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Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 Doença Hepática Alcoólica (DHA) Usualmente, a doença hepática alcoólica é dividida em três formas que podem sobrepor-se: esteatose, hepatite alcoólica e cirrose. Outras lesões hepáticas associadas ao consumo excessivo de álcool têm sido descritas, como fibrose perivenular, hepatite crônica ativa e hepatocarcinoma. 🠖 Etiologia Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da DHA são: − Dose ingerida de álcool superior a 40 g/dia no sexo feminino e 60 g/dia no sexo masculino; − Tempo de ingestão maior que 10 anos; − Padrão de consumo (fora das refeições e múltiplos tipos de bebida); − Fatores genéticos; − Sexo feminino; − Desnutrição; − Outras condições associadas à lesão hepática (obesidade, hepatite crônica viral etc). − Tem maior prevalência em indivíduos acima da quarta década de vida, podendo ocorrer em pessoas mais jovens 🠖 Fisiopatogênese Após ingestão, o álcool é absorvido pelas mucosas gástrica e do intestino. Pequena quantidade pode ser absorvida pelas membranas das mucosas da boca e do esôfago. A taxa de absorção aumenta com o esvaziamento gástrico acelerado e, também, na ausência de proteínas, gorduras ou carboidratos. Além disso, uma pequena porcentagem (2 a 10%) é excretada diretamente por pulmões, urina ou suor. Contudo, a maior parte é do etanol (90%), metabolizada a acetaldeído no fígado. No fígado, existem três vias de metabolização do etanol que produzem acetaldeído: álcool desidrogenase hepática (ADH) no citosol; o sistema oxidativo do etanol no microssomo (MEOS); e catalase nos peroxissomos. ADH Ela começa com a oxidação do etanol pela ação de uma enzima citosólica, a desidrogenase alcoólica. Na oxidação do etanol no fígado, o acetaldeído é produzido; e o hidrogênio é transferido do etanol para o cofator dinucleotídeo nicotinamida (NAD), que é convertido para sua forma reduzida (NADH). O acetaldeído perde hidrogênio novamente e é metabolizado a acetato. Assim, a oxidação do etanol produz um excesso de NADH e o desbalanço da relação NADH:NAD, alterando a homeostase de redução. Consequentemente, ocorrem distúrbios metabólicos, como hiperlactacidemia, acidose, redução da capacidade renal de excretar ácido, que levam a uma hiperuricemia secundária O aumento do NADH e a consequente baixa nos níveis de NAD+ agirão na desidrogenase láctica, favorecendo a formação do lactato (má perfusão, não está fazendo respiração) a partir do piruvato, levando ao acúmulo de lactato na célula e no sangue (e a consequente diminuição do seu pH, uma acidose metabólica), e também a produção de NAD+ devido á alta demanda de NADH. Além disso, o desbalanço NADH:NAD também pode bloquear a gliconeogênese nos indivíduos que já vinham com reservas de glicogênio comprometidas ou com alteração no metabolismo do carboidrato. *NADH: é uma coenzima encontrada em todas as células. Sua principal função é a produção de energia celular para o organismo. Quanto mais NADH uma célula possui, mais energia ela poderá produzir. *NAD+: São agentes oxidantes que participam da respiração celular, recebendo hidrogênios, se tornando NADH. A ausência da reciclagem desses nucleotídeos significa a paralisação da respiração. No indivíduo bebedor excessivo /alcoólico crónico, em que a atividade de ADH pode encontrar-se já bloqueada, o fígado possui duas outras vias, “vias de recurso”, são também chamadas: a via do Sistema Mitocondrial de oxidação do etanol (MEOS) e a da catalase. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 MEOS: O sistema MEOS é constituído por uma oxidase de função mista que oxida tanto o etanol quanto o NADPH. Seu principal componente é uma das isoformas da enzima citocromo P450, a CYP2E1. Ela funciona bem em altas concentrações de etanol. Nessas condições, o próprio gene da CYP2E1 é induzido pelo etanol, o que ajuda na oxidação do álcool. MEOS age também sobre outros substratos no nosso organismo como os ácidos graxos, barbitúricos, esteroides e vários xenobióticos. *Citocromo P450: é uma superfamília ampla e diversificada de proteínas responsáveis por oxidar um grande número de substâncias para torná-las mais polares e hidrossolúveis. É importante para facilitar a excreção de substâncias indesejáveis, mas também são responsáveis pela ativação ou desativação de muitos fármacos, toxinas e pela síntese de hormônios esteroides e ácidos graxos. CATALASE: A terceira via de oxidação do etanol é constituída pela catalase. Entretanto, a participação dessa enzima no metabolismo do álcool é muito pequena. O acetaldeído, gerado por qualquer uma das três enzimas oxidantes descritas anteriormente, é levado a um segundo grau de oxidação, a acetato, pela desidrogenase acetaldeídica: Finalmente, o acetato é transformado em acetil-CoA através da reação: *Acetil-CoA: Participa como intermediário do ciclo de Krebs, pois ao condensar-se ao oxaloacetato, forma o citrato. É neste ciclo que o acetil-CoA será totalmente oxidado a CO2, paralelo a produção de coenzimas reduzidas. Esteatose Hepática A esteatose hepática pelo álcool resulta de vários fatores metabólicos: − Desvio de substratos normais do catabolismo para a síntese de lipídeos em razão da geração de excesso de NADH + H+ pelas duas principais enzimas do metabolismo do álcool (a álcool- desidrogenase e a acetaldeído-desidrogenase); − Aumento da mobilização da gordura periférica, − Piora da secreção de lipoproteínas, − Aumento da captação de lípides circulantes, − E principalmente, por redução da oxidação de ácidos gordurosos. Em condições normais os lípideos são transportados para o fígado na forma de ácidos gordurosos livres, cuja maioria penetra o hepatócito e é esterificada em triglicerídeos, ou oxidada produzindo energia sob forma de ATP e corpos cetônicos, existindo assim um ciclo constante de ácidos gordurosos entre o fígado e o tecido adiposo, que está sob um delicado equilíbrio. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 A ingestão alcoólica crônica resulta em indução da CYP2E1, especialmente, na região centrolobular do fígado, o que aumenta peroxidação (peróxido) lipídica e a produção de EROS (Espécies reativas de oxigênio). As EROS reagem com proteínas celulares lesando as membranas das organelas e alterando a função dos hepatócitos. A peroxidação lipídica aumenta a produção de outros radicais livres e, consequentemente, a lesão às membranas das células. A indução da CYP2E1 também aumenta a concentração de acetaldeído (o principal metabólito intermediário do álcool na rota de produção de acetato) que leva à peroxidação lipídica. No entanto, como já referido, o álcool altera as funções mitocondriais, aumentando a síntese e absorção dos ácidos gordos e diminuindo a sua oxidação. Consequentemente, a não-utilização destes ácidos gordos resulta na acumulação excessiva de lípidios no interior dos hepatócitos e o desenvolvimento de esteatose hepática. Por outro lado, a piora do metabolismo hepático da metionina (necessária para produzir glutationa) determinada pelo álcool leva à diminuição da glutationa mitocondrial, prejudicando um importante mecanismo de defesa contra o estresse oxidativo das EROS e do efeito pró-oxidante das citocinas, como o TNF-alfa. Como efeito importante do estresse oxidativo, a mitocôndria acaba tendo função e estrutura alteradas, criando um ciclo vicioso com mais lesão hepatocitária *Glutationa: são antioxidantes têm a capacidade de “doar” um de seus elétrons aos radicais livres e ainda continuarem estáveis. Assim, os radicais livres se tornam moléculas estáveis e acabam sendo eliminados, interrompendo o estresse oxidativo. A glutationa é o antioxidante não enzimático mais abundante noorganismo. O papel da desnutrição na iniciação ou no agravamento da doença hepática alcoólica merece atenção dos pontos de vistas patogenético e terapêutico. A desnutrição em função de dieta pobre é bem conhecida no alcoólatra, mas desnutrição secundária ocorre em bebedores nos quais a dieta é adequada. Deve-se considerar, no mínimo, que o metabolismo do álcool aumenta as necessidades de nutrientes, como colina e ácido fólico, e que deficiências nutricionais em alcoólatras podem acentuar os efeitos do álcool para cujo metabolismo são necessárias proteínas e enzimas. De outra parte, o modelo do executivo que ingere quantidades elevadas de álcool ao longo do dia demonstra que o álcool pode produzir lesão hepática grave e progressiva em indivíduos que se alimentam regularmente e muito bem. Tudo indica que, acima de determinado nível de ingestão alcoólica diária, não é possível qualquer proteção por fatores dietéticos. Por sua vez, desnutrição secundária à ingesta alcoólica pode ser devida a uma série de fatores, incluindo má- absorção por disfunção dos enterócitos, piora da secreção de proteínas pelos hepatócitos e piora do metabolismo hepático das vitaminas. 🠖 Quadro Clínico e Diagnóstico Cerca de 90% dos alcoolistas desenvolvem esteatose, que é completamente reversível com a abstinência (desaparece em duas a quatro semanas). Apesar de classicamente considerada uma forma benigna de doença hepática alcoólica, cerca de 10 a 15% dos portadores de esteatose terão evolução para cirrose. Os pacientes com DHA podem apresentar anorexia, náuseas, vômitos e dor abdominal no epigástrio e no hipocôndrio direito, embora alguns possam ser assintomáticos. No exame físico, observa-se hepatomegalia em grande número de casos, icterícia em 15% dos pacientes e sinais de desnutrição e carência vitamínica. Nos exames laboratoriais, observa-se elevação da gama-GT em todas as formas de DHA. *Gama-GT: medir a quantidade da enzima no sangue e, assim, avaliar a função hepática do organismo. Outra enzima que se eleva com frequência no alcoolismo é a AST (aspartato - TGO, termina em o alcool), que costuma estar mais elevada do que a ALT (TGP), sendo a relação AST/ALT maior do que dois altamente indicativa de DHA. *Transaminases (TGO e TGP): são liberadas no sangue em consequência de lesão hepática de naturezas diversas. Histologicamente, a esteatose apresenta-se, inicialmente, com padrão microvesicular (que aparece como gotículas de gordura ligadas à membrana do retículo endoplasmático), evoluindo para a forma macrovesicular com a continuidade da ingesta. Nas formas mais leves, a lesão aparece na região centrolobular, mas pode acometer todo o ácido hepático. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 *Esteatose macrovacuolar e microvacuolar* Hepatite Alcoólica A hepatite alcoólica (ou, mais precisamente, esteatohepatite alcoólica) é a lesão mais típica da doença hepática produzida pelo álcool e está presente em 10 a 35% dos alcoolistas. É, por vezes, chamada hepatite aguda alcoólica, designação de inspiração puramente clínica, já que o quadro clínico inclui febre, colestase (bile não flui para o duodeno), leucocitose no sangue periférico e muitas outras manifestações de doenças agudas. Os sintomas surgem, em geral, após aumento recente da ingesta alcoólica. Os pacientes apresentam anorexia, astenia, perda de peso, dor abdominal no hipocôndrio direito, náuseas, vômitos e icterícia. A forma grave pode cursar com hemorragia digestiva alta por sangramento de varizes esôfago-gástricas, encefalopatia hepática, ascite, uremia e insuficiência hepática, podendo evoluir para óbito rapidamente. No exame físico, alguns sinais periféricos de insuficiência hepática e hipertensão portal podem estar presentes, entre eles eritema palmar, ginecomastia, aranhas vasculares, circulação colateral visível no abdome, hepatoesplenomegalia, edema de membros inferiores e febre. Os exames laboratoriais são semelhantes aos descritos para esteatose hepática; contudo, existe maior gravidade com elevação importante da AST (TGO), gama-GT, fosfatase alcalina, associados