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Do sujeito suposto suspeito às possibilidades de
suposição de saber
Mariana Aranha
Andréa Máris Campos Guerra
Emília Estivalet Broide
Isa Gontijo
“Explico ao senhor: o diao vi!e dentro do homem" os crespos do
homem # ou é o homem arruinado" ou o homem dos avessos$ %olto"
 por si" cidad&o" é 'ue n&o tem diao nenhum$ (enhum) # é o 'ue di!o$
* senhor aprova+,
-Guimar&es .osa" /0123
Resumo: A partir da prática orientada pela psicanálise com jovens in4ratores" uscamos
lan5ar um olhar so a modalidade de trans4er6ncia na 'ual o *utro está so suspeita$
7artimos da hip8tese de 'ue" como resposta 9 mensa!em de desvaloria5&o do *utro" o
 jovem responde trans4erencialmente com uma dessuposi5&o de saer diri!ida ao técnico
'ue o acompanha$ * sujeito suposto saer é sustituído pelo sujeito suposto suspeito"
'ue se mani4esta 'uando n&o se está se!uro sore al!uém" 'uando há al!o de 'ue n&o se
sae e" no entanto" se antecipa como mal e ne!ativo$ 7or n&o dispor de provas em
rela5&o ao *utro" ori!a o olhar vi!ilante" mantendo o *utro na mira" justamente por 
n&o se saer o 'ue esperar dele$ Incluir o real na cena analítica como causalidade
traumática e nomear a experi6ncia do ato in4racional s&o a nossa aposta numa
reorienta5&o 'ue" da trans4er6ncia ne!ativa" posa produir um eni!ma e arir a
 possiilidade da instala5&o da trans4er6ncia positiva$
Palavras-chaves: trans4er6ncia" trans4er6ncia ne!ativa" sujeito suposto saer" suspeita"
adolescente em con4lito com a lei$
A partir da escuta das histéricas" ;reud cria um método de investi!a5&o e
 pes'uisa" 'ue implicará em uma terap6utica das neuroses$ As lemran5as e associa5<es
das pacientes" a princípio consideradas por elas pr8prias # e pela ci6ncia da época # 
 
insi!ni4icantes e sem rela5&o entre si" v&o a partir da escuta 4reudiana" compondo uma
narrativa 'ue promove o sur!imento de hip8teses com as 'uais se articulam os “ crespos
do homem”, como diia Guimar&es .osa   -/012" p$//3 = ou seja" trauma e 4antasia"
constituindo uma clínica 'ue" emora sin!ular" condu ao universal$ >esa4io 9 teoria$
;reud nos apresenta como" no relato de cada caso clínico" a partir de uma
 particular inscri5&o" um acontecimento = al!o 4ortuito e casual = 4a trauma" marca o
sujeito e desencadeia contin!encialmente um so4rimento" uma patolo!ia" Ele indica
como as 4orma5<es do inconsciente encontram" em cada caso" modos distintos de
mani4esta5&o$ A teoria psicanalítica" portanto" se 4orja na clínica$ Ao rever 
constantemente a sua práxis" o pr8prio criador da psicanálise vai lan5ando lu sore os
4en?menos e" ao mesmo tempo" constituindo os conceitos para operar a clínica$ >essa
4orma" al!o da ordem de um não saber   se apresenta como central na investi!a5&o
 psicanalítica$ Motor e vi!or da clínica$
Esse não saber  = motor e vi!or da clínica = é 'ue tomamos como heran5a" como
le!ado" e 'ue nos convoca a criar e a inventar desdoramentos da escuta psicanalítica
4rente 9s novas demandas e aos desa4ios relan5ados 9 psicanálise em distintos contextos
sociais$ Especi4icamente neste arti!o" vamos tomar a trans4er6ncia como operador 
 privile!iado para pensar a interven5&o psicanalítica com adolescentes em cumprimento
de medidas socioeducativas" tanto no 'ue toca ao sin!ular de um caso" 'uanto no
traalho !rupal desenvolvido$
E" posto 'ue “no come5o da psicanalise" está a trans4er6ncia, -@acan"
/012D" p$ 3" partamos dela$
A transferência e o Sujeito Suposto Saber
 (&o 4altam re4er6ncias em ;reud e @acan 'ue indicam a suma importFncia da
