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A crise do movimento comunista o apogeu do stalinismo by Fernando Claudín

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Comentários à edição brasileira de 
A crise do movimento comunista
"O livro relido hoje, depois de devorada 
a edição francesa de 1972 como autêntica 
revelação, se ressente, aqui c ali, de algum 
esquemntismo ao atribuir muitas viradas do 
Comintern aos ditames da política externa 
de Moscou. Na verdade, a pesquisa histórica 
posterior demonstrou que muitas decisões, 
como a virada de 1934-1935, da tática classe 
contra classe (socialistas igual a fascistas) pa­
ra a frente popular, deveu-se a algumas revi­
sões autônomas dentro dos próprios partidos. 
Comentário injusto porque o próprio Claudín 
se reviu no seu belo ensaio ‘La politica di 
fronte popolare nell’Internazionale Comu­
nista’ (in Problemi dell’Internazionale Co­
munista, 1919-1939, Einaudi, 1974). E 
também no seu último livro, prolongamento 
direto daquele agora lançado, A oposição no 
‘socialismo reai’ (Marco Zero, 1983) — in- 
competentemente passado em brancas nu­
vens no debate brasileiro —, onde desvenda 
as lutas contra os sucessores do Comintern 
nas tiranias da URSS e do Leste europeu.
É uma bênção — sacrifiquemos aos tem­
pos natalinos — despencar, nesse final de 
ano chocho, esse livro de scholar e comba­
tente que ajudará a espantar as velharias que 
os partidos comunistas de várias procedên­
cias continuam a fazer circular aqui.”
Paulo Sérgio Pinheiro
‘‘Daí a importância de um livro como 
A crise do movimento comunista, de Fer­
nando Claudín, recentemente lançado em 
português pela Global. Esta obra se impõe 
como um marco na reflexão crítica da es­
querda. Talvez o grande mérito de Claudín 
tenha sido, ao lado da análise cuidadosa e 
rica das questões teóricas e filosóficas de 
fundo, a capacidade de identificar as ex­
periências e os fatos mais significativos, 
documentando-os solidamente, de forma a 
torná-los propriamente ditos. Sim, porque a 
historiografia oficial comunista procura 
negar e ocultar os próprios fatos, com um 
discurso generalizador.”
Carlos Eduardo Carvalho
‘‘Mas, de qualquer maneira, a leitura do 
livro de Claudín é de uma importância ines­
timável, e não apenas para o conhecimento 
da história. As questões em debate na época 
continuam atuais: a crise do capitalismo, a 
possibilidade do socialismo, a necessidade 
da construção mundial de partidos capazes 
de trabalhar nesta direção, etc. E, para esta 
discussão, o material reunido por Claudín 
e suas reflexões são uma ajuda preciosa.”
ferrando dautti 
a crise
do movimento comunista
Este volume corresponde à segunda parte de A crise 
do movimento comunista (“O apogeu do stalinismo”), onde 
Claudín analisa o período que marca a absoluta dominação 
da política staliniana em todo o movimento comunista inter­
nacional, desde os anos imediatamente anteriores à eclosão 
da Segunda Guerra Mundial, com o pacto germano-so­
viético, passando por todos os acontecimentos da resistência 
ao nazi-fascismo, o “cisma iugoslavo”, e culminando com 
o período do pós-guerra, com o abandono e o fechamento 
do Kommintern e sua transformação no Komminform, no 
auge da guerra fria.
Completa-se assim o ciclo histórico estudado por 
Fernando Claudín em sua monumental obra a respeito do 
movimento comunista internacional, que constitui o tomo I 
de sua pesquisa.
João Machado tÿ0
Ziobaí editora
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional 
(Câm ara Brasileira do Livro, SP , Brasil)
C la u d ín , F e rn a n d o , 1913-
C553c A c r i s e do m ovim ento c o m u n is ta / F e rn an d o C la u d ín ;
v .1 - 2 t r a d u ç a o e in t r o d u ç ã o J o se P a u lo N e t to . — Sao P a u lo : 
G lo b a l , 1 9 8 5 -1 9 8 6 .
(C o le ç ã o l u t a de c l a s s e s )
C o n teú d o : v . 1 . A c r i s e da I n t e r n a c i o n a l Com unis­
t a / p r e f á c i o de J o rg e Seraprún. — v . 2 . 0 a p o g e u do 
s t a l i n i s m o .
ISBN 8 5 -2 6 0 -0 0 4 1 -1 (v . 1 ) . —
ISBN 8 5 -2 6 0 - O lO il-3
1 . Comunismo - H i s t ó r i a 2 . I n t e r n a c i o n a l C om unista 
I . S eraprún, J o r g e , 1923 - I I . N e t to , J o s e P a u lo , 1947- 
I I I . T í t u l o . IV . T í t u l o : A c r i s e d a I n t e r n a c i o n a l Co­
m u n is ta . V. T í t u l o : 0 apogeu do s t a l i n i s m o . V I. Se­
r i e .
1 9 . CD D -320.53209
86 -0 2 2 8 ___________________________________ _____ ____________ -3 2 4 .1
Índices para catálogo sistemático:
1 . Comunismo : C iê n c ia p o l í t i c a : H i s t o r i a 320 .5 3 2 0 9
2 . I n t e r n a c i o n a i s c o m u n is ta s 32 4 .1
tornando claudín
a crise 
do movimento 
comunista
vol.2-0 apogeu do stalinismo
TRADUÇÃO E INTRODUÇÃO
JOSÉ PAULO NETTO
Ziobai editora
1986
© Fernando Claudín
Título original: La crisis del movimiento comunista
1. De la Kommintern al Komminform 
Editoração: Presser & Bertelli
Consultoria Editorial 
Produção gráfica: Hélio Daziano
Revisão: Alice Aparecida Duarte
Carlos Umberto Martins 
Carlos Luiz Pompe 
Capa: fotacê (projeto)
Marco A. Â. Gianella (arte-final)
Direitos reservados:
g lo b a l e d i t o r a e d i s t r i b u i d o r a 1 tda .
Rua França Pinto, 83 b - Cx. Postal 45329 Rua Mariz e Barros, 39 - conjs. 2 6 /3 6
Fone: (0 1 1 )572 -4473 Fone: (021)273 -5944
Cep 04016 - V. Mariana Cep 202 7 0 • Tijuca
Sào Paulo • SP. Rio de Janeiro ■ RJ
N.° de catálogo: 1716
ISBN 85-260-0104-3
SUMÁRIO
II. O APOGEU DO STALINISMO
1. REVOLUÇÃO E ESFERAS DE INFLUÊNCIA
Da Internacional Comunista ao Centro de Informação dos 
Partidos Comunistas, 329
A revolução frustrada (França), 338
O pacto germano-soviético e o Partido Comunista 
Francês, 339
A renúncia à alternativa socialista, 342 
A restauração da “França eterna”, 350
A revolução frustrada (Itália), 363
A viragem de Salerno, 364
Da união nacional ao monopólio democrata-cristão, 371
Revoluções sem permissão, 387
A revolução realizada (Iugoslávia) e a revolução estran­
gulada (Grécia), 389
Crítica iugoslava do oportunismo franco-italiano, 397
Da “grande aliança” aos “dois campos”, 403
A grande mistificação, 405 
A divisão das “esferas de influência”, 411 
O naufrágio do oportunismo staliniano, 438
Interrogações e conjecturas, 448
325
2. O CENTRO DE INFORMAÇÃO DOS PARTIDOS 
COMUNISTAS
As revoluções na área de projeção soviética, 485
O Centro de Informação dos Partidos Comunistas e a nova 
tática, 494
Retrocesso geral do movimento comunista no Ocidente, 502
3. A FRATURA IUGOSLAVA
Instauração da ditadura burocrática e policial na área de 
projeção soviética, 511
A revolução herética, 517
Os processos, 545
A campanha contra o titoísmo nos partidos comunistas do 
Ocidente, 565
4. O PANORAMA ORIENTAL 
Revolução chinesa e “grande aliança”, 589 
Guerra revolucionária ou “união nacional”, 594 
O espectro de um “titoísmo chinês”, 599
A aliança sino-soviética, 604
5. NOVO EQUILÍBRIO MUNDIAL 
Os “combatentes da paz”, 617 
Empate na “guerra fria”, 626
Balanço do período do Centro de Informação dos Partidos 
Comunistas, 630
PRIMEIRO EPÍLOGO, 641
1 REVOLUÇÃO E ESFERAS DE INFLUÊNCIA
Apoiar o movimento de libertação da 
China? Não será arriscado? Não nos con­
frontará com outros países? Não será me­
lhor estabelecer nossas “ esferas de influên­
cia” na China em conjunto com outras 
potências “avançadas” e tirar dela algo em 
nosso benefício? [. . . ] Apoiar o movimento 
de libertação da Alemanha? Vale a pena 
correr este risco? Não será melhor che­
gar a um acordo com a Enterite sobre o 
Tratado de Versalhes e obter algo a título 
de compensação? Manter a amizade com 
a Pérsia, a Turquia e o Afeganistão? Não 
será melhor restabelecer as “ esferas de in­
fluência” com alguma das grandes potên­
cias?
Esta é a “concepção” nacionalista de 
novo tipo com que se tenta substituir a 
política externa da Revolução de Outubro. 
[. . . ] Esta é a via do nacionalismo e da 
degeneração, a via que conduz à liquidação 
total da política internacionalista do prole­
tariado, pois aqueles que são vitimados por 
esta doença não vêem em nosso país umaparte do todo que se chama movimento 
revolucionário mundial, mas apenas o prin­
cípio e o fim deste movimento, conside­
rando que os interesses dos outros países 
devem ser sacrificados em prol dos interes­
ses do nosso país. Stalin, 1925.
Da Internacional Comunista ao Centro de Informação dos 
Partidos Comunistas
Os quatro anos que se estendem entre a dissolução da Interna­
cional Comunista e a criação do Centro de Informação dos Partidos 
Comunistas1 demarcam um período de auge espetacular do movi­
mento comunista, sobretudo nos principais palcos da guerra — Eu­
ropa e Ásia. O mundo que emerge do grande drama conta, em finais
329
de 1945, com catorze milhões de comunistas organizados fora das 
fronteiras soviéticas, contra o escasso um milhão das vésperas do 
conflito e menos ainda — não é possível determinar a redução, mas 
ela foi drástica, particularmente na Europa — do período do pacto 
germano-soviético2. Nesta progressão geral, cuja exceção mais signifi­
cativa são os Estados Unidos, sobressaem-se nitidamente uns poucos 
partidos que, juntamente com o da União Soviética (mais os do 
Vietnã e de Cuba, nos últimos anos), serão, até hoje, sob um ou 
outro ponto de vista, os centros nevrálgicos do movimento comunista 
mundial: o Partido Comunista da China, os das “democracias popu­
lares” européias e os da França e da Itália.
