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Fundamentos do Processo Penal Direito Processual Penal Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria ELLEN THAYNNÁ MARA DELGADO BRANDÃO MILENA BARBOSA DE MELO AUTORIA Ellen Thaynná Mara Delgado Brandão Eu, Ellen, tenho graduação em Direito pela Unifacisa – Universidade de Ciências Sociais Aplicadas e pós-graduanda em Docência do Ensino Superior. Atualmente sou professora conteudista e elaboradora de cadernos de questões. Como jurista, atuo nas áreas de Direito Penal, Direito do Trabalho e Direito do Consumidor. Milena Barbosa de Melo Eu, Milena, tenho graduação em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (2004). Doutora em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra. Mestre e Especialista em Direito Comunitário pela Universidade de Coimbra. Atualmente, sou professora universitária e conteudista. Como jurista, atuo, principalmente, nas seguintes áreas: Direito à Saúde, Direito Internacional público e privado, Jurisdição Internacional, Direito Empresarial, Direito do Desenvolvimento, Direito da Propriedade Intelectual e Direito Digital. Desse modo, fomos convidadas pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estamos muito felizes em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte conosco! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Princípios do Direito Processual Penal............................................... 12 Princípio da Presunção de Inocência .............................................................................. 13 Princípio Ampla Defesa ............................................................................................................... 15 Princípio do Contraditório ......................................................................................................... 15 Princípio da Publicidade ............................................................................................................ 16 Princípio da Vedação das Provas Ilícitas ........................................................................ 17 Princípio do Juiz Natural............................................................................................................. 18 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição ............................................................................ 18 Princípio do Nemo Tenetur se Detegere ....................................................................... 19 Princípio da Oficialidade ............................................................................................................. 19 Princípio da Intranscendência ............................................................................................. 20 Princípio da Busca da Verdade Real ................................................................................ 20 Princípio da Comunhão das Provas ................................................................................... 21 Sistemas do Processo Penal ...................................................................23 Breve Apontamento Histórico da Evolução do Processo Penal ...................23 Os Sistemas de Processo Penal ...........................................................................................26 Sistema Inquisitivo .....................................................................................................26 Sistema Acusatório ....................................................................................................28 Sistema Misto ............................................................................................................... 30 Sistema Adotado no Brasil....................................................................................................... 30 Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço ................................... 33 Aplicação da Lei Processual Penal no Espaço ..........................................................33 Tratados, Convenções e Regras de Direito Internacional ..............35 Jurisdição Política ....................................................................................................... 36 Processos da Competência da Justiça Militar ........................................37 Processos da Competência do Tribunal Especial ................................37 Legislação Especial ....................................................................................................37 Aplicação da Lei Processual Penal no Tempo .......................................................... 38 Interpretação da Lei Processual Penal ..............................................43 Fontes Materiais ...............................................................................................................................43 Fontes Formais ..................................................................................................................................45 Interpretação da Lei de Processo Penal ........................................................................47 Aplicação Supletiva e Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo Penal .................................................................................................................................. 51 9 UNIDADE 01 Direito Processual Penal 10 INTRODUÇÃO O Direito é um ramo que tem uma extensão de disciplinas, todas com fundamental importância. Estudaremos nesta unidade, uma dessas disciplinas que é o Processo Penal. Entre os variados conteúdos que ela contempla, iremos tratar, na introdução, quais são os princípios que norteiam o processo penal, os sistemas do processo penal que são três, fazendo menção a qual sistema é adotado pelo Código de Processo Penal brasileiro. Estudaremos também, sobre a lei processual, fazendo uma distinção entre lei processual no tempo e no espaço, para que por fim, possamos estudar sobre a interpretação da lei processual penal, assunto extremamente importante para que se entender como se aplica a lei e quais são suas fontes. Direito Processual Penal 11 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1 – Fundamentos do Processo Penal. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Entender quais são os princípios do processo penal e para que eles servem. 2. Identificar os sistemas do processo penal. 3. Compreender a lei processual no tempo e no espaço. 4. Desenvolver a interpretação da lei processual penal. Então? Preparado para adquirir conhecimento sobre um assunto fascinante e inovador como este? Vamos lá! Direito Processual Penal 12 Princípios do Direito Processual Penal OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você serácapaz de entender como funciona cada um dos princípios que norteiam o Direito Processual Penal, que será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram compreender o Direito Processual Penal e não estudaram sobre seus princípios tiveram problemas para compreender a disciplina. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! Neste capítulo, estudaremos os princípios que norteiam o Direito Processual Penal. Elencamos os principais para serem estudados. Empolgados? Vamos lá! Antes de começarmos os estudos deste capítulo, devemos perguntar: O que vem a ser princípio? O dicionário Aurélio (2010) conceitua princípio como o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão. No Direito, de acordo com Nucci (2011), princípio jurídico quer dizer um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta maior a seguir. Cada ramo do Direito tem seus próprios princípios, muitas vezes podem estar expressos no ordenamento jurídico, mas também podem estar implícitos. O Processo Penal tem seus princípios que, muitas vezes, chegam a suplementar a própria literalidade da lei. Estudaremos agora os princípios mais importantes desse ramo do Direito. Direito Processual Penal 13 Princípio da Presunção de Inocência Esse princípio, também, é conhecido como o da não culpabilidade ou do estado de inocência. De acordo com Nucci (2011,) o princípio garante que todo acusado é presumidamente inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado, ou seja, o acusado só pode ser declarado culpado, após o término do devido processo legal, durante o qual ele tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação. Assim, enquanto não houver uma sentença criminal condenatória irrecorrível, o acusado não pode ser considerado culpado e, portanto, não pode sofrer as consequências