trans4er6ncia e apontam a íntima rela5&o entre seu manejo e a possiilidade do
tratamento analítico$ ;reud" no início de seu texto “*serva5<es sore o amor 
trans4erencial, -/0//0/H3 nos di 'ue as principais di4iculdades na condu5&o de um
tratamento n&o residem na interpreta5&o e" sim" no manejo da trans4er6ncia$ 7artindo da
leitura do texto 4reudiano “A dinFmica da trans4er6ncia, -/0/3" nos deparamos com um
 paradoxo" pois a tran4er6ncia é descrita como motor e ostáculo ao tratamento$ Jma
4aca de dois !umes$
;reud -/0/3 a4irma 'ue cada indivíduo encontra um meio de conduir=se na
vida er8tica" na 'ual o modo de satis4a5&o inclui as pré=condi5<es para enamorar=se" e
 
tamém as puls<es 'ue satis4a e os ojetivos 'ue se coloca" produindo um “clich6
estereotípico, -p$ /DD3" 'ue é constantemente reimpresso ao lon!o da vida do sujeito$ (a
trans4er6ncia" o analista é incluído numa das séries psí'uicas 'ue o paciente já 4ormou"
tornando=se um novo ojeto de investimento da liido$ 7ara ;reud" a trans4er6ncia em
sua vertente de investidura liidinal é o 'ue dá autoridade ao analista" permitindo"
através da interpreta5&o" um novo sentido aos sintomas$ 7or outro lado" a trans4er6ncia
 passa a ser um ostáculo ao tratamento 'uando se trata da trans4er6ncia de impulsos
er8ticos reprimidos diri!idos 9 4i!ura do analista" motivo para o paciente apresentar 
sentimentos de hostilidade" 'ue ;reud chamou de trans4er6ncia ne!ativa$
@o!o" na perspectiva 4reudiana" a trans4er6ncia ne!ativa apareceria perante a
impossiilidade de um analisante tomar seu analista como ojeto de investimento
amoroso" ou seja" “'uando o amor ousa n&o dier seu nome" aparece so a 4orma de tais
sentimentos hostis, -@aia" D" p$ 03$
7or outro lado" a leitura lacaniana da trans4er6ncia ne!ativa é a de 'ue este seria
o drama inau!ural de toda análise" pois “é" literalmente" a trans4er6ncia" para o analista"
do mal 'ue os pacientes # homens ou mulheres # carre!am, -@aia" D" p$/3$ A
'uest&o é 'ue" ao mesmo tempo em 'ue re'uerem de seus analistas" na trans4er6ncia
ne!ativa" a participa5&o do seu mal" descon4iam se esses destinatários s&o di!nos de
carre!ar esse peso sore os pr8prios omros$
Kuando @acan 4a da trans4er6ncia um dos conceitos 4undamentais da
 psicanálise" teremos uma nova concep5&o de trans4er6ncia" di4erente da'uela de ;reud$
%em a pretens&o de apresentar todas as nuances dessa di4eren5a" destacamos o conceito
de %ujeito %uposto %aer$ %e" para ;reud -/0/3" a trans4er6ncia é primeiramente um
4en?meno liidinal" para @acan -/012D3" é um 4en?meno relacionado ao saer" com
o analista ocupando primeiro o lu!ar e a 4un5&o do sujeito suposto saer$
* sujeito suposto saer tem um sentido comum" é al!uém 'ue os demais sup<em
'ue sae$ Lá" contudo" outra leitura da express&o lacaniana$ (&o se trata apenas 'ue o
sujeito seja suposto saer pelos demais" mas 'ue ele seja suposto por um si!ni4icante$ 
su4iciente 'ue al!o seja distin!uido como si!ni4icante para 'ue nos per!untemos o 'ue
'uer dier$ A per!unta sore o si!ni4icado é um pedido de outro si!ni4icante 'ue possa
in4ormar o 'ue 'uer dier o anterior$
Miller -3 a4irma 'ue há uma passa!em do sem sentido 9 suposi5&o de
sentido na entrada em análise" ou seja" a constitui5&o de um sentido inconsciente para os
sintomas$ Assim" sulinha 'ue o caráter essencial da trans4er6ncia localia=se na
 
constitui5&o do sentido" antes da investidura liidinal$ Em outras palavras" primeiro o
analista está no lu!ar do *utro em sua 4un5&o de intérprete e" num se!undo tempo"