O partido chinês, no curso da guerra antijaponesa, passa de
40.000 membros, em 1937, para 1.200.000, em 1945, consolidan­
do-se como dirigente da grande revolução asiática. Em fins de 1947, 
conta já com 2.700.000 membros e, no verão do mesmo ano, um 
pouco antes da decisão de Stalin de criar o Centro de Informação 
dos Partidos Comunistas, o exército de libertação passa à ofensiva 
contra as tropas do Kuomintang — inicia-se a viragem decisiva no 
rumo da guerra civil e a vitória revolucionária se perfila no hori­
zonte 3.
Às vésperas da guerra, todos os partidos comunistas das futuras 
“democracias populares” estavam na clandestinidade e, salvo o da 
Tchecoslováquia, vinham de anos de precária existência. Suas forças 
organizadas estavam reduzidas a uns poucos milhares de militantes, 
e na Romênia e na Hungria a sua influência política era ínfima. O 
partido polonês fora praticamente destruído pelos expurgos e repres­
sões stalinianas do final da década de trinta, que — embora em 
menor medida — tinham afetado também os partidos da Iugoslávia, 
Hungria e Romênia (veja-se a nota 17 do capítulo 3 do primeiro 
tomo). Em 1947, estes partidos reuniam, no total, mais de sete 
milhões de membros e eram donos do poder ou estavam a ponto 
de conquistá-lo.
Na França e na Itália se formavam os dois “grandes” do 
comunismo no interior da área capitalista desenvolvida. O partido 
italiano salta de 5.000 membros, nos começos de 1943, para
2.000. 000, em 1946, e o francês, mais modestamente, passa de
300.000, nas vésperas da guerra — que se reduzem bastante no 
período do pacto germano-soviético —, a cerca de 1.000.000, em 
1946. Ambos se convertem no partido hegemônico no seio das res­
pectivas classes operárias e estendem a sua influência a outros
330
setores sociais, especialmente aos círculos intelectuais. Os dois par­
ticipam dos governos que se sucedem da Libertação aos inícios de 
1947.
O crescimento numérico e, especialmente, o papel político de 
outros partidos comunistas ficam muito aquém dos níveis que aca­
bamos de citar, mas são notáveis numa série de casos. Em pequenos 
países europeus da área capitalista desenvolvida (Suécia, Noruega, 
Dinamarca, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria e Finlândia), o con­
junto dos efetivos comunistas passa de menos de 100.000, nas 
vésperas da guerra, a uns 600.000 em 1946-1947. E até o sempre 
minúsculo Partido Comunista inglês, que contava com uns 18.000 
membros em 1939, já beira os 50.000 em 19444. Os partidos co­
munistas da Áustria, Finlândia, Bélgica, Dinamarca e Noruega par­
ticipam de governos no imediato pós-guerra.
O Partido Comunista da Grécia (17.500 membros em 1935,
72.000 em 1945) converte-se, durante a guerra, no principal organi­
zador e dirigente da Frente Nacional de Libertação (EAM) e do 
Exército Popular (ELAS). Somente a intervenção in extremis do 
corpo expedicionário inglês (coberta pelo acordo secreto Stalin-Chur- 
chill de outubro de 1944 5), em dezembro de 1944, impede o triunfo 
da revolução. Em 1946, o Partido Comunista grego organiza a luta 
armada, cujo ponto mais alto se situa nos últimos meses de 1947, 
coincidindo com a criação do Centro de Informação dos Partidos 
Comunistas. No outro extremo do Mediterrâneo, o Partido Comu­
nista da Espanha reconstrói, sob o terror fascista, a sua organização 
e impulsiona um importante movimento de guerrilhas.
Na Ásia, o Partido Comunista da índia passa de 16.000 mem­
bros, em 1943, para 90.000, em 1948. O partido japonês, que antes 
da guerra estava na clandestinidade, duramente perseguido e tinha 
cerca de mil membros organizados, obtém, em 1946, dois milhões 
de votos e elege cinco deputados; em 1949, os votos são três milhões 
e os deputados, trinta e cinco (não há dados sobre os efetivos do 
partido). O fenômeno é o mesmo em quase todos os partidos asiá­
ticos: crescem os pequenos núcleos comunistas que existiam antes 
de 1939 e se criam partidos onde não existiam. O Partido Comunista 
do Vietnã inicia a sua longa epopéia revolucionária. Ainda que em 
menor escala, progride também a influência comunista em alguns 
países do Oriente Médio (Irã, Síria). Os comunistas do Irã, durante 
um curto lapso de tempo, participam do governo (1946).
331
Os partidos comunistas da América Latina, em 1939, tinham
90.000 membros. Em 1947, este contingente salta para meio milhão, 
destacando-se os partidos brasileiro, chileno e cubano que, entre 
1945 e 1947, tinham, aproximada e respectivamente, 200.000,
60.000 e 40.000 militantes. Os comunistas chilenos e cubanos che­
garam a participar de governos e o movimento comunista interna­
cional depositava grandes esperanças no partido brasileiro; comen­
tava-se que “o Brasil pode ser, logo, a Rússia da América”.
A exceção mais significativa, como já observamos, deste auge 
geral do movimento comunista nos primeiros anos do pós-guerra são 
os Estados Unidos. A superpotência do capitalismo mundial conti­
nuava impermeável ao marxismo e seu pequeno partido comunista 
só experimenta um efêmero crescimento em 1944 quando, por ini­
ciativa de Earl Browder, secretário-geral, decide transformar-se numa 
ambígua “Associação Política Comunista”, disposta a “colaborar 
para garantir o funcionamento eficaz do regime capitalista no pós- 
guerra” 6. No entanto, apesar da crise do partido comunista, também 
nos Estados Unidos se produz uma certa evolução do movimento 
operário no sentido da esquerda. Se a Federação Americana do 
Trabalho nega-se a participar da criação da Federação Sindical 
Mundial (FSM), a outra grande organização sindical do proletariado 
americano, o Congresso dos Operários Industriais, ingressa na FSM 
com os sindicatos soviéticos e outras centrais sindicais dirigidas por 
comunistas.
A reconstrução da unidade sindical se generaliza em escala 
nacional e, com a criação da FSM, em fevereiro de 1945, realiza-se 
— pela primeira vez desde a Revolução de Outubro — a unidade 
sindical em escala mundial. A radicalização do movimento operário 
se expressa também na progressão da ala esquerda nos partidos so­
cial-democratas e em tendências favoráveis à unidade de ação com 
os partidos comunistas.
No centro deste desenvolvimento mundial das forças do movi­
mento operário e do rápido crescimento dos partidos comunistas 
erguem-se o Estado e a sociedade nascidos da Revolução de Outubro, 
aureolados com um novo prestígio. Desmentindo os augúrios pessi­
mistas de Trótski, o sistema soviético saíra-se airosamente da terrível 
prova e a opinião mundial reconhecia a contribuição decisiva da 
União Soviética para a derrota do imperialismo hitleriano. O efeito 
produzido nos operários e nos povos de todos os continentes pelasvitórias militares soviéticas pode ser comparado ao eco que, em
seus primeiros tempos, teve a Revolução de Outubro. Com uma 
diferença: a União Soviética não aparecia apenas como a encarnação 
exemplar da revolução socialista — diante de grandes setores sociais 
alheios ao comunismo, a União Soviética passava a ser o símbolo 
máximo de todas as causas progressistas, da independência das 
nações, da paz entre os Estados. Os partidos comunistas capitaliza­
vam esta renovação e esta ampliação do prestígio da União Soviética 
e este foi um dos principais fatores do seu crescimento naquele 
período, ao lado do papel destacado que tiveram na luta contra os 
ocupantes alemães.
Os comunistas — e, com eles, os setores mais radicalizados do 
movimento operário — viam, então, com eufórico otimismo as pers­
pectivas revolucionárias no mundo inteiro. A impressionante demons­
tração do poderio militar soviético infundia-lhes ilimitada confiança 
no desenlace vitorioso da luta pelo socialismo, tanto onde ela to­
mava a forma de combates armados (China, Grécia), como onde se 
desenrolava sob a presença protetora do exército vermelho libertador 
(os países do Leste europeu) e onde parecia que o caminho ia abrir-se 
por uma via inédita — a conquista do Estado pelo mecanismo da 
democracia burguesa (Itália, França). Os comunistas estavam con­
victos de que toda ação revolucionária, armada ou pacífica, haveria 
de encontrar a assistência decisiva da “fortaleza invencível” do so­
cialismo. É verdade que a impunidade com que se desenvolvia a 
intervenção anglo-americana contra a insurreição grega não era um 
bom sinal. Mas esta nota dissonante não se mostrava suficiente para 
ensombrear o quadro. Sabia-se que a Iugoslávia auxiliava os guerri­
lheiros gregos. Quem podia imaginar que, por detrás da Iugoslávia, 
não operava a grande potência soviética? Não era isto o que apre­
goava a reação internacional?
Em resumo: depois do refluxo sofrido entre as duas guerras, 
a revolução mundial parecia retomar a sua marcha com força irre­
sistível. É certo que, uma vez mais, se detinha nos países capitalistas 
desenvolvidos (com a exceção da pequena zona ocidental da Tchecos- 
lováquia e do Leste alemão); novamente seguia um curso diferente 
do previsto por Marx. Mas o crescimento sensacional dos partidos 
comunistas na França e na Itália, as tendências de esquerda que se 
desenvolviam na social-democracia e no movimento sindical, a ro­
tunda vitória trabalhista na Inglaterra — tudo isto não anunciava a 
irrupção do socialismo no berço do capitalismo? Vanderberg, ao
333
saber da derrota eleitoral de Churchill, anotou no seu diário: “O 
inundo inteiro gira à esquerda” 7.
