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MICROECONOMIA 1
Departamento de Economia, Universidade de Braśılia
Notas de Aula 2 - Graduação
Prof. José Guilherme de Lara Resende
1 Introdução à Teoria do Consumidor
Na primeira parte do curso estudaremos o comportamento dos consumidores. O problema de um
consumidor t́ıpico é definido como a maximização de seu bem-estar, dadas as restrições que a escassez
impõe sobre suas escolhas. Temos portanto dois objetos importantes: as preferências do consumidor,
que servem para definir sua utilidade ou bem-estar, e a restrição imposta pela escassez.
As restrições impostas pela escassez são facilmente observáveis, e se alguma mudança no com-
portamento do consumidor foi causada por uma mudança na sua restrição de escassez, obtemos uma
explicação objetiva e clara para essa mudança de comportamento. Nessas notas analisaremos as re-
strições que o consumidor enfrenta quando maximiza seu bem-estar e que implicações sobre o seu
comportamento podemos derivar usando apenas essas restrições.
2 A Restrição Orçamentária
A restrição orçamentária representa a escassez no problema do consumidor. Cada consumidor
possui uma quantidade de dinheiro para gastar em um determinado peŕıodo de tempo, digamos um
mês. O consumidor escolhe bens para consumir de acordo com os seus gostos, mas o valor total dos
bens não pode ultrapassar a quantidade de dinheiro que ele possui.
Vamos representar os preços dos n bens x1, . . . , xn dispońıveis por p1, . . . , pn. Ao longo dessas
notas de aula vamos denotar vetores em negrito. Logo x = (x1, . . . , xn) representa uma cesta de bens
e p = (p1, . . . , pn) representa o vetor de preços com que o consumidor se defronta. Os preços são fixos,
o consumidor não pode alterá-los (existem modelos que relaxam essa hipótese). Dizemos então que
o consumidor é tomador de preços, pois toma os preços dos bens como fixos, sem possibilidade de
negociação.
A renda do consumidor é representada por m, e é exógena às ações do consumidor (ou seja, o
consumidor não consegue alterar a renda que possui. Essa hipótese não é adequada quando queremos
estudar a oferta de trabalho das pessoas, por exemplo. Nesse caso, a renda é endógena: ela depende
da decisão do indiv́ıduo de quanto e onde trabalhar. Mais à frente no curso estudaremos o caso de
renda endógena). A restrição orçamentária pode então ser escrita como
p1x1 + · · ·+ pnxn ≤ m
Ou seja, o que o consumidor gasta não pode ultrapassar a quantidade de dinheiro de que dispõe.
1
A reta orçamentária é o conjunto de cestas de bens que custam exatamente m:
p1x1 + · · ·+ pnxn = m
Essa é uma restrição linear, que pode não ser adequada em algumas situações (por exemplo, o
consumo de àgua tem um preço não linear, por faixas de consumo). Porém ela é de fácil compreensão,
especialmente no caso de dois bens, o que permite uma visualização gráfica da restrição orçamentária.
A hipótese de dois bens não é tão restritiva quanto parece. Se estamos interessados em estudar a
demanda de um bem qualquer, podemos agregar todos os outros bens em um bem composto.
Vamos ilustrar a restrição e a reta orçamentárias em um gráfico onde os eixos representam a
quantidade dos bens consumidos. Se o consumidor gastar todo o seu dinheiro no bem 1, ele pode
comprar no máximo m/p1 unidades desse bem. Similarmente, se ele gastar todo o seu dinheiro no bem
2, ele pode comprar no máximo m/p2 unidades desse bem. Esses dois pontos são os interceptos da
reta orçamentária, que possui inclinação −p1/p2. A inclinação da reta orçamentária informa o valor
de troca de mercado entre os dois bens: para se obter uma unidade do bem 1, temos que abrir mão de
−p1/p2 unidades do bem 2. A inclinação da reta orçamentária é, portanto, o custo de oportunidade
do bem 2, em termos do bem 1.
Por exemplo, suponha que Carlos está consumindo x1 do bem 1 e x2 do bem 2, quantidades que
estão sobre a reta orçamentária (ou seja, exaurem toda a renda do consumidor). Carlos decide consumir
∆x1 a mais do bem 1. Para isso, ele vai ter que abrir mão de uma quantidade do bem 2, representada
por ∆x2, de modo que a reta orçamentária continue válida, ou seja, p1(x1 + ∆x1) + p2(x2 + ∆x2) = m.