da condenação. IMPORTANTE: Esse princípio não proíbe a prisão cautelar que seja decretada por razões excepcionais que sejam para garantir a efetividade do processo. Esse princípio é reconhecido como direito fundamental, incluso no art. 5º, LVII, da Constituição da República, que consta em seu texto: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988) Direito Processual Penal 14 Desse princípio, de acordo com Lima (2019), derivam duas regras fundamentais: • Regra probatória (in dubio pro reo) – devido a esta regra, a parte acusatória tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado, além de qualquer dúvida razoável, não sendo dever do acusado provar sua inocência. Ela garante que na dúvida, a decisão tem que favorecer o imputador, tendo em vista que ele não tem a obrigação de provar que não praticou o crime. Como consequência da regra, Lima (2019) destaca: a incumbência do acusador de demonstrar a culpabilidade do acusado; a necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não de demonstrar a inconsistência das desculpas do acusado; tal comprovação deve ser feita legalmente; impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos. Figura 1 – In dubio pro reo Fonte: Freepik (2020). Direito Processual Penal 15 Da regra de tratamento – garante, de acordo com Lima (2019), que o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao acusado, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, enquanto não houver o fim do processo. Princípio Ampla Defesa Esse princípio está descrito no art. 5º, LV, da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (BRASIL, 1988) Assim, Nucci (2011) diz que ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pelo acusado. Esse princípio garante inúmeros direitos ao réu, entre eles, podemos citar: ajuizamento de revisão criminal (que é vedado à acusação), a oportunidade de verificar a eficiência da defesa pelo magistrado, que pode desconstituir o advogado escolhido pelo réu. Princípio do Contraditório Esse princípio também é amparado pela Constituição Federal, no mesmo artigo supramencionado no princípio da ampla defesa. Lima (2019) considera que o contraditório é o ato bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los, pontua que são dois os elementos do contraditório: direito à informação e o direito de participação. Sendo o contraditório a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis. Direito Processual Penal 16 IMPORTANTE: Destaque-se que esse princípio diz que cada ato, que for praticado durante o processo, deve ser resultante da participação ativa das partes. Está ligado, também, à relação processual, servindo tanto à acusação quanto à defesa. Princípio da Publicidade Tal princípio encontra-se previsto nos artigos 5º, LX, XXXIII e 93, IX da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1988) Assim, Nucci (2011) diz que esse princípio quer dizer que os atos processuais devem ser realizados, publicamente, à vista de quem deseja acompanhá-los, sem segredos e sem sigilo. Direito Processual Penal 17 IMPORTANTE: O princípio da publicidade funciona como um pressuposto de validade dos atos processuais e das decisões tomadas pelo Poder Judiciário. Todavia, existem casos que a própria Constituição restringe esse direito, como é o mencionado no art. 93, IX, mas ela assegura que nunca será segredo total, podendo só limitar a presença de algumas pessoas, devendo sempre validar um ato na presença do promotor e do defensor. Princípio da Vedação das Provas Ilícitas O art 5º da Constituição Federal, em seu inciso LVI, traz que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. Desta forma,o processo penal deve considerar somente as provas legais e legítimas, sendo inadmitida as provas obtidas por meios ilícitos. Mas o que vem a ser ilícito? Algo ilícito é algo que a lei não permite, aquilo que é contrário à moral, aos bons costumes e aos princípios gerais do Direito. NOTA: No Brasil, adotou-se a teoria dos frutos da árvore envenenada (prova ilícita por derivação), que afirma que se uma prova for obtida por meio ilícito não podemos utilizar as provas que vierem a surgir por causa disso. Exemplo: o conteúdo obtido graças à escuta ilegal. Assim, o Código de Processo Penal, em seu art. 157, diz que são inadmissíveis, devendo ser desmembradas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Direito Processual Penal 18 Princípio do Juiz Natural Garantido pelo art. 5º, LIII, o princípio do juiz natural diz que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Lima (2019) diz que o juiz natural é aquele constituído, antes do fato delituoso a ser julgado, mediante regras taxativas de competência estabelecidas pela lei. Também retrata que a Convenção Americana de Direito Humanos prevê que toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e em um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido, anteriormente por lei. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Nucci (2011) retrata que esse princípio garante a parte o direito de buscar o reexame da causa por órgão jurisdicional superior. Figura 2 – Juízo Fonte: Freepik (2020). Assim, o recorrente tem o direito de ter seu processo reapreciado jurisdicionalmente, podendo ser de forma parcial ou total, devendo atender os pressupostos da lei. Direito Processual Penal 19 Princípio do Nemo Tenetur se Detegere No art. 5º, LXIII da Constituição Federal, o preso deve ser informado dos seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogados. Desta forma, o princípio nemo tennetur se detegere garante que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. De acordo com Lima (2019), o princípio trata-se de uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação. Consistindo assim, na proibição de uso de qualquer medida de coerção ou intimidação ao acusado, em processo de caráter sancionatório, para obtenção de uma confissão ou para que colabore em atos que possam ocasionar sua condenação. Princípio da Oficialidade A Constituição Federal traz as funções de cada um dos órgãos responsáveis de verificar a infração penal, sendo a polícia judiciária encarregada em investigar, o Ministério Público é incumbido de ingressar com a ação penal e provocar a atuação da polícia, devendo requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito policial, fiscalizando-a e o Poder Judiciário cabe a função de aplicar o direito ao caso concreto. Assim, o princípio da oficialidade, “expressa ser a persecução penal uma função primordial e obrigatória do Estado. As tarefas de investigar, processar e punir o agente do crime cabem aos órgãos constituídos do Estado” (NUCCI, 2011, p.105). Direito Processual Penal 20 Princípio da Intranscendência Conforme Nucci (2011), tal princípio garante que a ação penal não transcenda a pessoa a quem foi imputado a conduta criminosa. Como seria isso? Um delito tem responsabilidade pessoal e individualizada, não podendo dar-se sem dolo e sem culpa, sendo esse o motivo que uma imputação de uma prática de um delito não pode ultrapassar a pessoa do agente, evolvendo terceiros. Desta forma, a ação penal deve ser ajuizada, unicamente, contra o responsável pela autoria ou participação no fato típico delituoso, não havendo de incluir corresponsáveis civis. SAIBA MAIS: Caso queira se aprofundar no assunto, acesse ao vídeo Princípio da intranscendência da pena, clicando aqui. Esse princípio encontra fundamento no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal que diz: Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio. (BRASIL, 1988) Princípio da Busca da Verdade Real Primeiro devemos questionar: O que vem a ser verdade? Nucci (2011) diz que a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade e que a certeza é a crença nesta conformidade, gerando um estado subjetivo do espírito, ligado a um fato, sendo possível que esta crença não corresponda à verdade objetiva. Direito Processual Penal https://www.youtube.com/watch?v=U0yQbOzSxBY 21 Tendo em vista o conceito, podemos concluir que em um processo nunca é possível assegurar que o juiz alcançou a verdade objetiva, que é aquela que corresponde a exatamente o que aconteceu. O magistrado consegue estabelecer uma verdade, de acordo com as provas que lhes são apresentadas, e por esse motivo, condena ou absolve. NOTA: Leia, também, os arts. 147, 156, 234 e 566 do Código de Processo Penal, para saber mais da atuação do juiz em seu dever para com o princípio da busca da verdade real. Desta forma, o princípio diz que o magistrado deve buscar