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Comentários à edição brasileira de A crise do movimento comunista "O livro relido hoje, depois de devorada a edição francesa de 1972 como autêntica revelação, se ressente, aqui c ali, de algum esquemntismo ao atribuir muitas viradas do Comintern aos ditames da política externa de Moscou. Na verdade, a pesquisa histórica posterior demonstrou que muitas decisões, como a virada de 1934-1935, da tática classe contra classe (socialistas igual a fascistas) pa ra a frente popular, deveu-se a algumas revi sões autônomas dentro dos próprios partidos. Comentário injusto porque o próprio Claudín se reviu no seu belo ensaio ‘La politica di fronte popolare nell’Internazionale Comu nista’ (in Problemi dell’Internazionale Co munista, 1919-1939, Einaudi, 1974). E também no seu último livro, prolongamento direto daquele agora lançado, A oposição no ‘socialismo reai’ (Marco Zero, 1983) — in- competentemente passado em brancas nu vens no debate brasileiro —, onde desvenda as lutas contra os sucessores do Comintern nas tiranias da URSS e do Leste europeu. É uma bênção — sacrifiquemos aos tem pos natalinos — despencar, nesse final de ano chocho, esse livro de scholar e comba tente que ajudará a espantar as velharias que os partidos comunistas de várias procedên cias continuam a fazer circular aqui.” Paulo Sérgio Pinheiro ‘‘Daí a importância de um livro como A crise do movimento comunista, de Fer nando Claudín, recentemente lançado em português pela Global. Esta obra se impõe como um marco na reflexão crítica da es querda. Talvez o grande mérito de Claudín tenha sido, ao lado da análise cuidadosa e rica das questões teóricas e filosóficas de fundo, a capacidade de identificar as ex periências e os fatos mais significativos, documentando-os solidamente, de forma a torná-los propriamente ditos. Sim, porque a historiografia oficial comunista procura negar e ocultar os próprios fatos, com um discurso generalizador.” Carlos Eduardo Carvalho ‘‘Mas, de qualquer maneira, a leitura do livro de Claudín é de uma importância ines timável, e não apenas para o conhecimento da história. As questões em debate na época continuam atuais: a crise do capitalismo, a possibilidade do socialismo, a necessidade da construção mundial de partidos capazes de trabalhar nesta direção, etc. E, para esta discussão, o material reunido por Claudín e suas reflexões são uma ajuda preciosa.” ferrando dautti a crise do movimento comunista Este volume corresponde à segunda parte de A crise do movimento comunista (“O apogeu do stalinismo”), onde Claudín analisa o período que marca a absoluta dominação da política staliniana em todo o movimento comunista inter nacional, desde os anos imediatamente anteriores à eclosão da Segunda Guerra Mundial, com o pacto germano-so viético, passando por todos os acontecimentos da resistência ao nazi-fascismo, o “cisma iugoslavo”, e culminando com o período do pós-guerra, com o abandono e o fechamento do Kommintern e sua transformação no Komminform, no auge da guerra fria. Completa-se assim o ciclo histórico estudado por Fernando Claudín em sua monumental obra a respeito do movimento comunista internacional, que constitui o tomo I de sua pesquisa. João Machado tÿ0 Ziobaí editora Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câm ara Brasileira do Livro, SP , Brasil) C la u d ín , F e rn a n d o , 1913- C553c A c r i s e do m ovim ento c o m u n is ta / F e rn an d o C la u d ín ; v .1 - 2 t r a d u ç a o e in t r o d u ç ã o J o se P a u lo N e t to . — Sao P a u lo : G lo b a l , 1 9 8 5 -1 9 8 6 . (C o le ç ã o l u t a de c l a s s e s ) C o n teú d o : v . 1 . A c r i s e da I n t e r n a c i o n a l Com unis t a / p r e f á c i o de J o rg e Seraprún. — v . 2 . 0 a p o g e u do s t a l i n i s m o . ISBN 8 5 -2 6 0 -0 0 4 1 -1 (v . 1 ) . — ISBN 8 5 -2 6 0 - O lO il-3 1 . Comunismo - H i s t ó r i a 2 . I n t e r n a c i o n a l C om unista I . S eraprún, J o r g e , 1923 - I I . N e t to , J o s e P a u lo , 1947- I I I . T í t u l o . IV . T í t u l o : A c r i s e d a I n t e r n a c i o n a l Co m u n is ta . V. T í t u l o : 0 apogeu do s t a l i n i s m o . V I. Se r i e . 1 9 . CD D -320.53209 86 -0 2 2 8 ___________________________________ _____ ____________ -3 2 4 .1 Índices para catálogo sistemático: 1 . Comunismo : C iê n c ia p o l í t i c a : H i s t o r i a 320 .5 3 2 0 9 2 . I n t e r n a c i o n a i s c o m u n is ta s 32 4 .1 tornando claudín a crise do movimento comunista vol.2-0 apogeu do stalinismo TRADUÇÃO E INTRODUÇÃO JOSÉ PAULO NETTO Ziobai editora 1986 © Fernando Claudín Título original: La crisis del movimiento comunista 1. De la Kommintern al Komminform Editoração: Presser & Bertelli Consultoria Editorial Produção gráfica: Hélio Daziano Revisão: Alice Aparecida Duarte Carlos Umberto Martins Carlos Luiz Pompe Capa: fotacê (projeto) Marco A. Â. Gianella (arte-final) Direitos reservados: g lo b a l e d i t o r a e d i s t r i b u i d o r a 1 tda . Rua França Pinto, 83 b - Cx. Postal 45329 Rua Mariz e Barros, 39 - conjs. 2 6 /3 6 Fone: (0 1 1 )572 -4473 Fone: (021)273 -5944 Cep 04016 - V. Mariana Cep 202 7 0 • Tijuca Sào Paulo • SP. Rio de Janeiro ■ RJ N.° de catálogo: 1716 ISBN 85-260-0104-3 SUMÁRIO II. O APOGEU DO STALINISMO 1. REVOLUÇÃO E ESFERAS DE INFLUÊNCIA Da Internacional Comunista ao Centro de Informação dos Partidos Comunistas, 329 A revolução frustrada (França), 338 O pacto germano-soviético e o Partido Comunista Francês, 339 A renúncia à alternativa socialista, 342 A restauração da “França eterna”, 350 A revolução frustrada (Itália), 363 A viragem de Salerno, 364 Da união nacional ao monopólio democrata-cristão, 371 Revoluções sem permissão, 387 A revolução realizada (Iugoslávia) e a revolução estran gulada (Grécia), 389 Crítica iugoslava do oportunismo franco-italiano, 397 Da “grande aliança” aos “dois campos”, 403 A grande mistificação, 405 A divisão das “esferas de influência”, 411 O naufrágio do oportunismo staliniano, 438 Interrogações e conjecturas, 448 325 2. O CENTRO DE INFORMAÇÃO DOS PARTIDOS COMUNISTAS As revoluções na área de projeção soviética, 485 O Centro de Informação dos Partidos Comunistas e a nova tática, 494 Retrocesso geral do movimento comunista no Ocidente, 502 3. A FRATURA IUGOSLAVA Instauração da ditadura burocrática e policial na área de projeção soviética, 511 A revolução herética, 517 Os processos, 545 A campanha contra o titoísmo nos partidos comunistas do Ocidente, 565 4. O PANORAMA ORIENTAL Revolução chinesa e “grande aliança”, 589 Guerra revolucionária ou “união nacional”, 594 O espectro de um “titoísmo chinês”, 599 A aliança sino-soviética, 604 5. NOVO EQUILÍBRIO MUNDIAL Os “combatentes da paz”, 617 Empate na “guerra fria”, 626 Balanço do período do Centro de Informação dos Partidos Comunistas, 630 PRIMEIRO EPÍLOGO, 641 1 REVOLUÇÃO E ESFERAS DE INFLUÊNCIA Apoiar o movimento de libertação da China? Não será arriscado? Não nos con frontará com outros países? Não será me lhor estabelecer nossas “ esferas de influên cia” na China em conjunto com outras potências “avançadas” e tirar dela algo em nosso benefício? [. . . ] Apoiar o movimento de libertação da Alemanha? Vale a pena correr este risco? Não será melhor che gar a um acordo com a Enterite sobre o Tratado de Versalhes e obter algo a título de compensação? Manter a amizade com a Pérsia, a Turquia e o Afeganistão? Não será melhor restabelecer as “ esferas de in fluência” com alguma das grandes potên cias? Esta é a “concepção” nacionalista de novo tipo com que se tenta substituir a política externa da Revolução de Outubro. [. . . ] Esta é a via do nacionalismo e da degeneração, a via que conduz à liquidação total da política internacionalista do prole tariado, pois aqueles que são vitimados por esta doença não vêem em nosso país umaparte do todo que se chama movimento revolucionário mundial, mas apenas o prin cípio e o fim deste movimento, conside rando que os interesses dos outros países devem ser sacrificados em prol dos interes ses do nosso país. Stalin, 1925. Da Internacional Comunista ao Centro de Informação dos Partidos Comunistas Os quatro anos que se estendem entre a dissolução da Interna cional Comunista e a criação do Centro de Informação dos Partidos Comunistas1 demarcam um período de auge espetacular do movi mento comunista, sobretudo nos principais palcos da guerra — Eu ropa e Ásia. O mundo que emerge do grande drama conta, em finais 329 de 1945, com catorze milhões de comunistas organizados fora das fronteiras soviéticas, contra o escasso um milhão das vésperas do conflito e menos ainda — não é possível determinar a redução, mas ela foi drástica, particularmente na Europa — do período do pacto germano-soviético2. Nesta progressão geral, cuja exceção mais signifi cativa são os Estados Unidos, sobressaem-se nitidamente uns poucos partidos que, juntamente com o da União Soviética (mais os do Vietnã e de Cuba, nos últimos anos), serão, até hoje, sob um ou outro ponto de vista, os centros nevrálgicos do movimento comunista mundial: o Partido Comunista da China, os das “democracias popu lares” européias e os da França e da Itália. O partido chinês, no curso da guerra antijaponesa, passa de 40.000 membros, em 1937, para 1.200.000, em 1945, consolidan do-se como dirigente da grande revolução asiática. Em fins de 1947, conta já com 2.700.000 membros e, no verão do mesmo ano, um pouco antes da decisão de Stalin de criar o Centro de Informação dos Partidos Comunistas, o exército de libertação passa à ofensiva contra as tropas do Kuomintang — inicia-se a viragem decisiva no rumo da guerra civil e a vitória revolucionária se perfila no hori zonte 3. Às vésperas da guerra, todos os partidos comunistas das futuras “democracias populares” estavam na clandestinidade e, salvo o da Tchecoslováquia, vinham de anos de precária existência. Suas forças organizadas estavam reduzidas a uns poucos milhares de militantes, e na Romênia e na Hungria a sua influência política era ínfima. O partido polonês fora praticamente destruído pelos expurgos e repres sões stalinianas do final da década de trinta, que — embora em menor medida — tinham afetado também os partidos da Iugoslávia, Hungria e Romênia (veja-se a nota 17 do capítulo 3 do primeiro tomo). Em 1947, estes partidos reuniam, no total, mais de sete milhões de membros e eram donos do poder ou estavam a ponto de conquistá-lo. Na França e na Itália se formavam os dois “grandes” do comunismo no interior da área capitalista desenvolvida. O partido italiano salta de 5.000 membros, nos começos de 1943, para 2.000. 