Subtraindo da expressão acima a reta orçamentária original, dada por p1x1 + p2x2 = m, temos que:
p1∆x1 + p2∆x2 = 0 ⇒
∆x2
∆x1
= −p1
p2
O sinal negativo aparece porque para Carlos obter um pouco mais do bem 1, ele tem que abrir
mão de um tanto do bem 2. A reta orçamentária é representada no gráfico abaixo.
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
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@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
�
�
��
Reta Orçamentária
(Inclinação: −p1/p2)
Restrição
Orçamentária
2
A restrição orçamentária relevante é a percebida pelo consumidor. Vamos supor que ele observa
os preços claramente, e que não ocorre interação entre a sua restrição com a restrição de nenhum
outro consumidor (esse tipo de interação é analisado usando a teoria dos jogos, que será vista em
microeconomia 2). Note que implicitamente supomos que os bens são perfeitamente diviśıveis, ou seja,
que o consumidor pode adquirir qualquer quantidade que desejar de todos. Essa hipótese é inócua em
muitos casos e facilita o tratamento anaĺıtico do problema. Porém, para determinados bens ela não
é adequada, como, por exemplo, a decisão de compra de uma casa. Nesse caso, precisamos analisar
isoladamente essa decisão e, se necessário, usar um intrumental diferente do que será visto nesse curso
(preços hedônicos, etc).
2.1 Efeitos de variações na renda e nos preços sobre a reta orçamentária
Um aumento da renda desloca a reta orçamentária para fora, aumentando o conjunto de cestas de
bens que o consumidor pode comprar. Uma diminuição da renda desloca a reta orçamentária para
dentro, diminuindo o conjunto de cestas de bens que o consumidor pode comprar. A figura abaixo
ilustra o caso de um aumento da renda.
6
-
x2
x1
m̄
p2
m̄
p1
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
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@@
m
p2
m
p1
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@
@
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@@
�
��
�
��
�
��
�
��
Mudança na RO causada
por um aumento na renda m
(renda aumenta de m para m̄)
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
@
@
@
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@
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@
@
@
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m̃
p2
m̃
p1
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@
@@
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�
�	
�
�	
�
�	
Mudança na RO causada
por uma queda na renda m
(renda diminui de m para m̃)
No caso de o preço de um dos bens aumentar, a inclinação da reta orçamentária se modifica. Por
exemplo, se o preço do bem 1 aumentar, a reta se desloca como ilustrado na figura abaixo. Esse
deslocamento mostra que o intercepto vertical não muda, já que o preço do bem 2 não mudou (se o
consumidor comprar apenas o bem 2, ele adquire a mesma quantidade que antes, m/p2). Porém, o
intercepto horizontal muda para um ponto de menor valor (se o consumidor comprar apenas o bem 1,
ele agora adquire uma quantidade menor do que antes, já que o preço desse bem aumentou). A figura
abaixo ilustra o caso de um aumento no preço do bem 1.
3
6
-
x2
x1
m
p2
m
p1
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
Q
m
p̄1
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
S
SS
�
�
��+
Mudanca na RO causada
por um aumento no preço p1
(aumenta de p1 para p̄1)
2.2 Preços Absolutos e Preços Relativos
Lembre-se que a restrição orçamentária é dada por
p1x1 + p2x2 + · · ·+ pnxn ≤ m
O que ocorre se todos os preços, incluindo a renda (que pode, de modo amplo, ser vista como um
preço também) aumentam? Por exemplo, suponha que todos os preços dobram de um peŕıodo para o
outro. Nesse caso a restrição orçamentária se torna
(2p1)x1 + (2p2)x2 + · · ·+ (2pn)xn ≤ (2m),
igual à restrição orçamentária original,
p1x1 + p2x2 + · · ·+ pnxn ≤ m.
Intuitivamente, se todos os preços da economia aumentam (ou diminuem), incluindo salários, na
mesma proporção, então nada muda. A restrição orçamentária continua a mesma, apenas expressa
em valores diferentes. O problema de escolha do consumidornão muda e ele escolherá a mesma
cesta de bens que escolhia antes do aumento geral de preços, todo o resto constante (condição de
ceteris paribus). No jargão econômico, diz-se que mudanças nos preços absolutos não têm efeito real
na economia (ou que os agentes econômicos não sofrem de ilusão monetária), apenas mudanças nos
preços relativos têm efeito (isto é, uma mudança do tipo em que o preço de um bem se modifica em
relação ao preço de outro bem).
