 7 A coleção História e Conhecimento é composta de 42 títulos, que serão utiliza- dos como material didático pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatura em História, Modalidade a Distância, da Universidade Estadual de Maringá, no âmbito do sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB), que está sob a responsabilidade da Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES). A utilização desta coleção pode se estender às demais instituições de Ensino Su- perior que integram a UAB, fato que tornará ainda mais relevante o seu papel na for- mação de docentes e pesquisadores, não só em História mas também em outras áreas na Educação a Distância, em todo o território nacional. A produção dos 42 livros, a qual ficou sob a responsabilidade da Universidade Estadual de Maringá, teve 38 títulos a cargo do Departamento de História (DHI); 2 do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP); 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE); e 1 do Departamento de Letras (DLE). O início do ano de 2009 marcou o começo do processo de organização, produção e publicação desta coleção, cuja conclusão está prevista para 2012, seguindo o cro- nograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Num primeiro momento, serão impressos 294 exemplares de cada livro para atender à demanda de material didático dos que ingressaram no Curso de Graduação em História a Distância, da UEM, no âmbito da UAB. O traço teórico geral que perpassa cada um dos livros desta coleção é o compro- misso com uma reconstrução aberta, despreconceituosa e responsável do passado. A diversidadee a riqueza dos acontecimentos da História fazem com que essa reconstru- ção não seja capaz de legar previsões e regras fixas e absolutas para o futuro. No entanto, durante a recriação do passado, ao historiador é dado muitas vezes descobrir avisos, intuições e conselhos valorosos para que não se repitam os erros de outrora. No transcorrer da leitura desta coleção percebemos que os livros refletem várias matrizes interpretativas da História, oportunizando ao aluno o contato com um ines- timável universo teórico, extremamente valioso para a formação da sua identidade intelectual. A qualidade e a seriedade da construção do universo de conhecimento desta coleção pode ser tributada ao empenho mais direto por parte de cerca de 30 organizadores e autores, que se dedicaram em pesquisas institucionais ou até mesmo presentação da coleçãoA AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 8 em dissertações de mestrado ou em teses de doutorado nas áreas específicas dos livros que se propuseram a produzir. Esta coleção traz um conhecimento que certamente marcará positivamente a for- mação de novos professores de História, historiadores e cientistas em geral, por meio da Educação a Distância, o qual foi fruto do empenho de pesquisadores que viveram circunstâncias, recursos, oportunidades e concepções diferentes, temporal e espacial- mente. Como corolário disso, seria justo iniciar os agradecimentos citando todos aqueles que não poderiam ser nominados nos limites de uma apresentação como esta. Roga- mos que se sintam agradecidos todos aqueles que direta, indireta ou mesmo longin- quamente, quiçá os mais distantes ainda, contribuíram para a elaboração deste rico rol de livros. Além do agradecimento, registramos também o reconhecimento pelo papel da Rei- toria da UEM e de suas Pró-Reitorias, que têm contribuído não apenas para o êxito desta coleção mas também para o de toda a estrutura da Educação a Distância da qual ela faz parte. Agradecemos especialmente aos professores do Departamento de História do Cen- tro de Ciências Humanas da UEM pelo zelo, pela presteza e pela atenção com que têm se dedicado, inclusive modificando suas rotinas de trabalho para tornar possível a maioria dos livros desta coleção. Agradecemos à Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aper- feiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), e ao Ministério da Educação (MEC) como um todo, especialmente pela gestão dos recursos e pelo empenho nas tramitações para a realização deste trabalho. Outrossim, agradecemos particularmente à Equipe do NEAD-UEM: Pró-Reitoria de Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe técnica. Despedimo-nos atenciosamente, desejando a todos uma boa e prazerosa leitura. Moacir José da Silva Organizador da coleção 9 O tema deste livro é bastante amplo, não apenas pela abrangência do assunto como também pelo longo período que pretende abordar – entre os três primeiros milênios da história do Egito e a crise do Império Romano. Ao lado dessa longevidade encontra-se um vasto espaço geográfico, que se esten- deu por praticamente toda a bacia do mar Mediterrâneo, atingindo a Ásia, o Oriente Médio, a África e a Europa. Não se trata, entretanto, da construção de uma história cronológica do mundo an- tigo. Privilegiamos temas correntes na historiografia – economia, sociedade, política, cultura –, integrados ao estudo da História Antiga no seu conjunto. É um livro subje- tivo, na medida em que a escolha dos temas e da documentação foi influenciada pelo interesse de seus colaboradores. Raquel dos Santos Funari e Julio Gralha são responsáveis pelo primeiro capítulo, intitulado “O Egito Antigo”. Nele podemos reconhecer o fascínio que envolve a civili- zação dos egípcios nos dias atuais, acompanhado da necessidade de se refletir sobre sua trajetória histórica mediante as fontes disponíveis. Quem eram os gregos, a explicação sobre o modo como se desenvolveram aspec- tos da sua organização material, social, política, cultural, bem como os períodos que definem sua história são temas apresentados por José André Banhos e João A. Rocha. Termos como cidadania, tirania e democracia são situados em seu tempo e espaço, em reconhecimento à constante reflexão que acompanha o ofício do historiador. Os romanos são objeto de estudo e reflexão no terceiro capítulo do livro. Nele, Maria Luiza Corassin apresenta um quadro geral da sociedade e da política ao longo dos períodos da história de Roma. A “sociedade romana”, tal como descreve a autora, recobre e reconhece a diversidade das concepções políticas, sociais, econômicas, reli- giosas e culturais dos habitantes do Império Romano. O debate historiográfico que envolve a discussão em torno da crise do século III e o “fim do Império Romano” é analisado no trabalho conjunto de Jaime Estevão dos Reis e Diego Henrique Sanches da Silva. A ideia de decadência formulada desde a época do Iluminismo, passando pelo olhar dos humanistas e dos historiadores contemporâ- neos, reforça a necessidade de se reconhecer um processo complexo, que resultou na centralização do poder, na polarização da sociedade, segundo a qual foi demarcada a diferença entre ricos e pobres, e na consolidação do pensamento cristão. presentação do livroA AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 10 O último capítulo, escrito por Renata Lopes Biazotto Venturini e por Tiago França, tem uma proposta instrumental. A seleção e a tradução de documentos respeitam os assuntos abordados pelos demais autores no conjunto do livro. Embora desigual- mente distribuída, existe uma abundante documentação a respeito do mundo antigo, tanto o Oriental quanto o Clássico, principalmente quando consideramos o profícuo diálogo entre essas fontes, nas suas diferentes formas: materiais ou escritas. Os cinco capítulos que compõem este livro têm por objetivo despertar o leitor para o desejo de conhecer e saber a respeito da Antiguidade Oriental e Clássica. Cada autor contribuiu no campo de suas especialidades, oferecendo abundantes referências bibliográficas para orientação e enriquecimento intelectual do público leitor. Gostaríamos, por fim, de prestar nossos agradecimentos a todos os que permitiram o estabelecimento dos sólidos alicerces sobre os quais este livro foi construído. Esten- demos nosso reconhecimento ao trabalho de coordenação que vem sendo desempe- nhado pelo Professor Doutor Moacir José da Silva, sempre disposto a nos orientar para a concretização deste trabalho. Renata Lopes Biazotto Venturini Organizadora 11 Toda arte é um diálogo. Tal como o interesse no passado. E como uma das partes vive e compreende de uma maneira contemporânea, pela sua própria existência, parece igualmente inerente à existência humana voltar-se e regressar ao passado (por mui- to que vozes poderosas nos incitem a abdicar dele). Quanto mais atentamente escutamos e nos tornamos conscientes de seu antanho, mesmo da sua quase ina- cessibilidade, mais carregado de significado o diálogo se torna. (Moses Finley) 13 Raquel dos Santos Funari / Júlio gralha introdução O Egito antigo fascina desde a própria Antiguidade. O historiador grego Heródoto de Halicarnasso (484-425 a.C.) testemunha esse encantamento (thoma, em grego): “no que se refere ao Egito, falarei em detalhe, pois em nenhum outro lugar há tantas coisas maravilhosas (pleista thomasia), nem, em todo mundo, há tantas obras