000, em 1946, e o francês, mais modestamente, passa de 300.000, nas vésperas da guerra — que se reduzem bastante no período do pacto germano-soviético —, a cerca de 1.000.000, em 1946. Ambos se convertem no partido hegemônico no seio das res pectivas classes operárias e estendem a sua influência a outros 330 setores sociais, especialmente aos círculos intelectuais. Os dois par ticipam dos governos que se sucedem da Libertação aos inícios de 1947. O crescimento numérico e, especialmente, o papel político de outros partidos comunistas ficam muito aquém dos níveis que aca bamos de citar, mas são notáveis numa série de casos. Em pequenos países europeus da área capitalista desenvolvida (Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria e Finlândia), o con junto dos efetivos comunistas passa de menos de 100.000, nas vésperas da guerra, a uns 600.000 em 1946-1947. E até o sempre minúsculo Partido Comunista inglês, que contava com uns 18.000 membros em 1939, já beira os 50.000 em 19444. Os partidos co munistas da Áustria, Finlândia, Bélgica, Dinamarca e Noruega par ticipam de governos no imediato pós-guerra. O Partido Comunista da Grécia (17.500 membros em 1935, 72.000 em 1945) converte-se, durante a guerra, no principal organi zador e dirigente da Frente Nacional de Libertação (EAM) e do Exército Popular (ELAS). Somente a intervenção in extremis do corpo expedicionário inglês (coberta pelo acordo secreto Stalin-Chur- chill de outubro de 1944 5), em dezembro de 1944, impede o triunfo da revolução. Em 1946, o Partido Comunista grego organiza a luta armada, cujo ponto mais alto se situa nos últimos meses de 1947, coincidindo com a criação do Centro de Informação dos Partidos Comunistas. No outro extremo do Mediterrâneo, o Partido Comu nista da Espanha reconstrói, sob o terror fascista, a sua organização e impulsiona um importante movimento de guerrilhas. Na Ásia, o Partido Comunista da índia passa de 16.000 mem bros, em 1943, para 90.000, em 1948. O partido japonês, que antes da guerra estava na clandestinidade, duramente perseguido e tinha cerca de mil membros organizados, obtém, em 1946, dois milhões de votos e elege cinco deputados; em 1949, os votos são três milhões e os deputados, trinta e cinco (não há dados sobre os efetivos do partido). O fenômeno é o mesmo em quase todos os partidos asiá ticos: crescem os pequenos núcleos comunistas que existiam antes de 1939 e se criam partidos onde não existiam. O Partido Comunista do Vietnã inicia a sua longa epopéia revolucionária. Ainda que em menor escala, progride também a influência comunista em alguns países do Oriente Médio (Irã, Síria). Os comunistas do Irã, durante um curto lapso de tempo, participam do governo (1946). 331 Os partidos comunistas da América Latina, em 1939, tinham 90.000 membros. Em 1947, este contingente salta para meio milhão, destacando-se os partidos brasileiro, chileno e cubano que, entre 1945 e 1947, tinham, aproximada e respectivamente, 200.000, 60.000 e 40.000 militantes. Os comunistas chilenos e cubanos che garam a participar de governos e o movimento comunista interna cional depositava grandes esperanças no partido brasileiro; comen tava-se que “o Brasil pode ser, logo, a Rússia da América”. A exceção mais significativa, como já observamos, deste auge geral do movimento comunista nos primeiros anos do pós-guerra são os Estados Unidos. A superpotência do capitalismo mundial conti nuava impermeável ao marxismo e seu pequeno partido comunista só experimenta um efêmero crescimento em 1944 quando, por ini ciativa de Earl Browder, secretário-geral, decide transformar-se numa ambígua “Associação Política Comunista”, disposta a “colaborar para garantir o funcionamento eficaz do regime capitalista no pós- guerra” 6. No entanto, apesar da crise do partido comunista, também nos Estados Unidos se produz uma certa evolução do movimento operário no sentido da esquerda. Se a Federação Americana do Trabalho nega-se a participar da criação da Federação Sindical Mundial (FSM), a outra grande organização sindical do proletariado americano, o Congresso dos Operários Industriais, ingressa na FSM com os sindicatos soviéticos e outras centrais sindicais dirigidas por comunistas. A reconstrução da unidade sindical se generaliza em escala nacional e, com a criação da FSM, em fevereiro de 1945, realiza-se — pela primeira vez desde a Revolução de Outubro — a unidade sindical em escala mundial. A radicalização do movimento operário se expressa também na progressão da ala esquerda nos partidos so cial-democratas e em tendências favoráveis à unidade de ação com os partidos comunistas. No centro deste desenvolvimento mundial das forças do movi mento operário e do rápido crescimento dos partidos comunistas erguem-se o Estado e a sociedade nascidos da Revolução de Outubro, aureolados com um novo prestígio. Desmentindo os augúrios pessi mistas de Trótski, o sistema soviético saíra-se airosamente da terrível prova e a opinião mundial reconhecia a contribuição decisiva da União Soviética para a derrota do imperialismo hitleriano. O efeito produzido nos operários e nos povos de todos os continentes pelasvitórias militares soviéticas pode ser comparado ao eco que, em seus primeiros tempos, teve a Revolução de Outubro. Com uma diferença: a União Soviética não aparecia apenas como a encarnação exemplar da revolução socialista — diante de grandes setores sociais alheios ao comunismo, a União Soviética passava a ser o símbolo máximo de todas as causas progressistas, da independência das nações, da paz entre os Estados. Os partidos comunistas capitaliza vam esta renovação e esta ampliação do prestígio da União Soviética e este foi um dos principais fatores do seu crescimento naquele período, ao lado do papel destacado que tiveram na luta contra os ocupantes alemães. Os comunistas — e, com eles, os setores mais radicalizados do movimento operário — viam, então, com eufórico otimismo as pers pectivas revolucionárias no mundo inteiro. A impressionante demons tração do poderio militar soviético infundia-lhes ilimitada confiança no desenlace vitorioso da luta pelo socialismo, tanto onde ela to mava a forma de combates armados (China, Grécia), como onde se desenrolava sob a presença protetora do exército vermelho libertador (os países do Leste europeu) e onde parecia que o caminho ia abrir-se por uma via inédita — a conquista do Estado pelo mecanismo da democracia burguesa (Itália, França). Os comunistas estavam con victos de que toda ação revolucionária, armada ou pacífica, haveria de encontrar a assistência decisiva da “fortaleza invencível” do so cialismo. É verdade que a impunidade com que se desenvolvia a intervenção anglo-americana contra a insurreição grega não era um bom sinal. Mas esta nota dissonante não se mostrava suficiente para ensombrear o quadro. Sabia-se que a Iugoslávia auxiliava os guerri lheiros gregos. Quem podia imaginar que, por detrás da Iugoslávia, não operava a grande potência soviética? Não era isto o que apre goava a reação internacional? Em resumo: depois do refluxo sofrido entre as duas guerras, a revolução mundial parecia retomar a sua marcha com força irre sistível. É certo que, uma vez mais, se detinha nos países capitalistas desenvolvidos (com a exceção da pequena zona ocidental da Tchecos- lováquia e do Leste alemão); novamente seguia um curso diferente do previsto por Marx. Mas o crescimento sensacional dos partidos comunistas na França e na Itália, as tendências de esquerda que se desenvolviam na social-democracia e no movimento sindical, a ro tunda vitória trabalhista na Inglaterra — tudo isto não anunciava a irrupção do socialismo no berço do capitalismo? Vanderberg, ao 333 saber da derrota eleitoral de Churchill, anotou no seu diário: “O inundo inteiro gira à esquerda” 7. Os êxitos reais ou aparentes do comunismo, naqueles anos, na turalmente contribuíam para reforçar a imagem apologética da sua trajetória sob a direção de Stalin, imagem posta em circulação pelos corifeus stalinistas na década de trinta. A crítica de Trótski parecia infirmada. Era possível acreditar-se na degeneração burocrática do sistema soviético diante da vitalidade, do heroísmo e das qualidades combativas que o povo e os comunistas da URSS revelaram durante a guerra? A teoria do socialismo num só país e suas implicações estratégicas, o monolitismo como condição ótima da eficácia comba tiva de todo partido comunista — estes e outros postulados gestados nos tempos da IC não estavam brilhantemente confirmados pelo “julgamento da história”? A liquidação do trotskismo e do bukhari- nismo, os processos de Moscou, todas as repressões stalinianas, o pacto germano-soviético, a subordinação sistemática do movimento revolucionário ao interesse supremo do Estado soviético, o holo causto da Internacional no altar da “grande aliança” não foram outras tantas exigências inexoráveis da “necessidade histórica”, sa biamente interpretada pelo gênio staliniano? O nacionalismo de grande potência que impregnava toda a política mundial de Stalin ficava suficientemente ocultado sob o real conteúdo libertador das vitórias militares soviéticas. Esta “comprovação” empirista da justeza das teses e decisões