ocupa posi5&o de ojeto causa do desejo$
@acan" em “A dire5&o do tratamento e os princípios de seu poder, -/0N/00N" p$
0H3" a4irma 'ue é na trans4er6ncia 'ue se deve uscar o se!redo da análise a4irmando
'ue" no manejo da trans4er6ncia" a lierdade do analista encontra=se alienada pelo
desdoramento 'ue so4re sua pessoa nos 4en?menos relativos 9 interpreta5&o" 9
trans4er6ncia e 9 causa do desejo 'ue ele coloca em jo!o$
Kuase de anos depois" ele -/012D3 isola" no conceito de sujeito suposto
saer" a 4un5&o central do analista na trans4er6ncia$ Ele" ent&o" o de4ine como:
eixo a partir do 'ual se articula tudo o 'ue acontece com a trans4er6ncia$ Cujos e4eitos
escapam 'uando" para apreend6=los" 4a=se uma pin5a com desajeitado  pun 'ue vai da
necessidade da repeti5&o a repeti5&o da necessidade$ A'ui o levitante da intersujetividade
mostrarásua 4inura ao inda!ar: sujeito suposto por 'uem" sen&o por outro sujeito$$$$ Jm
sujeito n&o sup<e nada" ele é suposto$ %uposto pelo si!ni4icante 'ue o representa para outro
si!ni4icante -p$D3$
>essa 4orma" se" para ;reud" o analista como novo ojeto de investimento
liidinal é a causa da emer!6ncia de um novo sentido ao sintoma" a trans4er6ncia é o
'ue condiciona a interpreta5&o e" portanto" a via de acesso ao inconsciente$ Em
contrapartida" para @acan" considerando o conceito de sujeito suposto saer" ocorreria o
oposto$ A interpreta5&o condicionaria a trans4er6ncia" pois primeiro há o lu!ar do sujeito
suposto saer" haitado por um re4erente ainda latente" e s8 depois do encontro com o
analista este si!ni4icante sur!iria como al!o novo$ @o!o" n&o haveria um novo sentido
do sintoma" a partir da trans4er6ncia" mas a pr8pria 4orma5&o do sentido$
* 'ue pretendemos por em relevo a se!uir é a dimens&o ética da clínica" 'ue
reside em 4aer operar os conceitos pr8prios da psicanálise em contextos institucionais e
 políticos aos 'uais ela vem sendo aplicada$ Em outras palavras" trata=se de tomar a
rela5&o analítica  strictu  sensu como a'uela 'ue n&o comporta somente a rela5&o entre
analista e analisante" mas implica a institui5&o de um terceiro 'ue
é o si!ni4icante introduido no discurso 'ue se instaura" a'uele 'ue tem nome: o sujeito
suposto saer" esta uma 4orma5&o n&o de arti4ício" mas de inspira5&o" como destacada pelo
 psicanalisante$ Oemos de ver o 'ue hailita o psicanalista a responder a essa situa5&o 'ue
 perceemos n&o envolver sua pessoa$ (&o apenas o sujeito suposto saer n&o é real de 4ato"
como tamém n&o há nenhuma necessidade de 'ue o sujeito em atividade na conjuntura" o
 psicanalisante -o Pnico a 4alar a princípio3" lhe 4a5a essa imposi5&o -@acan" /012D" p$
H3$
 
Entretanto" na atualidade nos deparamos com pacientes 'ue n&o sup<em saer 
no outro" 'ue nada t6m a dier sore o seu sintoma" 'ue mostram em atos 'ue al!o
excede a possiilidade de representa5&o e n&o encontra seu devido lu!ar$ (a prática de
atendimento individual e" soretudo" no traalho com coletivos de jovens em con4lito
com a lei" a experi6ncia trans4erencial parece marcada por uma modalia5&o ne!ativa$
7ensamos 'ue os jovens in4ratores parecem anunciar uma nova 4orma de la5o com o
*utro" notoriamente marcada pela descon4ian5a 'ue mostra sua 4ace na rela5&o com a
 política socioeducativa" com as institui5<es de cumprimento de medida socioeducativa e
com seus técnicos$ Cunhamos de %ujeito %uposto %uspeito essa modalia5&o da
trans4er6ncia$ Oestemunhemos duas experi6ncias de interven5&o com adolescentes em
con4lito com as leis antes de nos determos em sua compreens&o$
Sujeito Suposto ... o quê?