Podemos então transformar um dos bens em numerário, o que significa torná-lo a medida de valor
da economia. Fazemos isso dividindo todos os preços da economia pelo preço do bem que queremos
utilizar como numerário. Por exemplo, se usarmos o preço do bem 1 como o preço-numerário da
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economia, temos que ajustar todos os outros preços de acordo com o numerário, o que modifica a
restrição orçamentária para:
x1 + (p2/p1)x2 + · · ·+ (pn/p1)xn ≤ (m/p1)
Logo, todos os outros preços da economia (inclusive a renda) estão denotados agora em termos do
bem 1. Por exemplo, p̂2 = p2/p1 é o preço do bem 2, relativo ao preço do bem 1 - esse preço informa
quanto o bem 2 custa em quantidades do bem 1. Se p̂2 = 2, então o bem 2 custa duas unidades do
bem 1. Se m̂ = m/p1 = 300, então o consumidor tem uma renda equivalente a 300 unidades do bem 1.
2.3 Exemplos de Restrições Orçamentárias não-lineares
Em muitos casos a restrição orçamentária não é linear. Situações importantes onde a restrição
orçamentária dificilmente é linear são a escolha de trabalho do indiv́ıduo e a escolha de consumo ao
longo do tempo do indiv́ıduo. Nesses casos, podem existir quebras, causadas por diversos motivos,
como racionamento, impostos, preços não lineares, diferenças de preços para compra e para venda de
um produto, etc. Vejamos alguns exemplos.
2.3.1 Racionamento
Suponha uma economia com dois bens onde o governo decide racionar o consumo de um dos bens,
o bem x1. Cada consumidor pode comprar no máximo x̄1 do bem 1, ainda pagando o preço de p1 para
qualquer quantidade x1 ≤ x̄1. Acima de x̄1, o consumidor não pode comprar mais do bem 1. Podem
ocorrer dois casos:
1. Se x̄1 ≥ m/p1: não há alteração na reta orçamentária. Esse caso é sem interesse: o governo fixa
um preço muito alto para o bem racionado, que na prática não afeta a restrição orçamentária
(imagine o governo restringindo a compra de BMWs para no máximo dez BMWs por consumidor,
qual o efeito disso para a maioria das pessoas?).
2. Se x̄1 < m/p1: O consumidor pode consumir o bem 1 normalmente, até o ńıvel x̄1. A partir
desse ńıvel, não é posśıvel consumir mais do bem 1. Nesse caso ocorre então uma quebra da reta
orçamentária no ńıvel x̄1 de consumo do bem 1. A figura abaixo ilustra esse caso.
6
-
x2
x1
m
p2 HH
HHH
HHH
HHH
x̄1
R.O. no caso
de racionamento
do bem 1
5
2.3.2 Preços diferentes para diferentes ńıveis de consumo
Existem certos bens que possuem preços que variam com a quantidade consumida. Por exemplo,
energia elétrica e água. Para um consumo pequeno de água, o governo cobra um preço menor por
litro consumido do que o preço cobrado para consumos maiores. Existem diversas razões para isso:
evitar desperd́ıcios, beneficiar a parcela da população mais pobre que costuma consumir menos água
na média, etc.
Suponha então que o preço do bem 1 é dado da seguinte maneira: Se o consumo de 1 é de 0 até
x̄1, cobra-se um preço igual a p1. Se o consumo é acima de x̄1, cobra-se um preço p
′
1, onde p
′
1 > p1. A
reta orçamentária passa a ter uma quebra em x̄1, refletindo a mudança de preço a partir desse ńıvel
de consumo. A figura abaixo ilustra essa situação.