de in- descritível grandeza” (Heródoto, Histórias, 2, 35). Hoje, em pleno século XXI, mais de 8 milhões de turistas estrangeiros visitam o país, quase todos atraídos pelos vestígios arqueológicos do período faraônico. No Brasil existem grupos de pesquisa sobre o Egito antigo, formam-se pesquisadores nas universidades, e o tema está sempre pre- sente na mídia, o que caracteriza uma presença egípcia muito variadae dispersa, como constata a estudiosa gaúcha Margaret Bakos, líder de um grupo de pesquisa sobre o tema. Neste capítulo, vamos apresentar a trajetória do Egito faraônico, suas principais características culturais, políticas e sociais, assim como trataremos, ainda que de forma breve, da presença do Egito em nossos dias. Antes, convém deixar claro qual a perspectiva adotada por nós. Não se pode co- nhecer o passado senão a partir de pontos de vista e pressupostos. Não se pode voltar ao passado tal como ele foi, e, mesmo que isso fosse possível, não o poderíamos descrever senão com nossos olhos. Por isso tudo, é bom explicitar nossa abordagem. Para nós, para estudar o passado é necessário um exercício tanto de aproximação quanto de distanciamento. Por um lado, como veremos, não se pode conhecer o Egito antigo sem irmos às fontes, aos documentos. Precisamos, além disso, de uma dose de empatia para que tentemos entender como aquela civilização pôde construir obras tão magníficas, assim como sobreviver por tantos milênios. Por outro lado, não podemos perder de vista que os egípcios antigos eram diferentes de nós, tinham especificidades que apenas podemos tentar entender. Como enfatiza o egiptólogo britânico Ian Shaw, a atração da antiga cultura egípcia está na sua combinação de coisas exóticas e fami- liares. Por isso mesmo, começamos nosso capítulo com as fontes e com a história do estudo do Egito antigo, para, em seguida, aí sim, irmos à trajetória histórica, tal como a interpretamos. O Egito Antigo1 AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 14 Mapa do egito Antigo Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.mfa.org/egypt/explore_ancient_egypt/ map.jpg&imgrefurl=http://www.mfa.org/egypt/explore_ancient_egypt/learn_map.html&usg=__0K_ ptp7kitphBkttx-orqpa2sgw=&h=706&w=500&sz=91&hl=pt-Br&start=42&um=1&itbs=1&tbnid=Yln2uf quoprZgM:&tbnh=140&tbnw=99&prev=/images%3Fq%3dancient%2Begypt%2Bmap%26start%3d21% 26um%3d1%26hl%3dpt-Br%26sa%3dn%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26ndsp%3d21%26tbs %3disch:1 A histÓriA do estudo do egito FArAônico e As Fontes O Egito faraônico era conhecido no Ocidente, até o final do século XVIII, por duas grandes categorias de fontes: a Bíblia e os textos de autores gregos e latinos. O texto sagrado foi usado para o conhecimento do Egito, mas as informações relativas à vida egípcia eram encaradas, do ponto de vista religioso, como se fossem relatados fatos históricos, como no caso do êxodo dos hebreus. Hoje, no século XXI, a maioria dos egiptólogos considera que não há qualquer evidência de historicidade nessas referên- cias bíblicas, mas por muito tempo foram tomadas como indicações seguras. As fontes gregas e latinas foram muito utilizadas, com destaque para Heródoto, que dedicou ao Egito todo um livro da sua obra, escrito por volta de 430 a.C., para relatar a sucessão das dinastias egípcias, desde o primeiro faraó. O historiador Diodoro da Sicília (90-21 15 a.C.) e o geógrafo Estrabão (63 a.C.- 24 d.C.) descreveram também aspectos históricos, geográficos e culturais. Todos esses autores viveram na fase final do período faraôni- co ou após ele, e suas informações provinham do contato que puderam ter com os próprios egípcios daquela época. Além dessa limitação, como observadores externos da cultura egípcia não tinham acesso aos documentos egípcios antigos nem compre- endiam, de maneira interna, as particularidades da cultura egípcia, ainda que por con- traste informem também aspectos muito interessantes, como sobre a mumificação. A moderna pesquisa sobre o Egito tem início com o Iluminismo e com as expedi- ções imperialistas ao Oriente Médio, em particular com a viagem do Imperador francês Napoleão (1769-1821) ao Egito, entre 1798 e 1801. A obra que inaugura essa moderna egiptologia é a Descrição do Egito, cujos volumes saíram entre 1809 e 1829 e hoje podem ser consultados na internet, no original em francês (http://descegy.bibalex. org/). O estudioso francês Champollion (1790-1832) foi responsável pela decifração da escrita hieroglífica, o que permitiu, a partir de então, o acesso a informações de primei- ra mão, produzidas, em grande parte, pela Arqueologia. Essa disciplina nascente, que estuda a cultura material – edifícios, artefatos e vestígios biológicos, como as múmias – começou a desencavar já a partir década de 1830. As escavações com a preocupação em anotar os artefatos encontrados iniciaram-se no final do século XIX e início do XX, com pioneiros como Flinders Petrie (1853-1942), um dos grandes inovadores na Arqueologia mundial na época. No século XX, as descobertas arqueológicas multipli- caram-se, com uma infinidade de achados, cada vez mais bem documentados e estuda- dos. Nas últimas décadas, multiplicaram-se também as escavações de assentamentos, como cidades e aldeias, o que tem fornecido dados sobre a vida quotidiana não apenas de faraós e sacerdotes como também das pessoas comuns. As pesquisas sobre o Egito faraônico diversificaram-se, ainda, quanto aos temas de investigação. Reproduziram-se trabalhos sobre temas como as mulheres, as relações de gênero (homens, mulheres, outras sexualidades), a religiosidade, as identidades e o corpo, para mencionar apenas alguns dos quais trataremos mais adiante, neste capítulo. o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 16 napoleão no egito, quadro de Francois-louis-Joseph Watteau, a Batalha das pirâmides. Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.powellhistory.com/images/Watteau_ pyramids_small.png&imgrefurl=http://powellhistory.wordpress.com/page/2/&usg=__6lvot--gqrflgtJ3 AJA033wndue=&h=670&w=830&sz=1002&hl=pt-Br&start=40&um=1&itbs=1&tbnid=AhAXhZgWv5ts dM:&tbnh=116&tbnw=144&prev=/images%3Fq%3dnapoleon%2Begypt%26start%3d21%26um%3d1%26 hl%3dpt-Br%26sa%3dn%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26ndsp%3d21%26tbs%3disch:1 A cronologiA Antes de iniciarmos nossa caminhada, convém apresentar o quadro cronológico que adotamos neste capítulo. Como os estudiosos divergem sobre a cronologia egíp- cia, adotaremos aqui a proposta recente de Ian Shaw: Paleolítico 700.000-12.000 a.C. Epipaleolítico 12.000-9000 a.C. Neolítico 5300-4000 a.C. Período pré-dinástico 4000-3200 a.C. Dinastia 0 (Naqada III) 3.200-3000 a.C. Período faraônico 3000-332 a.C. Proto-dinástico (I e II dinastias) 3000-2686 a.C. Antigo reino 2686-2181 a.C. Primeiro período intermediário 2181-2055 a.C. Reino médio 2055-1650 a.C. 17 Segundo período intermediário 1650-1550 a.C. Novo reino 1550-1069 a.C. 18a. dinastia 1550-1295 a.C. Período ramessida 1295-1069 a.C. Terceiro período intermediário 1069-664 a.C. Período tardio 664-332 a.C. Período ptolomaico 332-31 a.C. Período romano 30 a.C.- 311 d.C. Período romano oriental ou bizantino 311-642 d.C. Conquista muçulmana 642 d.C. Neste capítulo, nossa atenção estará voltada para o Egito faraônico stricto sensu, entre 3200 e 332 a.C., ainda que nos refiramos à sua continuidade em época helenís- tica e romana, na medida em que os governantes eram considerados, em parte, como faraós. o surgiMento do egito FArAônico A civilização egípcia só pode ser compreendida em seu contexto geográfico com base nas transformações ocorridas a partir do final da última glaciação, entre 10.000 e 9.500 a.C. Antes disso, todo o norte da África, com o que viria a ser o deserto do Saara, era uma área fértil e ocupada pelo ser humano. O aquecimento global, que viria pôr fim às imensas geleiras, acarretou mudanças climáticas em todo o planeta, e criaria o grande deserto (as sahar al kubra, em árabe, quer dizer, precisamente, “o grande de- serto”). Com isso, as populações não tiveram como continuar no interior e foram para a floresta equatorial, para o Mediterrâneo ou para o vale do Rio Nilo, o único rio que conseguiu persistir, mesmo quando seus afluentes deixaram de fluir. Isso sófoi possível porque o Nilo nasce na África equatorial e suas águas não dependem dos afluentes, que secaram e se transformaram em vales secos, chamados pelos árabes wadis (“rios”). O Nilo é um rio, no meio de um deserto, cujas margens são fertilizadas por cheias anuais, vindas da profundidade do continente africano. Os antigos não sabiam de onde vinham essas águas; apenas testemunhavam esse fato admirável, para usarmos a expressão de Heródoto, que dizia que corria um rio em meio a um imenso deserto. Por mais de mil quilômetros não havia outra fonte d’água, só o Nilo, do Mediterrâneo para o interior. Isso devia impressionar os povos que ali viveram, e marcou os egípcios, como veremos. Quando surgiu o Egito faraônico? O mais antigo