stalinianas teve imenso impacto sobre o novo contingente comunista, constituído a partir dos núcleos formados pela IC. Nos veteranos, potenciou os reflexos adquiridos nos tempos do “partido mundial”, proporcionou-lhes novas e eficazes justificações ideológicas para seu comportamento anterior; nos novatos, facilitou a rápida assimilação dos mesmos reflexos e a aceitação axiomática da herança recebida. A mentalidade acritica, dogmática — cultivada no seio da IC du rante o período staliniano —, transmitiu-se assim às novas gerações comunistas que, a partir de 1945, representavam (como se infere das cifras atrás apontadas) a esmagadora maioria de cada partido. O mundo entrava na era do átomo, iniciava-se uma nova revolução técnica e científica, o desenvolvimento do capitalismo e a emanci pação das colônias logo colocariam problemas inéditos, assim como a “construção do socialismo” em novos países — mas nunca foi tão pobre o pensamento teórico dentro do movimento comunista como na década seguinte ao fim da Segunda Guerra. É o período em que 334 culmina ii clericalização do movimento. Stalin é divinizado e o fa moso compêndio de História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS se converte na bíblia dos comunistas. O bom comunista não precisa esquentar os miolos na decifração de Marx ou Lênin: Stalin condensou a quintessência do marxismo, tudo o que realmente é ne cessário saber, no pequeno manual redigido de forma simultanea mente “acessível” e “profunda” para que todos os homens — tanto o sábio quanto o “homem simples” — possam trilhar sem desvios a rota que conduz diretamente ao comunismo. A partir de 1945, suce dem-se as edições, em todos os idiomas e em milhões de exempla res, deste Pai-Nosso dos povos. A grande vitória soviética na segunda guerra mundial propor cionou, conseqüentemente, novas justificações ideológicas e políticas ao monolitismo e ao dogmatismo stalinianos, mas a guerra e a pró pria política de Stalin engendraram igualmente fatores e processos de sinal contrário. A guerra antifascista exaltou os sentimentos nacio nais dos povos, as suas aspirações a uma vida independente — sen sibilizou-os contra quaisquer menosprezos a seus direitos nacionais. Os partidos comunistas, dado o papel que desempenharam na luta contra as potências do Eixo, não podiam ficar “imunes” a este re- vigoramento dos sentimentos e dos objetivos nacionais. Ademais, a política de Stalin — atenta à salvaguarda da “grande aliança” — in- duziu-os, na maior parte dos casos, a relegar a um plano secundário os objetivos sociais revolucionários, ou mesmo à renúncia à sua co locação, donde derivava que os ingredientes “nacionais” e “patrió ticos” passavam a adquirir um peso enorme no comportamento dos partidos, na formação dos seus militantes (não nos esqueçamos que rapidamente os novos adeptos constituíram a grande maioria dos efetivos de todos os partidos comunistas), tomando facilmente tona lidades nacionalistas. Esta substantivação do “nacional”, logicamen te, continha em germe a contradição com o chovinismo grão-russo que animava a política de Stalin. No entanto, enquanto esse nacio nalismo oportunista favorecia a conservação da aliança entre a URSS e os Estados capitalistas anti-hitlerianos, a referida contradição per manecia soterrada. Em troca, ela se manifestou desde o primeiro momento onde os partidos comunistas uniram as aspirações nacionais aos objetivos revolucionários — China, Iugoslávia, Grécia —, por que esta política nacional revolucionária perturbava a alta estratégia staliniana. 335 Assim, a “nacionalização” dos partidos comunistas, consagrada formalmente com a dissolução da IC, foi tomando aspectos inquiétan tes para o monolitismo staliniano. Todos os partidos, de fato, conti nuaram considerando-se — na maioria dos casos sinceramente, em alguns “maquiavelicamente” — sob a direção de Moscou. Nãopu nham em dúvida a função dirigente suprema do partido soviético nem a infalível sabedoria de Stalin mas, pela própria dinâmica das coisas, tiveram que começar a atuar por sua conta, a desenvolver uma iniciativa maior em função das diversas realidades nacionais. E surgem os primeiros sinais de indisciplina ou “heterodoxia”. Os comunistas chineses aparentam ceder às pressões de Stalin para che gar a um acordo com Chiang Kai-Chek, mas seguem firmemente na sua guerra revolucionária. Em fins de 1946, os comunistas vietna mitas iniciam a guerra de libertação contra o colonialismo francês, também em contradição com a política staliniana do momento. Os partidos comunistas da França e da Itália falam de uma via especí fica, não soviética, “francesa” e “italiana”, para o socialismo. Nos Estados Unidos, Earl Browder, seguido por uma fração importante do partido, transita abertamente para o reformismo, sendo excomun gado em 1946. Entretanto, o mais inquietante para Stalin era o que se passava na sua àrea de projeção européia — particularmente a evolução iugoslava. Como se constata, a situação interna do movimento comunista no periodo que vai da dissolução da Internacional Comunista à cria ção do Centro de Informação dos Partidos Comunistas era complexa e contraditória. Fortaleciam-se os fundamentos ideológicos e políticos do monolitismo staliniano, o prestígio e a autoridade de Stalin toma vam proporções avassaladoras, assim como os do Partido Comunista soviético; mas, ao mesmo tempo, gestavam-se tendências centrífugas e Surgiam atitudes conflitivas, que punham em perigo a coesão “mo nolítica” do movimento. A rebelião iugoslava de 1948 abriu a pri meira grande brecha no edifício mundial do monolitismo staliniano e pôs a nu o caráter radicalmente antagônico da contradição entre o nacionalismo grão-russo e os movimentos revolucionários enraizados na realidade nacional. Mas a rebelião iugoslava, enfim isolada total mente no movimento comunista, também pôs em relevo a imensa força que conservavam os suportes ideológicos e políticos do mono litismo no conjunto do movimento. Por outro lado, a luta contra a “heresia” iugoslava serviu para reforçar tais suportes e torná-los mais agressivos durante todo um período. In untes do caso iugoslavo, num terreno mais conhecido, fami- llni piiru os veteranos da IC, fora posta à prova, com pleno êxito, a «m mui monolítica do movimento comunista saído da guerra: referi- mu iui:, á grande “viragem” de 1947, determinada pela crise das iillnnçns antifascistas. De fato, esta crise desnudava tudo o que hou- vem de oportunista na política staliniana desde 1941, tanto em ( m ala internacional, no marco da “grande aliança”, como em escala mu ional, na política da maioria dos partidos comunistas. Mas a " viiagem” realizou-se sem que, nos partidos comunistas, se travasse pieviamente uma discussão fundamental sobre a política seguida até então - na etapa crucial da guerra e no imediato pós-guerra — ou sobre a que se seguiria depois. Foi uma decisão de Stalin e seus colaboradores diretos, imposta ao conjunto do movimento, sem que sc levantasse uma só voz de protesto contra este procedimento ou que surgissem divergências sobre as teses e diretivas soviéticas. En- liv estas últimas estava a constituição do Centro de Informação dos Partidos Comunistas. Da noite para o dia, o movimento comunista sc viu a braços com um novo centro dirigente, sem ter participado da sua criação. Tudo se resolveu numa reunião secreta — celebrada na Polônia, em setembro de 1947 — de representantes dos nove partidos que, por vontade de Stalin, deveriam formar o novo orga nismo (os partidos da União Soviética, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, França e Itália)8. Nem se quer os órgãos centrais destes partidos haviam discutido previamente as questões que se trataram na reunião: a nova situação internacio nal, a política que no seu marco o movimento comunista implemen taria, a criação do Centro de Informação dos Partidos Comunis tas, etc. A problemática relativa à nova linha do movimento comunista adotada na reunião constitutiva do Centro de Informação dos Parti dos Comunistas será abordada no próximo capítulo, mas antes é pre ciso analisar o processo que determina a viragem de 1947 — a evo lução da situação internacional desde o fim da guerra — começando por uma questão que o encontro na Polônia viu-se obrigado a tratar, ainda que de forma mutilada, escamoteando o elemento essencial (a política de Stalin) e sem reconhecê-la explicitamente na sua reali dade: a questão da frustração da revolução na França e na Itália. Mesmo que deste modo espúrio, a reunião na Polônia teve que en frentar tão espinhoso problema porque aquela frustração foi um componente capital do processo político que desembocaria na situa- 337 ção de 1947, quando as enormes ilusões semeadas pela “grande aliança foram substituídas pela "guerra fria”, quando as esperanças de uma via pacífica, democrático-parlamentar, para o socialismo na Europa revelaram-se vãs. A revolução frustrada (França) É evidente que, nas condições de 1945, com o exército vermelho no Elba, a confirmação da possibilidade revolucionária criada na França e na Itália seria a vitória da revolução na Europa continental e a radical modificação do equilíbrio mundial de forças contra o imperialismo americano, o único grande Estado capitalista que saíra fortalecido da guerra. E, inversamente, é difícil exagerar o efeito ne gativo que a frustração desta possibilidade teve para o desenvolvi mento ulterior do movimento revolucionário mundial. Frustração que pode comparar-se, com toda razão, às conseqüências advindas da derrota da revolução alemã de 1918-1919. “Como estaria o mundo — perguntava-se Dimitrov em novem bro de 1937 — se, depois da revolução socialista de outubro, no período de 1918 a 1920, o proletariado da Alemanha, da Áustria- Hungria e da Itália não tivesse se detido a meio caminho em seu impulso revolucionário? Como estaria o mundo se as revoluções alemã e austríaca de 1918 fossem levadas até o fim e se, em seguida à vitória da revolução, a ditadura do proletariado se instaurasse no centro da Europa, nos países altamente desenvolvidos?” 