Os êxitos reais ou aparentes do comunismo, naqueles anos, na­
turalmente contribuíam para reforçar a imagem apologética da sua 
trajetória sob a direção de Stalin, imagem posta em circulação pelos 
corifeus stalinistas na década de trinta. A crítica de Trótski parecia 
infirmada. Era possível acreditar-se na degeneração burocrática do 
sistema soviético diante da vitalidade, do heroísmo e das qualidades 
combativas que o povo e os comunistas da URSS revelaram durante 
a guerra? A teoria do socialismo num só país e suas implicações 
estratégicas, o monolitismo como condição ótima da eficácia comba­
tiva de todo partido comunista — estes e outros postulados gestados 
nos tempos da IC não estavam brilhantemente confirmados pelo 
“julgamento da história”? A liquidação do trotskismo e do bukhari- 
nismo, os processos de Moscou, todas as repressões stalinianas, o 
pacto germano-soviético, a subordinação sistemática do movimento 
revolucionário ao interesse supremo do Estado soviético, o holo­
causto da Internacional no altar da “grande aliança” não foram 
outras tantas exigências inexoráveis da “necessidade histórica”, sa­
biamente interpretada pelo gênio staliniano? O nacionalismo de 
grande potência que impregnava toda a política mundial de Stalin 
ficava suficientemente ocultado sob o real conteúdo libertador das 
vitórias militares soviéticas.
Esta “comprovação” empirista da justeza das teses e decisões 
stalinianas teve imenso impacto sobre o novo contingente comunista, 
constituído a partir dos núcleos formados pela IC. Nos veteranos, 
potenciou os reflexos adquiridos nos tempos do “partido mundial”, 
proporcionou-lhes novas e eficazes justificações ideológicas para seu 
comportamento anterior; nos novatos, facilitou a rápida assimilação 
dos mesmos reflexos e a aceitação axiomática da herança recebida. 
A mentalidade acritica, dogmática — cultivada no seio da IC du­
rante o período staliniano —, transmitiu-se assim às novas gerações 
comunistas que, a partir de 1945, representavam (como se infere das 
cifras atrás apontadas) a esmagadora maioria de cada partido. O 
mundo entrava na era do átomo, iniciava-se uma nova revolução 
técnica e científica, o desenvolvimento do capitalismo e a emanci­
pação das colônias logo colocariam problemas inéditos, assim como 
a “construção do socialismo” em novos países — mas nunca foi tão 
pobre o pensamento teórico dentro do movimento comunista como 
na década seguinte ao fim da Segunda Guerra. É o período em que
334
culmina ii clericalização do movimento. Stalin é divinizado e o fa­
moso compêndio de História do Partido Comunista (Bolchevique) da 
URSS se converte na bíblia dos comunistas. O bom comunista não 
precisa esquentar os miolos na decifração de Marx ou Lênin: Stalin 
condensou a quintessência do marxismo, tudo o que realmente é ne­
cessário saber, no pequeno manual redigido de forma simultanea­
mente “acessível” e “profunda” para que todos os homens — tanto 
o sábio quanto o “homem simples” — possam trilhar sem desvios a 
rota que conduz diretamente ao comunismo. A partir de 1945, suce­
dem-se as edições, em todos os idiomas e em milhões de exempla­
res, deste Pai-Nosso dos povos.
A grande vitória soviética na segunda guerra mundial propor­
cionou, conseqüentemente, novas justificações ideológicas e políticas 
ao monolitismo e ao dogmatismo stalinianos, mas a guerra e a pró­
pria política de Stalin engendraram igualmente fatores e processos 
de sinal contrário. A guerra antifascista exaltou os sentimentos nacio­
nais dos povos, as suas aspirações a uma vida independente — sen­
sibilizou-os contra quaisquer menosprezos a seus direitos nacionais. 
Os partidos comunistas, dado o papel que desempenharam na luta 
contra as potências do Eixo, não podiam ficar “imunes” a este re- 
vigoramento dos sentimentos e dos objetivos nacionais. Ademais, a 
política de Stalin — atenta à salvaguarda da “grande aliança” — in- 
duziu-os, na maior parte dos casos, a relegar a um plano secundário 
os objetivos sociais revolucionários, ou mesmo à renúncia à sua co­
locação, donde derivava que os ingredientes “nacionais” e “patrió­
ticos” passavam a adquirir um peso enorme no comportamento dos 
partidos, na formação dos seus militantes (não nos esqueçamos que 
rapidamente os novos adeptos constituíram a grande maioria dos 
efetivos de todos os partidos comunistas), tomando facilmente tona­
lidades nacionalistas. Esta substantivação do “nacional”, logicamen­
te, continha em germe a contradição com o chovinismo grão-russo 
que animava a política de Stalin. No entanto, enquanto esse nacio­
nalismo oportunista favorecia a conservação da aliança entre a URSS 
e os Estados capitalistas anti-hitlerianos, a referida contradição per­
manecia soterrada. Em troca, ela se manifestou desde o primeiro 
momento onde os partidos comunistas uniram as aspirações nacionais 
aos objetivos revolucionários — China, Iugoslávia, Grécia —, por­
que esta política nacional revolucionária perturbava a alta estratégia 
staliniana.
335
Assim, a “nacionalização” dos partidos comunistas, consagrada 
formalmente com a dissolução da IC, foi tomando aspectos inquiétan­
tes para o monolitismo staliniano. Todos os partidos, de fato, conti­
nuaram considerando-se — na maioria dos casos sinceramente, em 
alguns “maquiavelicamente” — sob a direção de Moscou. Nãopu­
nham em dúvida a função dirigente suprema do partido soviético 
nem a infalível sabedoria de Stalin mas, pela própria dinâmica das 
coisas, tiveram que começar a atuar por sua conta, a desenvolver 
uma iniciativa maior em função das diversas realidades nacionais. 
E surgem os primeiros sinais de indisciplina ou “heterodoxia”. Os 
comunistas chineses aparentam ceder às pressões de Stalin para che­
gar a um acordo com Chiang Kai-Chek, mas seguem firmemente na 
sua guerra revolucionária. Em fins de 1946, os comunistas vietna­
mitas iniciam a guerra de libertação contra o colonialismo francês, 
também em contradição com a política staliniana do momento. Os 
partidos comunistas da França e da Itália falam de uma via especí­
fica, não soviética, “francesa” e “italiana”, para o socialismo. Nos 
Estados Unidos, Earl Browder, seguido por uma fração importante 
do partido, transita abertamente para o reformismo, sendo excomun­
gado em 1946. Entretanto, o mais inquietante para Stalin era o que 
se passava na sua àrea de projeção européia — particularmente a 
evolução iugoslava.
Como se constata, a situação interna do movimento comunista 
no periodo que vai da dissolução da Internacional Comunista à cria­
ção do Centro de Informação dos Partidos Comunistas era complexa 
e contraditória. Fortaleciam-se os fundamentos ideológicos e políticos 
do monolitismo staliniano, o prestígio e a autoridade de Stalin toma­
vam proporções avassaladoras, assim como os do Partido Comunista 
soviético; mas, ao mesmo tempo, gestavam-se tendências centrífugas 
e Surgiam atitudes conflitivas, que punham em perigo a coesão “mo­
nolítica” do movimento. A rebelião iugoslava de 1948 abriu a pri­
meira grande brecha no edifício mundial do monolitismo staliniano 
e pôs a nu o caráter radicalmente antagônico da contradição entre o 
nacionalismo grão-russo e os movimentos revolucionários enraizados 
na realidade nacional. Mas a rebelião iugoslava, enfim isolada total­
mente no movimento comunista, também pôs em relevo a imensa 
força que conservavam os suportes ideológicos e políticos do mono­
litismo no conjunto do movimento. Por outro lado, a luta contra a 
“heresia” iugoslava serviu para reforçar tais suportes e torná-los mais 
agressivos durante todo um período.
In untes do caso iugoslavo, num terreno mais conhecido, fami- 
llni piiru os veteranos da IC, fora posta à prova, com pleno êxito, a 
«m mui monolítica do movimento comunista saído da guerra: referi- 
mu iui:, á grande “viragem” de 1947, determinada pela crise das 
iillnnçns antifascistas. De fato, esta crise desnudava tudo o que hou- 
vem de oportunista na política staliniana desde 1941, tanto em 
( m ala internacional, no marco da “grande aliança”, como em escala 
mu ional, na política da maioria dos partidos comunistas. Mas a 
" viiagem” realizou-se sem que, nos partidos comunistas, se travasse 
pieviamente uma discussão fundamental sobre a política seguida até 
então - na etapa crucial da guerra e no imediato pós-guerra — ou 
sobre a que se seguiria depois. Foi uma decisão de Stalin e seus 
colaboradores diretos, imposta ao conjunto do movimento, sem que 
sc levantasse uma só voz de protesto contra este procedimento ou 
que surgissem divergências sobre as teses e diretivas soviéticas. En- 
liv estas últimas estava a constituição do Centro de Informação dos 
Partidos Comunistas. Da noite para o dia, o movimento comunista 
sc viu a braços com um novo centro dirigente, sem ter participado 
da sua criação. Tudo se resolveu numa reunião secreta — celebrada 
na Polônia, em setembro de 1947 — de representantes dos nove 
partidos que, por vontade de Stalin, deveriam formar o novo orga­
nismo (os partidos da União Soviética, Polônia, Tchecoslováquia, 
Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, França e Itália)8. Nem se­
quer os órgãos centrais destes partidos haviam discutido previamente 
as questões que se trataram na reunião: a nova situação internacio­
nal, a política que no seu marco o movimento comunista implemen­
taria, a criação do Centro de Informação dos Partidos Comunis­
tas, etc.
A problemática relativa à nova linha do movimento comunista 
adotada na reunião constitutiva do Centro de Informação dos Parti­
dos Comunistas será abordada no próximo capítulo, mas antes é pre­
ciso analisar o processo que determina a viragem de 1947 — a evo­
lução da situação internacional desde o fim da guerra — começando 
por uma questão que o encontro na Polônia viu-se obrigado a tratar, 
ainda que de forma mutilada, escamoteando o elemento essencial 
(a política de Stalin) e sem reconhecê-la explicitamente na sua reali­
dade: a questão da frustração da revolução na França e na Itália. 
Mesmo que deste modo espúrio, a reunião na Polônia teve que en­
frentar tão espinhoso problema porque aquela frustração foi um 
componente capital do processo político que desembocaria na situa-
337
ção de 1947, quando as enormes ilusões semeadas pela “grande 
aliança foram substituídas pela "guerra fria”, quando as esperanças 
de uma via pacífica, democrático-parlamentar, para o socialismo na 
Europa revelaram-se vãs.
A revolução frustrada (França)
É evidente que, nas condições de 1945, com o exército vermelho 
no Elba, a confirmação da possibilidade revolucionária criada na 
França e na Itália seria a vitória da revolução na Europa continental 
e a radical modificação do equilíbrio mundial de forças contra o 
imperialismo americano, o único grande Estado capitalista que saíra 
fortalecido da guerra. E, inversamente, é difícil exagerar o efeito ne­
gativo que a frustração desta possibilidade teve para o desenvolvi­
mento ulterior do movimento revolucionário mundial. Frustração que 
pode comparar-se, com toda razão, às conseqüências advindas da 
derrota da revolução alemã de 1918-1919.