documento que pode ser cha- mado de egípcio é a Paleta de Narmer, datada de cerca de 3000 a.C., conservada o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 18 hoje no Museu Egípcio do Cairo, publicada pelos escavadores em 1902. Trata-se de uma lasca de pedra de 63 cm de altura, com um baixo-relevo em ambas as faces. De um lado estão dois leões de longos pescoços entrelaçados, segurados por dois homens barbados. Eles representariam, segundo alguns, a unificação do alto e do baixo Egito, ou seja, da parte Mediterrânica ou Delta do Nilo, com o curso superior do rio Nilo, até a primeira catarata. Acima aparece um governante, Narmer, com a coroa vermelha, referente ao baixo Egito. O rei participa de uma procissão com seis pessoas, dentre os quais dois ministros, em revista ao corpo de dez inimigos decapitados. Do outro lado da paleta está uma figura maior de Narmer, agora com a coroa branca do alto Egito, dominando um cativo. Diante do faraó e sobre o cativo aparece o deus falcão Hórus, que segura outro cativo, com seis papiros, que talvez representem 6 mil prisioneiros. Na parte inferior estão dois homens nus, cativos ou inimigos abatidos. estela de narmer Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.touregypt.net/featurestories/religiou- sorigins6.jpg&imgrefurl=http://www.touregypt.net/featurestories/religiousorigin.htm&usg=__X4mr8x psw4uoskqYYudmF12meYg=&h=383&w=525&sz=30&hl=pt-Br&start=6&um=1&itbs=1&tbnid=X1nXYq Bd_MlvpM:&tbnh=96&tbnw=132&prev=/images%3Fq%3dnarmer%2Bpalette%26um%3d1%26hl%3d pt-Br%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26tbs%3disch:1 Seria a paleta de Narmer a certidão de nascimento do Egito faraônico? Talvez seja demais dizer isso, pois os processos históricos são de longo prazo. Desde o fim da gla- ciação, o Nilo atraiu populações africanas que se assentaram e acabaram por produzir 19 um reino no seu vale. A paleta de Narmer pode representar, plausivelmente, ao menos uma das três hipóteses seguintes: 1. A narrativa de uma vitória militar do alto Egito sobre o baixo, o que produziu a unificação; 2. Um ritual real comemorativo, sem base muito efetiva na realidade histórica; 3. Uma cerimônia de rememoração de uma vitória efetiva anterior, do alto sobre o baixo Egito. A primeira e a terceira hipóteses partem do pressuposto de uma unificação de sul a norte, enquanto a segunda baseia-se no fato de que as narrativas nem sempre têm rela- ção com os acontecimentos. Isso pode parecer estranho, mas não o é se pensarmos que as saias dos escoceses foram inventadas modernamente, assim como os bandeirantes fo- ram criados em pleno século XX. A narrativa da vitória do alto sobre o baixo Egito pode, portanto, ser uma historieta a posteriori. Não importa. Na paleta de Narmer existe, pela primeira vez, um relato com características egípcias: as coroas do alto e do baixo Egito, o uso de hieróglifos primitivos e um esquema iconográfico que se repetiria nos milênios seguintes. Lá estava Hórus (que não é o Hórus filho de Isis e Osíris), um dos deuses egípcios principais, ligado à realeza e ao céu. Surgia o Egito faraônico. Esse processo foi longo, durante o quarto milênio a.C.. Cidades pré-dinásticas proli- feraram de Buto, no Delta, até Qustul e Sayala, na Núbia, ao sul. Algumas dessas cidades evoluíram para centros maiores, intercaladas por outras cidades e aldeias. O desenvolvi- mento de cada uma dependeu de sua posição em relação a matérias-primas e rotas de co- mércio. O sistema de anotação escrita, já antes dos hieróglifos, era usado na maioria das cidades, o que demonstra que comerciavam entre si. Tal sistema de escrita correspondia àquele usado, na mesma época, na Mesopotâmia (atual Iraque), assim como motivos de- corativos mesopotâmicos foram comuns tanto no alto quanto no baixo Egito. Entre 3500 e 3200 a.C. as cidades se desenvolviam, assim como o sistema de escrita, a cosmologia e a construção monumental, e a unificação se consolidou por volta de 3200 a.C., como propõe a egiptóloga Alicia I. Meza. Descobertas arqueológicas recentes mostram que já em 3500 a.C. se usava a escrita hieroglífica, e que havia um sistema administrativo, uma arquitetura monumental e um sistema complexo de trocas econômicas. o Antigo reino e o priMeiro perÍodo interMediário As duas primeiras dinastias (3000-2686 a.C.) não são muito bem documentadas, ao menos diante da abundância dos documentos das dinastias seguintes (III a VI, de 2686 a 2181 a.C.). Os túmulos reais caracterizaram o período, a partir da Pirâmide de Degraus, atribuída a Imhotepe, o primeiro arquiteto e construtor dessas sepulturas o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 20 monumentais. Sua pirâmide em Sacará, para o faraó Djoser (c. 2640 a.C.), segue as construções de mastabas (sepulcros particulares no formato trapezoidal) e das pirâ- mides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, faraós da IV Dinastia (2613-2494 aC.). Tais monumentos eram completados por estátuas, relevos, mobiliário e vasos com o sím- bolo da potência centralizado no seu auge, mostrando o Faraó como Deus vivo e todo- poderoso. Na morte, o rei brilha com toda a sua potência, poder tão bem simbolizado pelas pirâmides enormes. Isso muda com as dinastias seguintes (V e VI 2494-2181 a.C.), com o crescente predomínio do culto solar ao deus Rá, em Heliópolis, ao norte. Os templos passaram a ter maior dimensão, como o impressionante templo solar de Nevesere, em Abu Gurab, em Heliópolis. Pouco a pouco, o poder das autoridades locais aumentou, como testemunha o gradual aumento do número de mastabas parti- culares, com a indicação, na VI dinastia (2345-2181 a.C.), da fragmentação do poder. As dinastias seguintes (VII-XI 2181-2055 a.C.) foram caracterizadas como primeiro período intermediário, o qual testemunhou a fragmentação política, com líderes em disputa, assim como com a entrada de líbios, semitas. pirâmides do Antigo reino Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.cap.nsw.edu.au/bb_site_intro/specialpla- ces/special_places_st2/africa/pyramid3.jpg&imgrefurl=http://www.cap.nsw.edu.au/bb_site_intro/spe- cialplaces/special_places_st2/africa/the_pyramids.htm&h=275&w=412&sz=29&tbnid=9_qv3l3ou25Xh M:&tbnh=83&tbnw=125&prev=/images%3Fq%3degyptian%2Bpyramids&hl=pt-Br&usg=__xKnohtb3- dkJ-pvykhkculWonBk=&ei=hbKls5reh8WZuAeayb30cw&sa=X&oi=image_result&resnum=1&ct=imag e&ved=0cAkq9qewAA A divisão dava-se, grosso modo, entre o baixo e o médio Egito, sob controle de go- vernantes de Heracliópolis, perto do oásis Faium, e os tebanos, no alto Egito. Ao norte, 21 começava um processo de retomada do Delta e de revalorização da cidade de Mênfis, restabelecendo-se os contatos com a cidade de Biblos, no atual Líbano. Floresceu em Heracliópolis uma literatura mais filosófica e voltada para a ética, como o clássico Diá- logo do desesperado com sua alma, que descreve o drama interior de um homem desiludido, incapaz de compreender sua época e as próprias ideias contraditórias. Por isso pensa em suicidar-se, e sua alma acaba por duvidar da eficácia dos ritos funerários e o aconselha a fugirdessa falta de esperança e a entregar-se à farra. Outra grande obra, em pleno período intermediário, foi Instruções ao filho Mericara, que afirma que Deus deu as plantas e os animais aos seres humanos. Apresenta-se, nesse caso, a noção de um Deus pessoal, em oposição às múltiplas manifestações divinas que sem- pre dominaram a religiosidade egípcia. Algumas passagens demonstram bem essa ética pessoal: “se conduza bem, quanto estiver vivo. Acalme os aflitos, não oprima a viúva, não arranque ninguém de seu pai, não mate, não bata ou prenda ninguém. Assim, a terra estará em ordem. A vingança é apanágio apenas de Deus”. O crescente poder dos chefes locais levou, também, à difusão das práticas mortu- árias. Ao poder ultracentralizado no faraó segue-se a apropriação, por parte das elites locais, de modo que as antigas tradições, voltadas apenas para o Rei, foram adaptadas para uso privado. Difundiram-se igualmente os escritos particulares e os hieróglifos cursivos, nos próprios sarcófagos. Ao norte de Abidos, cidade santa do deus Osíris, o predomínio estava com os te- banos, cujos governantes se apresentavam como faraós. Mentuhotepe I Nebehepetre (2055-2012) conseguiu reunificar o alto e o baixo Egito, a partir de Tebas, com forte influência de elementos núbios. Seu nome revela tanto sua base em Tebas quanto seu domínio sobre todo o território, pois significa “o deus tebano Mentu está satisfeito” e “unificador das duas terras”. Iniciava-se um novo período de unidade, mas os poderes locais passaram a ser, de alguma forma, acomodados. o Médio reino O novo período iniciou-se com o grande reinado de Mentuhotepe I, mas apenas a partir da XII Dinastia (1985-1795) a estabilidade política foi-se firmando e o poder dos nobres locais foi controlado. Embora o poder viesse do alto Egito, houve maior atenção à parte norte do reino, como quando o governo se mudou para el-Líxete, perto de Mênfis, durante o período