9. Algo se melhante pode hoje ser indagado a respeito do auge revolucionário de 1944-1945 na França e na Itália. Naturalmente, Dimitrov não deixa de assinalar que os responsáveis pelo fato de o proletariado da Europa central e da Itália se haver “detido a meio caminho em seu impulso revolucionário” foram os chefes social-democratas que se “aliaram à sua burguesia”. Mas, em 1944-1945, quem deteve “a meio caminho” o impulso revolucionário do proletariado francês e italiano? Naqueles anos, este proletariado estava, em sua grande massa, sob a direção dos partidos comunistas. E não só o proletaria do, como mais tarde reconheceria Togliatti: “A classe operária em sua grande maioria e parte considerável da opinião pública não ope rária agruparam-se em torno dos partidos operários avançados, ins pirados pelos marxistas, o que distinguia a situação, em nosso país, como na França, da situação de outros países da Europa ocidental” 10. 338 I him,I IMiliivru. apenas os partidos comunistas podiam, em 1944-1945, mu,a o impulso revolucionário do proletariado. E, de fato, tra- > ui m u i nu A verdadeira pergunta, pois, não é quem travou, mas sim: f u i Icglllino (sob o ponto de vista, é claro, dos interesses do prole- lhi lull,,, Jn revolução) este comportamento dos partidos comunistas tin I .... ça e da Itália? Para responder a esta questão é preciso ana- llM.,1 a ilida que rapidamente, a política dos dois partidos na Resis- i, in ia r na Libertação. Começaremos pelo partido francês. i > imi to nermanosoviético e o Partido Comunista Francês t) I rances é o único partido comunista importante da Europa qui i bega il guerra em situação de legalidade, com mais de 300.000 ml In untes e influência majoritáriana classe operária. E chega com i bandeiras do antifascismo desfraldadas. A Alemanha hitleriana: vnihi iennemi. O partido denuncia a política capitulacionista de 1 blindici e da direita francesa em função, exatamente, da luta contra Unici, L os elementos mais reacionários clamam pela dissolução do 1'iulUk) Comunista porque o vêem como o maior obstáculo a um i iiiiipromlsso com a Alemanha. Nestas circunstâncias, explode a In milm do pacto germano-soviético, que pega de surpresa os dirigen- i, . d,, partido (Stalin, naturalmente, não levara em conta os chefes , iniiiiiiistus de outros países, nem mesmo os do país mais imediata- iiicntc afetado). Num primeiro momento, a direção do partido justi- I a a o pacto como tentativa suprema para salvar a paz, mas mantém |i|ciuimente a sua posição de defesa nacional contra a agressão hitle- i luna A 1." de setembro, o grupo parlamentar comunista “proclama Iiiii unanimidade a inquebrantável resolução de todos os comunistas paia ocupar a primeira trincheira da resistência à agressão do fas- i l ino hitleriano” e, no dia seguinte, os deputados comunistas votam • is créditos de guerra11. O governo interdita a imprensa comunista e, a 26 de setembro, pne o partido na ilegalidade. Esta perseguição aos comunistas, ao mesmo tempo em que os partidos burgueses revelam-se incapazes pum organizar a defesa nacional (quando não se orientam claramen- ii para a capitulação), poderia ter se traduzido num rápido cresci mento do prestígio do Partido Comunista Francês se este se manti- vcs.se firmemente à cabeça da luta contra a agressão hitleriana, unindo-a ao combate contra a impotência ou a traição da bur- 339 guesia — se ele tivesse traçado uma diferenciação nítida entre a sua política e a política soviética. Mas logo a posição do partido se alinha incondicionalmente à de Moscou. Depois de haver proclamado que a França tinha razão para sustentar a Polônia e de votar os créditos militares requeridos pelo governo para uma eventual intervenção em favor dos poloneses, o partido declara que “a Polônia dos latifundiá rios não merece ser defendida” e louva a ocupação da sua parte oriental pelo exército soviético. Justifica, igualmente, a ocupação dos países bálticos pela URSS. Estes fatos poderiam ser explicados como medidas militares de sentido antialemão, mas a direção do partido assume a versão mistificadora oferecida pela diplomacia soviética. Quando Molotov apresenta a França e a Inglaterra como as potências agressoras e a Alemanha como movida por intenções pacíficas, o partido assume esta posição que, além de falsear grosseiramente a realidade, era suicida nas condições francesas. Numa palavra, o par tido comunista entrega de bandeja, à reação, os argumentos ideais para situá-lo como partido da traição nacional. A burguesia francesa, assim, pode matar dois coelhos com uma só cajadada: acentuar o isolamento dos comunistas (o que facilita a repressão) e dissimular a sua própria política de capitulação. Consumados o desastre nacional e a ocupação, o partido insiste na mesma política: dedica-se a atacar Vichy, mas não toma em suas mãos a bandeira da libertação nacional, não organiza a guerra na cional revolucionaria e antifascista, como o fazem os comunistas iugoslavos e gregos. Deixa a bandeira da libertação nacional nas mãos de típicos representantes do nacionalismo burguês, como de Gaulle. Definitivamente, o cego reboquismo que o Partido Comunis ta Francês exercita diante da política de Moscou no período do pacto germano-soviético causou-lhe três graves prejuízos: em primeiro lu gar, impediu-o de capitalizar, desde o início, a bancarrota do Estado francês, de utilizar a fundo o sentimento nacional numa perspectiva revolucionária; em segundo lugar, permitiu que a iniciativa da luta pela libertação nacional caísse nas mãos dos nacionalistas burgueses; em terceiro lugar, e conseqüentemente, a repressão contra o partido foi facilitada 12. É importante mencionar que, neste período, o partido coloca, como solução para a crise sem precedentes da França burguesa, a única saída que um partido revolucionário poderia propor: a revo lução socialista. No documento programático intitulado “Pela sal vação do povo francês”, difundido em março de 1941, se diz que, 340 ,iiuiws das lutas parciais, preparam-se “as grandes batalhas sociais ,1, 1111e resultará a República popular, a França nova, a França livre <l,i , <ploração capitalista, a França socialista, em que haverá, para i.idos, pão, liberdade e paz”. No entanto, falar de revolução socia li Mu. na França ocupada pelo exército hitleriano, sem convocar à guerra de libertação, não tinha sentido. Porém, o partido insinua a possibilidade de um “governo do povo” saído apenas da luta contra O listado de Vichy. De fato, o documento, sem dizer uma só palavra sobre a organização da luta armada contra o ocupante, convoca os operários, camponeses, camadas médias, intelectuais, etc., a “consa crili todas as suas forças” à “organização metódica de uma ampla Irente de luta para preparar a ação cotidiana, os movimentos de massa que varrerão a camarilha capitalista de Vichy e darão lugar ao povo, ao governo do povo”. A independência nacional seria ne gociada depois por este governo, como se deduz do ponto 1 do programa incluído no documento: “Libertação nacional e de todos os prisioneiros de guerra. Para levar a cabo esta tarefa, o governo do povo fará tudo o que for necessário para estabelecer relações pací ficas com todos os povos; apoiar-se-á na potência que lhe conferirão a confiança do povo francês, a simpatia de outros povos e a ami zade da União Soviética”. Eis o que reza o ponto 2: “Estabeleci mento de relações fraternais entre o povo francês e o povo alemão, recordando a ação realizada pelos comunistas e pelo povo francês contra o Tratado de Versalhes, contra a ocupação da bacia do Ruhr, contra a opressão de um povo por outro povo”. E o documento não diz uma só palavra sobre a necessidade, para estabelecer tais rela ções fraternais”, de derrubar a ditadura hitleriana. Que sentido po deria ter esta política, salvo na hipótese de um acordo global dura douro entre a Alemanha hitleriana, nesse momento a dona da Europa, e a União Soviética? Esta posição do PCF não estava em estreita conexão com os intentos que, nesse período, o governo soviético fazia para consolidar seu entendimento com a Alemanha de Hitler, como sustentam — já o vimos — historiadores soviéticos? Vale a pena notar que o documento fora elaborado, na União Sovié tica, por Maurice Thorez ,3. A luta por uma França socialista era, sem dúvida, o objetivo que se devia propor o partido revolucionário do proletariado naquela crise histórica da França burguesa, mas a colocação feita pela direção do PCF era apenas o verniz “esquerdista” de uma política que, para não entrar em contradição com a do governo soviético, renunciava 341 à única via capaz de conduzir à solução socialista da crise: a guerra nacional, antifascista e revolucionária contra a ocupação hitleriana. O citado documento não só não convoca para esta guerra, mas dá a entender, com suficiente clareza, a sua oposição a ela. O povo da França — diz-se no texto — “repudia vigorosamente todos os cha mamentos dos belicistas”, “não deseja, novamente, participar da guerra imperialista” u . A renúncia à alternativa socialista Quando os soldados hitlerianos cruzam a fronteira soviética, o PCF cruza também a impalpável fronteira que o separava dos “beli cistas”, coloca-se resolutamente na pointe du combat pela indepen dência nacional. Mas é evidente que o atraso com que o faz e os efeitos da sua política anterior só poderiam pesar negativamente na balança final. Agora, depois de “esperar” dois anos, o partido critica a posição attentiste do Estado-Maior de de Gaulle, que aconselha a suspensão das ações armadas. O partido convoca à ação armada imediata, organizando-a sem poupar riscos e sacrifícios. A iniciativa e acoragem dos comunistas, sua capacidade organizativa, conquis tam progressivamente a