“Como estaria o mundo — perguntava-se Dimitrov em novem­
bro de 1937 — se, depois da revolução socialista de outubro, no 
período de 1918 a 1920, o proletariado da Alemanha, da Áustria- 
Hungria e da Itália não tivesse se detido a meio caminho em seu 
impulso revolucionário? Como estaria o mundo se as revoluções 
alemã e austríaca de 1918 fossem levadas até o fim e se, em seguida 
à vitória da revolução, a ditadura do proletariado se instaurasse no 
centro da Europa, nos países altamente desenvolvidos?” 9. Algo se­
melhante pode hoje ser indagado a respeito do auge revolucionário 
de 1944-1945 na França e na Itália. Naturalmente, Dimitrov não 
deixa de assinalar que os responsáveis pelo fato de o proletariado 
da Europa central e da Itália se haver “detido a meio caminho em 
seu impulso revolucionário” foram os chefes social-democratas que 
se “aliaram à sua burguesia”. Mas, em 1944-1945, quem deteve 
“a meio caminho” o impulso revolucionário do proletariado francês 
e italiano? Naqueles anos, este proletariado estava, em sua grande 
massa, sob a direção dos partidos comunistas. E não só o proletaria­
do, como mais tarde reconheceria Togliatti: “A classe operária em 
sua grande maioria e parte considerável da opinião pública não ope­
rária agruparam-se em torno dos partidos operários avançados, ins­
pirados pelos marxistas, o que distinguia a situação, em nosso país, 
como na França, da situação de outros países da Europa ocidental” 10.
338
I him,I IMiliivru. apenas os partidos comunistas podiam, em 1944-1945, 
mu,a o impulso revolucionário do proletariado. E, de fato, tra- 
> ui m u i nu A verdadeira pergunta, pois, não é quem travou, mas sim: 
f u i Icglllino (sob o ponto de vista, é claro, dos interesses do prole- 
lhi lull,,, Jn revolução) este comportamento dos partidos comunistas
tin I .... ça e da Itália? Para responder a esta questão é preciso ana-
llM.,1 a ilida que rapidamente, a política dos dois partidos na Resis- 
i, in ia r na Libertação. Começaremos pelo partido francês.
i > imi to nermanosoviético e o Partido Comunista Francês
t) I rances é o único partido comunista importante da Europa 
qui i bega il guerra em situação de legalidade, com mais de 300.000 
ml In untes e influência majoritáriana classe operária. E chega com 
i bandeiras do antifascismo desfraldadas. A Alemanha hitleriana: 
vnihi iennemi. O partido denuncia a política capitulacionista de 
1 blindici e da direita francesa em função, exatamente, da luta contra 
Unici, L os elementos mais reacionários clamam pela dissolução do 
1'iulUk) Comunista porque o vêem como o maior obstáculo a um 
i iiiiipromlsso com a Alemanha. Nestas circunstâncias, explode a 
In milm do pacto germano-soviético, que pega de surpresa os dirigen- 
i, . d,, partido (Stalin, naturalmente, não levara em conta os chefes 
, iniiiiiiistus de outros países, nem mesmo os do país mais imediata- 
iiicntc afetado). Num primeiro momento, a direção do partido justi- 
I a a o pacto como tentativa suprema para salvar a paz, mas mantém 
|i|ciuimente a sua posição de defesa nacional contra a agressão hitle- 
i luna A 1." de setembro, o grupo parlamentar comunista “proclama 
Iiiii unanimidade a inquebrantável resolução de todos os comunistas 
paia ocupar a primeira trincheira da resistência à agressão do fas-
i l ino hitleriano” e, no dia seguinte, os deputados comunistas votam 
• is créditos de guerra11.
O governo interdita a imprensa comunista e, a 26 de setembro, 
pne o partido na ilegalidade. Esta perseguição aos comunistas, ao 
mesmo tempo em que os partidos burgueses revelam-se incapazes 
pum organizar a defesa nacional (quando não se orientam claramen-
ii para a capitulação), poderia ter se traduzido num rápido cresci­
mento do prestígio do Partido Comunista Francês se este se manti- 
vcs.se firmemente à cabeça da luta contra a agressão hitleriana, 
unindo-a ao combate contra a impotência ou a traição da bur-
339
guesia — se ele tivesse traçado uma diferenciação nítida entre a sua 
política e a política soviética. Mas logo a posição do partido se alinha 
incondicionalmente à de Moscou. Depois de haver proclamado que 
a França tinha razão para sustentar a Polônia e de votar os créditos 
militares requeridos pelo governo para uma eventual intervenção em 
favor dos poloneses, o partido declara que “a Polônia dos latifundiá­
rios não merece ser defendida” e louva a ocupação da sua parte 
oriental pelo exército soviético. Justifica, igualmente, a ocupação dos 
países bálticos pela URSS. Estes fatos poderiam ser explicados como 
medidas militares de sentido antialemão, mas a direção do partido 
assume a versão mistificadora oferecida pela diplomacia soviética. 
Quando Molotov apresenta a França e a Inglaterra como as potências 
agressoras e a Alemanha como movida por intenções pacíficas, o 
partido assume esta posição que, além de falsear grosseiramente a 
realidade, era suicida nas condições francesas. Numa palavra, o par­
tido comunista entrega de bandeja, à reação, os argumentos ideais 
para situá-lo como partido da traição nacional. A burguesia francesa, 
assim, pode matar dois coelhos com uma só cajadada: acentuar o 
isolamento dos comunistas (o que facilita a repressão) e dissimular 
a sua própria política de capitulação.
Consumados o desastre nacional e a ocupação, o partido insiste 
na mesma política: dedica-se a atacar Vichy, mas não toma em suas 
mãos a bandeira da libertação nacional, não organiza a guerra na­
cional revolucionaria e antifascista, como o fazem os comunistas 
iugoslavos e gregos. Deixa a bandeira da libertação nacional nas 
mãos de típicos representantes do nacionalismo burguês, como de 
Gaulle. Definitivamente, o cego reboquismo que o Partido Comunis­
ta Francês exercita diante da política de Moscou no período do pacto 
germano-soviético causou-lhe três graves prejuízos: em primeiro lu­
gar, impediu-o de capitalizar, desde o início, a bancarrota do Estado 
francês, de utilizar a fundo o sentimento nacional numa perspectiva 
revolucionária; em segundo lugar, permitiu que a iniciativa da luta 
pela libertação nacional caísse nas mãos dos nacionalistas burgueses; 
em terceiro lugar, e conseqüentemente, a repressão contra o partido 
foi facilitada 12.
É importante mencionar que, neste período, o partido coloca, 
como solução para a crise sem precedentes da França burguesa, a 
única saída que um partido revolucionário poderia propor: a revo­
lução socialista. No documento programático intitulado “Pela sal­
vação do povo francês”, difundido em março de 1941, se diz que,
340
,iiuiws das lutas parciais, preparam-se “as grandes batalhas sociais 
,1, 1111e resultará a República popular, a França nova, a França livre 
<l,i , <ploração capitalista, a França socialista, em que haverá, para 
i.idos, pão, liberdade e paz”. No entanto, falar de revolução socia­
li Mu. na França ocupada pelo exército hitleriano, sem convocar à 
guerra de libertação, não tinha sentido. Porém, o partido insinua a 
possibilidade de um “governo do povo” saído apenas da luta contra 
O listado de Vichy. De fato, o documento, sem dizer uma só palavra 
sobre a organização da luta armada contra o ocupante, convoca os 
operários, camponeses, camadas médias, intelectuais, etc., a “consa­
crili todas as suas forças” à “organização metódica de uma ampla 
Irente de luta para preparar a ação cotidiana, os movimentos de 
massa que varrerão a camarilha capitalista de Vichy e darão lugar 
ao povo, ao governo do povo”. A independência nacional seria ne­
gociada depois por este governo, como se deduz do ponto 1 do 
programa incluído no documento: “Libertação nacional e de todos os 
prisioneiros de guerra. Para levar a cabo esta tarefa, o governo do 
povo fará tudo o que for necessário para estabelecer relações pací­
ficas com todos os povos; apoiar-se-á na potência que lhe conferirão 
a confiança do povo francês, a simpatia de outros povos e a ami­
zade da União Soviética”. Eis o que reza o ponto 2: “Estabeleci­
mento de relações fraternais entre o povo francês e o povo alemão, 
recordando a ação realizada pelos comunistas e pelo povo francês 
contra o Tratado de Versalhes, contra a ocupação da bacia do Ruhr, 
contra a opressão de um povo por outro povo”. E o documento não 
diz uma só palavra sobre a necessidade, para estabelecer tais rela­
ções fraternais”, de derrubar a ditadura hitleriana. Que sentido po­
deria ter esta política, salvo na hipótese de um acordo global dura­
douro entre a Alemanha hitleriana, nesse momento a dona da 
Europa, e a União Soviética? Esta posição do PCF não estava em 
estreita conexão com os intentos que, nesse período, o governo 
soviético fazia para consolidar seu entendimento com a Alemanha de 
Hitler, como sustentam — já o vimos — historiadores soviéticos? 
Vale a pena notar que o documento fora elaborado, na União Sovié­
tica, por Maurice Thorez ,3.
A luta por uma França socialista era, sem dúvida, o objetivo 
que se devia propor o partido revolucionário do proletariado naquela 
crise histórica da França burguesa, mas a colocação feita pela direção 
do PCF era apenas o verniz “esquerdista” de uma política que, para 
não entrar em contradição com a do governo soviético, renunciava
341
à única via capaz de conduzir à solução socialista da crise: a guerra 
nacional, antifascista e revolucionária contra a ocupação hitleriana. 
O citado documento não só não convoca para esta guerra, mas dá a 
entender, com suficiente clareza, a sua oposição a ela. O povo da 
França — diz-se no texto — “repudia vigorosamente todos os cha­
mamentos dos belicistas”, “não deseja, novamente, participar da 
guerra imperialista” u .