6
-
x2
x1
m
p2 HH
HHH
HHH
HHH
HH
A
A
A
A
A
A
A
A
A
R.O. no caso de
preços diferentes
para o bem 1
�
��
inclinação −p1/p2
�
��
inclinação −p′1/p2
x̄1
2.3.3 Restrição Orçamentária Intertemporal
Até agora analisamos o caso de restrições orçamentárias estáticas, para um peŕıodo apenas. Suponha
agora que existam dois peŕıodos e apenas um bem (imagine um bem composto), que pode ser consum-
ido no primeiro peŕıodo e no segundo peŕıodo. O preço desse bem nos dois peŕıodos é normalizado em
1 (p1 = p2 = 1). O consumidor pode poupar um valor s (ou tomar emprestado, se s for negativo) da
renda do primeiro peŕıodo para consumir no segundo peŕıodo. No peŕıodo 1 ele tem uma renda de m1
e no peŕıodo 2, m2. A taxa de juros da economia é r. As retas orçamentárias para cada peŕıodo são:
Peŕıodo 1: c1 + s = m1
Peŕıodo 2: c2 = m2 + (1 + r)s
Se s é negativo, significa que o consumidor está tomando emprestado para consumir hoje e pagar
amanhã. Se s é positivo, ele está poupando hoje para consumir mais amanhã.
Podemos juntar as duas restrições acima em uma única restrição, por meio da poupança s, que
permite ao indiv́ıduo transferir recursos entre peŕıodos diferentes. Observe que a função de qualquer
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tipo de investimento (ou até mesmo de guardar dinheiro no colchão!) na situação analisada é permitir
que o indiv́ıduo tenha capacidade de consumir, em um peŕıodo qualquer, um valor diferente da renda
que receberá naquele peŕıodo. Se isolarmos s na equação para o peŕıodo 2 e substituirmos esse valor
na equação do peŕıodo 1, obtemos:
c1 +
c2
1 + r
= m1 +
m2
1 + r
Essa equação é chamada reta orçamentária intertemporal. O lado esquerdo da igualdade
contém o gasto total do consumidor nos dois peŕıodos e o lado direito da igualdade contém a renda
total do consumidor nos dois peŕıodos. Logo, esta restrição diz que o consumo total (a soma do
consumo em todos os peŕıodos) deve ser igual à renda total (a soma da renda em todos os peŕıodos)
do consumidor. A possibilidade de poupar ou tomar emprestado é fundamental para obtermos essa
restrição, pois é essa possibilidade que permite ao consumidor tranferir recursos entre peŕıodos.
A restrição orçamentária acima está expressa em termos de valor presente, já que ela iguala a 1
o preço do consumo hoje. O preço do consumo amanhã, em termos do consumo hoje, é 1/1+r: para
consumir mais uma unidade amanhã, o consumidor precisa abrir mão de 1/1+r unidades de consumo
hoje. Similarmente, o preço do consumo hoje, em termos do consumo amanhã, é (1 + r): para
consumir mais uma unidade hoje, o consumidor precisa abrir mão de (1 + r) unidades de consumo
amanhã (esse preço também é chamado de custo de oportunidade intertemporal). Note que apesar de
o preço do consumo hoje ser 1 e o preço de o consumo amanhã ser 1, a taxa de juros determina o preço
do consumo de hoje em relação ao consumo de amanhã (e vice-versa).
A equação acima, escrita em valores presentes, é a forma mais comum de representação da reta
orçamentária intertemporal. Porém, podemos escrevê-la em termos de valores futuros :
(1 + r)c1 + c2 = (1 + r)m1 + m2
A representação gráfica da restrição intertemporal pode ser derivada de modo similar ao feito acima
para o caso de uma reta orçamentária estática com dois bens. Se o indiv́ıduo decidir consumir toda a
sua renda no primeiro peŕıodo, ele gastará m1 + m2/(1 + r). Similarmente, se ele consumir toda a sua
renda no segundo peŕıodo, ele gastará m1(1 + r) + m2. Essas duas possibilidades são os interceptos da
reta orçamentária intertemporal, que possui inclinação −(1 + r). Novamente, essa inclinação informa
o preço do consumo hoje em termos do consumo amanhã: para consumir mais uma unidade hoje, o
consumidor precisa abrir mão de (1 + r) unidades de consumo amanhã. Note que se o indiv́ıduo não
poupar nem pegar emprestado, ele consome m1 hoje e m2 amanhã. Portanto, o ponto (m1, m2) tem
que estar sobre a reta orçamentária intertemporal. Graficamente, obtemos a figura abaixo.