as provas, da mesma forma que as partes também devem, não devendo se contentar somente com que o lhe é apresentado, para conseguir a verdade e assim proferir sua decisão. Esse fato é conhecido como determinação de prova ex officio pelo juiz. O art. 209 do Código de Processo Penal, assim como outros artigos, garante que o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes. Princípio da Comunhão das Provas Nucci (2011) diz que a comunhão das provas significa que a prova, ainda que produzida por iniciativa de uma das partes, pertence ao processo e pode ser utilizada por todos os participantes da relação processual, tendo como principal objetivo a apuração da verdade dos fatos alegados e contribuindo para o correto deslinde da causa pelo juiz. Assim, as provas não têm dono, podendo ser utilizada por qualquer uma das partes, isto é, uma testemunha da acusação não deve somente prestar informações que prejudiquem o acusado, ela pode alegar fatos que também o ajudem. Desta forma, estudamos alguns dos princípios do processo penal, elencando os principais e mais importantes, todavia, no decorrer da unidade, outros princípios serão citados com suas devidas definições. Direito Processual Penal 22 RESUMINDO: Estudamos nesse capítulo, os principais princípios do processo penal, iniciando pela presunção de inocência que garante que o acusado é, presumidamente, inocente até que seja declarado culpado. Em seguida, vimos o tema da ampla defesa que diz que ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pelo acusado. Já o princípio do contraditório é o ato bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los e o princípio da publicidade que garante que os atos processuais devem ser realizados, publicamente. O princípio da vedação das provas ilícitas garante que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos e no que se refere ao princípio do juiz natural, ela garante o direito do acusado de ser processado e sentenciado pela autoridade competente. O princípio do duplo grau de jurisdição garante a parte o direito de buscar o reexame da causa por órgão jurisdicional superior. No que se refere ao princípio do nemo tenetur se detegere, estudamos que ele garante que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Já o princípio da oficialidade expressa ser a persecução penal uma função primordial e obrigatória do Estado. O princípio da intranscendência garante que a ação penal não transcenda apessoa a quem foi imputado a conduta criminosa. O princípio da busca da verdade real diz que o magistrado deve encontrar as provas, da mesma forma que as partes também devem, não devendo se contentar somente com que o lhe é apresentado, para ir em buscar da verdade e assim proferir sua decisão. Por fim, estudamos o princípio da comunhão de provas que dispõe que, ainda que produzida por iniciativa de uma das partes, pertence ao processo e pode ser utilizada por todos os participantes da relação processual. Direito Processual Penal 23 Sistemas do Processo Penal OBJETIVO: Esse capítulo será dedicado ao estudo da evolução do Processo Penal e dos sistemas que surgiram com os anos e será fundamental para sua compreensão do processo penal, ajudando a uma melhor entendimento da disciplina. Por fim, estudaremos qual o sistema adotado no Brasil. Vamos lá!! Antes de estudar quais são os sistemas do processo, é necessário fazermos uma reflexão sobre a história da evolução do Processo Penal. Breve Apontamento Histórico da Evolução do Processo Penal Moreira e Camargo (2016) apontam que o aparelho estatal, desde sua constituição, comandou a intervenção no crime, submetendo a sociedade aos agentes da corporação policial, ao Ministério Público, às penitenciárias, à organização judiciária, todos regulados pelo Direito Penal e pelo Processo Penal. É o conjunto entre o Direito Penal e o processo penal que formam as condutas ilícitas. Mas como tudo precisa de algum começo para que possa ser desenvolvido, as condutas não eram descritas como são hoje. Quando começaram os agrupamentos de pessoas, elas, geralmente, atribuíam a outra o direito de decidir e punir aquelas que não seguissem os costumes do que podemos chamar de tribos ou clãs. Com o passar do tempo, de acordo com o que conhecemos da evolução da civilização, as pessoas passaram a se agrupar em um número maior, surgindo de fato, a civilização e o Estado. Com várias pessoas convivendo, houve a necessidade da criação de regras de conduta que foram formadas a partir de costumes ou da religião. Direito Processual Penal 24 Moreira e Camargo (2016) salientam que foi na Grécia antiga (400 a.C.) que se estudou sobre o Estado e sua composição, sob a influência dos mais privilegiados pensadores. Foi no livro, A Política de Aristóteles, que se estabeleceu pela, primeira vez, a divisão dos poderes e o sistema representativo. Mas como era o Direito Penal ateniense? Ele era dividido nos crimes contra o particular e a coletividade, compondo a ação penal privada e pública, dependendo do tipo de acusação. Moreira e Camargo (2016) dizem que nesta época só existiam tribunais colegiados, compostos por dezenas ou centenas e, excepcionalmente, até milhares de juízes, acrescidos de defesa, acusação, réu e testemunhas, nos quais as audiências eram públicas e o voto secreto, e as alegações eram sempre orais. Um dos fatos mais interessantes eram que se os votos dessem empate, o réu era absolvido. No início da monarquia romana, quem conduzia as investigações eram os juízes e julgavam, além disso, o Processo Penal que era público. Com relação ao recurso, era feito pelo condenado, por meio de comício em praça pública em que deveria se defender da sentença condenatória. Esse recurso era conduzido ao Imperador. No fim do Império Romano, começou a ser aceita a tortura como meio para forçar o réu a confessar o crime e também era utilizada para averiguar se as testemunhas diziam a verdade. O Processo Penal Canônico marcou o mundo, pois ele punia as pessoas que confrontassem a Igreja, os crimes se misturavam com a religião e, inclusive, invadiam a esfera privada, condenando o adultério, a sodomia, a usura, entre outros. A tortura nesse período foi legalizada, para ser extraída a confissão do réu, e não era permitida a defesa do acusado, o processo era secreto, tudo era em nome de Deus e da verdade. IMPORTANTE: As características de Processo Penal Canônico foram adotadas por outros países a exemplo da Espanha, Germânia, Portugal e Itália. Direito Processual Penal 25 Assim, de acordo com Moreira e Camargo (2016), foi a partir do fortalecimento do capitalismo e do enfraquecimento da Igreja Católica que práticas como a tortura foram contestadas e o órgão encarregado da acusação foi defendido. Foi no Iluminismo, graças a teoria do contrato social que ius puniendi (direito de punir) passou para o Estado, o qual solucionava os conflitos, pacificamente, e o Processo Penal tutelava quem, supostamente, rompia o pacto social. Figura 3 – Justiça Fonte: Freepik (2020). Foi desta forma, que com a mudança da visão do Processo Penal, ele foi reconhecido como uma disciplina autônoma, fazendo parte do ramo do Direito Público, tornando-se parte importante no estudo da área. Conforme Moreira e Camargo (2016), a publicização do Processo Penal, seguida da adoção parcial do Sistema Acusatório, redefiniu o estudo do Direito Processual. O Processo Penal é estudado como a forma adotada para solucionar a composição de conflitos, em que uma parte é representante do Estado que tem limitações, derivadas da lei ao seu poder de punir. Podemos concluir que o Processo Penal abrange toda a função jurisdicional estatal criminal. Direito Processual Penal 26 Os Sistemas de Processo Penal Para que se possa realizar uma investigação, desenvolvendo o processo-crime que resulta em uma condenação, podem-se utilizar vários sistemas. No Processo Penal há como regra três sistemas regentes, sendo eles: • Sistema inquisitivo. • Sistema acusatório. • Sistema misto. Estudaremos cada um deles a seguir. Sistema Inquisitivo Esse sistema foi adotado pelo Direito canônico no século XIII, seguindo posteriormente para a Europa, sendo empregado até o século XVIII. Lima (2019) diz que tal sistema tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado juiz inquisidor. Por que não é considerada a melhor forma o juiz fazer o papel de defender, acusar e julgar? A resposta é simples. O juiz, sendo responsável por todos estes poderes, tem o comprometimento abalado da sua imparcialidade, pois são incompatíveis