A renúncia à alternativa socialista
Quando os soldados hitlerianos cruzam a fronteira soviética, o 
PCF cruza também a impalpável fronteira que o separava dos “beli­
cistas”, coloca-se resolutamente na pointe du combat pela indepen­
dência nacional. Mas é evidente que o atraso com que o faz e os 
efeitos da sua política anterior só poderiam pesar negativamente na 
balança final. Agora, depois de “esperar” dois anos, o partido critica 
a posição attentiste do Estado-Maior de de Gaulle, que aconselha a 
suspensão das ações armadas. O partido convoca à ação armada 
imediata, organizando-a sem poupar riscos e sacrifícios. A iniciativa 
e acoragem dos comunistas, sua capacidade organizativa, conquis­
tam progressivamente a simpatia do povo para o partido. Acorrem 
às suas fileiras os elementos mais combativos dos operários, dos es­
tudantes, dos intelectuais. Mas, no plano político, o partido incorre 
no erro oposto ao da primeira fase da guerra. Se, durante esta fase, 
a Inglaterra e os Estados Unidos eram qualificados como inimigos 
do povo francês, a partir do 22 de Junho a propaganda comunista 
renuncia a qualquer crítica aos que passam a ser grandes Estados 
democráticos aliados. Até o 22 de Junho, de Gaulle era um simples 
agente da City, com o gaullismo definido como um “movimento de 
inspiração reacionária e colonialista, à imagem do imperialismo bri­
tânico”, cujo objetivo é “privar [a França] de toda liberdade na 
hipótese de uma vitória inglesa” 15. A partir do 22 de Junho, natu­
ralmente, de Gaulle passa a ser o aliado e a crítica da essência “rea­
cionária e colonialista” do gaullismo desaparece dos documentos do 
partido. Este, no entanto, ainda mantém uma atitude reservada em 
face do general. Mas, em maio de 1942, Molotov se entrevista com 
de Gaulle em Londres e, contanto que ele apóie, junto aos aliados, 
a exigência russa de uma segunda frente, Molotov se põe de acordo 
com o general para que todos os franceses, bem como os povos das
342
ml..... da França, agrupem-se sob a sua direção16. Nos meses se-
........ru, o PCF adere ao Comitê de Londres e designa Grenier seu
h |>i• .ontimte. Numa carta dirigida ao Comitê Central do PCF, de 
10 ili laiieiro de 1943, de Gaulle registra a adesão e define, sem 
unhlguidade, o princípio da subordinação do partido à sua direção: 
\ ! lu-guda de Fernand Grenier — diz a carta —, a adesão do Par­
ia I,, Comunista ao Comitê Nacional que ele apresentou em vosso
......... a colocação a meu dispor, enquanto comandante-em-chefe das
loiças francesas, das valentes formações de Francs Tireurs que haveis 
mnsliluído e animado, estas são manifestações da unidade fran- 
i csa 1 . .] Estou convencido de que os representantes que eu desig­
nei encontrarão nos responsáveis do PCF uma vontade de cooperação 
que será levada ao espírito do sacrifício e a mesma disciplina leal 
.//a- já existe no interior de vossas organizações.” E, a 21 do mesmo 
me:., Grenier escreve em L’Humanité: “Expressamos o sentimento 
do. franceses proclamando nossa confiança no general de Gaulle, 
que primeiro levantou o estandarte da Resistência” 17. Em fevereiro, 
niIo libertados os deputados comunistas que Vichy encarcerara na 
prisão de Argel (e que continuavam presos, embora desde 11 de 
novembro de 1942 a Argélia estivesse em mãos das tropas anglo-ame­
ricanas). E, em junho do mesmo ano — poucos dias depois, casual­
mente, da dissolução da IC —, o Comitê Francês de Libertação Na­
cional (CFLN), que acabava de se constituir, sediado em Argel, 
anula o decreto de setembro de 1939, pelo qual Daladier declarara 
ilegal o partido comunista. A composição do CFLN, presidido pelos 
generais de Gaulle e Giraud, não podia ser mais reacionária. Reúne 
"os homens enviados a Argel pela grande burguesia para se apre­
sentarem como ‘resistentes’ e cuidar da salvaguarda dos seus inte­
resses” — como se diz na história da Resistência escrita por uma 
comissão presidida por Jacques Duelos. Mas isto não impediu a 
direção do PCF de saudar a criação do CFLN com a seguinte decla­
ração: “Todos os franceses esperam do Comitê Francês de Liberta­
ção Nacional a organização da ativa participação da França na guerra 
contra Hitler, mobilizando todos os recursos, todas as energias, todas 
as vontades francesas fora da metrópole e sustentando, material e 
moralmente, a ação dos lutadores que, no território pátrio, levam a 
cabo um combate difícil e glorioso” 18. Neste período, o PCF con­
sidera fundamental para a sua política a entrada no CFLN, desde 
que este aceite uma plataforma cujo ponto mais avançado é o se­
guinte: "Desenvolvimento de uma política democrática e social que
343
galvanize todas as energias francesas e crie o entusiasmo pela parti­
cipação de todos na guerra de libertação”. Embora esta declaração 
genérica não comprometesse ninguém, antes podendo ser útil aos 
representantes da “grande burguesia para se apresentarem como ‘re­
sistentes’ ”, de Gaulle não aceita nenhuma condição (sem dúvida 
para que sua liderança não sofra o menor risco), nem concorda em 
que os representantes comunistas no CFLN sejam designados pelo 
próprio partido — têm que ser nomeados por ele. Finalmente, o 
partido passa a participar do CFLN sem que de Gaulle subscreva 
qualquer compromisso 19.
O partido, certamente, desenvolve ao mesmo tempo uma intensa 
atividade para aumentar as suas próprias forças, a Frente Nacional 
(movimento unitário sob a direção dos comunistas, que adquire rela­
tiva amplitude), e seu braço armado, os FTP. E preconiza a coorde­
nação das diversas organizações e tendências da Resistência no in­
terior. A primavera de 1943 assinala, neste aspecto, uma etapa 
importante. No MUR (Movimentos Unidos da Resistência) agru- 
pam-se organizações como “Combat”, “Franc-Tireur” e “Libéra- 
tion”, na clandestinidade se reunifica a CGT e, a 27 de maio, se 
constitui o Conselho Nacional da Resistência (CNR), onde se repre­
sentam todas as organizações e tendências. No curso das negocia­
ções que conduzem à criação deste organismo se coloca um problema 
de particular interesse. O único partido organizado que existe no 
interior da Resistência é o comunista. Num primeiro momento, de 
Gaulle tenta impedir que o PCF, enquanto partido, esteja repre­
sentado no CNR. Mas, ante a impossibilidade de consegui-lo, dado 
o papel que o partido já desempenha no conjunto do movimento, 
procura outra solução, assim apresentada na obra de Duelos, que 
citamos: “Para que o partido comunista não seja o único designado 
como partido resistente [de Gaulle propõe] que outras formações po­
líticas figurem na organização que se pretende constituir”. A recom­
posição dos antigos partidos deve, por seu turno, “reforçar a causa 
gaullista aos olhos dos Aliados” e instaurar “a única barreira à in­
fluência comunista”. “Mas esta pretensão — diz-se na mesma obra 
— choca-se com a violenta oposição dos movimentos da Resistência. 
Muitos políticos se desacreditaram com o regime de Vichy. Se, de 
todos os partidos, alguns indivíduos participam das organizações da 
Resistência, nenhum partido, exceto o comunista, se reconstruiu na 
clandestinidade. [. . . ] Os movimentos da Resistência se opõem ener­
gicamente a esta reaparição dos partidos”. “Se se considera normal
344
( insto — escreve o periódico clandestino Défense de la France 
. | iic os comunistas estejam representados no Comitê de Liberta­
do , porque participam vigorosamente da luta comum, dificilmente 
. aceita a presença de representantes das antigas tendências”. A 
qtu-stSo, sem dúvida, era essencial. No fundo, o que estava em jogo 
ei ii ii saída que se apontava para a luta: ou voltar ao sistema político 
inidicional que levara o país a uma catástrofe nacional ou criar uma 
nova força unitária, inspirada no espírito da Resistência, na qual se 
rei onhecia aos comunistas um papel preeminente. Apresentava-se 
pura o partido uma oportunidade única de encabeçar esta corrente 
M-novadora e orientá-la para a transformação profunda da sociedade 
francesa. Mas o partido jogou a favor do passado, apoiando a solu­
ção gaullista. Duelos explica: "É inegável que, na França, a vida 
política se expressa tradicionalmente em grandes correntes, que são 
um dos traços específicos da democracia burguesa francesa; na 
I rança, o apoliticismo e a condenação dos partidos sempre foram 
instrumentos reacionários. Levando isto em conta e a necessidade 
de chegar rapidamente a uma união eficaz no combate nacional, o 
partido comunista aceitou a constituição do CNR sobre as bases 
propostas por Jean Moulin [representante de de Gaulle] que, num 
informe ao Comitê de Londres, louvou a disposição unitária do par­
tido comunista”20. Efetivamente, os “traços específicos” citados cons­
tituíam algo “inegável”. Outro dado “inegável” era que a reação 
explorara, mais de uma vez, a impotência dos partidos políticos so­
cial-democratas e pequeno-burgueses radicais. Mas um terceiro dado, 
não menos “inegável” e que é desprezado pela argumentação de 
Duelos, é que os partidos políticos tradicionais, a “democracia bur­
guesa francesa”, haviam sofrido a maior bancarrota da sua história e, 
agora, não eram repudiados pela reação, mas pelas novas forças revo­
lucionárias que nasciam sob o fogo da Resistência; a reação, pelo 
contrário, agarrava-se agora desesperadamente aos “traços específicos 
tradicionais da democracia burguesa”. O quarto dado “ inegável” 
— como os acontecimentos ulteriores demonstrariam — é que o PCF, 
apoiando a solução gaullista, preparava o caminho para a restauração 
do capitalismo francês. O louvor que se lhe enviou ao Comitê de 
Londres estava plenamente justificado. “Necessidade de chegar rapi­
damente a uma união eficaz no combate nacional”? Tudo dependia, 
naturalmente, de como se entendesse este combate e seu objetivo. 
Se ele devia conduzir à restauração da tradicional democracia bur­
guesa francesa, a “união” escolhida por de Gaulle, com o apoio do
345
PCF, era, sem dúvida, a mais “eficaz”. Com esse tipo de “união”
que Stalin também tentou impor-lhes —, os comunistas iugos­
lavos teriam dirigido a sua Resistência para a restauração da mo­
narquia tradicional e não teria se realizado a única revolução socia­
lista que, na Europa, não resultou da divisão das “esferas de in­
fluência” — e que triunfou apesar desta divisão.