a alterações no tempo de protrombina, albumina e bilirrubinas, configurando disfunção hepática. Também na hepatite alcoólica, observa-se leucocitose com neutrofilia no sangue periférico. Os principais achados histológicos da hepatite alcoólica são balonização e focos de necrose dos hepatócitos, presença de corpúsculos de Mallory (depósito eosinofílico com aspecto floculado irregular no citoplasma dos hepatócitos), infiltrado inflamatório lobular rico em neutrófilos (especialmente ao redor dos hepatócitos com corpúsculos de Mallory, configurando a chamada satelitose) e fibrose perivenular e perissinusoidal, além de esteatose. Um achado adicional da hepatite alcoólica é a necrose hialina esclerosante, caracterizada pela presença de necrose extensa de hepatócitos perivenulares e associada com o desenvolvimento da fibrose perivenular. Aproximadamente 70% deles irão se tornar cirróticos. *Corpúsculos de Mallory: são inclusões patológicas encontradas no citoplasma das células do fígado. São mais comumente encontradas no fígado de pessoas que sofrem de hepatite alcoólica. É importante estadiar a esteato-hepatite alcoólica, já que as curvas de sobrevida encerram prognóstico pior quanto mais avançada a fase da doença hepática alcoólica: − Fibrose limitada à zona 3 dos ácinos, quase exclusivamente perivenulares, com discreto ou nenhum comprometimento dos espaços-porta. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 − Envolvimento mais extenso dos lóbulos partindo da lesão perivenular e peri-sinusoidal e já formando septos que unem estruturas vasculares adjacentes entre si. − Acentuada alteração estrutural, com septos centro- porta abundantes, esboçando alguns nódulos. Embora próximo da fase cirrótica, neste estádio é ainda possível identificar-se com clareza algumas vênulas centrolobulares e espaços-porta. − Cirrose hepática. *formação dos nódulos* Cirrose Hepática A cirrose alcoólica é a forma final e, possivelmente, irreversível de doença hepática alcoólica que evolui de forma lenta e insidiosa. Ocorre por um processo difuso, caracterizado por fibrose tecidual e pela conversão da arquitetura normal em nódulos estruturalmente anormais, sendo tradicionalmente considerada como uma lesão irreversível. Quando presentes, os principais sintomas são icterícia, hematêmese, melena, anorexia, ascite, impotência, perda de peso, confusão mental, tremores nas mãos, irritabilidade, perda de memória e convulsão. Nos exames laboratoriais, observam-se com mais frequência hipoalbuminemia, alargamento no tempo de protrombina, deficiência do fator V e icterícia (demonstram disfunção hepática), além de anemia, uremia e elevação das enzimas hepáticas. Na histopatologia, inicialmente o fígado está aumentado de volume e com aspecto esteatótico; mas, ao longo dos anos, torna-se retraído, acastanhado e firme. Esta fase da doença desenvolve-se mais rapidamente na presença de hepatite alcoólica. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 🠖 Classificação A CH é classificada de acordo com suas características morfológicas e suas manifestações clínicas. Morfologicamente, a CH é classificada em macronodular, quando formada por nódulos com diâmetro maior ou igual a 3 mm; micronodular, quando constituída por nódulos menores que 3 mm; mista, caracterizada pela presença de nódulos de tamanhos variados. O padrão micronodular é mais frequentemente visto na etiologia alcoólica. A CH é classificada como compensada ou descompensada. A CH compensada é frequentemente assintomática ou oligossintomática, sendo os sinais e sintomas, quando presentes,geralmente inespecíficos, tais como fadiga, anorexia e perda de massa muscular. Icterícia e sinais periféricos de doença crônica parenquimatosa do fígado (DCPF), tais como eritema palmar, telangiectasias, ginecomastia e atrofia testicular, podem também estar presentes. A CH é dita descompensada na ocorrência de qualquer complicação secundária à insuficiência hepática ou à hipertensão portal, tais como ascite, hemorragia digestiva varicosa, encefalopatia hepática (EH) e peritonite bacteriana espontânea (PBE). É definida por 3 características morfológicas principais: − Fibrose em ponte dos septos − Nódulos parenquimatosos − Desorganização da arquitetura de todo o fígado 🠖 Patogenia Na presença de lesão hepatocelular, as células estreladas são ativadas em resposta à consequente produção de citocinas e quimiocinas produzidas pelas células de Kupffer ativadas. O fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e o fator de necrose tumoral (TNF) ativam as células estreladas em miofibroblastos, e a contração das células estreladas ativadas é estimulada pela endotelina-1 (ET-1). A fibrogênese é estimulada pelo fator de crescimento transformador β (TGF-β). A quimiotaxia das células estreladas ativadas (miofibrobastos) para áreas de lesão é promovida por PDGF e pela proteína quimiotática de monócitos 1 (MCP-1). Quando são convertidas em miofibroblastos, as células liberam fatores quimiotáticos e vasoativos, citocinas e fatores de crescimento. Os miofibroblastos são células contráteis, capazes de comprimir os canais vasculares sinusoidais e aumentar a resistência vascular no interior do parênquima hepático. Em condições normais as células de Ito armazenam vitaminas. O mecanismo de fibrose predominante é a proliferação de células estreladas hepáticas e sua ativação para células altamente fibrogênicas, levando ao aumento na síntese de componentes da MEC, constituída por colágeno, proteoaminoglicanos e glicoproteínas. Na cirrose o colágeno de tipos I e III é depositado no espaço de Disse (perisinusoidal), criando tratos septais fibróticos. A arquitetura vascular do fígado é distorcida pela lesão e cicatrização do parênquima, com a formação de novos canais vasculares nos septos fibróticos que conectam os vasos da região portal (artérias hepáticas e veias porta) às veias hepáticas terminais, desviando o sangue do parênquima. A deposição de colágeno no espaço de Disse prejudica a função dos sinusoides como canais que permitem a troca de solutos entre os hepatócitos e o plasma, desfavorecendo essa troca o que leva á morte desses hepatócitos. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 Durante todo o processo de lesão hepática e fibrose no desenvolvimento da cirrose, a regeneração dos hepatócitos sobreviventes é estimulada e estes proliferam na forma de nódulos esféricos que confinam os septos fibrosos. O resultado final é um fígado fibrótico e nodular, no qual o suprimento de sangue para os hepatócitos está severamente comprometido, assim como a capacidade de os hepatócitos secretarem substâncias no plasma. A degeneração da interface entre o parênquima e os tratos portais também pode obliterar os canais biliares, levando ao desenvolvimento de icterícia. A cirrose hepática, independentemente dos aspectos peculiares relacionados à sua etiologia, manifesta-se como insuficiência hepática e/ou hipertensão portal. ⚬ Insuficiência Hepática A insuficiência hepática é decorrente da diminuição da massa funcional de hepatócitos, com consequente redução da síntese de proteínas plasmáticas e distúrbio no metabolismo de carboidratos e lipídios, do catabolismo e da biotransformação de aminoácidos, hormônios, agentes xenobióticos, e da neutralização e destruição de microorganismos provenientes do intestino pelo sistema venoso portal. ⚬ Hipertensão Portal A hipertensão portal clinicamente significativa é definida hemodinamicamente pelo achado de pressão venosa portal superior a 10 mmHg, sendo secundária ao aumento da resistência intra-hepática do fluxo por tal atribuído à CH e ao aumento no fluxo sanguíneo portal, decorrente da vasodilatação da circulação esplâncnica observada no cirrótico. O aumento da resistência ao fluxo sanguíneo portal pode desenvolver-se em uma variedade de circunstâncias, que podem ser divididas em causas pré- hepáticas, intra-hepáticas e pós-hepáticas. Pré-hepáticas: trombose obstrutiva, estreitamento da veia porta antes de sua ramificação no interior do fígado ou esplenomegalia maciça com aumento do fluxo sanguíneo venoso esplênico. Pós-hepáticas: insuficiência cardíaca direita severa, pericardite constritiva e obstrução do fluxo da veia hepática. Intra-hepática: dominante é a cirrose, causas intra- hepáticas muito menos frequentes consistem em esquistossomose, esteatose, doenças granulomatosas fibrosantes difusas, como a sarcoidose, e doenças que afetam a microcirculação portal, como hiperplasia nodular regenerativa (discutida posteriormente). A fisiopatologia da hipertensão portal é complexa e envolve a resistência ao fluxo portal ao nível dos sinusoides e o aumento do fluxo portal causado pela circulação hiperdinâmica. Aumento da Resistência: A maior resistência ao fluxo portal ao nível dos sinusoides é causada pela contração de células da musculatura lisa vascular e miofibroblastos e pela interrupção do fluxo sanguíneo por fibrose no espaço de Disse e formação de nódulos parenquimatosos (regeneração). As células endoteliais sinusoidais contribuem para a vasoconstrição intra-hepática associada à hipertensão portal por meio da diminuição da produção de óxido nítrico, da liberação de endotelina-1 (ET-1), angiotensinogênio e eicosanoides. Aumento do fluxo sanguíneo: O aumento do fluxo sanguíneo portal é decorrente da vasodilatação esplâncnica atribuída ao desequilíbrio local entre mediadores vasoconstritores e vasodilatadores, responsável também pela disfunção circulatória progressiva característica do cirrótico. A disfunção circulatória é caracterizada pelas alterações hemodinâmicas secundárias à vasodilatação esplâncnica e sistêmica observada em pacientes com CH e hipertensão portal. O principal mediador da vasodilatação esplâncnica e sistêmica observada em modelos experimentais de cirrose é o óxido nítrico (ON), potente vasodilatador, cuja síntese é elevada em células endoteliais desses territórios vasculares. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 Por outro lado, observa-se, na CH, redução da síntese desse vasodilatador por células endoteliais sinusoidais, que contribui para o aumento da resistência intra- hepática ao fluxo sanguíneo portal. A primeira manifestação da disfunção circulatória é a vasodilatação esplâncnica que leva a uma diminuição do volume plasmático efetivo com a ativação de mecanismos compensatórios, tais como o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e consequente retenção de sódio e água. A ativação do SRAA, do sistema nervoso autônomo com liberação de catecolaminas e da secreção não-osmótica de hormônio antidiurético. Esses eventos são responsáveis pela circulação hiperdinâmica do cirrótico, caracterizada por aumento do índice cardíaco e redução da resistência vascular sistêmica, e pelas complicações terminais da CH secundárias a falência desses mecanismos compensatórios: hipotensão, uremia por vasoconstrição renal progressiva e hiponatremia dilucional. A ocorrência da hipertensão portal adquire muita relevância, devido à frequência e gravidade das suas complicações, que representam a primeira causa de internamento hospitalar, uma vez que a hipertensão portal cirrótica é uma doença vascular que envolve vários sistemas e órgãos cujas principais manifestações clínicas são: hemorragia por varizes gastro-esofágicas,esplenomegalia, ascite, circulação colateral superficial (veias abdominais e periumbilicais), varizes de reto, formação de shunts venosos portossistêmicos e encefalopatia hepática. No que refere às varizes esofágicas, estas são veias anormalmente dilatadas, geralmente localizadas no terço distal do esófago, podendo também ocorrer na parede gástrica, que surgem como resultado da tensão elevada nas paredes dos vasos que leva à sua dilatação e rutura, uma consequência do aumento da pressão do