as funções de acusar e julgar, devido a sua ligação com o resultado da demanda. Já que se encontra nas mãos de uma mesma pessoa as funções de defender e acusar, nesse sistema não há contraditório e, no processo inquisitório, o juiz tem a liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, podendo proceder a uma completa investigação do fato delituoso, pois tem amplos poderes instrutórios. Direito Processual Penal 27 Lima (2019) ainda aponta que no sistema inquisitório, o acusado é considerado mero objeto do processo, não sendo sujeito de direitos. Quando se fala em buscar a verdade real, era admitido que o acusado fosse torturado para que uma confissão fosse obtida e a confissão era considerada a rainha das provas. Em regra, o processo inquisitivo era escrito e sigiloso e suas formas eram orais e públicas. IMPORTANTE: O fato mais importante desse sistema é a concentração de poderes nas mãos do juiz, que era chamado de inquisidor. De maneira geral, podemos concluir que o sistema inquisitório é um sistema rigoroso, secreto, que adota a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo. Nesse sistema, não se fala em contraditório, pois estão nas mãos do juiz as funções de acusar, defender e julgar, e o acusado é considerado mero objeto do processo, não sendo um sujeito de direitos. Não havia debates orais e o procedimento era exclusivamente escrito. NOTA: De acordo com o que estudamos sobre o sistema inquisitivo, fica evidente que esse sistema é incompatível com os direitos e as garantias individuais, violando os mais elementaresprincípios processuais penais, entre eles, o da imparcialidade, garantido pela Constituição Federal. Direito Processual Penal 28 Sistema Acusatório O sistema acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do Direito Germano. A partir do século XIII, entra em declínio, passando a predominar o sistema inquisitivo (LIMA,2019, p.42). No sistema acusatório, bem diferente do inquisitivo, há uma nítida separação entre o acusador, o defensor e o julgador. De acordo com Lima (2019), o processo caracteriza-se como legítimo actum trium personarum. NOTA: O que vem a ser actum trium personarum? A expressão está relacionada exatamente com a separação das partes no processo em que o autor pede, o réu se defende e o juiz julga. Nesse sistema, a regra era que o acusado permanecesse solto, durante o processo e, seu processo acusatório tinha como característica a oralidade e a publicidade, sendo aplicado o princípio da presunção de inocência. Todavia, no Direito Romano, em várias fases, o sistema era escrito e sigiloso. No que se refere ao sistema probatório, o juiz, ao contrário do inquisitivo, não tem poder de determinar de ofício a produção de provas, pois estas deveriam ser fornecidas pelas partes, prevalecendo o exame direto das testemunhas e do acusado. O juiz pode, em caráter excepcional, durante o curso do processo, pedir a produção de alguma prova. Desta forma, Lima (2019) elenca como principais características do sistema: gestão de provas é função das partes, cabendo ao juiz o papel de garantir as regras do jogo, devendo salvaguardar os direitos e liberdades fundamentais; gerar um processo de partes, em que o autor e o réu constroem por meio do confronto a solução justa do caso penal; separação das funções de defender, acusar e julgar entre pessoas diferentes; reconhecimento dos direitos fundamentais do acusado, que passa a ser sujeito de direito; a construção dialética da solução do caso pelas partes em igualdade de condições; a publicidade e a oralidade do julgamento; a liberdade do réu é a regra. Direito Processual Penal 29 NOTA: Lima (2019) diz que atualmente o processo penal inglês é o que mais se aproxima de um sistema acusatório puro. No Quadro 1, apresentamos um comparativo entre os sistemas inquisitorial e acusatório: Sistema Inquisitorial Sistema acusatório Não há separação das funções de acusar, defender e julgar, que estão concentradas em uma única pessoa, que assume as vestes de um juiz inquisidor. Separação das funções de acusar, defender e julgar. Por consequência, caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, sobrepondo-se a ambas um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Como se admite o princípio da verdade real, o acusado não é sujeito de direitos, sendo tratado como mero objeto do processo, por isso admite- se a tortura como meio de se obter a verdade absoluta. O princípio da verdade real é substituído pelo princípio da busca da verdade, devendo a prova ser produzida como fiel observância ao contraditório e à ampla defesa. Gestão da prova: o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa acusatória e probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de elementos informativos e de provas, seja no curso das investigações, seja no curso da instrução processual. Gestão da prova: recai principalmente sobre as partes. Na fase investigatória, o juiz só deve intervir quando provocado, e desde que haja necessidade de intervenção judicial. Durante a instrução processual, prevalece o entendimento de que o juiz tem certa iniciativa probatória, podendo determinar a produção de provas de ofício, desde que o faça de maneira subsidiária. A concentração de poderes nas mãos do juiz e a iniciativa dela decorrente é incompatível com a garantia da imparcialidade e com o princípio do devido processo legal. A separação das funções e a iniciativa provatória residual, restrita, à fase judicial, preservam a equidistância que o magistrado deve tomar quanto ao interesse das partes, sendo compatível com a garantia da imparcialidade e com o princípio do devido processo legal. Fonte: Elaborado pelas autoras com base em LIMA (2019). Direito Processual Penal 30 Sistema Misto O sistema misto surgiu, a partir das alterações feitas por Napoleão no sistema inquisitorial, a partir do século XIII. Esse sistema corresponde à fusão do sistema inquisitivo com o sistema acusatório, surgindo no Código Criminal Francês de 1808, também conhecido como sistema francês. De acordo com Nucci (2011), o sistema caracteriza-se pela divisão do processo em duas grandes fases: 1. A instrução preliminar, com elementos do sistema inquisitivo, instrução escrita e secreta, sem acusação e sem contraditório. Seu objetivo é apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. 2. Fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório com a apresentação da acusação pelo órgão acusante, o réu defende-se e o juiz julga, vigorando em regra, a publicidade e a oralidade. Sistema Adotado no Brasil Os autores divergem quanto ao sistema adotado no Brasil. Nucci (2011) é um dos que defendem que adotamos o sistema misto. Como parte da sua defesa, diz que o Código de Processo Penal prevê a colheita inicial da prova por meio de inquérito policial, presidido pelo delegado, com todos os requisitos do sistema inquisitivo. Somente após isso, é que se ingressa com a ação penal e, em juízo, passam a vigorar as garantias constitucionais, aproximando-se do sistema acusatório. Desta forma, Nucci (2011) ainda sustenta: Ora, fosse verdadeiro e genuinamente acusatório e não se levariam em conta, para qualquer efeito, as provas colhidas na fase inquisitiva, o que não ocorre em nossos processos na esfera criminal. O juiz leva em consideração muito do que é produzido durante a investigação, como a prova técnica, os depoimentos colhidos e, sobretudo a confissão extraída do indiciado. (NUCCI, 2011, p.122-123.) Direito Processual Penal 31 Assim, na visão de Nucci (2011), o processo penal delineia-se inquisitório na sua essencialidade e, formalmente, no que diz respeito ao procedimento desenrolado na segunda fase do procedimento penal, acusatório. Dizer que o sistema penal é acusatório é dizer, de acordo com Nucci (2011), que o juiz não pode produzir provas de ofício, decretar prisão do acusado de ofício, sem que nenhuma das partes tenha solicitado, procedimento que o Código de Processo Penal assegura ao juiz. Todavia, grande parte da doutrina defende que o sistema, adotado no Brasil, é o sistema acusatório. Lima (2019) é um dos que defendem o posicionamento, dizendo que Com o advento da Constituição Federal, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório. (LIMA, 2019, p.43) Com o advento da Lei nº13964/19 em seu art. 3º- A e B, surgiu a figura do Juiz das Garantias, contendo em seu texto que o processo penal terá estrutura acusatória, sendo vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de execução. SAIBA MAIS: Caso