No curso de 1943, e sobretudo nos primeiros meses de 1944, 
a rede unitária da Resistência desenvolve-se grandemente em toda a 
França e, nela, os comunistas ocupam posições-chaves, o que, no 
plano da organização, dá-lhes a chance de obter uma função diri­
gente. Mas a possibilidade de realmente exercer esta função nas 
batalhas decisivas que se aproximavam — de exercê-la em sentido 
revolucionário — e conseguir que a Libertação desembocasse numa 
transformação radical da sociedade francesa, esta possibilidade não 
era apenas questão de postos no aparelho da Resistência nem da 
capacidade de organização da luta armada (neste terreno, o par­
tido — como anos antes o fizera o Partido Comunista Espanhol 
— já dera excelentes provas de sua eficiência), nem, muito menos, 
do espírito de sacrifício e de coragem na luta (nisto também os co­
munistas franceses foram exemplares; merecidamente, o PCF ganhou 
o título de “partido dos fuzilados”. Infelizmente, o mesmo não se 
pode dizer quanto ao título de “partido da revolução”). Primeiro e 
antes que tudo, era uma questão de orientação política e dependia 
da existência, na direção do partido, da vontade em favor de uma 
tal transformação revolucionária.
A insurreição nacional que se segue ao desembarque aliado na 
Normandia colocou praticamente na ordem do dia o problema do 
poder. A maior parte da França, Paris inclusive, é libertada pelas 
forças armadas da Resistência, com o apoio das massas e sem a 
intervenção direta dos exércitos aliados. Os comitês de libertação 
se convertem, por todo lado, em órgãos de poder, e as milícias 
patrióticas adquirem caráter massivo2'. O Partido Comunista é a 
força política predominante deste grande levante popular. O seu 
prestígio e a sua influência não encontram rivais nos sindicatos 
e nas empresas, nos comitês de libertação e nas milícias patrióticas, 
entre os intelectuais e a juventude — sem falar das forças armadas 
criadas durante a Resistência22. Só este fato prova o caráter revolu­
cionário da situação — porque o Partido Comunista, ainda que os 
acontecimentos fossem infirmá-lo, era para as massas o partido da
346
revolução. Entrando em colapso o Estado de Vichy e o poder dos 
ocupantes, a maioria do proletariado e amplos setores de outras ca­
rnudas sociais trabalhadoras depõem suas esperanças no partido a 
c|ue associam a idéia da revolução e na União Soviética, cujo pres­
idio — este é outro dado fundamental da situação — entre os fran- 
i oses alcançou então um nível que não voltaria a repetir-se.
De Gaulle, como revelam as suas Memórias, tinha perfeita 
consciência de que “a direção dos elementos combatentes estava nas 
mãos dos comunistas”. Pensava que o PCF — e, anos depois, contra 
Iodas as provas, continuou atribuindo-lhe esta intenção — tinha o 
propósito de aproveitar o momento da libertação para dirigir as 
forças da Resistência para a tomada do poder. “Aproveitando o 
tumulto da batalha, empolgando o Conselho Nacional da Resistên­
cia, do qual vários membros, além dos que estavam sob o seu con­
trole, poderiam ser vulneráveis à tentação do poder; usando da sim­
patia de que gozavam em muitos círculos, derivada das perseguições 
de que eram objeto, das perdas que sofriam e da coragem que de­
monstravam; explorando a angústia sentida pela população em razão 
da ausência de qualquer força pública; jogando, enfim, com o equí­
voco, exibindo a sua adesão ao general de Gaulle, [os comunistas] 
pretendiam aparecer à frente da insurreição como uma espécie de 
Comuna, que proclamaria a República, estabeleceria a ordem, admi­
nistraria a justiça e, por conseqüência, cantaria a Marselhesa e des­
fraldaria a bandeira tricolor” 23. Este plano, atribuído por de Gaulle 
aos comunistas, não existia na realidade — mas há que reconhecer 
que era um plano excelente. De Gaulle percebe lucidamente as mag­
níficas cartas que o partido tem nas mãos e a engenhosidade com 
que podem ser usadas. De fato, a questão, para um verdadeiro par­
tido revolucionário naquela situação, não era uma colocação abstrata 
da conquista do poder pelo proletariado, mas a tomada do poder 
pela Resistência, pela autêntica Resistência — não a de Londres ou 
Argel; a questão não era um enfrentamento direto com de Gaulle 
— era fazer com que de Gaulle se confrontasse com a Resistência. 
Não consistia em provocar o choque com os exércitos “libertadores” 
anglo-americanos, mas colocar tais exércitos frente à realidade do 
poder da Resistência e mobilizar, contra qualquer atentado a este 
poder, os sentimentos nacionais exaltados pela Libertação. Estes 
poderiam ser os primeiros passos para a revolução socialista na 
França de 1944. De Gaulle percebeu-o com clarividência. Mas,
347
lamentavelmente, de Gaulle nao era o secretário-geral do Partido 
Comunista Francês.
Cônscio da explosiva situação criada, de Gaulle manobrou 
habilmente. Começou a instalar o seu dispositivo e a isolar, limitar, 
os poderes dos comitês de libertação. Foi avançando cada vez com 
mais segurança ao comprovar que os comunistas cediam o terreno 
sem opor grande resistência. Até que fez a surpreendente descoberta 
de que, no Partido Comunista, tinha a grande força “patriótica” 
capaz de cooperar, mais eficazmente que qualquer outra, para a 
restauração da França eterna. Este processo foi rápido.
Nos primeiros meses seguintes à instalação do governo de de 
Gaulle, a direção do PCF, sob a pressão do movimento espontâneo 
das massas e das correntes revolucionárias que operavam no seu 
seio, aplica uma linha ambígua, defendendo os comitês de libertação 
e as milícias patrióticas, mas sem promover uma ação de massas 
decidida, sem colocar os problemas de fundo relativos à transfor­
mação democrático-socialista da sociedade francesa. A 27 de outubro 
de 1944, numa assembléia do partido, Duelos declara: “As milícias 
patrióticas devem continuar sendo o guardião vigilante da ordem 
tepublicana, ao mesmo tempo em que devem ocupar-se ativamente 
da educação militar das massas populares”. Esclarece que, em cada 
localidade, a milícia deve englobar milhares de “cidadãos-soldados” 
e subordinar-se aos comitês de libertação, permanentemente enqua­
drada e com arsenais de armas e munições. No dia seguinte, de 
Gaulle responde assinando o decreto de dissolução das milícias.' Os 
dois ministros comunistas protestam, mas permanecem no governo. 
A direção do partidodá instruções internas para manter a organi­
zação miliciana e não entregar as armas, estruturando arsenais clan­
destinos; porém, não mobiliza o povo contra esta direta agressão aos 
poderes da Resistência, que identifica nitidamente os propósitos do 
general24. Este dá uma no cravo e outra na ferradura. A 6 de no­
vembro, no Journal Officiel, aparece o decreto da anistia a Thorez; 
sobre isto, em suas memórias, escreve de Gaulle: “O interessado mé 
dirigiu inúmeras petições. Muito deliberadamente, creio que é meu 
dever anistiá-lo. Considerando as circunstâncias passadas, os acon­
tecimentos que ocorreram posteriormente, as necessidades atuais, 
creio que o retorno do Sr. Thorez à cabeça do PCF pode comportar 
atualmente mais vantagens que inconvenientes”. As “necessidades 
atuais”, como o próprio general escreve, consistem em “aparar as
348
yiirrus dos comunistas”, “retirar deles os poderes que usurpam e as 
minas que exibem”. Seus cálculos sobre as vantagens que pode ter 
o regresso de Thorez são acertados. A 27 de novembro, chega o 
secretário-geral do partido. Sua primeira palavra de ordem é “um 
m> listado, uma só polícia, um só exército!” De Gaulle anota: “Des- 
tlc o dia seguinte ao seu retorno à França, Thorez ajuda a pôr fim 
iís últimas seqüelas das ‘milícias patrióticas’. Ele se opõe às tenta- 
livas usurpadoras dos comitês de libertação e aos atos de violência 
intentados por grupos superexcitados” 25. De fato, desde a chegada 
de Thorez, as organizações do partido recebem, por via interna, 
instruções para dissolver as milícias e entregar as armas. E o secre­
tário-geral, no informe que apresenta ao Comitê Central, a 21 de 
janeiro de 1945, preconiza publicamente a dissolução das milícias e 
de todos os grupos armados “irregulares”. Argumenta que tais orga­
nizações eram justificadas antes e durante a insurreição contra os 
hitlerianos e os homens de Vichy, mas que, agora, a segurança 
pública deve ser garantida pelas forças policiais regulares. No mesmo 
informe, insiste (já o dissera, a 14 de dezembro de 1944, discursando 
no comício organizado pelo partido no Velódromo de Inverno) em 
que os comitês de libertação locais e departamentais não devem 
substituir, de modo algum, as administrações oficiais 26.
O momento escolhido por de Gaulle para anistiar Thorez, 
segundo todas as probabilidades, não atende apenas a motivações 
de política interna. O general preparava a sua viagem a Moscou e 
chegar lá com o “caso Thorez” ainda pendente seria, realmente, 
très fâcheux27. A anistia ao prestigioso discípulo de Stalin repre­
sentava um excelente “cartão de visita”. Com efeito, tudo foi per­
feitamente coordenado: a 6 de novembro se publica o decreto, a 27 
do mesmo mês Thorez chega a Paris, a 2 de dezembro de Gaulle 
está em Moscou, reunido com Stalin. O objetivo do general era 
reforçar suas posições frente à Inglaterra e aos Estados Unidos me­
diante u n pacto bilateral com a União Soviética — o que consegue, 
depois de uma demorada negociação. Se a anistia de Thorez facilita 
o entendimento de Gaulle-Stalin, o pacto franco-soviético facilita o 
entendimento de Gaulle-Thorez. As contundentes observações deste 
último contra quaisquer discussões acerca da autoridade do novo 
Estado francês, feitas ao Comitê Central em 21 de janeiro de 1945, 
não são estranhas, sem dúvida, ao feliz resultado das negociações 
de Moscou28.