7
6
-
c2
c1
(1 + r)m1 + m2
m1 + 11+rm2
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@
@@
�
��
Reta Orçamentária Intertemporal
(inclinação:−(1 + r))
rm2
m1
�
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��
�
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�
��
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�
�
�
�
�
�
�
�
�
�
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��
�
�
�
��
�
�
�
Restrição
Orçamentária
Intertemporal
2.4 Restrições causadas pela Escassez
Vamos analisar as restrições impostas ao comportamento do consumidor, mais precisamente, às
demandas dos bens, pela restrição orçamentária.
A demanda de um bem depende dos preços de todos os bens e da renda do consumidor (além de
outros fatores, tais como clima, cultura, etc. Mas vamos representar a demanda como função apenas
dos preços e da renda, para simplificar a notação). Denote então a demanda de um bem i por:
xi = xi(p, m), onde p = (p1, p2, . . . , pn)
Essa é a demanda Marshalliana do bem i. Mais à frente vamos derivá-la do problema do
consumidor de maximização de utilidade sujeita à restrição orçamentária.
A primeira restrição que a escassez no problema do consumidor obriga as demandas Marshallianas
a satisfazer é a própria restrição orçamentária, que no caso das demandas Marshallianas é chamada
Lei de Walras ou restrição de “adding-up”:
p1x1(p, m) + p2x2(p, m) + · · ·+ pnxn(p, m) = m
Logo, as demandas do indiv́ıduo pelos bens e serviços dispońıveis para consumo exaurem toda a sua
renda. Essa hipótese não é tão restritiva quanto parece. Lembre-se que estamos analisando um modelo
de um único peŕıodo. Se quisermos permitir que o consumidor possa poupar ou tomar emprestado,
devemos usar o modelo intertemporal, cuja versão mais simples vimos acima. A lei de Walras apenas
garante que o indiv́ıduo gasta toda a sua renda em bens e serviços dispońıveis para consumo, ou seja,
a grosso modo, o consumidor não joga dinheiro fora.
Uma outra restrição que as demandas Marshallianas devem satisfazer é a homogeneidade. Vimos
acima que uma mudança na mesma proporção em todos os preços (incluindo a renda) não afeta a
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restrição orçamentária e, portanto, não afeta as demandas. Ou seja, a demanda Marshalliana de cada
bem é homogênea de grau zero:
xi(tp, tm) = xi(p, m), para todo bem i, para todo t > 0
A propriedade de homogeneidade é simplesmente a representação matemática da suposição de que
os consumidores não sofrem de ilusão monetária, ou seja, se todos os preços (inclusive a renda) são
multiplicados por um mesmo fator, então a restrição orçamentária do consumidor não se altera e,
portanto, não há razão para que a sua demanda pelos bens se altere.
Por exemplo, diversos planos de estabilização de preços no Brasil e no mundo mudavam o nome
da moeda, criando um novo padrão monetário. O plano Cruzado, de 1986, mudou o nome da moeda
de Cruzeiro para Cruzado e cortou três zeros de todos os preços da economia, inclusive salários. Esse
corte foi apenas uma mudança de denominação da moeda e é razoável supor que essa medida, por si
só, não teve efeito real sobre a economia.
As duas propriedades acima retringem as demandas dos bens e são obtidas usando apenas a restrição
orçamentária, ou seja, que o gasto do consumidor não pode exceder a sua renda. Nada foi dito sobre as
preferências de consumo dos indiv́ıduos. Mais ainda, as propriedades de “adding-up” e homogeneidade
(e quaisquer outras restrições obtidas a partir dessas duas propriedades, tais como a agregação de
Cournot e a agregação de Engel, que serão vistas mais à frente) são todas as restrições que podemos
obter sobre o comportamento do consumidor usando apenas a restrição orçamentária.
Para inferirmos outras propriedades das demandas dos bens de uma economia, precisamos car-
acterizar as preferências dos consumidores e analisar o problema de maximização do bem-estar do
consumidor sujeito à restrição orçamentária.
Leitura Recomendada
• Varian, cap. 2 - “Restrição orçamentária”.
• Pindick e Rubenfeld, cap. 3 “Comportamento do Consumidor”, seção 2 - “Restrições Orçamentárias”.
• Hall e Lieberman, cap 5 - “A escolha do Consumidor”, seção 1, - “A Restrição de Orçamento”.
• Deaton e Muellbauer, cap. 1 “The limits to Choice”.
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