simpatia do povo para o partido. Acorrem às suas fileiras os elementos mais combativos dos operários, dos es tudantes, dos intelectuais. Mas, no plano político, o partido incorre no erro oposto ao da primeira fase da guerra. Se, durante esta fase, a Inglaterra e os Estados Unidos eram qualificados como inimigos do povo francês, a partir do 22 de Junho a propaganda comunista renuncia a qualquer crítica aos que passam a ser grandes Estados democráticos aliados. Até o 22 de Junho, de Gaulle era um simples agente da City, com o gaullismo definido como um “movimento de inspiração reacionária e colonialista, à imagem do imperialismo bri tânico”, cujo objetivo é “privar [a França] de toda liberdade na hipótese de uma vitória inglesa” 15. A partir do 22 de Junho, natu ralmente, de Gaulle passa a ser o aliado e a crítica da essência “rea cionária e colonialista” do gaullismo desaparece dos documentos do partido. Este, no entanto, ainda mantém uma atitude reservada em face do general. Mas, em maio de 1942, Molotov se entrevista com de Gaulle em Londres e, contanto que ele apóie, junto aos aliados, a exigência russa de uma segunda frente, Molotov se põe de acordo com o general para que todos os franceses, bem como os povos das 342 ml..... da França, agrupem-se sob a sua direção16. Nos meses se- ........ru, o PCF adere ao Comitê de Londres e designa Grenier seu h |>i• .ontimte. Numa carta dirigida ao Comitê Central do PCF, de 10 ili laiieiro de 1943, de Gaulle registra a adesão e define, sem unhlguidade, o princípio da subordinação do partido à sua direção: \ ! lu-guda de Fernand Grenier — diz a carta —, a adesão do Par ia I,, Comunista ao Comitê Nacional que ele apresentou em vosso ......... a colocação a meu dispor, enquanto comandante-em-chefe das loiças francesas, das valentes formações de Francs Tireurs que haveis mnsliluído e animado, estas são manifestações da unidade fran- i csa 1 . .] Estou convencido de que os representantes que eu desig nei encontrarão nos responsáveis do PCF uma vontade de cooperação que será levada ao espírito do sacrifício e a mesma disciplina leal .//a- já existe no interior de vossas organizações.” E, a 21 do mesmo me:., Grenier escreve em L’Humanité: “Expressamos o sentimento do. franceses proclamando nossa confiança no general de Gaulle, que primeiro levantou o estandarte da Resistência” 17. Em fevereiro, niIo libertados os deputados comunistas que Vichy encarcerara na prisão de Argel (e que continuavam presos, embora desde 11 de novembro de 1942 a Argélia estivesse em mãos das tropas anglo-ame ricanas). E, em junho do mesmo ano — poucos dias depois, casual mente, da dissolução da IC —, o Comitê Francês de Libertação Na cional (CFLN), que acabava de se constituir, sediado em Argel, anula o decreto de setembro de 1939, pelo qual Daladier declarara ilegal o partido comunista. A composição do CFLN, presidido pelos generais de Gaulle e Giraud, não podia ser mais reacionária. Reúne "os homens enviados a Argel pela grande burguesia para se apre sentarem como ‘resistentes’ e cuidar da salvaguarda dos seus inte resses” — como se diz na história da Resistência escrita por uma comissão presidida por Jacques Duelos. Mas isto não impediu a direção do PCF de saudar a criação do CFLN com a seguinte decla ração: “Todos os franceses esperam do Comitê Francês de Liberta ção Nacional a organização da ativa participação da França na guerra contra Hitler, mobilizando todos os recursos, todas as energias, todas as vontades francesas fora da metrópole e sustentando, material e moralmente, a ação dos lutadores que, no território pátrio, levam a cabo um combate difícil e glorioso” 18. Neste período, o PCF con sidera fundamental para a sua política a entrada no CFLN, desde que este aceite uma plataforma cujo ponto mais avançado é o se guinte: "Desenvolvimento de uma política democrática e social que 343 galvanize todas as energias francesas e crie o entusiasmo pela parti cipação de todos na guerra de libertação”. Embora esta declaração genérica não comprometesse ninguém, antes podendo ser útil aos representantes da “grande burguesia para se apresentarem como ‘re sistentes’ ”, de Gaulle não aceita nenhuma condição (sem dúvida para que sua liderança não sofra o menor risco), nem concorda em que os representantes comunistas no CFLN sejam designados pelo próprio partido — têm que ser nomeados por ele. Finalmente, o partido passa a participar do CFLN sem que de Gaulle subscreva qualquer compromisso 19. O partido, certamente, desenvolve ao mesmo tempo uma intensa atividade para aumentar as suas próprias forças, a Frente Nacional (movimento unitário sob a direção dos comunistas, que adquire rela tiva amplitude), e seu braço armado, os FTP. E preconiza a coorde nação das diversas organizações e tendências da Resistência no in terior. A primavera de 1943 assinala, neste aspecto, uma etapa importante. No MUR (Movimentos Unidos da Resistência) agru- pam-se organizações como “Combat”, “Franc-Tireur” e “Libéra- tion”, na clandestinidade se reunifica a CGT e, a 27 de maio, se constitui o Conselho Nacional da Resistência (CNR), onde se repre sentam todas as organizações e tendências. No curso das negocia ções que conduzem à criação deste organismo se coloca um problema de particular interesse. O único partido organizado que existe no interior da Resistência é o comunista. Num primeiro momento, de Gaulle tenta impedir que o PCF, enquanto partido, esteja repre sentado no CNR. Mas, ante a impossibilidade de consegui-lo, dado o papel que o partido já desempenha no conjunto do movimento, procura outra solução, assim apresentada na obra de Duelos, que citamos: “Para que o partido comunista não seja o único designado como partido resistente [de Gaulle propõe] que outras formações po líticas figurem na organização que se pretende constituir”. A recom posição dos antigos partidos deve, por seu turno, “reforçar a causa gaullista aos olhos dos Aliados” e instaurar “a única barreira à in fluência comunista”. “Mas esta pretensão — diz-se na mesma obra — choca-se com a violenta oposição dos movimentos da Resistência. Muitos políticos se desacreditaram com o regime de Vichy. Se, de todos os partidos, alguns indivíduos participam das organizações da Resistência, nenhum partido, exceto o comunista, se reconstruiu na clandestinidade. [. . . ] Os movimentos da Resistência se opõem ener gicamente a esta reaparição dos partidos”. “Se se considera normal 344 ( insto — escreve o periódico clandestino Défense de la France . | iic os comunistas estejam representados no Comitê de Liberta do , porque participam vigorosamente da luta comum, dificilmente . aceita a presença de representantes das antigas tendências”. A qtu-stSo, sem dúvida, era essencial. No fundo, o que estava em jogo ei ii ii saída que se apontava para a luta: ou voltar ao sistema político inidicional que levara o país a uma catástrofe nacional ou criar uma nova força unitária, inspirada no espírito da Resistência, na qual se rei onhecia aos comunistas um papel preeminente. Apresentava-se pura o partido uma oportunidade única de encabeçar esta corrente M-novadora e orientá-la para a transformação profunda da sociedade francesa. Mas o partido jogou a favor do passado, apoiando a solu ção gaullista. Duelos explica: "É inegável que, na França, a vida política se expressa tradicionalmente em grandes correntes, que são um dos traços específicos da democracia burguesa francesa; na I rança, o apoliticismo e a condenação dos partidos sempre foram instrumentos reacionários. Levando isto em conta e a necessidade de chegar rapidamente a uma união eficaz no combate nacional, o partido comunista aceitou a constituição do CNR sobre as bases propostas por Jean Moulin [representante de de Gaulle] que, num informe ao Comitê de Londres, louvou a disposição unitária do par tido comunista”20. Efetivamente, os “traços específicos” citados cons tituíam algo “inegável”. Outro dado “inegável” era que a reação explorara, mais de uma vez, a impotência dos partidos políticos so cial-democratas e pequeno-burgueses radicais. Mas um terceiro dado, não menos “inegável” e que é desprezado pela argumentação de Duelos, é que os partidos políticos tradicionais, a “democracia bur guesa francesa”, haviam sofrido a maior bancarrota da sua história e, agora, não eram repudiados pela reação, mas pelas novas forças revo lucionárias que nasciam sob o fogo da Resistência; a reação, pelo contrário, agarrava-se agora desesperadamente aos “traços específicos tradicionais da democracia burguesa”. O quarto dado “ inegável” — como os acontecimentos ulteriores demonstrariam — é que o PCF, apoiando a solução gaullista, preparava o caminho para a restauração do capitalismo francês. O louvor que se lhe enviou ao Comitê de Londres estava plenamente justificado. “Necessidade de chegar rapi damente a uma união eficaz no combate nacional”? Tudo dependia, naturalmente, de como se entendesse este combate e seu objetivo. Se ele devia conduzir à restauração da tradicional democracia bur guesa francesa, a “união” escolhida por de Gaulle, com o apoio do 345 PCF, era, sem dúvida, a mais “eficaz”. Com esse tipo de “união” que Stalin também tentou impor-lhes —, os comunistas iugos lavos teriam dirigido a sua Resistência para a restauração da mo narquia tradicional e não teria se realizado a única revolução socia lista que, na Europa, não resultou da divisão das “esferas de in fluência” — e que triunfou apesar desta divisão. No curso de 1943, e sobretudo nos primeiros meses de 1944, a rede unitária da Resistência desenvolve-se grandemente em toda a França e, nela, os comunistas ocupam posições-chaves, o que, no plano da organização, dá-lhes a chance de obter uma função diri gente. Mas a possibilidade de realmente exercer esta função nas batalhas decisivas que se aproximavam — de exercê-la em sentido revolucionário — e conseguir que a Libertação desembocasse numa transformação radical da sociedade francesa, esta possibilidade não era apenas questão de postos no aparelho da Resistência nem da capacidade de organização da luta armada (neste terreno, o par tido — como anos antes o fizera o Partido Comunista Espanhol — já dera excelentes provas de sua eficiência), nem, muito menos, do espírito de sacrifício e de coragem na luta (nisto também os co munistas franceses foram exemplares; merecidamente, o PCF ganhou o título de “partido dos fuzilados”. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer quanto ao título de “partido da revolução”). Primeiro e antes que tudo, era uma questão de orientação política e dependia da existência, na direção do partido, da vontade em favor de uma tal transformação revolucionária. A insurreição nacional que se segue ao desembarque aliado na Normandia colocou praticamente na ordem do dia o problema do poder. A maior parte da França, Paris inclusive, é libertada pelas forças armadas da Resistência, com o apoio das massas e sem a intervenção direta dos exércitos aliados. Os comitês de libertação se convertem, por todo lado, em órgãos de poder, e as milícias patrióticas adquirem caráter massivo2'. O Partido Comunista é a força política predominante deste grande levante popular. O seu prestígio e a sua influência não encontram rivais nos sindicatos e nas empresas, nos comitês de libertação e nas milícias patrióticas, entre os intelectuais e a juventude — sem falar das forças armadas criadas durante a Resistência22. Só este fato prova o caráter revolu cionário da situação — porque o Partido Comunista, ainda que os acontecimentos fossem infirmá-lo, era para as massas o partido da 346 revolução. Entrando em colapso o Estado de Vichy e o poder dos ocupantes, a maioria do proletariado e amplos setores de outras ca rnudas sociais trabalhadoras depõem suas esperanças no partido a c|ue associam a idéia da revolução e na União Soviética, cujo pres idio — este é outro dado fundamental da situação — entre os fran- i oses alcançou então um nível que não voltaria a repetir-se. De Gaulle, como revelam as suas Memórias, tinha perfeita consciência de que “a direção dos elementos combatentes estava nas mãos dos comunistas”. Pensava que o PCF — e, anos depois, contra Iodas as provas, continuou atribuindo-lhe esta intenção — tinha o propósito de aproveitar o momento da libertação para dirigir as forças da Resistência para a tomada do poder. “Aproveitando o tumulto da batalha, empolgando o Conselho Nacional da Resistên cia, do qual vários membros, além dos que estavam sob o seu con trole, poderiam ser vulneráveis à tentação do poder; usando da sim patia de que gozavam em muitos círculos, derivada das perseguições de que eram objeto, das perdas que sofriam e da coragem que de monstravam; explorando a angústia sentida pela população em razão da ausência de qualquer força pública; jogando, enfim, com o equí voco, exibindo a sua adesão ao general de Gaulle, [os comunistas] pretendiam aparecer à frente da insurreição como uma espécie de Comuna, que proclamaria a República, estabeleceria a ordem, admi nistraria a justiça e, por conseqüência, cantaria a Marselhesa e des fraldaria a bandeira tricolor” 23. Este plano, atribuído por de Gaulle aos comunistas, não existia na realidade — mas há que reconhecer que era um plano excelente. De Gaulle percebe lucidamente as mag níficas cartas que o partido tem nas mãos e a engenhosidade com que podem ser usadas. De fato, a questão, para um verdadeiro par tido revolucionário naquela situação, não era uma colocação abstrata da conquista do poder pelo proletariado, mas a tomada do poder pela Resistência, pela autêntica Resistência — não a de Londres ou Argel; a questão não era um enfrentamento direto com de Gaulle — era fazer com que de Gaulle se confrontasse com a Resistência. Não consistia em provocar o choque com os exércitos “libertadores” anglo-americanos, mas colocar tais exércitos frente à realidade do poder da Resistência e mobilizar, contra qualquer atentado a este poder, os sentimentos nacionais exaltados pela Libertação. Estes poderiam ser os primeiros passos para a revolução socialista na França de 1944. De Gaulle percebeu-o com clarividência. Mas, 347 lamentavelmente, de Gaulle nao era o secretário-geral do Partido Comunista Francês. Cônscio da explosiva situação criada, de Gaulle manobrou habilmente. Começou a instalar o seu dispositivo e a isolar, limitar, os poderes dos comitês de libertação. Foi avançando cada vez com mais segurança ao comprovar que os comunistas cediam o terreno sem opor grande resistência. Até que fez a surpreendente descoberta de que, no Partido Comunista, tinha a grande força “patriótica” capaz de cooperar, mais eficazmente que qualquer outra, para a restauração da França eterna. Este processo foi rápido. Nos primeiros meses seguintes à instalação do governo de de Gaulle, a direção do PCF, sob a pressão do movimento espontâneo das massas e das correntes revolucionárias que operavam no seu seio, aplica uma linha ambígua, defendendo os comitês de libertação e as milícias patrióticas, mas sem promover uma ação de massas decidida, sem colocar os problemas de fundo relativos à transfor mação democrático-socialista da sociedade francesa. A 27 de outubro de 1944, numa assembléia do partido, Duelos declara: “As milícias patrióticas devem continuar sendo o guardião vigilante da ordem tepublicana, ao mesmo tempo em que devem ocupar-se ativamente da educação militar das massas populares”. Esclarece que, em cada localidade, a milícia deve englobar milhares de “cidadãos-soldados” e subordinar-se aos comitês de libertação, permanentemente enqua drada e com arsenais de armas e munições. No dia seguinte, de Gaulle responde assinando o decreto de dissolução das milícias.' Os dois ministros comunistas protestam, mas permanecem no governo. A direção do partidodá instruções internas para manter a organi zação miliciana e não entregar as armas, estruturando arsenais clan destinos; porém, não mobiliza o povo contra esta direta agressão aos poderes da Resistência, que identifica nitidamente os propósitos do general24. Este dá uma no cravo e outra na ferradura. A 6 de no vembro, no Journal Officiel, aparece o decreto da anistia a Thorez; sobre isto, em suas memórias, escreve de Gaulle: “O interessado mé dirigiu inúmeras petições. Muito deliberadamente, creio que é meu dever anistiá-lo. Considerando as circunstâncias passadas, os acon tecimentos que ocorreram posteriormente, as necessidades atuais, creio que o retorno do Sr. Thorez à cabeça do PCF pode comportar atualmente mais vantagens que inconvenientes”. As “necessidades atuais”, como o próprio general escreve, consistem em “aparar as 348 yiirrus dos comunistas”, “retirar deles os poderes que usurpam e as minas que exibem”. Seus cálculos sobre as vantagens que pode ter o regresso de Thorez são acertados. A 27 de novembro, chega o secretário-geral do partido. Sua primeira palavra de ordem é “um m> listado, uma só polícia, um só exército!” De Gaulle anota: “Des- tlc o dia seguinte ao seu retorno à França, Thorez ajuda a pôr fim iís últimas seqüelas das ‘milícias patrióticas’. Ele se opõe às tenta- livas usurpadoras dos comitês de libertação e aos atos de violência intentados por grupos superexcitados” 25. De fato, desde a chegada de Thorez, as organizações do partido recebem, por via interna, instruções para dissolver as milícias e entregar as armas. E o secre tário-geral, no informe que apresenta ao Comitê Central, a 21 de janeiro de 1945, preconiza publicamente a dissolução das milícias e de todos os grupos armados “irregulares”. Argumenta que tais orga nizações eram justificadas antes e durante a insurreição contra os hitlerianos e os homens de Vichy, mas que, agora, a segurança pública deve ser garantida pelas forças policiais regulares. No mesmo informe, insiste (já o dissera, a 14 de dezembro de 1944, discursando no comício organizado pelo partido no Velódromo de Inverno) em que os comitês de libertação locais e departamentais não devem substituir, de modo algum, as administrações oficiais 26. O momento escolhido por de Gaulle para anistiar Thorez, segundo todas as probabilidades, não atende apenas a motivações de política interna. O general preparava a sua viagem a Moscou e chegar lá com o “caso Thorez” ainda pendente seria, realmente, très fâcheux27. A anistia ao prestigioso discípulo de Stalin repre sentava um excelente “cartão de visita”. Com efeito, tudo foi per feitamente coordenado: a 6 de novembro se publica o decreto, a 27 do mesmo mês Thorez chega a Paris, a 2 de dezembro de Gaulle está em Moscou, reunido com Stalin. O objetivo do general era reforçar suas posições frente à Inglaterra e aos Estados Unidos me diante u n pacto bilateral com a União Soviética — o que consegue, depois de uma demorada negociação. Se a anistia de Thorez facilita o entendimento de Gaulle-Stalin, o pacto franco-soviético facilita o entendimento de Gaulle-Thorez. As contundentes observações deste último contra quaisquer discussões acerca da autoridade do novo Estado francês, feitas ao Comitê Central em 21 de janeiro de 1945, não são estranhas, sem dúvida, ao feliz resultado das negociações de Moscou28. 