As reves narrativas" ao serem retiradas da invisiilidade e do sil6ncio" uscam
 provocar inda!a5<es 'ue 4a5am avan5ar a clínica psicanalítica$ A primeira trata da
dimens&o em 'ue o jovem é desvaloriado pelo *utro social" a ponto de sua vida n&o
valer mais" simplesmente n&o ser mais contailiada$ Exp<e" de maneira 'ue poderia ser 
considerada oscena" se n&o 4osse le!itimada culturalmente" a 4orma de apreens&o da
exist6ncia desses jovens" epidemicamente mortos no Brasil" mais 'ue em países em
!uerra$ “*s dados/" da viol6ncia no Brasil entre os anos de H e 2 com mortes por 
disparo de armas de 4o!o na percep5&o de al!uns estudos superou a de países em !uerra"
como: Ira'ue" %ud&o e A4e!anist&o, -Anastácio" /" p$ NN3$ (&o se trata de uscarmos
localiar al!oes e vítimas" ons e maus" mas de implicarmos a todos em um
 procedimento de extermínio consentido" no 'ual radica a causalidade perdida 'ue"
 posteriormente" retorna so 4undo trans4erencial ne!ativo$
A se!unda re4lete o a4eto do 'ue se modula a partir do olhar de indi4eren5a ou
8dio do *utro social sore o jovem" retornando como suspeita so 4undo trans4erencial$
.elatamos experi6ncia de conversa5&o psicanalítica com jovens internados em centro
socioeducativo" no 'ual a suposi5&o de saer é colocada em xe'ue e uma espécie de
a!ressividade desa4iadora convoca o psicanalista a colocar 9 prova seu saer$ %alvo se"
numa aposta di4erente" ele possa se deslocar do lu!ar do *utro 'ue desvaloria" para
causar" como ojeto" novo eni!ma sore o 'ue é colocado na roda pelos jovens$
1 Os dados são do CEBELA (Centro Brasileiro de Estudos Latinoamericanos).
 
1ª. cena: ni!a!e !e cumprimento !e me!i!a socioe!ucativa em meio
aberto !a "ran!e S#o Paulo
Essa experi6ncia ocorreu em um e'uipamento de medidas socioeducativas em
meio aerto para adolescentes em con4lito com a lei em uma cidade da re!i&o
metropolitana de %&o 7aulo$ (este e'uipamento" sur!e a prolematia5&o em rela5&o 9s
chacinas de jovens ne!ros nas peri4erias de %&o 7aulo e a necessidade da e'uipe de
4aer al!o 4rente ao 4en?meno" uma ve 'ue dois jovens atendidos pelo pro!rama
haviam sido mortos$
A partir da supervis&o clínico=institucional" a e'uipe decidiu reunir todos os
 jovens atendidos pelo pro!rama e seus 4amiliares" a 4im de criar um espa5o de 4ala sore
o assassinato dos jovens" convidando inclusive os 4amiliares dos meninos assassinados$
>urante o !rupo 4oi 4eito o relato das situa5<es de viol6ncia 'ue estavam ocorrendo na
re!i&o e 4oram criadas estraté!ias de en4rentamento a elas" mas 4undamentalmente
ariu=se um espa5o para o luto social e coletivoD$
Jm dos meninos 'ue 4oi morto era muito comprometido 4ísica e psi'uicamente e
tinha hist8rico de interna5&o na ;unda5&o CA%A -anti!a ;EBEM3$ Ele estava uma tarde
vendendo doces em sua arraca na rua" 'uando um policial aproximou=se para
“en'uadrá=lo," já 'ue ele é visto como suspeito$ Assustado" incapa de responder 9s
interro!a5<es do policial" apanhou$ Buscou re4P!io em uma 4armácia e continuou
apanhando" caiu sore as prateleiras “'uerando tudo,$ * policial culpou o adolescente
 pelo estra!o" mas o dono da 4armácia 4e um Boletim de *corr6ncia responsailiando
o policial pelo ocorrido$ Al!uns dias ap8s o “incidente," este menino 4oi morto a tiros
em uma das avenidas do airro$
* se!undo caso tem vers<es di4erentes$ %e!undo a m&e" seu 4ilho estava indo
com um ami!o procurar servi5o e" numa aorda!em policial" acaou assassinado pela
 polícia" 'ue primeiro matou=o com um tiro no rosto" tendo depois atirado mais duas
vees$ Ele 4oi levado para o hospital em uma se!unda=4eira e morreu na ter5a$ A m&e s8