queira se aprofundar no assunto do Juiz das Garantias, como uma figura nova que é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, cuja franquia tenha sido reservada à autoridade prévia do Poder Judiciário, acesse sua competência no art. 3º-B da Lei nº13964/19, clicando aqui. Quando havia os questionamentos dos autores, ainda não existia esta lei que trazia de forma expressa que nosso sistema é acusatório, sendo sanada, portanto, a dúvida. Direito Processual Penal http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm32 RESUMINDO: Estudamos que o Direito Processual Penal surgiu desde a época das tribos e dos clãs, em que os chefes decidiam e puniam aqueles que não seguissem os costumes. Vimos que foi na Grécia antiga que começaram os estudos sobre o Estado e sua composição, assim, estudamos todo o processo de desenvolvimento do processo penal, quando foi aceito a tortura para conseguir a confissão do acusado até o Iluminismo, que graças a teoria do contrato social, entendeu-se que o ius puniendi (direito de punir) é do Estado, o qual soluciona os conflitos pacificamente e sobre o Processo Penal que tutela quem supostamente rompeu o pacto social. Vimos que existem três sistemas de processo penal: inquisitivo, acusatório e o misto. O que difere o sistema inquisitivo do acusatório é que no inquisitivo não há separação das funções acusar, defender e julgar, já no sistema acusatório há, e a gestão de provas também é um dos pontos principais para diferenciação. O sistema misto é a junção dos dois outros sistemas. Por fim, vimos que existem diversas discussões sobre qual sistema é adotado no Brasil, para tal, em 2019, foi aprovada a Lei nº13964/19, trazendo a figura do Juiz das Garantias e dizendo que nosso sistema adotado é o acusatório. Direito Processual Penal 33 Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço OBJETIVO: Estudaremos neste capítulo sobre a aplicação da lei processual penal no tempo e no espaço, assim, ao terminar o capítulo você saberá como compreender a lei processual penal, assunto importante para ser usado no dia a dia da pessoa que deseja entender a disciplina. Vamos lá!! Quando se fala em aplicação da lei processual penal no espaço, estamos relacionando à sua aptidão para produzir efeitos que estão ligados a dois fatores: espacial e temporal. Assim, a norma processual penal vigora em determinado lugar e em determinado momento. Vamos a seguir estudar estes dois fatores. Aplicação da Lei Processual Penal no Espaço O Código de Processo Penal, de acordo com Lima (2019), adotou o princípio da territorialidade, pois a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional, logo, não pode ser exercida além das fronteiras do respectivo Estado. O princípio da territorialidade vem de forma expressa no art. 1º do Código de Processo Penal, que contém em seu texto Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - Os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Direito Processual Penal 34 Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86, 89, § 2º, e 100); III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, no 17); V - os processos por crimes de imprensa. (Vide ADPF nº 130). Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos números IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso. (BRASIL, 1941) Desta forma, o princípio determina que a lei produzirá seus efeitos no território nacional. Assim, de acordo com Lima (2019), mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior, exemplo, citação, intimação, interrogatório, oitava de testemunha, entre outros, a lei processual penal a ser aplicada é a do país onde tais atos venham a ser realizados. É importante também ressaltar que na mesma linha, se aplica a lei processual brasileira aos atos referentes às relações jurisdicionais com autoridades estrangeiras que devam ser praticados no Brasil. Podemos citar o exemplo do procedimento de extradição, a homologação de sentença estrangeira, cumprimento de carta rogatória, entre outros. NOTA: Podemos concluir que o Código de Processo Penal é a lei aplicável ao processo e julgamento das infrações penais no Brasil. Lima (2019) aponta que há situações em que a lei processual penal de um Estado pode ser aplicada fora de seus limites territoriais: • Aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius. • Quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual. • Em caso de guerra em território ocupado. Direito Processual Penal https://br.freepik.com/fotos-gratis/vista-superior-maos-alegando-culpado-com-algemas_5128201.htm?incidente=12837 https://br.freepik.com/fotos-gratis/vista-superior-maos-alegando-culpado-com-algemas_5128201.htm?incidente=12837 35 DEFINIÇÃO: Território nullies significa terra que pertence a ninguém. Todavia, como quase toda regra tem exceção, esta não é diferente, vamos estudar quais são as exceções. Tratados, Convenções e Regras de Direito Internacional A competência internacional é regulada pelo Direito Internacional ou pelas regras internas de determinado país, tendo como fontes os costumes, os tratados normativos e outras regras de Direito Internacional. NOTA: Nucci (2011) coloca que tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica. Direito Processual Penal 36 Figura 4 – Tratado Fonte: Pixabay(2020). De acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, os chefes de governo estrangeiro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros do corpo diplomático e suas famílias, assim como funcionários de organização internacionais em serviço, gozam de imunidade diplomática, que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo delito praticado no Brasil. Segundo Jurisprudência do STF, o tratado situa-se acima das leis e abaixo da Constituição Federal, razão pela qual, quando há conflitos entre ambos, deve prevalecer o tratado sobre as leis e a Constituição sobre o tratado. Jurisdição Política De acordo com Lima (2019), a Justiça Política corresponde à atividade jurisdicional exercida por órgãos políticos, alheios ao Poder Judiciário, apresentado como objetivo precípuo o afastamento do agente público que comete crimes de responsabilidade de suas funções. Direito Processual Penal 37 Como exemplo pode ser citado o art. 52, I e II da Constituição Federal que diz que compete, privativamente, ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, assim como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos delitos de mesma natureza conexo àqueles. Existem outras exceções como essa contida na legislação, por exemplo o art. 4º do decreto nº201/67. Processos da Competência da Justiça Militar O art. 124 da Constituição Federal diz que é competência da Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, definidos em lei. Desta forma, estes processos deverão seguir, como regra, o Código de Processo Penal Militar, e apenas de forma subsidiária, o Código de Processo Penal. Processos da Competência do Tribunal Especial Os crimes que atentarem contra a segurança nacional que estão previstos na Lei nº 7170/83 são, em regra, julgados pela Justiça Federal, pois o art. 109, IV da Constituição Federal garante que cabe à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos com recurso ordinário para o Supremo. Legislação Especial Nucci (2011) aponta que, quando lei especial regular um procedimento diverso do previsto no Código de Processo Penal, pelo princípio da especialidade, aplica-se àquela e somente em caráter subsidiário a esse último. Podemos citar, por exemplo, a Lei de Drogas que contém rito específico para o processo e julgamento. NOTA:O princípio da especialidade diz respeito ao afastamento da incidência da norma geral com relação à norma especial, isto é, que a norma especial prevalece em relação a geral. Direito Processual Penal 38 Desta forma, podemos concluir que o Código de Processo Penal é aplicável aos processos de natureza criminal que tramitam no território nacional, com as ressalvas feitas, anteriormente. É importante também destacar que o CPP só é aplicável aos atos processuais praticados no território nacional, assim, se por algum motivo, o ato processual tiver de ser praticado no exterior, por meio de carta rogatória ou qualquer outro instrumento de cooperação jurídica internacional, serão aplicadas as regras processuais do país em que o ato for praticado. Aplicação da Lei Processual Penal no Tempo Quando há duas ou mais leis penais sucedidas no tempo, deve-se definir qual delas deverá ser aplicada a determinado processo