sangue na veia porta. A rutura das varizes esofágicas e/ou gástricas é a causa mais comum de hemorragia digestiva na hipertensão portal e está geralmente acompanhada por esplenomegalia (aumento do baço) e hiperesplenismo, o que faz com que o baço aumente a sua função e consequentemente ocorra o aumento da destruição de células sanguíneas, nomeadamente as plaquetas. Neovascularização: cabeça de meduza Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 No que diz respeito à ascite, outra das complicações da hipertensão portal, esta é definida por um acúmulo anormal de líquido na cavidade peritoneal, em torno do intestino e outros órgãos abdominais e é notada pelo aumento do volume abdominal. Por sua vez, o fígado normal produz cerca de 10 g de albumina/dia, nível que se reduz para 4 g/dia nos cirróticos. Essa hipoalbuminemia altera a pressão coloidosmótica plasmática, a qual, associada à hipertensão portal e à presença de substâncias vasoconstritoras, leva à menor excreção renal de sódio e água, com formação de ascite. Neste contexto, a hipertensão portal aumenta a pressão hidrostática dentro dos sinusoides hepáticos e favorece a transudação de fluido para a cavidade peritoneal. Desta forma, as alterações vasculares hepáticas e a consequente hipertensão portal ativam a vasodilatação esplâncnica (sequestro líquido no terceiro espaço),que posteriormente origina um deficit no volume sanguíneo efetivo e a queda na pressão arterial, que tem como consequência a ativação de fatores neuro-humorais, que por sua vez, ativam sistemas endógenos como: sistema renina angiotensina aldosterona, sistema nervoso simpático e libertação de hormona antidiurética, como tentativa de restaurar a homeostasia sanguínea. Assim, como consequência ocorre a retenção de sódio e água no organismo, que juntamente com o aumento da permeabilidade vascular esplâncnica e acumulação de linfa na cavidade peritoneal origina a formação da ascite. No que concerne a outra manifestação clínica, a encefalopatia hepática é definida como um síndrome neuropsiquiátrico complexo, caracterizada por distúrbios da consciência e do comportamento com alterações de personalidade. Acredita-se que a encefalopatia hepática seja desencadeada por substâncias tóxicas que atingem o cérebro. Essas substâncias não são eliminadas na detoxificação realizada pelo fígado devido à função hepática comprometida, ou pela presença de shunts portosistêmicos que impedem a detoxificação hepática. A principal substância envolvida nesse processo é a amônia, sendo considerada um composto altamente neurotóxico. *Shunt portossistêmico: quando há acesso do sangue portal à circulação sistêmica, sem que primeiro ocorra sua passagem pelo fígado. *Flapping: Flapping (asterixis): tremor de mão em que ocorre uma série de movimentos involuntários rápidos de flexão e extensão do punho. Para pesquisar esse sinal o paciente deve estar em decúbito dorsal e com o membro superior estendido, enquanto se faz a dorsiflexão de punho. Por fim, outra complicação da hipertensão portal que pode surgir é a síndrome hepatorenal (SHR), que ocorre em pacientes com doença hepática crônica, sendo caracterizado pela alteração da função renal, sem lesão morfológica. Desta forma o SHR é responsável por Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 diversas alterações da função renal, nomeadamente pela retenção de sódio, alteração da excreção de água, diminuição da perfusão renal e da taxa de filtração glomerular. Como resultado o SHR origina várias manifestações clinicas como azotemia progressiva, hipotensão, hiponatremia, insuficiência hepática e insuficiência renal. 🠖 Manifestações Clínicas - Alterações nutricionais e icterícia: fadiga, anorexia e perda de massa muscular podem ser manifestações da desnutrição proteico-calórica, associada à insuficiência hepatocelular, ou podem ser reflexo da ação de citocinas pró-inflamatórias, desencadeadas pelos mecanismos de agressão hepatocelular. Icterícia e colúria (urina escura), por outro lado, podem ser decorrentes da necrose de células hepáticas, dos defeitos na conjugação da bilirrubina e dos distúrbios na excreção biliar em virtude da desorganização da estrutura hepática. - Alterações endócrinas e cutâneas: os distúrbios no metabolismo de estrógenos (aumento) são responsáveis pela presença de aranhas vasculares (telangectasias), ginecomastia, perda ou diminuição da libido e impotência. Ocorre aumento da resistência periférica à insulina e déficit na produção de substratos energéticos por glicogenólise e gliconeogênese, predispondo, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de diabetes e hipoglicemia. - Alterações na coagulação sanguínea: o fígado é o principal local de síntese de todos os fatores de coagulação (com exceção do fator von Willebrand), do plasminogênio e dos inibidores de protease antitrombina III e proteínas C e S. O fígado é também o principal local de degradação de fatores de coagulação ativados. Na CH, ocorre, consequentemente, redução da síntese de fatores pró-coagulantes e anticoagulantes e diminuição da depuração de fatores de coagulação ativados. Concomitantemente, observa-se plaquetopenia, secundária na maioria das vezes ao hiperesplenismo, e disfunção plaquetária de origem multifatorial. As alterações mais frequentes de coagulação são os distúrbios de hemostasia secundários à deficiência dos fatores de coagulação, demonstradas em laboratório por alargamento do INR e do tempo de protrombina e por alterações quantitativas e qualitativas das plaquetas. Na CH descompensada, o quadro clínico é dominado por complicações da insuficiência hepática e/ou da hipertensão portal, tais como aumento de volume abdominal, secundário à ascite ou peritonite bacteriana espontânea; hematêmese, melena ou enterorragia em decorrência da hemorragia por varizes gastroesofágicas ou por gastropatia hipertensiva; encefalopatia hepática; infecções do líquido ascítico, urinária e respiratória; dispnéia e ortopnéia secundárias à ascite volumosa; presença de hidrotórax ou síndrome hepatopulmonar e oligúria associada ou não a sinais de uremia por causa da síndrome hepatorrenal. O exame físico pode demonstrar presença de estigmas periféricos de CH, tais como ginecomastia, eritema palmar e aranhas vasculares (Telangiectasias), particularmente em áreas expostas ao sol. Podem ainda ser observadas alterações como: perda de massa muscular; sinais de coagulopatia como equimoses e petéquias; redução volumétrica do fígado à hepatimetria e/ou palpação e sinais de hipertensão portal, p. ex., esplenomegalia e circulação colateral periumbilical. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 🠖 Diagnóstico Cirrose hepática é um termo anatomopatológico que deve ser empregado quando forem observadas à biópsia hepática as alterações estruturais características da doença. No entanto, como o estudo anatomopatológico do fígado não é factível em boa parte dos pacientes com CH por causa das alterações na coagulação sanguínea, o diagnóstico de CH pode ser baseado em parâmetros clínicos e laboratoriais, corroborados por resultados de exames de bioimagem e pela endoscopia digestiva. As expressões doença crônica parenquimatosa de fígado (DCPF)ou hepatopatia crônica em fase cirrótica devem ser empregadas preferencialmente para designar pacientes com evidências clínicas e laboratoriais de CH sem avaliação histológica do fígado. ⚬ Diagnóstico Clínico de DCPF Baseia-se na presença de sinais periféricos de hepatopatia crônica (eritema palmar, telangiectasias e ginecomastia). A presença de sinais e sintomas de descompensação da doença, tais como ascite e EH, é um indicativo de CH. Evidências clínicas de hipertensão portal, como esplenomegalia e circulação colateral abdominal em pacientes com DCPF, apontam a presença de CH. Além do diagnóstico de DCPF em fase cirrótica, é importante a avaliação etiológica da causa subjacente da CH, principalmente porque várias doenças do fígado têm indicação de tratamento específico independentemente da presença de CH. - Indicadores Laboratoriais Não existem indicadores laboratoriais específicos de CH. No entanto, hipoalbuminemia, alargamento do tempo de protrombina e plaquetopenia são sugestivos de CH em portador de DCPF. - Imagem Os métodos de imagem podem sugerir a presença de cirrose hepática se houver irregularidade no contorno do fígado; a alteração na ecotextura desse órgão e evidências de hipertensão portal por aumento de calibre de veia porta ou por alterações no fluxo portal ao exame de ultra-sonografia abdominal. A sensibilidade e especificidade da ultra-sonografia abdominal para o diagnóstico de CH são de, respectivamente, 91 e 94%. A ultra-sonografia pode também revelar presença de outras complicações da CH, tais como ascite e carcinoma hepatocelular. Alterações de relevo, de atenuação e de sinal também podem ser observadas, respectivamente, na tomografia computadorizada e na ressonância magnética. Superfície nodular é caracteristicamente observada na macroscopia do fígado em caso de CH, enquanto o exame microscópico do parênquima hepático mostra estrutura lobular distorcida pela presença de nódulos de parênquima hepático delimitados por traves fibróticas. - Biópsia Nas hepatites crônicas e na cirrose hepática, o exame anatomopatológico possibilita encontrar marcadores etiológicos e a análise semiquantitativa das alterações estruturais (fibrose), do infiltrado inflamatório portal/septal e da atividade inflamatória periportal/periseptal e parenquimatosa em quatro estágios (0-4). A biópsia hepática pode contribuir para a definição etiológica da CH, particularmente nos casos em que o diagnóstico não pode ser estabelecido pela investigação laboratorial complementar Por outro lado, o diagnóstico das complicações da CH e o seu estadiamento, de acordo com critérios clínicos e laboratoriais de gravidade da doença, são cruciais para o tratamento terapêutico dos portadores de DCPF. Existem duas escalas prognósticas empregadas para o estadiamento das DCPF: a classificação de Child-Pugh (Quadro II) e o MELD da sigla Model for End-Stage Liver Disease Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 ⚬ Diagnóstico de ASCITE A ascite é usualmente diagnosticada com critérios clínicos. No entanto, é recomendada punção de líquido ascítico em todo paciente com DCPF e ascite de início recente para mensuração do gradiente soro-ascite de albumina e realização de contagem de leucócitos polimorfonucleares (PMN), visando ao diagnóstico respectivamente de ascite associada à hipertensão portal e de PBE (Peritonite Bacteriana Espontânea). Achados: Gradiente soro-ascite maior ou igual a 1,1 g/dL é indicativo de hipertensão portal. Contagem de PMN maior ou igual a 250 células/mm3 é diagnóstico de PBE, mesmo na ausência de sintomas e independentemente do resultado das culturas. PBE pode-se manifestar por febre, dor abdominal e alterações de ritmo intestinal ou por sinais de EH e disfunção renal. As principais bactérias associadas ao diagnóstico de PBE são Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. Todo paciente hospitalizado com ascite, principalmente aqueles com disfunção renal, EH ou hemorragia digestiva, deve se submeter à punção de líquido ascítico com contagem de PMN e cultura. ⚬ Diagnóstico de Síndrome Hepatorrenal (SHR) A síndrome hepatorrenal (SHR) decorre do desenvolvimento de insuficiência renal em pacientes com doença hepática crônica anterior, sem evidência clínica ou laboratorial de doença renal. ⚬ Diagnóstico de Encefalopatia Hepática O diagnóstico de EH é clínico, sendo baseado na presença de alterações cognitivas e de comportamento que variam conforme o grau de EH. A encefalopatia hepática no cirrótico é classificada em: 1) Episódica: definida como delírio agudo ou distúrbio de consciência, acompanhado