descoriu o corpo do 4ilho na sexta=4eira" ap8s percorrer vários hospitais$
2  A supervisão institucional é realizada por Jore Broide.
D  Este espa5o de 4ala com 4amiliares e com os jovens atendidos no e'uipamento de medidas
socioeducativas teve a coordena5&o de Qor!e Broide e Emília Broide" além da participa5&o de .oerta
Oinoco como cronista$ Este traalho encontra=se mais desenvolvido no arti!o pulicado no
site:http:RRR$dialo!osdosul$or!$rdo=silencio=a=palavra=violencia=assassina=em=sao=paulo///D$
 
 (a vers&o dos policiais" eles trocaram tiros com dois moto'ueiros 'ue há dias
rondavam por uma mesma avenida 'uando" “sem 'uerer," um deles acertou e matou um
dos adolescentes$ * outro adolescente 'ue estava com ele na moto 4oi reconduido a
;unda5&o CA%A" de onde era e!resso$ A m&e" o av? e o irm&o de dois anos do menino
morto compareceram a reuni&o e" juntamente com as outras 4amílias e adolescentes
atendidos pelos técnicos do e'uipamento da assist6ncia social" uscaram encontrar 
 palavras e contornar o silenciamento 4rente ao real da morte violenta de 'ue s&o
testemunhas$
A justi5a a'ui compreende a necessidade de nomear as situa5<es nas 'uais os
homicídios ocorrem" uma ve 'ue o re!istro dos homicídios como “resist6ncia se!uida
de morte, aole a realia5&o de jul!amento" tornando assim o ato violento imoral$
Imoral por'ue mantém a suspeita$ %e!undo Miller -3" como veremos" a suspeita é
um !rau in4erior de saer" é um saer n&o demonstrável por'ue n&o há provas$ Kuando
há provas" pode se encerrar o caso" já a suspeita deixa a 'uest&oem aerto$
Ap8s a 4ala do av?" a m&e do menino morto mani4estou=se$ .eclamou do
tratamento 'ue receera ap8s a morte de seu 4ilho e o descaso 'ue 4ieram com a vida
dele e com a dor dela$
“Meninos 'ue já passaram pela ;unda5&o já pa!aram$ %e humilharam" apanharam" 'uanto
 precisavam ser prote!idos$ Meu 4ilho levou um tiro com muito 8dio no cora5&o$ Oenho tr6s
4ilhos" a!ora dois" me deixou um uraco enorme$$$ (&o pude ver meu 4ilho" s8 no caix&o$ *
dele!ado e o médico 4ieram descaso" o médico deu um atestado de 8ito 4also e o
dele!ado chamou meu 4ilho de andido" 4alando 'ue va!aundo tem 'ue levar tiro na cara$$$
%8 por'ue os meninos erraram" n&o si!ni4ica 'ue precisam so4rer assim$ (unca ima!inei
um menino cheio de vida" de sonhos" sair de casa procurando servi5o e n&o voltar mais$ *s
seres humanos precisam de mais compaix&o$ Oodo dia jovens sendo assassinados de 4orma
cruel" s8 podia ser coisa de polícia" até os andidos respeitam mais a !ente$$$, -(otas
 pessoais3$
A respeito do 'ue é veraliado pela m&e do adolescente" n&o há como n&o
lemrar o 'ue SieT -/3 ressalta em seu livro “Como ler @acan," re4erindo=se a um
deate televisivo sore o destino dos prisioneiros em Guantánamo na (BC" em meados
de H$
“Jm dos estranhos ar!umentos em prol da aceitailidade ético=le!al de seu status era 'ue
Ueles s&o a'ueles 'ue as omas deixaram escaparV: como eles eram o alvo do omardeio
dos Estados Jnidos e por acaso soreviveram" e como esse omardeio era parte de uma
opera5&o militar le!ítima" n&o se pode 'ueixar de sua sorte 'uando aprisionados depois$ *
ar!umento su!ere 'ue" seja 'ual 4or sua situa5&o é melhor" menos severa" 'ue estar morto,
-p$///3$
>e 4ato" o prisioneiro 4ica numa posi5&o de morto=vivo$ Eles s&o" portanto" como
situa A!amen -3" homo sacer " homens 'ue podem ser mortos impunemente
 
 por'ue" aos olhos da lei" sua vida n&o conta mais$ (esse sentido" a aproxima5&o dos
adolescentes em con4lito com a lei" 'ue cumprem medidas socioeducativas em meio
aerto nas peri4erias dos !randes centros uranos" com os prisioneiros de Guantánamo"
estando entre duas mortes" ou seja" vivos" mas so constante amea5a e suspeita" 4a
 pensar a necessidade da passa!em da'uele 'ue é o portador de mem8rias -4amiliares"
outros adolescentes" técnicos dos e'uipamentos3 9 posi5&o de testemunho" a 4im de 'ue
os crimes possam ser reconhecidos como tal e" nessa medida" retirados da invisiilidade$
Esse relato real" por mais 'ue pare5a uma 4ic5&o" retrata a condi5&o de
interpreta5&o 'ue recee o jovem de peri4eria no cenário nacional$ Avancemos para
entender como ele constitui sua respostaH$
$ª. %ena: %entro Socioe!ucativo em &elo 'ori(onte