da XII dinastia. Os faraós dessa dinastia cuidaram da construção de canais nas cercanias da nova capital, com grande desenvolvimento agrícola de Faium. Outras cidades do norte foram objeto de atenção, como Heliópolis, onde foram construídos obeliscos. Tebas não foi deixada de lado, e o culto ao deus local Amon foi fortalecido. Particular atenção foi dada ao domínio do sul profundo, o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 22 da alta Núbia ao Sudão, com a construção de fortes e feitorias até acima da terceira catarata, bem ao sul. Foi nesse período que o culto ao deus Osíris expandiu-se e tornou-se mais univer- sal. Nos séculos anteriores ele tinha posição secundária no panteão egípcio, com uma divindade agrícola ligada ao rio Nilo e ao cultivo do cereal. Como protetor do nono nomo (divisão administrativa egípcia), Osíris começou a absorver outras divindades funerárias, como Socáris de Mênfis e Quentamentiou de Abidos, e passou a ser o prin- cipal deus funerário, ligado à imortalidade da alma. Seu reino está nas necrópoles, de onde preside o destino dos humanos, soluciona o problema da morte e prepara o defunto para a ressurreição. Com a assistência de 42 juízes divinos, ele preside o julgamento das almas, enquanto Anúbis se encarrega de pesá-las. Osíris teria sido a primeira múmia. “Para sempre belo” é um dos seus epítetos. osíris, juiz dos mortos Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://seshdotcom.files.wordpress.com/2009/01/ osiris.jpg&imgrefurl=http://seshdotcom.wordpress.com/2009/01/01/&usg=__XYXAk_A86l0uftz r0tgc3tzJiiq=&h=306&w=320&sz=37&hl=pt-Br&start=3&um=1&itbs=1&tbnid=Atoia4qlvr4x aM:&tbnh=113&tbnw=118&prev=/images%3Fq%3disis%2Band%2Bosiris%26um%3d1%26hl%3d pt-Br%26sa%3dn%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26tbs%3disch:1 23 Além da ascensão social das classes governantes, difundiu-se o costume de construir estelas votivas, o que testemunha uma maior difusão da prosperidade. A literatura tam- bém se tornou mais popular, com o desenvolvimento da ficção, como no caso da novela História de Sinuhe, uma narrativa de apelo universal que retrata a trajetória do que po- deríamos chamar de um filho pródigo. Sinuhe, um funcionário real, vê-se envolvido em uma intriga de palácio e foge para o Líbano, onde passa por diversas aventuras, até re- tornar ao Egito e ser reabilitado: “rejuvenesci muitos anos, pude fazer a barba, tive meus cabelos penteados. Minha pobreza ficou no estrangeiro, minhas roupas velhas voltaram para os andarilhos do deserto e me vesti com bom linho, fui ungido com azeite fino, voltei a dormir em cama”. Final feliz para um romance que, até hoje, nos traz deleite. o segundo perÍodo interMediário e o novo reino Costuma-se designar como segundo período intermediário (1650-1550) o século que testemunhou a divisão do reino em três, com três dinastias contemporâneas: XV Dinastia (hicsos) 1650-1550 XVI Dinastia (hicsos menores) 1650-1550 XVII Dinastia (Tebas) 1650-1550 No Delta reinavam os reis asiáticos denominados hicsos, ou “reis pastores”, como dizem as fontes posteriores. Esses povos, vindos do Oriente, parecem originar-se de grupos semitas, embora tenham adotado títulos, costumes e demais aparatos egíp- cios. Exerciam influência no Sinai e na Palestina e dominavam, de forma indireta, os governantes egípcios ao sul. Em Tebas seguia uma dinastia egípcia com controle sobre o alto Egito, mas com uma política de submissão, maior ou menor, aos hicsos. Ainda mais ao sul, a Núbia e o Sudão estavam sob domínio de um governante autônomo em Cuxe, mas também submetido aos hicsos. Esses povos orientais introduziram uma série de novidades, como novos métodos de fiação com o uso do tear vertical, novos instrumentos musicais (lira, alaúde, oboé, pandeiro), novas espécies de bovinos e de cavalos, além da azeitona e da romã. A generalização do uso do bronze, tanto em armas quanto em objetos de uso quotidiano, também foi resultado do domínio hic- so. As escavações da cidade capital dos hicsos, Avaris (atual Tell el Daba), forneceram muitas informações preciosas, como a descoberta de pinturas murais no estilo usado em Cnossos, na ilha de Creta, assim como evidências do contato desses povos com o Oriente, na forma dos mais antigos documentos cuneiformes encontrados no Egito. Essas pesquisas arqueológicas, levadas adiante pelos austríacos, começaram na década de 1960 e têm produzido novas descobertas a cada ano. o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 24 A retomada da centralização deu-se, uma vez mais, de sul a norte, a partir da XVIII dinastia (1550-1295 a.C.), com a tomada de Avaris por Amósis, por volta de 1550. O poder tebano manifestou-se, nesse processo de unificação, pela imposição do culto a Amon, seu deus tutelar em Tebas, em contraposição ao patrono dos hicsos, o deus Set. Terras, servos, pastos e gado foram postos à disposição dos templos de Amon. Multiplicaram-se os monumentos oficiais em que se apresentam o faraó com sua es- posa, mãe ou mesmo avó. As rainhas passaram a ter prerrogativas de corregência, algo pouco comum no mundo antigo. Ahmes-Nefertari (cerca de 1540 a.C.) recebeu o título de “segundo profeta do deus Amon”. Os matrimônios consanguíneos na família real generalizaram-se, com o casamento entre irmãos, meio-irmãos ou outros paren- tes, de modo a garantir a pureza do sangue real. Tutmés I (1524-1518) inaugurou, na margem esquerda de Tebas, a ocidente, uma nova forma de inumação real, ao escavar a primeira tumba no que viria a se tornar o Vale dos Reis. Instalou também, na atual Deir el Medineh, uma aldeia de construtores dos hipogeus reais, chamados de “servi- dores do lugar de Maat”, deus que julga os mortos. Restaurou o comércio com Punte, a sudeste, assim como as relações diplomáticas com Chipre e demais localidades do Médio Oriente, como a Anatólia (Turquia) e a Mesopotâmia(Iraque). Mênfis voltou a ser valorizada com uma residência do faraó Tutmés I. A ascensão da rainha Hatexepsute (1508-1458 a.C.) ao trono demonstra o poder das mulheres egíp- cias. Ela adotava todos os títulos faraônicos com o uso das terminações no feminino, o que não é pouco se considerarmos que, em português, quase não se usam alguns termos de poder no feminino, como “presidenta” ou “apóstola”. Hatexepsute, uma das cinco mulheres que reinaram no Egito, deixou gerações de egiptólogos fascina- dos por ela, que foi descrita como “pacifista” por uns mas como masculinizada por outros. Os monarcas que a sucederam adotaram uma agressiva política de expansão militar, resultado da formação de um exército profissional, tanto em direção ao sul quanto na Palestina e até mesmo na Síria. Estabeleceram-se guarnições egípcias, mas a estratégia principal consistia na sua aliança com os régulos locais. A administração do reino estava nas mãos do faraó, que indicava os chefes militares, civis e sacerdotais. Os sacerdotes do culto de Amon eram os mais fortes aliados do poder real. Uma intensa política de construções também se consolidou, com tumbas reais, templos e capelas, e ocorreu o gigantismo na arquitetura, como em Lúxor. O reinado de Amenófis IV (1352-1336 a.C.) marcou a iniciação de um tipo de culto a um deus único, Aton. Esse pode ser considerado um dos períodos mais discutidos da história egípcia. Amenófis IV introduziu, logo no início do seu reinado, o culto ao disco solar (aton), uma divindade mais abstrata do que a maioria dos deuses egípcios, com formas de animais. Construiu monumentos religiosos a Aton em diversos lugares 25 e fundou uma nova capital real, Aquetaton (“horizonte de aton), hoje Tell el Amarna. A história de Aquenaton é conhecida mais pela Arqueologia moderna do que pelos docu- mentos antigos, pois seus sucessores restauraram o culto a Amon e aos outros deuses e retiraram as referências à forma singular de monoteísmo introduzido pelo faraó (para boa parte dos egiptólogos não seria um monoteísmo, mas algo bem próximo). Sua esposa Nefertiti foi imortalizada por um busto seu, de rara beleza, conservado hoje em Berlim. O culto a Aton levou à confiscação de bens dos sacerdotes de Amon, e os se- guidores de Aton parece terem sido recrutados entre as classes ascendentes. Templos importantes de Aton foram estabelecidos em Mênfis e Heliópolis, com santuários de norte a sul do Egito. Com a morte do faraó subiu ao trono Tutancatón (depois, Tutan- camón), que logo restaurou os cultos tradicionais. Akenaten Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.luzdegaia.org/kuthumi/meloff/imagem/ Akhenaton.jpg&imgrefurl=http://www.luzdegaia.org/kuthumi/meloff/portal_fogo.htm&h=350&w=32 1&sz=15&tbnid=nfpzkweewJoobM:&tbnh=120&tbnw=110&prev=/images%3Fq%3dakhenaton&hl=pt- Br&usg=__cKeeXkuvwgtJco96tvcqslsbkMY=&ei=J7ols7rKiiyauAeAhMz4cw&sa=X&oi=image_result &resnum=4&ct=image&ved=0cA8q9qewAw o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 26 nefertiti Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.artsales.com/images/ nefertiti%2520restored%2520(2).jpg&imgrefurl=http://www.artsales.com/Artistory/ark_covenant/ nubia_the_source_of_the_gold_For_the_Ark_of_the_covenant.htm&usg=__iggqn9J9Wt2r- dKJgaAJh7g8-34w=&h=671&w=407&sz=31&hl=pt-Br&start=5&um=1&itbs=1&tbnid=Kr9m ttwd7W-cZM:&tbnh=138&tbnw=84&prev=/images%3Fq%3dnefertiti%26um%3d1%26hl%3d pt-Br%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26tbs%3disch:1 As duas dinastias seguintes (XIX e XX, 1295-1069 a.C.) ficaram conhecidas como período ramessida. Ramses I, primeiro monarca da dinastia, era oriundo de família humilde do noroeste do Delta, e seu nome mostra que o principal deus passava a ser Rá (Sol). Como Ramses I reinou apenas um ano, ao que tudo indica seu filho, o faraó Sethi I, ficou responsável por legitimar essa dinastia, que não possuía uma linhagem real. Era preciso estabelecer uma ligação forte com os diversos segmentos sacerdotais e as divindades (Ra de Heliópolis, Ptah de Menfis, Amon de Tebas, entre outros), além de campanhas militares, o que foi conseguido. Entretanto, o grande monarca foi Ram- sés II (1279-1212 a.C.), além de seu filho, que estabeleceu a capital em Pi-Ramsés, no Delta. Enfrentou os hititas, e após mais de 20 anos de lutas é que foi firmado um tra- tado de paz, ficando a Palestina sob controle egípcio. Alguns autores consideram que 27 os 62 anos de reinado de Ramsés II, que assinalaram o ápice do poderio e da cultura egípcios, estabeleceram um período longo de paz, o que permitiu que Ramses II fosse cultuado em vida, pelas pessoas comuns, como um grande deus. A partir da XX dinas- tia (1186-1069) iniciou-se um processo de encolhimento do império, com o exército passando a recrutar mercenários, com a perda das possessões asiáticas e com rebeli- ões no médio Egito, ao final do período. A redação do Livro dos Mortos assinalou a passagem para preocupações mais espirituais, que não dependiam do poder militar. o terceiro perÍodo interMediário e A épocA tArdiA Sucederam-se dinastias paralelas e divisões com o governo de líbios (945-715 a.C,) e de núbios (747-656 a.C.), até a restauração da unidade, pelo faraó núbio Shabaka, no final do século VIII a.C. O domínio etíope estendeu-se até o Delta, tendo fomentado a restauração de templos egípcios, mas logo os assírios viriam a dominar o vale do Nilo (657-653 a.C.), com apoio de parte dos egípcios insatisfeitos com o domínio núbio. Per- turbações na Assíria permitiram que o faraó egípcio Psamético I, da XXVI Dinastia (664- 525 a.C.), expulsasse os assírios e restabelecesse um reino, a partir de Saís, no Delta, inaugurando o que ficou conhecido como Renascimento Saíta. Para fazer frente aos lí- bios, que haviam dominado o trono no norte, empregou soldados mercenários gregos: jônios, cários e lídios. Os governantes saítas investiram no comércio, com a fundação de feitorias em Milésios, Dafne e Náucratis. Como dependiam dos gregos que trouxeram ao Nilo, a dinastia nem sempre encontrou apoio entre os nativos egípcios, o que facili- tou o domínio persa (525-404 a.C.). As últimas dinastias de faraós egípcios (XXVIII-XXX, 404-343 a.C.) foram seguidas de novo domínio persa (343-332 a.C.). Em seguida, foi estabelecido um reino egípcio com governantes macedônicos, da família dos ptolo- meus (332-30 a.C.), cujos reis eram considerados como faraós, embora houvesse uma divisão entre a administração grega e as seculares instituições egípcias. A última rainha macedônica, Cleópatra VII Philopator, pode ser considerada a última governante egíp- cia apresentada como um faraó, ainda que os imperadores romanos (30 a.C. a 311 d.C.) também tenham se representado dessa forma. Uma característica importante da história egípcia desde o início do primeiro milênio a.C. foi a existência de um substrato egípcio poderoso, em termos culturais, com o domínio político de povos estrangeiros que se dirigiram ao vale do rio Nilo. Pode-se afirmar que até o triunfo do Cristianismo, no século IV d.C., a religiosidade, a língua e os costumes milenares egípcios continuaram dominantes. A vida camponesa foi ainda mais persistente, como lembra Ciro Flamarion Santana Cardoso: “a verdade, porém, é que a existência das comunidades e sua ligação com o controle da irrigação persistiram no Egito tanto quanto o sistema de irrigação por tanques ou bacias, ou seja, até o século XIX depois de Cristo”. o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 28 A escritA egÍpciA A escrita hieroglífica constitui um dos aspectos mais intricados dessa civilização. Apenas no século XIX foi possível decifrá-la, graças a uma inscrição em três línguas, a Pedra da Roseta, por obra e arte do estudioso francês François Champollion (1790- 1832). Não sabemos quando a escrita hieroglífica deixou de ser usada,mas isso deve ter ocorrido na Antiguidade tardia, a partir do século IV d.C., ou, mais provavelmen- te, com a conquista muçulmana (640 d.C.). A língua egípcia foi decifrada a partir do copta, idioma usado ainda hoje na Igreja cristã egípcia. Sua decifração, em 1822, por Champollion foi seguida do conhecimento de outra escrita egípcia, o demótico, em 1829, por Thomas Young. A língua egípcia, que é africana segundo alguns linguistas, teria origem na parte meridional do deserto do Saara e no norte da floresta tropical, bem no centro do continente. O idioma tem parentesco com outras línguas originárias da África, como o hebraico e o árabe. Das três formas básicas da língua egípcia, a hieroglífica é a mais antiga, podendo ser atestada por volta de 3500 a.C. A forma cursiva da escrita hieroglífica é o hierático, que também é bem antiga e usada com frequência em papiros. Tal forma parece ter desaparecido, ou seu uso foi reduzido consideravelmente por volta de 650 a.C. Nesse momento ocorreu o aparecimento do demótico, durante o reinado do faraó Psamé- tico I, da 26a dinastia (conhecida como dinastia Saita – cidade de Sais, no Norte do Egito). Tal forma, cursiva, é mais recente, e parece estar mais próxima da língua falada na época pelos egípcios. Essa língua/escrita possui como predecessora a língua egípcia tardia (a hieroglífica com mais signos, e a hierática), e como sucessora a língua copta, que possui caracteres gregos e elementos do demótico, conforme James H. Jonhson, do The Oriental Institute – University of Chicago. O Copta, ainda utilizado no Egito, foi importante para se ter uma certa ideia de como se pronunciar as palavras nos textos hieroglíficos, uma vez que a escrita egípcia não possuía vogais. Apesar da existência do Hierático e do Demótico, a escrita hieroglífica continuou sendo usada em estelas, papiros, tumbas e templos. Ao que parece, o conhecimento sobre a escrita egípcia de- sapareceu após a invasão do Templo de Filae, por cristãos, por volta do século V da era cristã. Foram necessários 13 séculos para que as “pedras” voltassem a “falar”. O grande desafio moderno tem sido traduzir esses textos. Como lembra a egiptóloga britânica Penélope Wilson, “a habilidade na tradução dos textos egípcios antigos consiste em en- contrar um ponto de equilíbrio, de modo que o ritmo e a estrutura das frases possam ser em parte mantidos, sem que se perca a compreensão imediata”. A origem da escrita é ignorada. Alguns autores consideram que ela seria autócto- ne, outros que derivaria da escrita cuneiforme da Mesopotâmia ou da Suméria (IV e III milênios a.C.). Arqueólogos alemães com pesquisas em Abidos, no Alto Egito, 29 propuseram, na década de 1990, que os hieróglifos já estavam em uso por volta de 3500 a.C., tanto com ideogramas quanto com fonogramas. Os hieróglifos compreen- diam ideogramas e sinais fonéticos. Os ideogramas são símbolos usados como repre- sentações diretas de algo, como “céu” e “homem”. Os fonemas representam o som ou a parte de uma palavra pronunciada; por isso, assim como no caso da escrita chinesa, escrever era, ao mesmo tempo, uma representação artística. Possuía, ainda, um caráter religioso, sagrado mesmo, pois a maioria dos egípcios considerava as palavras como tendo um poder físico real, como se fosse mágica. Por esse motivo eles chamavam sua escrita de Medju-Netjer, ou seja, “Palavra dos deuses”, o que de certa forma foi mantido pelos gregos, milhares de anos depois, os quais a chamaram “escrita sagrada” (esse é o sentido de “hieróglifo”). Desde o início dos estudos egiptológicos, a partir da década de 1820, surgiram dis- cussões sobre a divergência entre os dados provenientes dos textos e as informações fornecidas pela Arqueologia, na forma de edifícios, pinturas, vasos cerâmicos e uma infinidade de objetos. O egiptólogo australiano David O’Connor – arqueólogo e pro- fessor em Yale – refletia sobre tais questões de maneira muito apropriada: “Os dois tipos de evidência – textos e cultura material – são complementares. O registro arqueológico contém informação histórica apenas indiretamente refletida no registro textual e vice-versa. A interpretação de cada um deles é, com freqüência, cor- rigida e ampliada pela referência à outra”. pedra de