criminal. Santos (1980) trouxe três teorias para regular a eficácia da lei no tempo: • Teoria da unidade processual – uma lei processual penal nova não poderia ser aplicada a processos criminais já em curso, somente sendo aplicável aos processos que viessem a ser instaurados no futuro, assim, um processo criminal somente poderia ser regido, do início ao fim, por uma única lei. • Teoria das fases processuais – uma lei processual penal nova pode ser aplicada a um processo em curso, mas só seria aplicável na fase processual seguinte, isso significa, portanto, que em um mesmo processo poderiam ser aplicadas diversas leis, mas cada fase processual somente poderia ser regida por uma única lei. • Teoria do isolamento dos atos processuais – para esta teoria, a lei processual penal nova pode ser aplicada imediatamente aos processos em curso, mas somente será aplicável aos atos processuais futuros, ou seja, não irá interferir nos atos processuais que já foram, validamente praticados, sob a vigência da lei antiga. Para tal teoria, portanto, um processo pode ser regido por diversas leis que se sucederam no tempo. Além disso, em uma mesma fase processual, é possível que haja a aplicação de mais de uma lei processual. Direito Processual Penal 39 A lei processual penal deve ser aplicar assim que entrar em vigor. O art. 2º do Código de Processo Penal diz que “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior” (BRASIL, 1941). Esse artigo consagra o princípio tempus regit actum, princípio esse que garante que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que elas entraram em vigor. Desta forma, podemos concluir que a teoria adotada pelo Código de Processo Penal é a do isolamento dos atos processuais. IMPORTANTE: Lima (2019) sustenta que ao contrário da lei penal, que leva em conta o momento da prática delituosa, a aplicação imediata da lei processual leva em consideração o momento do ato processual. A Lei de Introdução ao Código de Processo Penal traz uma exceção a essa regra em seu art. 3º que consta “o prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal” (BRASIL, 1941). Desta forma, o artigo estabelece que o transcurso do prazo já iniciado, a regra é a aplicação da lei anterior. EXEMPLO: Nucci (2011, p .143) traz um exemplo desta exceção: o réu, após ser intimido da sentença condenatória, tem cinco dias para o oferecimento de recurso. Se nova lei entrar em vigor, alterando o prazo para dois dias, é óbvio que seu direito não será prejudicado. Assim, continua o réu com os cinco dias da lei anterior para apelar. Direito Processual Penal 40 Figura 5 – Aplicação Lei Processual Penal Fonte: Freepik (2020). Conforme Lima (2019,) do princípio tempus regit actum derivam dois efeitos: 1. Os atos processuais praticados, sob a vigência da lei anterior, são considerados válidos. 2. As normas processuais têm aplicação imediata, regulando o desenrolar restante do processo. É importante mencionar que apesar de não estar explícito, no art. 2º do Código de Processo Penal, que há distinção entre as normas processuais, a doutrina e a jurisprudência têm feito uma subdivisão destas regras, de acordo com Lima (2019): • Normas genuinamente processuais – são as que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. A elas se aplica o art. 2º do CPP. • Normas processuais materiais – são as que têm naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Direito Processual Penal 41 Mas qual é a diferença de normas penais e normas processuais penais? Podemos dizer que normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir o Estado. Já as normas processuais penais são aquelas que versam sobre o processo, desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Desta forma, se houver um dispositivo legal, mesmo estando inserido na lei processual, versando sobre regra penal, de Direito Material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna. NOTA: Ultratividade é quando a lei, mesmo sendo revogada, continua a regular os fatos que ocorreram, durante a sua vigência. A retroatividade da lei, mais benigna, é a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor. Mas o que vem a ser normas processuais materiais? São aquelas que, apesar de estarem no contexto do processo penal, regendo atos praticados pelas partes durante a investigação policial ou durante o trâmite processual, têm forte conteúdo de Direito Penal. E referido conteúdo é extraído da sua inter-relação com as normas de direito material, isto é, são normalmente institutos mistos, previstos no Código de Processo Penal, mas também no Código Penal, tal como ocorre com a perempção, o perdão, a renúncia, a decadência, entre outros. (NUCCI, 2011, p. 144) Desta forma, se houver mudança nessas normas, poderá haver reflexos no campo do Direito Penal. Direito Processual Penal 42 EXEMPLO: Uma lei é alterada e estabelece nova causa de perempção, mesmo sendo aplicada a casos futuros; é possível que em determinado caso concreto o querelado seja beneficiado pela norma processual penal recém-criada. Assim, ela deve ser retroativa com a finalidade de extinguir a punibilidade do acusado, tendo em vista que é nítido o seu efeito no Direito Material. Outras normas que devem ser consideradas normas processuais materiais são aquelas que têm vínculo com a prisão do réu, pois ela se refere à liberdade da pessoa. É importante frisar isso, pois a finalidade precípua do processo penal é a de garantir a correta aplicação da lei penal, devendo permitir que a culpa seja apurada com todas as garantias para o acusado, de forma que é impossível cuidarmos da prisão cautelar, totalmente dissociada, do contexto de Direito Material. RESUMINDO: Estudamos que, quando se fala em aplicação da lei processual penal no espaço, estamos relacionando à sua aptidão para produzir efeitos que estão ligados a dois fatores: espacial e temporal. Assim, a norma processual penal vigora em determinado lugar e em determinado momento. Assim, vimos que quando a aplicação da lei processual penal no espaço ocorre por meio do princípio da territorialidade, a lei produzirá seus efeitos somente no território nacional, mas que existem exceções, conforme o estudado. Quanto à aplicação da lei processual penal no tempo, estudamos que existem três teorias para determinar qual lei deve ser aplicada quando surge uma nova. A teoria, utilizada no Brasil, é a do isolamento dos atos processuais e a lei processual penal deve ser aplicar assim que entrar emvigor, todavia, assim como a lei processual no espaço, essa também tem suas exceções. Direito Processual Penal 43 Interpretação da Lei Processual Penal OBJETIVO: Neste capítulo estudaremos como deve ser feita a interpretação da lei de processo penal, pois ela vai além do texto puro da lei, sendo um capítulo importante para você ampliar seu conhecimento e visualiza a lei de uma forma diferente. É necessário antes de estudarmos sobre a interpretação da lei processual penal, compreender quais são as fontes do processo penal. Mas, o que vem a ser fonte? Nucci (2011) conceitua fonte como o lugar onde algo se origina. Em Direito, são analisados dois enfoques: fontes criadoras, conhecidas como fontes materiais e, fontes de expressão da norma, conhecidas como fontes formais. Estudaremos cada uma delas. Fontes Materiais É a pessoa que cria o processo penal e esta pessoa, de acordo com o art. 22 da Constituição Federal, é a União, pois ela tem competência privativa para legislar sobre processo penal, sendo assim, em 1941, surgiu a lei nº 3698 chamada de Código de Processo Penal. No mesmo art. 22, em seu parágrafo único, diz que pode ser promulgada lei complementar que autorize os Estados a legislar sobre processo penal de forma específica. Direito Processual Penal 44 Também é de competência da União, a formulação de tratados e convenções internacionais, que também são consideradas fontes criadoras de normas processuais penais. De acordo com Nucci (2011), a Convenção Americana dos Direitos Humanos criou pelo menos três regras de processo penal: • O direito ao julgamento por um juiz ou tribunal imparcial. • O direito ao duplo grau de jurisdição. • A vedação ao duplo processo pelo mesmo fato. A Constituição Federal, em seu art. 24, I e XI, diz que os Estados e o Distrito Federal legislam concorrentemente com à União sobre Direito Penitenciário e procedimento em matéria processual. Desta forma, Nucci (2011) aponta que os Estados e o Distrito Federal podem, de maneira concorrente com a União, legislar em matérias de processo penal como: organização e funcionamento dos presídios; custas dos serviços forenses; processo do juizado especial criminal; procedimento em matéria processual. Esse último podemos dizer que é autorizada a edição de leis que sirvam de complemento à legislação, quando esta for lacunosa e necessitar de maior detalhamento. EXEMPLO: Nucci (2011) cita um exemplo de quando o Estado de São Paulo legislou sobre procedimento em matéria processual, ocorrendo devido à correição parcial (instrumento de impugnação que tem como finalidade impugnar erro ou abuso quanto a atos e fórmulas do processo, sempre que não houver recurso previsto em lei). Esse recurso foi criado por lei federal, todavia, padecia de falta de procedimento para o seu processamento, sendo conseguido devido à edição do Código Judiciário do Estado de São Paulo, indicando ser o mesmo rito do agravo de instrumento. Ainda, a Constituição Federal, em seu art. 125, autoriza os Estados a terem sua organização judiciária própria, além disso, diz que as competências dos tribunais devem ser definidas, na Constituição Estadual, e que a organização judiciária deve ser de iniciativa do Tribunal de Justiça. Direito Processual Penal 45 Fontes Formais As fontes formais são aquelas que revelam o Direito Processual, de forma a se exteriorizar, sendo dividido, segundo Campos (2018) em: • Fontes formais imediatas ou diretas – são aquelas que têm sua origem no próprio ordenamento jurídico, diretamente, sem intermediações. • Constituição Federal – encontram-se assegurados os direitos e garantias individuais que têm eficácia plena ao processo penal. • Legislação Federal – são as leis editadas pela União em obediência à sua competência legislativa estabelecida pela Constituição Federal em ser art. 22, I. A principal lei é o Código de Processo Penal, mas há outras leis como a Lei de Drogas, a Lei Maria da Penha, entre outras, que tratam de forma simultânea do Direito Penal e Processual Penal. • Tratados e convenções de Direito Internacional – são os tratados e convenções aprovados e promulgados, por decreto legislativo, servindo de fonte de expressão do Direito Processual Penal. IMPORTANTE: De acordo com o art. 5º, § 3º da Constituição Federal, os tratados internacionais sobre direito humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. Se esses tratados forem de matérias processuais, seu status será de normas constitucionais. Direito Processual Penal 46 Súmulas vinculantes – as súmulas são previstas no art. 103-A da Constituição Federal, concedem ao STF o poder de, por provocação ou de ofício, devendo ter decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula, que após sua publicação terá efeito vinculante. Se uma súmula, vinculante for descumprida, poderá se oferecer reclamação diretamente ao STF para garantir a autoridade de sua decisão, de acordo com o art. 103-A, §3º da CF. • Fontes formais mediatas ou indiretas – são aquelas que se originam da interpretação do ordenamento jurídico de forma indireta. São elas: • Doutrina – são os livros, as obras, os artigos e os estudos em geral publicados pelos juristas. • Princípio gerais do Direito – são as premissas éticas que foram extraídas da consciência de um povo, em determinado momento. Vale ressaltar que muitos princípios, como já foi estudado, estão contidos na própria Constituição Federal. • Costumes – são as regras de conduta reiteradas com a consciência generalizada de sua obrigatoriedade. Estes costumes podem ser: secundum legem (de acordo com a lei), praeter legem (aqueles que suprem a ausência da lei) e contra legem (os que vão contra a lei). • Analogia – quando um caso concreto não tem norma jurídica aplicável, utiliza-se a regra que regula um caso semelhante. • Jurisprudência – são as decisões de forma reiterada de um mesmo assunto, fazendo com que haja um entendimento concreto sobre a matéria. Após concluirmos o estudo sobre as fontes do Direito Processual Penal, vamos estudar a interpretação da lei de processo penal. Direito Processual Penal 47 Interpretação da Lei de Processo Penal De acordo com Lima (2019), interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. É buscar descobrir o que a norma tem a nos dizer com maior precisão. Mesmo que uma lei seja clara, ela precisa ser interpretada, pois o que se procura com a interpretação é o conteúdo da lei, sua inteligência e sua vontade, não se busca saber a intenção do legislador, embora seja um dos constitutivos para interpretação. Ressalte- se que, após a lei entrar em vigor, ela se torna autônoma. Figura 6 – Interpretação da lei Fonte: Freepik (2020). Sabe-se que nem sempre o legislador edita uma norma de maneira prática, pois utiliza de termos com significados dúbios, muitas vezes contraditórios, incompletos e obscuros, então, interpretar a lei é de suma importância para todo operador do Direito. Direito Processual Penal 48 NOTA: Assim, a interpretação da norma é o fato de extrair o seu real conteúdo, buscando dar sentido lógico à sua aplicação. O art. 3º do Código de Processo Penal diz que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do Direito.” Esse artigo diz que é permitida a interpretação extensiva, mas o que vem a ser tal interpretação? Antes de conceituarmos a interpretação extensiva, é mister dizer que a interpretação quanto ao resultado pode ser declaratória, restritiva, extensiva e progressiva. Lima (2019) traz o que vem a ser cada uma destas interpretações.No que se refere à interpretação declaratória, ele diz que o intérprete não amplia nem restringe o alcance da norma, porquanto o significado ou sentido da lei corresponde exatamente à sua literalidade, assim, ela se limita a declarar a vontade da lei. Já no que se refere à interpretação restritiva, Lima (2019) aponta que é aquela em que o intérprete diminui, restringe o alcance da lei, uma vez que a norma disse mais do que efetivamente pretendia dizer. A interpretação progressiva, por sua vez, é considerada como a que busca ajustar a lei às transformações sociais, jurídicas, científicas e até mesmo morais que decorrem no tempo e acabam por interferir na efetividade que buscou o legislador com a edição da norma. EXEMPLO: Lima (p. 103, 2019) traz um exemplo para melhor entender a interpretação progressiva: com o advento da Constituição Federal, outorgando ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. Direito Processual Penal 49 127) e à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (CF, art. 134), houve forte discussão quanto à recepção do art. 68 do CPP, já que, ao promover a ação civil ex delicto em favor da vítima pobre, o Ministério Público estaria agindo em nome próprio na defesa de interesse alheio, de natureza patrimonial e, portanto, disponível. Chamado a se pronunciar a respeito do assunto, o Supremo entendeu que o dispositivo seria dotado de, inconstitucionalidade, progressiva, ou seja, de modo a viabilizar o direito à assistência jurídica e judiciária dos necessitados, assegurado pela Constituição Federal, enquanto não houvesse a criação da Defensória Pública na Comarca ou no Estado, subsistiria, temporariamente, a legitimidade do Ministério Público para a ação. Por fim, podemos estudar o que vem a ser a interpretação extensiva, citada no art. 3º do CPP. Lima (2019) diz que na interpretação extensiva, a lei disse menos do que deveria dizer, assim, para que se possa ter conhecimento da exata amplitude da lei, o intérprete necessita ampliar o seu campo de incidência. Também é considerada uma atividade, na qual o intérprete estende o alcance do que diz a lei, em razão da vontade da lei ser esta. EXEMPLO: Podemos trazer como exemplo o crime de extorsão, mediante sequestro, que com a interpretação extensiva é lógico que a lei quis incluir, também, a extorsão mediante cárcere privado. Esta interpretação extensiva pode ser aplicada sem que haja violência ao princípio da legalidade, pois a lei diz isso, só que de maneira implícita. Todavia, há doutrinadores que não aceitam esta interpretação, pois embora o Código de Processo Penal admita expressamente sua possibilidade de aplicação, alguns doutrinadores sustentam que no caso de se tratar de norma mista, ou norma puramente material inserida em lei processual, não caberá interpretação extensiva em prejuízo do réu. Continuando a análise do art. 3º do Código de Processo Penal para interpretação das normas, ele diz que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.”