W partir de convite 4eito por determinado Centro %ocioeducativo em Belo
Lorionte" no 'ual adolescentes cumprem medida socioeducativa de priva5&o de
lierdade" levamos a conversa5&o psicanalítica a al!uns adolescentes$
@o!o de início" os jovens 'uestionam nossa presen5a" lan5ando um olhar de
suspeita: XYoc6s vieram a'ui conversar com a !ente e depois 4aer onito na
universidade" n&o é+, “(&o," nossa resposta sem vacila5&o" apontou para outro lu!ar 
'ue n&o o de ojeto de des4rute de um *utro caprichoso" “viemos dar palavra ao
so4rimento e a vida de voc6s$ >isseram=nos" a'ui na institui5&o" 'ue voc6s s&o muito
reclam<es" eternos insatis4eitos" vítimas$  isso mesmo+,
A palavra circula por diversas vees em torno da posi5&o de vítimas do mundo"
alvos do desrespeito e do preconceito" injusti5ados" intolerantes" meias verdades 'ue
carre!avam" ora o capricho" ora a ilus&o" ora a miopia de cada um -Andrade" " p$
H23$ “E ent&o" o 'ue voc6s v&o 4aer por n8s+, # é a 'uest&o 'ue sur!e na se'u6ncia$
7er!untamos 'uais os recursos 'ue eles tinham para 4aer al!o por si pr8prios$
.ecolhemos 'ue os jovens respondem seja pelas vias de 4ato" rea!indo com
a!ressividade ao 'ue consideram injusto" seja “pa!ando de oa," numa posi5&o de
! "omamos de maneira eneralizada a ideia de resposta do #ovem na tentativa
de analisar a estrutura de $undo %ue oraniza as solu&'es sinulares com %ue
cada um deles constitui sua solu&ão su#etiva. Assim saemos %ue é *nica
cada sa+da mas tamém recon,ecemos %ue é comum o $undo sore o %ual
elas se moldam.
- * @aoratório Orocando uma idéia é coordenado por Oatiana Goulart e conta com a participação de
Andr éa Guerra e Mariana Aranha
 
se!uirem 9 risca o sistema para 4icarem imperceptíveis" seja se sumetendo 9 ordem"
“4aendo 4axina," tendo 'ue ceder$ *ra numa posi5&o de humilhados" ora numa posi5&o
de 'uem humilha$
A interven5&o é simples e direta" como eles operam: “mais nada+ 'uais as outras
estraté!ias 'ue possuem+,  'uando irrompe o inesperado so o manto da ironia:
“Yoc6s est&o indo nos protestos 1+ 7odiam levar a andeira do socioeducativo e de4ender 
n8is),$ “*ra) Boa ideia) E onde está a andeira de voc6s a'ui+,$ “Mas a'ui dentro é
di4erente lá de 4ora" lá a !ente se vira soinho" 4a o corre" resolve no tiro,$ “E a'ui+Z,
A constru5&o" de cada um" vai sendo tecida no coletivo: levar o prolema na assemleia
semanal" 4alar com a dire5&o" denunciar ao técnico" ir ao advo!ado" es4riar a cae5a"
rear" tomar remédio$$$ E o ponto comum: há outras estraté!ias para lidar com os
emara5os" dentro ou 4ora da institui5&o" 'ue n&o sejam as vias de 4ato" a humilha5&o" o
cinismo" a intolerFncia$
 (um se!undo encontro" somos surpreendidas com um mal entendido em rela5&o
ao horário$ “Mentiram pra !ente 4alando 'ue nosso encontro seria 9s cinco horas" e ele é
9s 'uatro), “(a Pltima 'uarta" eu tinha curso" todo mundo sae" mas nin!uém veio me
 pe!ar no alojamento na hora) %acana!em da se!uran5a),$ (ossa interven5&o é imediata:
[7eraí" 'uem 4alou 'ue est&o sacaneando voc6s+ Jma in4orma5&o errada sore horário é
arma5&o+ Jm atraso dentro da institui5&o é sacana!em+ (&o será 'ue s&o voc6s 'ue
est&o se acreditando sempre os injusti5ados+,$ A resposta" meta48rica" é de uma
complexidade ímpar: “ima!ina 'ue um cara tá andando com uma lusa vermelha" no
4ormato de um alvo" com a'uelas rodelas" no peito$ Oudo o 'ue acontecer com ele" ele
vai achar 'ue é por'ue ele é o alvo" mesmo 'ue caia um tro5o de um prédio nele" ele vai
achar 'ue é por'ue ele é alvo,$ A 'uest&o" por outro lado" é por'ue ele veste a camisa e
'uem a pinta$$$
 (o terceiro e Pltimo dia da conversa5&o" os jovens" todos eles" disseram ao
a!ente socioeducativo 'ue n&o iriam participar da conversa5&o$ Jma das psicanalistas
orientou o a!ente a per!untar aos adolescentes se n&o poderiam" eles mesmos" nos dier 
'ue n&o participariam$ *s adolescentes vieram e permaneceram durante toda a
conversa5&o na sala$ *s corpos se a!itavam" 4alavam todos ao mesmo tempo sore a
vida no crime e sore o dinheiro 4ácil 'ue !anhavam$ Entretanto" retorna a posi5&o de
 /rotestos re$erentes 0 ocupa&ão das ruas das principais capitais rasileiras
em Jun,o de 21 em de$esa do passe livre e contra a 343A na Copa do
5undo.