por alterações cognitivas em pacientes previamente hígidos do ponto de vista neuropsiquiátrico. A EH episódica é subclassificada em: a) precipitada, quando associada aos fatores desencadeantes (como sangramento gastrintestinal, infecções, medicamentos, distúrbios hidroeletrolíticos, disfunção renal, hipoxemia e transgressão dietética); b) espontânea, na ausência dos fatores citados; c) recorrente, quando os episódios de EH (precipitada ou espontânea) repetem-se com freqüência superior a pelo menos dois episódios por ano. 2) Persistente: definida pela presença contínua e ininterrupta de sinais e sintomas neuropsiquiátricos, geralmente alterações extrapiramidais, disartria, distúrbios de personalidade, de memória e do ciclo de sono e vigília, sendo graduada em: a) leve; b) acentuada; c) dependente de tratamento, ou seja, compensada apenas com o uso contínuo de medicações e dieta. 3) Mínima: caracterizada por um estágio pré-clínico de EH, em que pacientes com cirrose demonstram déficit em testes neuropsicológicos ou neurofisiológicos, sem alteração do estado mental nem anormalidades neurológicas evidentes. ⚬ Diagnóstico de Hemorragia Digestiva por Hipertensão Portal Hemorragia digestiva por hipertensão portal pode ser decorrente de sangramento por varizes esofágicas e ectópicas, gastropatia e colopatia da hipertensão porta. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 O sangramento varicoso manifesta-se por hemorragia, clinicamente expressa por hematêmese, melena ou enterorragia e frequentemente associada à instabilidade hemodinâmica. Visando à instituição de medidas profiláticas, é recomendado que todo paciente com DCPF (doença crônica parenquimatosa de fígado) submeta-se à endoscopia digestiva alta para avaliação da presença de varizes de esôfago. Caso sejam identificadas varizes de médio e grosso calibre, é indicada profilaxia primária para redução de risco de sangramento. Recomenda-se repetição da endoscopia digestiva a cada dois anos para pacientes classificados como Child A e que não apresentam varizes gastroesofágicas, e anualmente para pacientes classificados como Child B ou C sem varizes ou com varizes de fino calibre, independentemente da classificação Child-Pugh. 🠖 Tratamento A abordagem terapêutica da CH compensada inclui: 1) tratamento da causa subjacente da doença; 2) tratamento dos sintomas associados; 3) prevenção de complicações e de descompensação da doença; 4) suporte nutricional; 5) avaliação para transplante de fígado Algumas causas de CH podem ter indicação de tratamento específico, mesmo quando a doença encontra-se em fase cirrótica, visando a diminuir sua progressão e o risco de descompensação da CH. Abstinência alcoólica é obrigatória para pacientes com doença alcoólica de fígado. Deve-se restringir o uso de medicações hepatotóxicas e o consumo de álcool. Fatores precipitantes de EH, o que inclui obstipação intestinal e uso de benzodiazepínicos, devem ser evitados. Para edema de membros inferiores é indicado restrição de sal e uso de diuréticos. O consumo abusivo de sal deve ser evitado. Desnutrição protéico-calóricaé frequentemente observada em portadores de DCPF, a qual é agravada por medidas dietéticas inadequadas como dieta hipoprotéica prolongada, empregada inadvertidamente para prevenção ou tratamento de EH. ⚬ Varizes de Esôfágicas Podem requerer profilaxia primária com betabloqueadores não-seletivos (propanolol e nadolol) para evitar o primeiro episódio de ruptura, reduz o risco de sangramento em 45%. Eles são recomendados em doses suficientes para induzir diminuição da pressão portal em 20% ou abaixo de 12 mmHg, o que se correlaciona habitualmente com redução da frequência cardíaca basal em 25%. Pode-se optar por ligadura elástica endoscópica de varizes como segunda alternativa. ⚬ Cirrose Hepática Descompensada A abordagem terapêutica da CH descompensada está voltada para o tratamento específico das complicações da doença, sua profilaxia secundária e a avaliação da elegibilidade para o transplante de fígado. O tratamento adequado de ascite, peritonite bacteriana espontânea, EH, hemorragia varicosa e síndrome hepatorrenal é crucial para redução da alta morbidade e mortalidade associada a esses eventos e para prevenção do surgimento consecutivo de complicações associadas a cada descompensação da CH. ASCITE: dieta hipossódica e doses escalonadas de diuréticos. A combinação de diurético antagonista da aldosterona e de alça de Henle (furosemida) é a opção mais empregada. Por outro lado, esses agentes levam à hiperpotassemia, que pode ser controlada com o uso dos diuréticos de alça. Na ausência de edema de membros inferiores, deve-se almejar perda ponderal de até 500 g/dia com o tratamento diurético. Deve-se monitorizar a função renal e os eletrólitos para detecção precoce dos distúrbios hidroeletrolíticos e disfunção renal. Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 Pacientes com ascite tensa podem se beneficiar de paracentese terapêutica com infusão de albumina (8 g de albumina para cada litro retirado), particularmente em retiradas de volumes superiores a 5 litros, no intuito de evitar disfunção renal pós-paracentese. Pacientes com ascite devem evitar o uso de antiinflamatórios não-hormonais, que podem interferir com os mecanismos de auto-regulação renal mediados por prostaglandinas e precipitar disfunção renal e síndrome hepatorrenal. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA: Deve-se evitar e corrigir, quando presentes, potenciais fatores precipitantes como hipovolemia induzida por diuréticos ou sangramento digestivo; infecções; uso de benzodiazepínicos; constipação intestinal e distúrbios hidroeletrolíticos, particularmente hipocalemia, alcalose metabólica e hiponatremia. Na ocorrência de sangramento digestivo, é aconselhável a limpeza colônica com catárticos (lactulose ou manitol a 20%) no intuito de prevenir o aparecimento de EH aguda. Deve-se reduzir a ingestão proteica para 40 g/dia nas fases iniciais da EH. Porém, após o controle agudo, deve-se aumentar o teor de proteína da dieta, conforme necessidade e aceitação, no sentido de evitar a desnutrição. Os dissacarídeos não-absorvíveis (lactulose ou lactitol) ou os antibióticos (preferencialmente metronidazol) são usados no intuito de diminuir o substrato e a produção de amônia pelas bactérias colônicas. A lactulose é administrada com dosagem de 30 mL/hora até o paciente apresentar dejeções, sendo posteriormente mantida a mesma dose a cada 6-8 horas. O metronidazol pode ser empregado com dosagem de 400 mg de 12/12 horas nos casos refratários aos dissacarídeos não-absorvíveis. O uso de neomicina é desaconselhado pelo potencial de nefrotoxicidade. A LOLA é um agente que acelera a depuração hepática e muscular de amônia. Pode ser empregada com dosagem intravenosa de 20 mg/dia ou por via oral. Recomenda-se o tratamento farmacológico inicial da EH episódica com dissacarídeos não-absorvíveis. Caso não haja controle dos sintomas em 48 horas, recomenda-se o uso adicional do metronidazol por curto período até desaparecimento dos sintomas agudos de EH. O uso da LOLA pode ser aventado em casos refratários ao esquema inicial. HEMORRAGIA DIGESTIVA VARICOSA O cuidado consiste em: 1) tratamento do episódio de hemorragia digestiva varicosa; 2) prevenção secundária de recidiva hemorrágica O tratamento do sangramento varicoso agudo envolve: 1) ressuscitação volêmica; 2) antibioticoterapia profilática: O uso de antibioticoprofilaxia reduz a incidência de infecções e é conduta obrigatória. Recomenda-se uso de norfloxacin 400 mg de 12/12 horas, ou cefalosporina de 3a geração, por período de sete dias. 3) uso de agentes vasoconstritores esplâncnicos: Agentes vasoconstritores esplâncnicos como terlipressina, somatostatina e octreotide podem diminuir direta ou indiretamente a pressão portal, sendo indicadas para controle e prevenção de sangramentos. Devem ser utilizados, preferencialmente, antes da realização do procedimento endoscópico, sendo mantidos até pelo menos 48 horas após o controle do sangramento ou por período estendido de até 5 dias para prevenção de recidiva hemorrágica. 4) hemostasia endoscópica de varizes com escleroterapia, ligadura elástica ou cianoacrilato: , a ligadura elástica é preferível à escleroterapia, por causa da menor ocorrência de efeitos adversos, particularmente úlceras pós-esclerose. O cianoacrilato é usualmente recomendado para varizes de fundo gástrico. Na presença de instabilidade hemodinâmica não controlada com medidas de ressuscitação e na ausência de controle endoscópico, a colocação temporária de balão de Sengstaken-Blakemore pode ser necessária, devendo, idealmente, ter seu uso restrito a período de no máximo 24 horas. Escleroterapia: tratamento endoscópico onde injeta-se um agente esclerosante (irritante) ou uma cola biológica (cianoacrilato) no interior da variz, através de uma agulha. No caso do agente esclerosante, há um risco pequeno, mas significativo, de sangramento (afinal, a variz é perfurada) e outras complicações. Como esses riscos são maiores do que os da ligadura elástica, a escleroterapia com agentes esclerosantes atualmente só é recomendada em casos de emergência, quando não há disponibilidade da ligadura elástica. A escleroterapia com cianoacrilato, no entanto, é especialmente útil no tratamento das varizes de fundo gástrico, onde apresenta melhores resultados Maria Eduarda de Souza Trigo Fernandes – 8º Semestre 2021 do que a ligadura elástica, ou em casos de cirrose avançada (Child-Pugh C), onde há um distúrbio mais severo da coagulação e o risco de ressangramento das varizes é maior. Pacientes com falência de controle endoscópico, particularmente aqueles com sangramento recorrente, são candidatos preferenciais para colocação de TIPS ou cirurgia de descompressão portal, na impossibilidade de realização imediata de transplante de fígado Ligadura Elástica: A ligadura elástica é um tratamento onde aspira-se e coloca-se um anel elástico ao redor da variz, provocando a coagulação de sangue no seu interior e o desaparecimento progressivo da variz ao longo de 2-5 sessões. Após poucos dias, forma-se uma úlcera e cai o anel, tornando essa fase de pequeno risco de hemorragia. Mesmo assim, a ligadura elástica é equivalente à escleroterapia em eficácia e superior em segurança. Balão no esôfago: com o objetivo de manter a pressão do balão sobre a variz acima da pressão da mesma, interrompendo o sangramento. É um procedimento extremamente desconfortável, mas pode ser utilizado por um curto período (menor que 24 horas) até que o paciente seja transferido para um centro com opções de tratamento. TIPS: O TIPS (derivação intra-hepática portossistêmica transjugular) é um procedimento radiológico no qual é realizado um "desvio" entre a veia porta e a veia cava inferior, através da colocação de uma prótese(stent) que é instalado no local por um cateter que foi introduzido pela veia jugular, no pescoço, até a veia cava. Com essa derivação, há redução na hipertensão portal, levando a redução na ascite diminuição do risco de hemorragia por varizes esôfago-gástricas e melhora nas síndromes hepatorrenal e hepatopulmonar. PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA A antibioticoterapia com cefalosporina de terceira geração, preferencialmente cefotaxima intravenosa, com dosagem de 2 g de 8/8 horas durante 5 a 10 dias, deve ser empiricamente administrada a todo paciente com suspeita de PBE, independentemente do resultado das culturas. SÍNDROME HEPATORRENAL O uso de vasoconstritores esplâncnicos (ornipressina, terlipressina, octreotide e noradrenalina), associado a altas doses de albumina, vem sendo relacionado à reversão de SHR tipo 1 em cerca de 60 a 80% dos casos, sem recidiva de disfunção renal após a interrupção do uso desses agentes.