349
A restauração da “França eterna”
Ao mesmo tempo em que coopera eficazmente na liquidação das 
tendêncjas usurpadoras” dos comitês de libertação nacional e das 
“últimas seqüelas das milícias patrióticas”, o partido põe inteira­
mente as forças armadas da Resistência que controla à disposição 
do alto comando gaullista e aliado, funde-as ao “grande exército” 
francês, cuja formação Thorez preconiza ardorosamente desde que 
pisou o solo pátrio. Numa palavra, o partido liquida as forças arma­
das populares forjadas durante a Resistência, em todas as suas for­
mas. Simultaneamente a esta destruição geral das bases políticas e 
militares de um novo poder popular, criadas no curso da Resis­
tência e da Libertação, o partido se lança a outra grande batalha 
pela restauração da França eterna: a famosa — tristemente fa­
mosa batalha da produção”. A coisa começa imediatamente 
depois da libertação de Paris. Num informe a uma reunião de mili­
tantes sindicais, a 10 de setembro de 1944, Benoit Frachon con­
voca os trabalhadores a “reconstruir nossa grande indústria sobre 
bases mais racionais e a assegurar o seu pleno rendimento”. A re­
construção, esclarece, “não deve operar-se em proveito das oligar­
quias financeiras e industriais , mas este é um problema a resol­
ver-se quando o povo for consultado sobre o regime que deseja” 
então, afirma, nos daremos nossa opinião sobre a desaparição 
dos trustes e os métodos adequados para substituir a sua dominação 
por uma economia a serviço da nação”. Por agora, sem esperar o 
que digam as urnas sobre os beneficiários da “reconstrução”, os 
operários devem trabalhar duro. O secretário da CGT e dirigente 
do Partido Comunista aconselha-os a constituir “comitês patrióticos 
de produção”. A 24 de março de 1945 informa sobre isto ao Comitê 
Nacional da CGT. Entrementes, concedeu-se aos operários um pe­
queno aumento salarial, inferior à modesta reivindicação de 50% 
formulada pela CGT na clandestinidade — mas os preços subiram. 
“Durante este período [da Libertação a março de 1945] — diz Fra­
chon em seu informe —, germinou na classe operária um legítimo 
descontentamento. Se, apesar disto, as greves foram quase inexis­
tentes, o fato se deve apenas à alta consciência nacional dos traba­
lhadores, bem como a autoridade da CGT e seus militantes” 29. 
Realmente, o partido, liderado por Thorez, não poupou energias para 
inculcar nos operários comunistas e filiados à CGT a “alta consciên­
cia nacional”. Num primeiro momento, invoca-se o “esforço de guer-
350
ui mino principal justificação, porque ainda não está consumada 
H .1, iioin da Alemanha. Na verdade, a sorte da guerra já está deci- 
.li.lu ionio Stalin dá a entender em seu discurso de 6 de novembro 
,1, c a produção francesa de armas teria pouca influência nos
....... .mentos. Em troca, o que não está decidido é se a luta e os
q,i, i il mios dos trabalhadores franceses terão como resultado a con- 
. • 11• I.i*,.i, > do capitalismo francês “sobre bases mais racionais” ou
.... . economia a serviço da nação”. O “esforço de guerra”, situado
uh contexto de toda a política do partido, que estamos descrevendo,
■ i podia contribuir para paralisar e desmoralizar as forças capazes 
, l, Impor u segunda alternativa — e foi o que ocorreu. A “batalha 
,Li produção” não se interrompe com a derrota da Alemanha; ao 
contràrio, chega ao seu clímax. Thorez encontra outro argumento, 
,|iic mio se distinguia propriamente pela originalidade. Todos os 
pui lidos social-democratas, cada vez que participaram de um go­
mmo burguês, como agora participava o PCF, haviam-no utilizado: 
operários não devem apresentar reivindicações excessivas nem 
11,/ci greves, mas elevar a produção, porque o interesse da grande 
burguesia é criar dificuldades a um governo com ministros socialis- 
i,i | ui seu informe ao X Congresso do partido (junho de 1945), 
1'horez não desmerece em nada os seus precursores e contemporâ­
neo. social-democratas; antes, os ultrapassa: “Onde está o perigo 
mortal para o nosso país? Está no terreno da produção [. . . ] Se 
os trustes e seus agentes se opõem ao esforço de reconstrução e de 
produção, o interesse do povo, o interesse da classe operária, é tra- 
bnlhar e produzir, apesar e contra os trustes.” Naturalmente, aquilo 
cm que menos pensavam os trustes e seus agentes era em se opor a 
que os operários “trabalhassem e produzissem”. Thorez não pode 
rxpor ao congresso uma só prova convincente da “vontade que atri­
bui aos trustes. A estes, o que não seduzia era a “democracia libe­
rada dos trustes”, que Thorez apresenta como a perspectiva do par- 
lido. Mas nem isto ospreocupava muito: era um objetivo ao qual 
sc deveria chegar pela via da legalidade parlamentar, sob condições 
de autoridade e estabilidade. “A perspectiva mais feliz para nossa 
nação — afirma Thorez no mesmo informe — é a manutenção 
prolongada de um governo de ampla unidade nacional e democrática, 
que viabilize as melhores condições de autoridade e estabilida­
de [ .. .]” Só assim se pode assegurar a “grandeza da França”, porque 
só assim a produção pode ir de vento em popa. Diz Thorez: Hoje,
são a extensão e a qualidade da nossa produção material, e nossa
351
posição no mercado mundial, que dão a medida da grandeza da 
França”. O povo deve “entrar na batalha da produção como entrou 
na batalha pela libertação; trata-se de recuperar a grandeza da Fran­
ça, trata-se de assegurar — de forma não retórica — as condições 
materiais da independência francesa”. A alusão se dirige a todos os 
que, dentro ou fora do partido, criticam com “frases revolucioná­
rias” a linha seguida pela direção do PCF: “Temos que combater as 
concepções esquerdistas de alguns sectários que pensam, ainda que 
não o expressem claramente, que ‘talvez tenhamos abandonado a 
linha revolucionária’ ”. Felizmente, o Comitê Central, sob a clarivi­
dente direção de Thorez, desbaratou “o plano da reação, que tendia 
a empurrar os elementos mais avançados da democracia e da classe 
operária para aventuras, a fim de dividir o povo”. Em todo este 
informe, Thorez só menciona os conceitos de “revolução” e “revo­
lucionário” em sentido pejorativo. Já no seu discurso de janeiro, 
diante do Comitê Central, chegara ao limite de denegrir o uso do 
conceito, vinculando-o subterraneamente ao de “revolução nacio­
nal” utilizado pelos homens de Vichy: “Nós, que somos comunistas, 
atualmente não formulamos exigências de caráter socialista ou co­
munista. Dizemos isto com o risco de parecermos fracos aos olhos 
dos que constantemente têm nos lábios a palavra revolução. Está 
um pouco na moda, mas quatro anos de ‘revolução nacional’ sob a 
égide de Hitler preveniram o povo contra o emprego abusivo e 
demagógico de certos termos, deformados em seu sentido”. Thorez 
põe em circulação a expressão “hitlerotrotskistas” e convoca à vigi­
lância para identificar e expulsar do partido os “elementos suspeitos, 
os provocadores, os agentes do inimigo, hitlerotrotskistas, que fre- 
qüentemente se ocultarão sob frases ‘esquerdistas’ ” 30.
A “batalha da produção” alcança seu auge com a viagem de 
Thorez pela zona mineira do Norte. Apesar da campanha do partido 
e da CGT, em alguns casos os mineiros recorreram à greve, e Thorez 
adverte os comunistas que delas participaram: “Aqui, queridos ca­
maradas —- diz, em 21 de julho de 1945, em Waziers, num discurso 
para um auditório de mineiros comunistas —, com toda a responsa­
bilidade, em nome do Comitê Central, em nome das decisões do 
congresso do partido, afirmo-lhes com toda a franqueza: é impossí­
vel aprovar a menor greve, sobretudo quando ela se dá, como 
ocorreu na semana passada, nas minas de Bethune, à margem do 
sindicato e contra o sindicato”. Na greve perderam-se umas 30.000 
toneladas de carvão, e Thorez clama: “É um escândalo, uma ver-
352
liMiilm, uma falta grave contra o sindicato e contra os interesses dos
......lios"3'. Um ano depois do “apelo de Waziers”, Thorez louva
........nllndos obtidos: “A produção carbonífera aumentou em mais
• l> Com quase 160.000 toneladas diárias, ultrapassamos em 
M' i o nível de antes da guerra. Um êxito notável! A França, com
i • rçm> da União Soviética, é o único país que pode apresentar 
 Iluiiite resultado. [ . . . ] Cabe cumprimentar nossos mineiros,
• 111< ii.io pouparam nem suor nem esforço” 32 (lendo-se os discursos 
.1. Thorez deste período, tem-se a impressão de que se está cons- 
111iludo o socialismo na França e que a tarefa central dos trabalha- 
I H c erguer uma economia que passou às suas mãos). Em dezem- 
Iii11. ii organismo dos trabalhadores nos serviços públicos decide 
iiigimizar uma greve de advertência e, para prepará-la, tem lugar no 
Vcludromo de Inverno um comício-monstro. Os oradores preconizam
ii greve geral, inclusive os da SFIO. A única voz discordante é 
llniri Raynaud, dirigente comunista da CGT: “Nas circunstâncias 
iiliittis — afirma —, uma greve geral seria catastrófica; resultaria, 
a >lii ctudo com a paralisação das ferrovias, na fome nacional”. Dez 
11111s mais tarde, Thorez assegura no Conselho de Ministros que não
i pode ceder a pressões intoleráveis e que, com algumas correções, 
u projeto do ministro da Fazenda deve ser aprovado33. Referindo-se 
no ano de 1945 — que, com a linguagem cubana de hoje, o PCF 
poderia ter batizado como “o ano da produção” —, de Gaulle 
cm reve nas suas Memórias: “Quanto a Thorez, mesmo se esforçando 
paru levar adiante as questões do comunismo, em várias ocasiões 
prestou serviços ao interesse público. Não cansa de passar a pala­
vra de ordem de trabalhar o máximo possível e de produzir a 
qualquer preço. Uma simples tática política? Não vou discuti-lo. 
Iiusla-me que a França saia ganhando.” Logo ficaria claro que 
"as questões do comunismo” não avançavam muito, mas que a 
f rança — mais exatamente: a burguesia francesa — sairia ganhando.