roseta Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.earth-history.com/egypt/_images/ro- settastone.gif&imgrefurl=http://www.earth-history.com/egypt/rosetta-stone-translation.htm&usg=__uw 5snlqK5v6p5ceqXpdu22uZKrA=&h=576&w=483&sz=110&hl=pt-Br&start=2&um=1&itbs=1&tbnid=5e h2M7e-sigtZM:&tbnh=134&tbnw=112&prev=/images%3Fq%3drosetta%2Bstone%26um%3d1%26hl%3d pt-Br%26sa%3dn%26rlz%3d1t4ggll_pt-BrBr349Br349%26tbs%3disch:1 o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 30 uMA civiliZAção AFricAnA Por longa tradição, o estudo do Egito, desde o início do século XIX, esteve ligado à expansão imperialista ocidental. Por isso, muitas vezes passou despercebido que a civi- lização egípcia tenha se desenvolvido na África e que seu povo falasse uma língua afri- cana. Ainda no início do século XX o pioneiro da Arqueologia do Egito Antigo, Flinders Petrie (1853-1942) – um britânico racista e conservador – não admitia que a civilização egípcia fosse autóctone, mas falava em uma invasão de uma raça superior vinda... da Europa! Isso começou a mudar com o movimento de descolonização, a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e, mais particularmente, com os movimentos pelos direitos civis e contra o racismo. O estudioso senegalês Cheikh Anta Diop (1923- 1986), um dos grandes intelectuais africanos anticolonialistas, explicitou que os “egíp- cios eram negros”, o que continua sendo um debate no meio acadêmico. Ainda que os egípcios, assim como outros povos da Antiguidade, não se definissem por critérios de cor da pele e, portanto, nunca tenham sido chamados de negros, não cabe dúvida de que sua população era, em sua maioria, africana, mas não necessariamente negra, e houve sempre, como vimos neste capítulo, a entrada de povos da África subsaariana no vale do Nilo. No final do século XX, o estudioso Martin Bernal (1937) publicou o livro A Atena Negra, no qual apontou a importância das tradições e dos costumes africanos para as civilizações mediterrâneas posteriores, como a grega e a romana, por intermé- dio do Egito faraônico. O reconhecimento do caráter africano da civilização egípcia é tanto maior no contexto brasileiro, tendo em vista que parte da nossa população possui ancestralidade africana e que a cultura brasileira deve muito à herança afra. Mulheres, relAções de gênero e seXuAlidAde Outro tema que resulta das transformações sociais das últimas décadas refere-se ao papel da mulher e da sexualidade. Os movimentos pelos direitos das mulheres vêm desde o século XIX, com a busca do direito de voto – no Brasil, só obtido na década de 1930 – e com o reconhecimento das prerrogativas femininas quanto ao seu corpo. Tudo isso levou, nas últimas décadas, à história das mulheres, das relações entre os gêneros e da sexualidade. Isso não poderia deixar de afetar a egiptologia. Multiplicaram-se as egiptólogas e novas descobertas foram feitas. Já no antigo reino as mulheres ocupavam alguns cargos administrativos, e muitas mulheres da família real tiveram proeminência. Mais do que isso, como propugna a egiptóloga Lynn Meskell (1998), “a sexualidade fe- minina, na sua fertilidade (gravidez), está representada nas cenas tumulares, e as quali- dades sexuais das mulheres eram um atributo buscado na vida pós-morte, tanto quanto servidores e comida”. Também outras sexualidades têm sido estudadas, tendo em vista que homens castrados ou eunucos constituíam uma categoria social, assim como temas 31 antes pouco mencionados, como a infância. Tudo isso tem renovado o campo dos es- tudos do Egito Antigo. O papel da mulher é significativo na perpetuaçãoda linhagem, e isso pode ser verificado no que consideraríamos como sobrenome. De modo geral, as assinaturas nas tumbas dão ênfase à mãe como se fosse algo como: “fulano filho da senhora da casa fulana”. Além disso, o divórcio era algo instituído, e no Egito greco- romano os contratos definem claramente as cláusulas e penalidades. A religiosidAde Talvez a religiosidade dos antigos egípcios seja o aspecto de sua cultura cujo inte- resse tenha sido mais persistente. Já os antigos gregos surpreendiam-se com os deu- ses, sacerdotes, mitos e rituais egípcios, e essa admiração se manteve nas percepções posteriores de romanos e dos modernos ocidentais. Sociedades secretas, como a Ma- çonaria, a Ordem Rosacruz e a Ordo Templi Orientis (OTO) – sobretudo com Aleister Crowley – inspiraram-se no Egito Antigo, e em pleno século XXI ainda há intenso inte- resse por esse tipo de religiosidade. Os egípcios não distinguiam, de maneira clara, o mundo natural do sobrenatural, na medida em que divindades e humanos interagiam no plano social e físico. A fertilidade ocupava um lugar de destaque, tanto nos relatos míticos quanto nas representações e festivais. Algumas divindades representavam o falo, em clara referência à reprodução, assim como Osíris era o deus da ressurreição. Como deus dos mortos e da vida pós-morte, ele é uma das mais antigas divindades egípcias, tendo surgido ligado à fertilidade, à agricultura e à inundação anual do rio Nilo. Foi associado à ressurreição e à vida eterna. Já mumificado, fecundou sua esposa, a deusa Ísis, que gerou Hórus. A mumificação dos mortos associou-se a Osíris e à sua promessa de vida eterna. Os egípcios, em geral, acreditavam na vida eterna, que poderia ser garantida pela piedade tida pelos deuses, pela preservação do corpo por meio da mumificação e pela manutenção de um enxoval funerário. Acreditavam em aspectos vitais que mantinham a vida, na forma de manifestações da alma, sob os nomes de ka, ba e akh, essenciais para a sobrevivência humana, tanto antes quanto depois da morte. As mais antigas múmias descobertas pela Arqueologia recuam a 3600 a.C., em Hieracómpolis, com os corpos de três mulheres preservados. Outros arqueólogos recuam a mumificação para muito antes, entre 4500 e 4100 a.C., em Badari e Mostageda. Como quer que seja, dois aspectos chamam a atenção: a preocupação tão antiga com a mumificação e a proemi- nência feminina. Nessa ânsia pela vida eterna, a divindade Maat representa a verdade ou a harmonia com que a alma deve se deparar após a morte. Outro aspecto refere-se à associação da religiosidade com o poder. A autori- dade real sempre esteve fundada na legitimidade sobrenatural, numa associação do o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 32 governante com o mundo das forças cósmicas. O próprio faraó podia ser considerado um deus ou como alguém que possuísse atributos divinos. A legitimidade do poder estava atrelada à ligação dos governantes com o sobrenatural, aspecto da religiosidade egípcia que persistiu e de alguma forma transmutou-se, primeiro no Cristianismo e depois no Islamismo que foram instaurados no Egito. o estudo do egito Antigo no BrAsil O Egito Antigo fascina os brasileiros desde o século XIX. No Império, D. Pedro I trouxe para o Museu Nacional objetos arqueológicos do Egito, inclusive uma múmia, um dos grandes tesouros do acervo até os dias de hoje. A maçonaria contribuiu para essa popularidade, assim como o positivismo, e a partir do século XX a indústria cultu- ral, com filmes, livros e outros produtos de alto apelo. O Egito Antigo esteve presente nos livros didáticos de História, desde cedo, como uma civilização originária da tradição ocidental. A partir da década de 1970 iniciaram-se os estudos universitários especializa- dos, e pouco a pouco começaram a surgir mestrados e doutorados dedicados ao Egito Antigo e a suas releituras. Discutiram-se temas econômicos – como o modo de produ- ção asiático – assim como a legitimidade do poder, as relações de gênero e os usos do passado. O Egito Antigo, tão popular, tornou-se objeto tanto de estudos científicos e acadêmicos quanto de reflexões sobre as apropriações e os usos contemporâneos. conclusão: A AtuAlidAde do egito FArAônico É impressionante como o Egito continua a fascinar, mais de 5 mil anos depois dos primeiros faraós. Esse fascínio demonstra a imensa riqueza cultural daquela civilização e, ao mesmo tempo, indica como podemos usar essa extraordinária experiência huma- na para aprimorar o conhecimento da nossa sociedade, em pleno século XXI. Ques- tões como a sexualidade, a espiritualidade e as dimensões étnicas relacionam aquela civilização, tão antiga e misteriosa, à nossa realidade do século XXI. O Egito continua fonte de inspiração e reflexão. AgrAdeciMentos Agradecemos a Margareth Marchiori Bakos, Ciro Flamarion Santa Cardoso, André Leonardo Chevitarese, Gabriele Cornelli e Lynn Meskell. Mencionamos, ainda, o apoio institucional do Departamento de História da Unicamp. A responsabilidade pelas ideias, no entanto, restringe-se aos autores. 33 ALDRED, C. Os egípicos. Lisboa: Verbo, 1972. BAKOS, M. M. Fatos e mitos do Antigo Egito. Porto Alegre: Edipucrs, 1994. BAKOS, M. M. Egyptianizing motifs in Architecture and Art in Brazil. In: HUMBERT, Jean-Marcel; PRICE, Clifford (Ed.). Imhotep today: egyptianizing Architecture. Londres: UCL Press, 2003. p. 231-246. ______. Egiptomania, o Egito no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. BAKOS, M. M.; FUNARI, R. S. História da tradição clássica no Brasil dos séculos XIX e XX. Egito Antigo no Brasil: egiptologia e egiptomania. In: CHEVITARESE, André Leonardo; CORNELLI Gabriele; SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. (Org.). Tradição clássica e o Brasil. 