349 A restauração da “França eterna” Ao mesmo tempo em que coopera eficazmente na liquidação das tendêncjas usurpadoras” dos comitês de libertação nacional e das “últimas seqüelas das milícias patrióticas”, o partido põe inteira mente as forças armadas da Resistência que controla à disposição do alto comando gaullista e aliado, funde-as ao “grande exército” francês, cuja formação Thorez preconiza ardorosamente desde que pisou o solo pátrio. Numa palavra, o partido liquida as forças arma das populares forjadas durante a Resistência, em todas as suas for mas. Simultaneamente a esta destruição geral das bases políticas e militares de um novo poder popular, criadas no curso da Resis tência e da Libertação, o partido se lança a outra grande batalha pela restauração da França eterna: a famosa — tristemente fa mosa batalha da produção”. A coisa começa imediatamente depois da libertação de Paris. Num informe a uma reunião de mili tantes sindicais, a 10 de setembro de 1944, Benoit Frachon con voca os trabalhadores a “reconstruir nossa grande indústria sobre bases mais racionais e a assegurar o seu pleno rendimento”. A re construção, esclarece, “não deve operar-se em proveito das oligar quias financeiras e industriais , mas este é um problema a resol ver-se quando o povo for consultado sobre o regime que deseja” então, afirma, nos daremos nossa opinião sobre a desaparição dos trustes e os métodos adequados para substituir a sua dominação por uma economia a serviço da nação”. Por agora, sem esperar o que digam as urnas sobre os beneficiários da “reconstrução”, os operários devem trabalhar duro. O secretário da CGT e dirigente do Partido Comunista aconselha-os a constituir “comitês patrióticos de produção”. A 24 de março de 1945 informa sobre isto ao Comitê Nacional da CGT. Entrementes, concedeu-se aos operários um pe queno aumento salarial, inferior à modesta reivindicação de 50% formulada pela CGT na clandestinidade — mas os preços subiram. “Durante este período [da Libertação a março de 1945] — diz Fra chon em seu informe —, germinou na classe operária um legítimo descontentamento. Se, apesar disto, as greves foram quase inexis tentes, o fato se deve apenas à alta consciência nacional dos traba lhadores, bem como a autoridade da CGT e seus militantes” 29. Realmente, o partido, liderado por Thorez, não poupou energias para inculcar nos operários comunistas e filiados à CGT a “alta consciên cia nacional”. Num primeiro momento, invoca-se o “esforço de guer- 350 ui mino principal justificação, porque ainda não está consumada H .1, iioin da Alemanha. Na verdade, a sorte da guerra já está deci- .li.lu ionio Stalin dá a entender em seu discurso de 6 de novembro ,1, c a produção francesa de armas teria pouca influência nos ....... .mentos. Em troca, o que não está decidido é se a luta e os q,i, i il mios dos trabalhadores franceses terão como resultado a con- . • 11• I.i*,.i, > do capitalismo francês “sobre bases mais racionais” ou .... . economia a serviço da nação”. O “esforço de guerra”, situado uh contexto de toda a política do partido, que estamos descrevendo, ■ i podia contribuir para paralisar e desmoralizar as forças capazes , l, Impor u segunda alternativa — e foi o que ocorreu. A “batalha ,Li produção” não se interrompe com a derrota da Alemanha; ao contràrio, chega ao seu clímax. Thorez encontra outro argumento, ,|iic mio se distinguia propriamente pela originalidade. Todos os pui lidos social-democratas, cada vez que participaram de um go mmo burguês, como agora participava o PCF, haviam-no utilizado: operários não devem apresentar reivindicações excessivas nem 11,/ci greves, mas elevar a produção, porque o interesse da grande burguesia é criar dificuldades a um governo com ministros socialis- i,i | ui seu informe ao X Congresso do partido (junho de 1945), 1'horez não desmerece em nada os seus precursores e contemporâ neo. social-democratas; antes, os ultrapassa: “Onde está o perigo mortal para o nosso país? Está no terreno da produção [. . . ] Se os trustes e seus agentes se opõem ao esforço de reconstrução e de produção, o interesse do povo, o interesse da classe operária, é tra- bnlhar e produzir, apesar e contra os trustes.” Naturalmente, aquilo cm que menos pensavam os trustes e seus agentes era em se opor a que os operários “trabalhassem e produzissem”. Thorez não pode rxpor ao congresso uma só prova convincente da “vontade que atri bui aos trustes. A estes, o que não seduzia era a “democracia libe rada dos trustes”, que Thorez apresenta como a perspectiva do par- lido. Mas nem isto ospreocupava muito: era um objetivo ao qual sc deveria chegar pela via da legalidade parlamentar, sob condições de autoridade e estabilidade. “A perspectiva mais feliz para nossa nação — afirma Thorez no mesmo informe — é a manutenção prolongada de um governo de ampla unidade nacional e democrática, que viabilize as melhores condições de autoridade e estabilida de [ .. .]” Só assim se pode assegurar a “grandeza da França”, porque só assim a produção pode ir de vento em popa. Diz Thorez: Hoje, são a extensão e a qualidade da nossa produção material, e nossa 351 posição no mercado mundial, que dão a medida da grandeza da França”. O povo deve “entrar na batalha da produção como entrou na batalha pela libertação; trata-se de recuperar a grandeza da Fran ça, trata-se de assegurar — de forma não retórica — as condições materiais da independência francesa”. A alusão se dirige a todos os que, dentro ou fora do partido, criticam com “frases revolucioná rias” a linha seguida pela direção do PCF: “Temos que combater as concepções esquerdistas de alguns sectários que pensam, ainda que não o expressem claramente, que ‘talvez tenhamos abandonado a linha revolucionária’ ”. Felizmente, o Comitê Central, sob a clarivi dente direção de Thorez, desbaratou “o plano da reação, que tendia a empurrar os elementos mais avançados da democracia e da classe operária para aventuras, a fim de dividir o povo”. Em todo este informe, Thorez só menciona os conceitos de “revolução” e “revo lucionário” em sentido pejorativo. Já no seu discurso de janeiro, diante do Comitê Central, chegara ao limite de denegrir o uso do conceito, vinculando-o subterraneamente ao de “revolução nacio nal” utilizado pelos homens de Vichy: “Nós, que somos comunistas, atualmente não formulamos exigências de caráter socialista ou co munista. Dizemos isto com o risco de parecermos fracos aos olhos dos que constantemente têm nos lábios a palavra revolução. Está um pouco na moda, mas quatro anos de ‘revolução nacional’ sob a égide de Hitler preveniram o povo contra o emprego abusivo e demagógico de certos termos, deformados em seu sentido”. Thorez põe em circulação a expressão “hitlerotrotskistas” e convoca à vigi lância para identificar e expulsar do partido os “elementos suspeitos, os provocadores, os agentes do inimigo, hitlerotrotskistas, que fre- qüentemente se ocultarão sob frases ‘esquerdistas’ ” 30. A “batalha da produção” alcança seu auge com a viagem de Thorez pela zona mineira do Norte. Apesar da campanha do partido e da CGT, em alguns casos os mineiros recorreram à greve, e Thorez adverte os comunistas que delas participaram: “Aqui, queridos ca maradas —- diz, em 21 de julho de 1945, em Waziers, num discurso para um auditório de mineiros comunistas —, com toda a responsa bilidade, em nome do Comitê Central, em nome das decisões do congresso do partido, afirmo-lhes com toda a franqueza: é impossí vel aprovar a menor greve, sobretudo quando ela se dá, como ocorreu na semana passada, nas minas de Bethune, à margem do sindicato e contra o sindicato”. Na greve perderam-se umas 30.000 toneladas de carvão, e Thorez clama: “É um escândalo, uma ver- 352 liMiilm, uma falta grave contra o sindicato e contra os interesses dos ......lios"3'. Um ano depois do “apelo de Waziers”, Thorez louva ........nllndos obtidos: “A produção carbonífera aumentou em mais • l> Com quase 160.000 toneladas diárias, ultrapassamos em M' i o nível de antes da guerra. Um êxito notável! A França, com i • rçm> da União Soviética, é o único país que pode apresentar Iluiiite resultado. [ . . . ] Cabe cumprimentar nossos mineiros, • 111< ii.io pouparam nem suor nem esforço” 32 (lendo-se os discursos .1. Thorez deste período, tem-se a impressão de que se está cons- 111iludo o socialismo na França e que a tarefa central dos trabalha- I H c erguer uma economia que passou às suas mãos). Em dezem- Iii11. ii organismo dos trabalhadores nos serviços públicos decide iiigimizar uma greve de advertência e, para prepará-la, tem lugar no Vcludromo de Inverno um comício-monstro. Os oradores preconizam ii greve geral, inclusive os da SFIO. A única voz discordante é llniri Raynaud, dirigente comunista da CGT: “Nas circunstâncias iiliittis — afirma —, uma greve geral seria catastrófica; resultaria, a >lii ctudo com a paralisação das ferrovias, na fome nacional”. Dez 11111s mais tarde, Thorez assegura no Conselho de Ministros que não i pode ceder a pressões intoleráveis e que, com algumas correções, u projeto do ministro da Fazenda deve ser aprovado33. Referindo-se no ano de 1945 — que, com a linguagem cubana de hoje, o PCF poderia ter batizado como “o ano da produção” —, de Gaulle cm reve nas suas Memórias: “Quanto a Thorez, mesmo se esforçando paru levar adiante as questões do comunismo, em várias ocasiões prestou serviços ao interesse público. Não cansa de passar a pala vra de ordem de trabalhar o máximo possível e de produzir a qualquer preço. Uma simples tática política? Não vou discuti-lo. Iiusla-me que a França saia ganhando.” Logo ficaria claro que "as questões do comunismo” não avançavam muito, mas que a f rança — mais exatamente: a burguesia francesa — sairia ganhando. Em junho de 1946, Thorez viu-se obrigado a declarar ante o Comitê Central: “A situação é muito séria [refere-se ao fato de o resultado negativo do referendum sobre o projeto de Constituição apoiado por comunistas e socialistas, bem como as eleições legisla tivas de 2 de junho, haverem revelado um nítido deslocamento dos eleitores para a direita]. A grande burguesia francesa, forte em sua larga experiência e dotada de enorme capacidade de manobra, usou hábil e alternadamente de todos os seus métodos e de todos os seus homens para chegar até este ponto e, se possível, para fazer-nos 353 retroceder ainda mais. Quando da Libertação, não se enfrentou dire tamente com o movimento popular. Procurou ladeá-lo, deslocá-lo, desagregá-lo. Impediu a união das forças da Resistência e pouco a pouco reduziu a influência do Comitê