 
suspeita" o vetor de suposi5&o de saer invertido na trans4er6ncia$ Jm dos jovens" entre
o desa4io e a ironia" nos per!unta se já lemos" tal 'ual ele já o 4iera" “* mal estar na
civilia5&o," de ;reud e “Micro4ísica do poder," de ;oucault$ .eedita" so nova
roupa!em" a suspeita 'uanto ao saer das psicanalistas$ Inverte os vetores e usca
reduir ao n&o saer seu interlocutor$
A nossa interven5&o 4oi de apontar 'ue o 'ue eles nos disseram" nem ;reud nem
;oucault explicam$ A4inal" como podem ter entrado no crime por necessidade e estarem
todos duros e presos+ 7or 'ue n&o usam o 'ue saem a 4avor de voc6s" e n&o contra)+
Oentamos" ao mesmo tempo" autenticar seu saer" mas colocá=lo a traalho em nova via$
@emramo=nos de SieT -/3 'uando di 'ue as pessoas t6m a resposta" elas s8 n&o
conhecem a per!unta para a resposta 'ue possuem$ Assim" no traalho com os jovens é
 preciso deslocar=se da posi5&o de resposta para o4erecer a 4ormula5&o da per!unta a 'ue
os atos dos jovens visam responder" mesmo'ue eles n&o o saiam$
) Sujeito Suposto Suspeito
“Kuem sae direito o 'ue uma pessoa é+ Antes sendo: jul!amento é
sempre de4eituoso" por'ue o 'ue a !ente jul!a é o passado$ Eh" 6$
Mas" para o escriturado da vida" o jul!ar n&o se dispensa\ carece+ %8
'ue uns peixes t6m 'ue nadam rio arria" da arra 9s caeceiras$ @ei é
lei+ @oas) Kuem jul!a já morreu$ Yiver é muito peri!oso" mesmo,$
  -Guimar&es .osa" /0123
6ossa principal d*vida e7tra+da dessas e7peri8ncias e %ue trazemos
para discussão radica9se na %uestão acerca de %ue tipo de la&o é esse no %ual
é a suspeita e não a suposi&ão de saer %ue o alimenta: "rata9se de uma
mudan&a estrutural ao contempor;neo ou uma contin8ncia da situa&ão de
constranimento da lierdade na %ual esses #ovens acautelados pela #usti&a se
encontram no seundo caso: Como não articular as palavras da mãe do
 #ovem assassinado do primeiro relato com a $ala do adolescente sore ser ele
sempre o alvo no seundo:
Buscando recursos para ler o %ue a+ se escreve voltamos a 3reud
recuperado por 5iller no Seminário sobre Politica de La transferência   (1<<=).
/ara ele o %ue constitui a trans$er8ncia é a >ilusão $undamental estrutural de
%ue seu saer ? o saer do inconsciente ? #@ est@ todo constitu+do no
psicanalista> (5iller 1<= p. ). 5iller ressalta %ue podemos identi$icar no
 
te7to $reudiano a indica&ão do conceito suposto saer de Lacan %uando 3reud
destaca as condi&'es para o in+cio de uma an@lise. Em Sobre o início do
tratamento (1<11< p. 1) 3reud adverte %ue devemos alertar o paciente
desde o in+cio para a rera $undamental da an@lise %ue consiste em manter um
discurso %ue se a$asta de uma conversa comum pela livre associa&ão de
ideias. A cren&a no inconsciente %ue o analista inauura a%ui é $undamental
para %ue ,a#a a e7peri8ncia anal+tica pela %ual o su#eito >consente na posi&ão
do analista como Outro> (5iller 1<= p. ). Contudo ocupar o luar do Outro
não é a $un&ão do analista pois a+ ele estaria invariavelmente se dei7ando
uiar por uma identi$ica&ão com o 4deal do eu do su#eito.