Em junho de 1946, Thorez viu-se obrigado a declarar ante o 
Comitê Central: “A situação é muito séria [refere-se ao fato de o 
resultado negativo do referendum sobre o projeto de Constituição 
apoiado por comunistas e socialistas, bem como as eleições legisla­
tivas de 2 de junho, haverem revelado um nítido deslocamento dos 
eleitores para a direita]. A grande burguesia francesa, forte em sua 
larga experiência e dotada de enorme capacidade de manobra, usou 
hábil e alternadamente de todos os seus métodos e de todos os seus 
homens para chegar até este ponto e, se possível, para fazer-nos
353
retroceder ainda mais. Quando da Libertação, não se enfrentou dire­
tamente com o movimento popular. Procurou ladeá-lo, deslocá-lo, 
desagregá-lo. Impediu a união das forças da Resistência e pouco a 
pouco reduziu a influência do Comitê Nacional da Resistência e 
dos comitês locais e departamentais de libertação” 34. Declaração 
reveladora, porque dela se deduz nada menos que o seguinte:
a) dois anos de Libertação, dois anos de participação dos co­
munistas no governo, não fizeram avançar na França o movimento 
popular saído da Resistência, mas avançou a grande burguesia, que 
fortalecia as suas posições econômicas e recuperava a sua influência 
política. A original tática thoreziana de lutar contra os trustes à base 
de um esforço para que os operários trabalhassem mais e melhor, 
apertando os cintos, conduzira ao fortalecimento dos trustes. A con­
tenção do movimento de massas, a renúncia às ações que atentassem 
contra a ordem legal, a fim de não colocar em risco a “união nacio­
nal”, conduziram à reinstauração da ditadura burguesa sobre a na­
ção. A linha de travar as reivindicações proletárias para não assustar 
as camadas médias resultara na inclinação destas para a direita, para 
os partidos da burguesia — que iam revelando, em contraste com 
a pusilanimidade e a debilidade do partido proletário, sua maior 
determinação —, como o reconhece Thorez no mesmo informe. A 
via para avançar no sentido da “nova democracia”, baseada exclu­
sivamente na conquista da maioria parlamentar, conduziu à restaura­
ção da mais “velha democracia”, a democracia tradicional da França 
burguesa. O cretinismo parlamentar comunista dava os mesmos frutos 
que o cretinismo parlamentar social-democrata. Inutilmente a direção 
do PCF lançava sobre a SFIO a responsabilidade da não formação 
de um governo socialista-comunista, apoiado pela maioria parla­
mentar reunida pelos dois partidos. Todo mundo sabia que os diri­
gentes socialistas de direita só aceitariam semelhante coalizão sob 
uma irresistível pressão das massas, mas a direção thoreziana fizera 
todo o possível para paralisar o movimento de massas nascido da 
Libertação. Quanto aos quadros socialistas e sindicais deesquerda, 
susceptíveis de apoiar sinceramente um governo socialista-comunista, 
eles alimentavam legítimas reservas sobre o futuro que esta solução 
podería lhes oferecer. É claro que, durante esse período, Thorez 
mencionou, em algumas oportunidades, uma possível via francesa 
ao socialismo, diferente da seguida pelos bolcheviques. Mas estas 
colocações eventuais não se acompanhavam de nenhuma fundamen­
tação teórica séria — reduziam-se. na realidade, a generalizar o caso
354
• Iti» democracias populares do Leste europeu, esquecendo o pequeno 
ili hillic do papel ali desempenhado pelo exército vermelho e por 
mil ms instrumentos do poder soviético. Ademais, a sujeição do PCF 
n nliii direção stalinista, a seus dogmas, era tão evidente que as 
i M oiregadelas heterodoxas de Thorez dificilmente poderiam ser to- 
mndiis por algo mais que manobras táticas35;
lo icconhecendo que, “quando da Libertação [a grande burguesia] 
mio sc enfrentou diretamente com o movimento popular” e “pro- 
' m i o u ladeá-lo, deslocá-lo, desagregá-lo”, Thorez estava dando razão 
mo . que então preconizavam, dentro e fora do partido, uma política 
olensiva, revolucionária, orientada ao desenvolvimento do vigoroso 
movimento operário e popular que a insurreição nacional deflagrara. 
• a “grande burguesia” não se atreveu a atacá-lo frontalmente era, 
precisamente, porque percebia a sua potencialidade revolucionária. 
Mus quem “pouco a pouco reduziu a influência do Comitê Nacional 
•lo Kcsistência e dos comitês locais e departamentais de libertação”? 
\ “grande burguesia” ou a política defendida e imposta por Thorez 
desde o seu regresso de Moscou? Noutra passagem do mesmo in- 
I urine, Thorez refere-se novamente à “tática sinuosa [das forças 
burguesas], da qual hoje ousam se orgulhar, tática destinada a 
conter, a ladear o povo, ao qual não podiam atacar de frente em 
agosto de 1944” 36. E não era lógico esse orgulho? Não tão lógico 
cia que o secretário-geral do Partido Comunista, por sua vez, se 
■ agulhasse da política que tão maravilhosamente se ajustara à “tática 
.limosa” da reação burguesa. No entanto, Thorez defende como inte­
gralmente justa, perfeita, a linha seguida desde a Libertação. Se 
houve pequenos defeitos, estes se localizam no trabalho de federações 
e seções. Com a maior naturalidade, como se não tivesse nenhuma 
responsabilidade nisto, Thorez censura “alguns camaradas que não 
estão livres de ilusões parlamentares”. Mas esta censura, no contexto 
do informe, funciona apenas para equilibrar formalmente o alvo 
verdadeiro do ataque, a esquerda. O mal-estar diante dos resultados 
da linha seguida, realmente, se generalizara muito nas fileiras do 
partido e Thorez, ainda que minimizando-o, se vê obrigado a reco­
nhecê-lo. Cita casos particulares: a resolução de uma célula do 
Yonne reprova à direção “colaborar no governo, fazendo concessão 
atrás de concessão”, e outra dos Altos Pirineus, que acusa a direção 
de “colaborar com a reação, acumpliciando-se com leis antidemo­
cráticas”. Thorez convoca o partido a combater energicamente estas 
posições. Aqueles que as sustentam “ainda não compreenderam que
355
nos convertemos num partido de governo, colocam em dúvida a 
nossa linha geral”. E, para convencer esses recalcitrantes, Thorez 
exibe — pela primeira vez, ao que sabemos, publicamente — o 
grande argumento, o argumento irrecusável, que continuará utilizan­
do por anos e anos para justificar a política do PCF na Liber­
tação: os que criticam esta política, diz Thorez, “nem sequer leram 
o artigo do jornalista norte-americano Walter Lippman, que escreveu, 
em Le Figaro, que as tropas anglo-americanas estavam prontas a in­
tervir se os comunistas ascendessem ao poder na França” 37. Acerca 
desta justificação suprema, e aparentemente tão “sólida”, voltaremos 
mais adiante. Antes, porém, concluiremos este sumário esboço da 
política do PCF até a sua exclusão do governo.
Nem a “séria” situação criada, nem o descontentamento nas 
fileiras do partido — que, ademais, é facilmente controlado pelos 
métodos tradicionais de intimidação ideológica e medidas adminis­
trativas — são suficientes para que a direção do PCF introduza 
mudanças na sua política. Pouco depois da reunião do Comitê Cen­
tral que acabamos de mencionar, Thorez faz a declaração, acima re­
produzida, louvando o aumento da produção carbonífera conseguido 
com o “suor e esforço” dos mineiros. E o partido se resigna com o 
congelamento de salários decretado pelo governo de que participam 
seus ministros. Contudo, o mais escandaloso — se é possível esta­
belecer gradações nisto — é a atitude do PCF diante da luta dos 
povos oprimidos pelo colonialismo francês. Desde que, no encontro 
de maio de 1942, Molotov concordou com que todos os povos das 
colônias francesas deveríam agrupar-se sob a direção de de Gaulle, 
a política do partido francês consistiu em preconizar a manutenção 
das colônias (com certa autonomia, ou uma independência formal) 
na União Francesa — e, nisto, apenas retomava a política já pratica­
da no período da Frente Popular. Em seu informe ao X Congresso 
(junho de 1945), Thorez define o programa do partido neste campo: 
“Criar as condições da união livre, confiante e fraternal dos povos 
coloniais com o povo da França”. O partido sustenta o princípio 
da livre determinação, mas “o direito ao divórcio não significa a 
obrigação de divorciar”. A prática desta política colonial — que 
seria subscrita sem hesitações por Van Kol e os outros líderes da 
Segunda Internacional que, no Congresso de Stuttgart, propuseram 
uma política colonial “socialista” — traduziu-se em que o partido 
foi associado a todas as repressões colonialistas exercidas pelos su­
cessivos governos franceses, com ministros comunistas, da Libertação
356
mu I'i47. Depois da selvagem repressão à insurreição de maio de 
IM .. no Constantinois argelino, com um saldo de milhares de
..... os ministros comunistas continuam no governo e, no
i ongresso do Partido, um mês após a matança argelina, Thorez 
.h/ o seguinte: “Falando de democracia, não podemos esquecer 
. i, 111 uma das suas exigências é uma atitude mais compreensiva e mais 
111 i. i cm face dos povos coloniais. Como em Aries, diremos que há 
,|iK reconhecer as reivindicações legítimas dos povos coloniais, pri-
....... no interesse destas infelizes populações, segundo no interesse
,l,i I rança. Na Argélia, depois dos dolorosos acontecimentos do mês 
I iiimsikIo, nada é mais urgente do que melhorar o abastecimento, 
ir,pender o estado de sítio, demitir os funcionários de Vichy e 
, nr,ligar os traidores que, após haverem abastecido o inimigo por 
<I,ir, imos, provocaram os motins com a fome; desmobilizar e de­
volvei às suas casas os soldados, suboficiais e oficiais argelinos que 
i„ iicncem às categorias não mobilizadas na metrópole; enfim, apli- 
, .li a ordem de 7 de março de 1944 sobre a ampliação das liberdades 
democráticas na Argélia”. Eis tudo. Mais esta conclusão: “A França 
democrática deve colaborar com o desenvolvimento da nação arge- 
linii cm formação” . O PCF não reconhece que já exista a nação 
iiigclina; enquanto ela “se forma”, os argelinos, como os marro­
quinos e tunisianos, devem permanecer, na opinião de Thorez, uni­
dos à França: “Nós nunca deixamos de mostrar que o interesse das 
populações do Norte da África residia em sua união com o povo 
dii França” (o sentido desta passagem se torna ainda mais claro 
c sc leva em conta que ela vem em seguida àquela já citada, se­
cundo a qual “o direito ao divórcio não significa a obrigação de 
divorciar”). Thorez lamenta também a recente repressão contra os 
povos da Síria e do Líbano, que reclamam a independência; o par- 
lido apóia o seu direito à autodeterminação, mas não se esquece de 
llics recordar a máxima sobre o divórcio. Por isto — diz Thorez, 
icferindo-se à repressão lá efetivada —, “lamentamos ainda mais o 
golpe assestado ao prestígio secular e aos interesses de nosso país 
no Oriente Médio” 39.
Em finais de 1946 vem à

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