Nacional da Resistência e dos comitês locais e departamentais de libertação” 34. Declaração reveladora, porque dela se deduz nada menos que o seguinte: a) dois anos de Libertação, dois anos de participação dos co munistas no governo, não fizeram avançar na França o movimento popular saído da Resistência, mas avançou a grande burguesia, que fortalecia as suas posições econômicas e recuperava a sua influência política. A original tática thoreziana de lutar contra os trustes à base de um esforço para que os operários trabalhassem mais e melhor, apertando os cintos, conduzira ao fortalecimento dos trustes. A con tenção do movimento de massas, a renúncia às ações que atentassem contra a ordem legal, a fim de não colocar em risco a “união nacio nal”, conduziram à reinstauração da ditadura burguesa sobre a na ção. A linha de travar as reivindicações proletárias para não assustar as camadas médias resultara na inclinação destas para a direita, para os partidos da burguesia — que iam revelando, em contraste com a pusilanimidade e a debilidade do partido proletário, sua maior determinação —, como o reconhece Thorez no mesmo informe. A via para avançar no sentido da “nova democracia”, baseada exclu sivamente na conquista da maioria parlamentar, conduziu à restaura ção da mais “velha democracia”, a democracia tradicional da França burguesa. O cretinismo parlamentar comunista dava os mesmos frutos que o cretinismo parlamentar social-democrata. Inutilmente a direção do PCF lançava sobre a SFIO a responsabilidade da não formação de um governo socialista-comunista, apoiado pela maioria parla mentar reunida pelos dois partidos. Todo mundo sabia que os diri gentes socialistas de direita só aceitariam semelhante coalizão sob uma irresistível pressão das massas, mas a direção thoreziana fizera todo o possível para paralisar o movimento de massas nascido da Libertação. Quanto aos quadros socialistas e sindicais deesquerda, susceptíveis de apoiar sinceramente um governo socialista-comunista, eles alimentavam legítimas reservas sobre o futuro que esta solução podería lhes oferecer. É claro que, durante esse período, Thorez mencionou, em algumas oportunidades, uma possível via francesa ao socialismo, diferente da seguida pelos bolcheviques. Mas estas colocações eventuais não se acompanhavam de nenhuma fundamen tação teórica séria — reduziam-se. na realidade, a generalizar o caso 354 • Iti» democracias populares do Leste europeu, esquecendo o pequeno ili hillic do papel ali desempenhado pelo exército vermelho e por mil ms instrumentos do poder soviético. Ademais, a sujeição do PCF n nliii direção stalinista, a seus dogmas, era tão evidente que as i M oiregadelas heterodoxas de Thorez dificilmente poderiam ser to- mndiis por algo mais que manobras táticas35; lo icconhecendo que, “quando da Libertação [a grande burguesia] mio sc enfrentou diretamente com o movimento popular” e “pro- ' m i o u ladeá-lo, deslocá-lo, desagregá-lo”, Thorez estava dando razão mo . que então preconizavam, dentro e fora do partido, uma política olensiva, revolucionária, orientada ao desenvolvimento do vigoroso movimento operário e popular que a insurreição nacional deflagrara. • a “grande burguesia” não se atreveu a atacá-lo frontalmente era, precisamente, porque percebia a sua potencialidade revolucionária. Mus quem “pouco a pouco reduziu a influência do Comitê Nacional •lo Kcsistência e dos comitês locais e departamentais de libertação”? \ “grande burguesia” ou a política defendida e imposta por Thorez desde o seu regresso de Moscou? Noutra passagem do mesmo in- I urine, Thorez refere-se novamente à “tática sinuosa [das forças burguesas], da qual hoje ousam se orgulhar, tática destinada a conter, a ladear o povo, ao qual não podiam atacar de frente em agosto de 1944” 36. E não era lógico esse orgulho? Não tão lógico cia que o secretário-geral do Partido Comunista, por sua vez, se ■ agulhasse da política que tão maravilhosamente se ajustara à “tática .limosa” da reação burguesa. No entanto, Thorez defende como inte gralmente justa, perfeita, a linha seguida desde a Libertação. Se houve pequenos defeitos, estes se localizam no trabalho de federações e seções. Com a maior naturalidade, como se não tivesse nenhuma responsabilidade nisto, Thorez censura “alguns camaradas que não estão livres de ilusões parlamentares”. Mas esta censura, no contexto do informe, funciona apenas para equilibrar formalmente o alvo verdadeiro do ataque, a esquerda. O mal-estar diante dos resultados da linha seguida, realmente, se generalizara muito nas fileiras do partido e Thorez, ainda que minimizando-o, se vê obrigado a reco nhecê-lo. Cita casos particulares: a resolução de uma célula do Yonne reprova à direção “colaborar no governo, fazendo concessão atrás de concessão”, e outra dos Altos Pirineus, que acusa a direção de “colaborar com a reação, acumpliciando-se com leis antidemo cráticas”. Thorez convoca o partido a combater energicamente estas posições. Aqueles que as sustentam “ainda não compreenderam que 355 nos convertemos num partido de governo, colocam em dúvida a nossa linha geral”. E, para convencer esses recalcitrantes, Thorez exibe — pela primeira vez, ao que sabemos, publicamente — o grande argumento, o argumento irrecusável, que continuará utilizan do por anos e anos para justificar a política do PCF na Liber tação: os que criticam esta política, diz Thorez, “nem sequer leram o artigo do jornalista norte-americano Walter Lippman, que escreveu, em Le Figaro, que as tropas anglo-americanas estavam prontas a in tervir se os comunistas ascendessem ao poder na França” 37. Acerca desta justificação suprema, e aparentemente tão “sólida”, voltaremos mais adiante. Antes, porém, concluiremos este sumário esboço da política do PCF até a sua exclusão do governo. Nem a “séria” situação criada, nem o descontentamento nas fileiras do partido — que, ademais, é facilmente controlado pelos métodos tradicionais de intimidação ideológica e medidas adminis trativas — são suficientes para que a direção do PCF introduza mudanças na sua política. Pouco depois da reunião do Comitê Cen tral que acabamos de mencionar, Thorez faz a declaração, acima re produzida, louvando o aumento da produção carbonífera conseguido com o “suor e esforço” dos mineiros. E o partido se resigna com o congelamento de salários decretado pelo governo de que participam seus ministros. Contudo, o mais escandaloso — se é possível esta belecer gradações nisto — é a atitude do PCF diante da luta dos povos oprimidos pelo colonialismo francês. Desde que, no encontro de maio de 1942, Molotov concordou com que todos os povos das colônias francesas deveríam agrupar-se sob a direção de de Gaulle, a política do partido francês consistiu em preconizar a manutenção das colônias (com certa autonomia, ou uma independência formal) na União Francesa — e, nisto, apenas retomava a política já pratica da no período da Frente Popular. Em seu informe ao X Congresso (junho de 1945), Thorez define o programa do partido neste campo: “Criar as condições da união livre, confiante e fraternal dos povos coloniais com o povo da França”. O partido sustenta o princípio da livre determinação, mas “o direito ao divórcio não significa a obrigação de divorciar”. A prática desta política colonial — que seria subscrita sem hesitações por Van Kol e os outros líderes da Segunda Internacional que, no Congresso de Stuttgart, propuseram uma política colonial “socialista” — traduziu-se em que o partido foi associado a todas as repressões colonialistas exercidas pelos su cessivos governos franceses, com ministros comunistas, da Libertação 356 mu I'i47. Depois da selvagem repressão à insurreição de maio de IM .. no Constantinois argelino, com um saldo de milhares de ..... os ministros comunistas continuam no governo e, no i ongresso do Partido, um mês após a matança argelina, Thorez .h/ o seguinte: “Falando de democracia, não podemos esquecer . i, 111 uma das suas exigências é uma atitude mais compreensiva e mais 111 i. i cm face dos povos coloniais. Como em Aries, diremos que há ,|iK reconhecer as reivindicações legítimas dos povos coloniais, pri- ....... no interesse destas infelizes populações, segundo no interesse ,l,i I rança. Na Argélia, depois dos dolorosos acontecimentos do mês I iiimsikIo, nada é mais urgente do que melhorar o abastecimento, ir,pender o estado de sítio, demitir os funcionários de Vichy e , nr,ligar os traidores que, após haverem abastecido o inimigo por <I,ir, imos, provocaram os motins com a fome; desmobilizar e de volvei às suas casas os soldados, suboficiais e oficiais argelinos que i„ iicncem às categorias não mobilizadas na metrópole; enfim, apli- , .li a ordem de 7 de março de 1944 sobre a ampliação das liberdades democráticas na Argélia”. Eis tudo. Mais esta conclusão: “A França democrática deve colaborar com o desenvolvimento da nação arge- linii cm formação” . O PCF não reconhece que já exista a nação iiigclina; enquanto ela “se forma”, os argelinos, como os marro quinos e tunisianos, devem permanecer, na opinião de Thorez, uni dos à França: “Nós nunca deixamos de mostrar que o interesse das populações do Norte da África residia em sua união com o povo dii França” (o sentido desta passagem se torna ainda mais claro c sc leva em conta que ela vem em seguida àquela já citada, se cundo a qual “o direito ao divórcio não significa a obrigação de divorciar”). Thorez lamenta também a recente repressão contra os povos da Síria e do Líbano, que reclamam a independência; o par- lido apóia o seu direito à autodeterminação, mas não se esquece de llics recordar a máxima sobre o divórcio. Por isto — diz Thorez, icferindo-se à repressão lá efetivada —, “lamentamos ainda mais o golpe assestado ao prestígio secular e aos interesses de nosso país no Oriente Médio” 39. Em finais de 1946 vem à
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