. Direito Processual Penal 50 Além da interpretação extensiva, ele traz expressamente a aplicação analógica, todavia, o que vem a ser isso? Esta aplicação como o próprio nome já diz, tem a ver com analogia, que é o mesmo que comparação. Lima (2019) diz que a aplicação analógica pode ser definida como uma forma de auto integração da norma, consistente em aplicar uma hipótese não prevista em lei à disposição legal relativa a um caso semelhante. A analogia não é uma forma de interpretação, mas sim de integração, ou seja, como não é permitido ao juiz deixar de julgar uma demanda devido ao fato de não haver norma expressa que a regulamenta, deve-se fazer uso dos métodos de integração, entre os métodos está a analogia, que tem o objetivo de suprir lacunas encontradas no ordenamento jurídico. Mas, qual seria a diferença entre interpretação extensiva e analogia? Lima (2019) aponta que, na analogia, o caso a ser solucionado não está compreendido na hipótese de incidência da regra a ser aplicada, já na interpretação extensiva, o intérprete estende o alcance do que diz à lei. É importante ficar atento na hora de ser utilizada a analogia, devendo observar à natureza da norma, ou seja, se ela é genuinamente de processo penal ou se é uma norma mista dispondo sobre a pretensão punitiva e produzindo reflexos no direito de liberdade do agente. Esta observação é importante, pois Lima (2019) afirma que se a norma for processual mista que verse sobre a pretensão punitiva, não se pode admitir o emprego da analogia em prejuízo do acusado, sob a pena de violação ao princípio da legalidade. IMPORTANTE: Só poderá ser utilizado da aplicação analógica, quando não houver norma disciplinando determinado caso. Devem ser respeitados três fatores na hora de aplicação da analogia, de acordo com Távora e Alencar (2020): Direito Processual Penal 51 • Semelhança essencial entre os casos (previsto e não previsto pela norma). Devem ser desprezadas as diferenças não essenciais. • Igualdade de valoração jurídica das hipóteses. • Igualdade de circunstâncias ou igualdade de razão jurídica de ambos os institutos. Na aplicação analógica, o Juiz aplica a um caso uma norma que não foi originalmente prevista para tal, mas sim para um caso semelhante. Aplicação Supletiva e Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo Penal É importante fazer uma ressalva sobre a aplicação do código de processo civil ao processo penal. Apesar de no art. 15 do Código de Processo Civil só vir dizendo que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições do Código de Processo Civil lhes serão aplicadas de forma supletiva e subsidiária, os doutrinadores sustentam que não existe razão para afastar a aplicação do CPC aos processos de natureza criminal, até porque, esta prática é recorrente. EXEMPLO: O Código de Processo Penal nada diz com relação ao procedimento a ser utilizado para a produção de prova antecipada que é prevista no art. 225. Desta forma, deve-se buscar respaldo de maneira subsidiária no Código de Processo Civil em seus arts. 381 a 383. Desta forma, Lima (2019) acredita que ao não ser mencionado processo penal, no art. 15 do Código de Processo Civil, foi por alguma omissão do legislador, devendo ser suprida pela interpretação extensiva para fins de ser reconhecida a possibilidade de aplicação supletiva e subsidiária do CPC ao processo penal, desde que a interpretação dada à regra utilizada, para suprir omissão da lei processual penal, se coadune com preceitos desse mesmo regramento processual penal. Direito Processual Penal 52 Figura 7 – A lei Fonte: Pixabay (2020). Lima (2019) acentua uma ressalva bastante importante: o nosso Código de Processo Penal é de 1941 e o Código de Processo Civil, de 2016, isso não quer dizer que toda lei nova do CPC revoga uma lei do CPP. A aplicação do Código de Processo Civil ao Processo Penal só pode ocorrer de maneira subsidiária. Quando o art. 3º do Código de Processo Penal autoriza a aplicação de analogia, ele pressupõe a inexistência da lei, disciplinando matéria específica, constatando-se a lacuna de forma involuntária da lei, pois a analogia é um recurso de autointegração, como já foi estudado e não instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal. Desta forma, só é permitido o emprego de analogia quando a lei for omissa. Direito Processual Penal 53 RESUMINDO: Para finalizar esta unidade, estudamos sobre a interpretação da lei de processo penal. Primeiramente, estudamos sobre as fontes do Direito, começando pelas fontes materiais que dizem respeito ao órgão, a entidade ou instituição, responsávelpela produção da norma processo penal. Vimos que no Brasil, a regra é a União o responsável por essa produção, existindo ressalvas como é o caso em os Estados e o Distrito Federal legislam, concorrentemente, com à União. Em seguida, estudamos sobre as fontes formais, vimos que elas podem ser imediatas, aquelas que se originam no próprio ordenamento jurídico, a exemplo da Constituição e da Legislação Federal e, podem ser mediatas, aquelas que se originam da interpretação do ordenamento jurídico de forma indireta, a exemplo da doutrina e dos princípios. Ao entrarmos no assunto de interpretação da lei, vimos que interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. Assim, o art. 3º diz que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do Direito. Então estudamos a interpretação extensiva que é quando a lei disse menos do que deveria dizer, assim, para que se possa ter conhecimento da exata amplitude da lei, o intérprete necessita ampliar o seu campo de incidência. Em seguida, estudamos o que é interpretação analógica e, por fim, estudarmos a aplicação do CPC de forma subsidiária no processo penal. Direito Processual Penal 54 REFERÊNCIAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm Acesso em: 4 abr. 2020. BRASIL. Lei nº 13964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em:http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm Acesso em: 2 abr.2020. BRASIL. Decreto-Lei nº 3931 de 11 de dezembro de 1941. Brasília, DF: Presidência da República, [1941]. Disponível em :http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del3931.htm Acesso em: 4 abr. 2020. BRASIL. Lei nº 3689 de 3 de outubro de 1941. Brasília, DF: Presidência da República, [1941]. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm Acesso em: 4 abr. 2020. CAMPOS, W.C. Curso completo de Processo Penal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. LIMA, R.B. de. Manual de Processo Penal. Salvador: Ed. JusPodvm, 2019. MOREIRA, E.R.; CAMARGO, M.L. Sistemas processuais penais à luz da Constituição. 2016. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/ portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_ servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDConsInter_n.97.05_1. PDF Acesso em: 2 abr. 2020. NUCCI, G.S. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2011. 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Princípio da instranscendência da pena. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U0yQbOzSxBY Acesso em: 30 mar. 2020. SANTOS, M.A. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 1º Vol. 7ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1980. TÁVORA, N.; ALENCAR, R.R. Novo curso de Direito Processual Penal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. Direito Processual Penal https://www.youtube.com/watch?v=U0yQbOzSxBY Princípios do Direito Processual Penal Princípio da Presunção de Inocência Princípio Ampla Defesa Princípio do Contraditório Princípio da Publicidade Princípio da Vedação das Provas Ilícitas Princípio do Juiz Natural Princípio do Duplo Grau de Jurisdição Princípio do Nemo Tenetur se Detegere Princípio da Oficialidade Princípio da Intranscendência Princípio da Busca da Verdade Real Princípio da Comunhão das Provas Sistemas do Processo Penal Breve Apontamento Histórico da Evolução do Processo Penal Os Sistemas de Processo Penal Sistema Inquisitivo Sistema Acusatório Sistema Misto Sistema Adotado no Brasil Lei Processual Penal no Tempo e no Espaço Aplicação da Lei Processual Penal no Espaço Tratados, Convenções e Regras de Direito Internacional Jurisdição Política Processos da Competência da Justiça Militar Processos da Competência do Tribunal Especial Legislação Especial Aplicação da Lei Processual Penal no Tempo Interpretação da Lei Processual Penal Fontes Materiais Fontes Formais Interpretação da Lei de Processo Penal Aplicação Supletiva e Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo Penal
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