1. ed. Brasília, DF: Fortium; Archai, 2008. v. 1. p. 143-152. BOWMAN, A. K. Eg ypt after the Pharaos. Londres: British Museum Publications, 1986. CARDOSO, C .F. S. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 1982. ______. Sociedades do antigo oriente próximo. São Paulo: Ática, 1986. ______. Antiguidade oriental, Política e Religião. São Paulo: Contexto, 1990. ______. Os festivais divinos no antigo Egito. In: ______. Sociedade e Religião na antiguidade oriental. Rio de Janeiro: Fábrica de Livros; Senai, 2000. p. 8-33. ______. “Gênero e literatura ficcional – caso do antigo Egito no 2º milênio a.C.”. In: Amor, desejo e poder na Antiguidade. Relações de gênero e representações do Feminino. Campinas: Editora Unicamp, 2003. SILVA, Glaydson José da (Org.). Amor, desejo e poder na Antiguidade. 1. ed. Campinas, SP: Campinas: Editora Unicamp, 2003. v. 1. p. 49-94. Referências o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 34 CERNY, J. Los Ramésidas. In: CASSIN, Elena; BOTTÉRO, Jean Vercoultter; ABAD, Mercedes. Los imperios del antiguo oriente: II el fin del segundo milênio. México: Siglo XXI, 1972. p. 226-258. DAVIES, W. V. Os hieróglifos. In: HOOKER, J. T. (Org.). Lendo o passado: do cuneiforme ao alfabeto, a História da escrita antiga. São Paulo: Melhoramentos; Edusp, 1996. p. 95-174. FUNARI, R. S. O Egito dos faraós e sacerdotes. São Paulo: Atual, 2001. ______. Imagens do Egito Antigo. São Paulo: Annablume; Unicamp, 2006. ______. Egypt and Brazil. In: ______. New perspectives on the ancient world. Oxford: Archaeopress, 2008. p. 73-76. ______. O interesse pelo Egito faraônico: uma aproximação inicial. In: FUNARI, Pedro Paulo A.; SILVA, Glaydsom José da.; MARTINS, Adilson Luís. História Antiga: contribuições brasileiras. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008. p. 93-100. GRALHA, J. C. M. Deuses, faraós e o poder: legitimidade e imagem do Deus dinástico e do monarca no Antigo Egito, 1550-1070 a.C. Rio de Janeiro: Barroso, 2002. ______. Power and solar cult in ancient Egypt. In: FUNARI, Pedro Paulo A.; GARRAFFONI, Renata S.; LETALIEN, Bethany (Ed.). Perspectiveson the ancient world. Oxford: Archaeopress, 2008. p. 167-175. ______. Egípcios. In: FUNARI, Pedro Paulo. (Org.). As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2009. p. 11-27. HUMBERT, J. M.; PRICE, C. Imhotep today: egyptianizing Architecture. Londres: UCL Press, 2003. JOHNSON, P. História iIustrada do Egito Antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 35 KIENITZ, F. K. El renacimiento saita: los imperios del antiguo oriente II I: la primera mitad del primer milenio. México: Siglo XXI, 1973. p. 231-254. LICHTHEIM, M. Ancient eg yptian Literature. Berkeley: University of California Press, 1973. v. 1. MESKELL, L. Size matters: sex, gender and status in Egyptian iconography. In: HOPE, J. et al. (Ed.). Redefining Archaeolog y: feminist perspectives. Canberra: ANU Press Canberra, 1998a. p. 175-181. ______. Intimate archaeologies: the case of Kha and Merit. World Archaeolog y: Intimate Relations, Routlege, v. 29, n. 3, p. 363-379, 1998b. ______. Embodied lives: figuring ancient Maya and egyptian experience. Londres: Routldege, 2003. MEZA, A. I. Ancient Eg ypt before writing. Pittsburg: Dorranche, 2001. OAKES, L.; GAHLIN, L. Ancient Eg ypt. Londres: Hermes, 2004. O’CONNOR, D. Political systems and archaeological data in Egypt: 2600-1780 B.C. World Archaeolog y, London, n. 6, p. 15-38, 1 June, 1974. PINSKY, J. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2008. SHAW, I. Ancient Eg ypt. Oxford: Oxford University Press, 2004. SILIOTTI, A. Primeiros descobridores: a descoberta do Egito. Barcelona: Folio, 2007. ______. Viajantes e exploradores: a descoberta do Egito. Barcelona: Folio, 2007. STEER, D. A. Egiptologia. São Paulo: Briquebooks, 2009. VIDAL-MANZANARES, C. Diccionario histórico del antiguo Egipto. Madrid: Alianza, 1993. o egito Antigo AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 36 VERCOUTER, J. Em busca do Egito esquecido. São Paulo: Objetiva, 2002. WILSON, P. Hieroglyphs. Oxford: Oxford University Press, 2003. YOYOTTE, J. La XVIII Dinastia. In: CASSIN, Elena. Los imperios del antiguo oriente: el fin del segundo milênio. México: Siglo XXI, 1972. p. 193-225. ______. El pensamiento prefilosófico em Egipto. In: ______. Historia de la Filosofia, El pensamiento prefilosófico y oriental. México: Siglo XXI, 1976. p. 10-29. 1) Como podemos conhecer o Egito Antigo? Embora tal conhecimento dependa do nosso acesso a fontes ou a documentos, há diferentes tipos de documentos sobre o Egito: os provenientes das pesquisas arqueológicas e os oriundos da tradição textual antiga, hebrai- ca, grega e romana, e, por fim, as reflexões da historiografia moderna dos últimos dois séculos. A partir da leitura do capítulo e de buscas adicionais apresente três exemplos de cada uma das fontes e complemente-os com alguma outra informação. 2) Quais as especificidades e qual a relevância do estudo do Egito Antigo no Brasil de hoje? O interesse pelo Egito Antigo no Brasil já se havia destacado no século XIX, e nos séculos XX e XXI houve um crescimento acentuado tanto na repercussão popular, ou egiptomania, quanto nos estudos acadêmicos, ou egiptologia. A partir das informações do capítulo e de leituras adicionais, apresente informações e comentários sobre ambos os aspectos. Fontes e referenciais para o aprofundamento temático Anotações 37 José André Banhos / João A. Rocha gréciA AntigA: do perÍodo hoMérico Ao perÍodo clássico introdução A origem dos gregos remete primeiramente à Península da Grécia, em torno de 2200 a.C. Independentemente de seu nível cultural, os povos que adentraram a re- gião modelaram uma civilização desde o período da Idade do Bronze (no referencial grego), Período Micênico, até 1400-1200 a.C., cujos centros de destaque estavam na região do Peloponeso (parte meridional da península, sobressaindo-se Esparta), além de Micenas, Argos e Pilos. Por volta de 1200 a.C. a civilização micênica entrou em decadência (FINLEY, 1963, p. 14), o que durou por volta de 400 anos. Aqui, consideramos como uma fase de declínio porque os estudos da arqueologia e dos mitos mostram que ocorreu uma importante revolução tecnológica, ou seja, o uso do ferro, com o qual nasceu a socie- dade grega. O mundo grego histórico – econômico, político e social – passou a ser diferente do mundo micênico do mito. A língua grega permaneceu como tal, apesar das mudanças que ocorreram na economia, na política e na sociedade. Notamos que, na Antiguidade, a Hélade (Grécia) era uma abstração, uma vez que os gregos antigos nunca tiveram unidade política ou territorial. Basta percebermos a existência de grande número de comunidades estabelecidas no período arcaico, po- rém diferentes das cidades-estado no período clássico, plenamente estabelecidas. O mundo grego abrangia uma vasta área: do Mar Negro, a leste, até o sul da Itália (oeste), com alguns pontos até a atual Espanha. Todos esses gregos tinham consciência de pertencer a uma única cultura – mesma língua, mesma religião, costumes seme- lhantes. O mundo por eles habitado, dentro ou fora da península, era grego, formado tanto pela tribo quanto pela família e pela fratria, que se constituía como corpo inde- pendente, com culto especial (COULANGES, 1998, p. 122), do qual se excluíam os escravos e estrangeiros. Os gregos antigos2 AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 38 A língua grega, preservada durante todos os períodos da história da Hélade, variava em forma de dialetos, e aqueles que não a dominavam eram tratados como “bárbaros”, homens cujas línguas eram incompreensíveis, por isso eles eram considerados inferio- res, independentemente de seu grau de desenvolvimento. Para tratarmos do mundo grego acima descrito, dividiremos a história da Grécia Antiga, segundo a versão tradicional, nos seguintes períodos: • Pré-Homérico – século XX a XII a.C.; • Homérico – século XII a VIII a.C.; • Arcaico – século VIII a VI a.C.; • Clássico – século VI a IV a.C.; • Helenístico – século IV a II a.C. grécia pré-homérica Os primórdios da civilização grega estão relacionados ao processo de ocupação dos povos que chegaram à Hélade por volta de 2000 a.C.. Os aqueus foram os primeiros a alcançar essa região; integraram-se aos pelasgos (em grego, pl. Πελασγοί, Pelasgoí; s. Πελασγός, Pelasgós), povos nativos, e com o passar do tempo deram origem aos primeiros centros urbanos gregos (Argos, Tirinto e Micenas). Por volta de 1700 a.C. outras populações chegaram à Hélade, realizando a ocupa- ção de outras terras. Eólios e jônios se estabeleceram pacificamente, e com isso novos polos de ocupação humana fixaram-se no espaço original da civilização grega, favore- cendo o contato entre Micenas e Creta. Os cretenses conceberam uma sociedade com- plexa, reconhecida pelo intenso comércio marítimo propagado ao longo do Mar Egeu. Com o passar do tempo, os aqueus fortaleceram sua economia a ponto de estabele- cer uma rivalidade com os cretenses, promovendo invasões que desorganizaram parte de seus costumes e tradições. A vitória dos aqueus contribuiu para que os helenos ampliassem seu domínio na porção oriental do Mar Mediterrâneo. Tal domínio se am- pliou em torno de 1200 a.C., quando a cidade de Troia foi conquistada, dando acesso às terras do litoral do Mar Negro. Por fim, uma última vaga de invasão foi responsável pela etapa final do chamado período Pré-Homérico, a realizada pelos dórios. Durante o século XII a. C. os dórios empreenderam uma violenta invasão, que des- truiu vários centros urbanos da Hélade, devido a sua tradição militar e ao manuseio do metal, o que contribuiu para a fuga de vários habitantes da parte continental da Grécia. Dessa forma, parte dos costumes, saberes e tradições anteriormente estabeleci- dos nessa região foram desarticulados pela maneira violenta com que os dórios 39conquistaram a Grécia. Vários grupos humanos fugiram dessa situação desoladora, e buscaram novas terras nas ilhas do Mar Egeu e nas porções litorâneas da Ásia Menor. Usualmente, esse deslocamento populacional ficou reconhecido como a Primeira Di- áspora Grega. O fim de várias cidades e da ampla atividade comercial marítima levou a uma nova configuração do mundo grego. Pequenos grupos familiares passaram a viver da agri- cultura de subsistência, e o artesanato perdeu espaço para a concepção de peças mais simples e funcionais. As estruturas políticas centralizadas deram lugar ao poder exerci- do localmente pelos chefes familiares, que nos poemas homéricos são vistos como reis heroicos de uma tradição hereditária. Mapa do mundo grego no momento da invasão dos dórios. tal invasão levou à desarticulação dos pro- cessos de formação anteriores. http://www.templodeapolo.net/civilizacoes/grecia/historia_civilizacao/ mapa_invasao_dorica.html os gregos antigos AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 40 grécia homérica A história registra que o Período Homérico manteve o desenvolvimento da cerâmi- ca com desenhos geométricos, além dos poemas – a Ilíada e a Odisseia –, deixando claro que a falta da escrita não afetou os estudos e as interpretações do mundo grego nesse período de 400 anos, mesmo com todas as dificuldades apresentadas ao estu- dioso da história. Essa fase foi reconstruída pelos vestígios materiais descobertos pela arqueologia, os quais faziam parte do oikos, e pelos dois poemas acima citados. En- quanto a Ilíada é o poema de Homero que trata das batalhas militares e dos tratados políticos, a Odisseia é o poema que versa sobre as questões religiosas e a soberania dos deuses perante o homem. Não que a Ilíada não trate dessas questões, mas a Odis- seia esclarece a questão da supremacia divina sobre os mortais. A passagem do Canto XII, em que Poseidon castiga Odisseu e seus companheiros por este tê-lo desafiado, mostra toda a temência de Homero em relação aos deuses: Logo que ouviu tais palavras, Posido, que a terra sacode, foi para a Esquéria, a cidade onde os nobres Feácios demoram. Lá se postou. Já avançava mui célere a nau sulcadora, a aproximar-se da praia: chegou-se-lhe, entanto, Posido, a transformou numa pedra, de fundas raízes dotada, com simples toque de mão (HOMERO, Odisséia, Canto XII). Entendemos que tanto a Ilíada quanto a Odisseia são chamados poemas épicos porque exaltam os feitos de grandes heróis – a maioria deles fictícios – e foram escritos para serem recitados por bardos em público; por isso temos que ter certos cuidados: de forma alguma podemos ler os poemas homéricos como fontes precisas, sendo sem- pre necessária uma leitura criteriosa. Finley alerta para o cuidado na análise de poemas épicos: Contudo, o que quer que tenha sido, o épico não era história, e sim uma narrativa, detalhada e precisa, com descrições minuciosas de guerras, viagens marítimas, banquetes, funerais e sacrifícios, todos muito reais e vívidos; ele podia conter inclusive algumas sementes encobertas do fato histórico – mas não era história (1963, p. 14). Os poemas homéricos são vistos como ficção, que representa um sistema de valo- res entre poder aristocrático e arte da guerra, visto que o rei, nos tempos heroicos, detinha três formas de poder: o militar, o religioso e o judicial. Em relação ao oikos, retratado na Odisseia, era formado por todos aqueles que compunham um domínio fundiário, com uma grande diversidade (cultivo de cereais, vinhas, bovinos e ovinos), com inúmeros servidores ocupados na lavoura, nas vindi- mas, na guarda e condução do gado para pastagem, sob vigilância do senhor do do- mínio (MOSSÉ, 1984, p. 60). Assim, concluímos que o domínio (oikos) baseava-se na agricultura e na criação de gado, com produção destinada ao proprietário, sendo ele 41 inclusive um rei. Eis aí a concepção da realeza homérica, hereditária: regulamentada por direito, com autoridade permanente sobre as questões internas e externas, uma vez que ao rei cabiam as benfeitorias do povo, na arte e na guerra. A base do poder do rei homérico consistia na supremacia militar, na promoção da unidade, na atribuição de terras, na benignidade com o povo, na preocupação com a justiça; porém, a força militar era a origem de sua autoridade, e a realeza estava ligada diretamente à posse do oikos, que tinha por função ser próspero aos olhos de todos que faziam parte dele. Além dos campos, o domínio também abrangia o palácio, como casa do senhor, com todo esplendor e riqueza, narrados nos domínios de Menelau ou de Alcínoo (MOSSÉ, 1984). Como parte do domínio cabia ao senhor a supervisão dos trabalhadores do campo, e à senhora o comando da casa e das servas, o preparo das refeições e dos banhos, o acolhimento dos visitantes, a chave do tesouro da casa, as provisões alimentares, as reservas de metais preciosos e os tecidos oferecidos ao senhor, assim como o pro- duto do saque das pilhagens. Quando lhe sobrava tempo, fiava e tecia. As mulhe- res foram exemplos de administração e zelo pela casa, garantindo assim o seu pleno funcionamento. Nesse contexto mítico, o interesse do grego pelo seu passado era apenas com acon- tecimentos individuais e isolados, não incluindo um relato ordenado e sistematizado, mas sim com poucos poemas e muitos mitos transmitidos oralmente. Fonte: http://www.templodeapolo.net/civilizacoes/grecia/historia_civilizacao/mapa_mundo_de_ homero.html os gregos antigos AntiguidAde orientAl e clássicA: econoMiA, sociedAde e culturA 42 As mudanças no mundo grego iniciaram por volta do ano 1000 a.C., quando pe- quenos grupos humanos começaram a se deslocar para o leste, atravessando o mar Egeu e fixando-se na Ásia Menor – fenômeno chamado de diáspora –, o que levou à formação de povoamentos agrícolas. Com a volta da escrita e com o uso do ferro, no final do percurso a sociedade grega preservou e transmitiu seu conhecimento sistema- ticamente. O contato do grego com os povos da Ásia Menor contribuiu para o nasci- mento das trocas e para as inovações técnicas, das quais surgiu a metalurgia do ferro. Nessa mesma época ressurgiu o uso da cerâmica geometrizada (MOSSÉ, 1984, p. 35). Apenas uma sociedade que saiba usar a escrita pôde escolher, preservar e transmitir seu conhecimento e foi capaz de inquirir as suas crenças religiosas (FINLEY, 1963, p. 24). Por isso é que a Ilíada e a Odisseia apresentam seus paradoxos; sempre voltam ao passado mas apontam o porvir, ou seja, permitem exprimir o pensamento grego pela escrita e lançar esse mundo para fora de sua pré-história. Forno grego tal como está representado em um antigo pinax coríntio. o ceramista está puxando as cinzas pela câmara de combustão do forno. A porta do forno e a chaminé com a saída de calor estão claramente indicadas. Fonte: http://historia-da-ceramica.blogspot.com/2009/02/forno-de-ceramica-da-grecia-antiga.html Antigo pinax coríntio mostrando o interior do forno. A figura da esquerda foi desenhada a partir de uma restauração. podemos ver os vasos no interior do forno, de uma forma esquemática. Abaixo vê-se um pilar de apoio . Aqui, o ceramista alimenta a câmara de combustão com mais lenha. (texto extraído do livro: Fornos para ceramistas, de daniel rhodes, em tradução livre) Fonte:http://historia-da-ceramica.blogspot.com/2009/02/forno-de-ceramica-da-grecia-antiga.html 43 grécia Arcaica No período arcaico, notamos que a poesia não deixou de existir; ao contrário, relatos dessa fase da história dos helenos (gregos) permearam todo o tempo, porém sem a forma heroica narrada nos poemas atribuídos a Homero. A poesia não remete mais ao passado mítico, mas antes de tudo ao mundo do dia a dia, tão bem narrado em Hesíodo em suas obras Os Trabalhos e os Dias e Teogonia, que mostram de maneira bem estruturada o modo de vida grego. Hesíodo pode