%e considerarmos a de4ini5&o 'ue @acan dá 9 trans4er6ncia 4reudiana" a partir da
no5&o de %ujeito %uposto %aer" como vimos" a si!ni4ica5&o de saer 'ue se produ em
análise como rela5&o epist6mica" estruturante" é o 'ue situa a trans4er6ncia\ o resto
aparece na a4etividade como 4en?menos trans4erenciais$ “Este mecanismo é liidinal ou
epist6mico+ A posi5&o de @acan a respeito do 'ue é liidinal está a4etado pelo saer,
-Miller" " p$ 2N3$ 7ara @acan" o positivo da trans4er6ncia se limita a olhar com bons
olhos" en'uanto 'ue a trans4er6ncia ne!ativa se redu a não tirar os olhos" estar atento"
vi!iar" p?r 9 prova" suspeitar$  justamente a partir da suspeita" como vimos
anteriormente -Miller" 3" 'ue podemos captar al!o da trans4er6ncia ne!ativa$
A suspeita" en'uanto antecipa5&o insistente de um saer n&o demonstrável" se
mani4esta 'uando n&o se está se!uro" 'uando há al!o 'ue se antecipa como ne!ativo" tal
'ual as situa5<es acima mostram$ >esse modo" ao deixar uma mar!em aerta" podemos
inscrev6=la entre saer e cren5a" como uma “cren5a sustentada na descon4ian5a,
-Alonso" /3$ 7artindo desse ponto de vista" Miller -3 coloca 'ue" se a
descon4ian5a 'ue sur!e na trans4er6ncia ne!ativa parece arruinar os 4undamentos da
experi6ncia" tem tamém em comum com a con4ian5a" a antecipa5&o$ A suspeita como
modalidade epist6mica implica uma veri4ica5&o" n&o somente da'uilo 'ue houve" mas
tamém sore a pr8pria suspeita" já 'ue dela" n&o temos provas$
Miller -" p$ /03 toma como exemplo a experi6ncia psic8tica" em
consonFncia com o 'ue oservava ;reud -/0/H/0213 sore a di4iculdade da
trans4er6ncia no tratamento destes sujeitos$ (este sentido" a paranoia apresenta o estado
mais desenvolvido da trans4er6ncia ne!ativa" pois n&o somente o *utro já se estaelece
como suspeito" como há" inclusive" a conclus&o da certea de 'ue o *utro n&o tem oas
 
inten5<es com o sujeito$ E avan5a no sentido de uma intencionalidade" um !oo" como
testemunha %chreer" 'ue pode culminar em um delírio persecut8rio$
 (a experi6ncia neur8tica" Miller -3 parte de um motivo de consulta 'ue é
muito 4re'uente" a chamada 4alta de autoestima$ 7odemos situar esta 4alta “em uma ona
de avalia5&o 'ue o sujeito 4a de si mesmo" de suas capacidades" de seu ser" em rela5&o
a um ideal 'ue lhe serve de medida, -p$ /03$ A partir dessa avalia5&o" o sujeito vai para
a análise" por estar em um a menos" em 4alta$ “%e captamos a trans4er6ncia ne!ativa a
 partir da suspeita," tendo em conta o 'ue estaelece @acan 'uando di 'ue é o receptor 
da mensa!em" em 4orma invertida" de onde a mensa!em provém" “podemos tomar essa
suspeita" assim como toda a série de mani4esta5<es hostis 'ue se de4inem como
trans4er6ncia ne!ativa" como uma resposta 9 mensa!em de desvaloria5&o 'ue vem do
*utro, -p$ /03$
 (o %eminário intitulado @a trans4er6ncia ne!ativa" Miller -3 nos di 'ue
este termo" emora pare5a anti'uado" é astante atual na experi6ncia analítica$
Mani4esta=se 'uando n&o se está se!uro sore al!uém" 'uando há al!o de 'ue n&o se
sae e" no entanto" se antecipa como mal e ne!ativo$ Assim" o analista está so suspeita
e" por isso" a trans4er6ncia ne!ativa se redu a ter al!uém so o olhar" colocando em
 primeiro plano o exercício da suspeita" da descren5a no *utro e da recusa ao lu!ar de
sujeito suposto saer$
Como saer do 'ual n&o se disp<e de provas" a suspeita é n&o demonstrável$ 7or 
isso é insistente$ Kuando temos prova" podemos encerrar o assunto$ >essa 4orma" a
suspeita" por n&o dispor de provas em rela5&o ao *utro" ori!a o olhar vi!ilante" 'ue
mantém o *utro na mira" justamente por n&o se saer o 'ue esperar dele$ A suspeita
deixa uma mar!em em aerto$ Ela se situa entre o saer e a cren5a e é sustentada pela
descon4ian5a" 'ue produ uma antecipa5&o em rela5&o ao 'ue saer" uma interpreta5&o
malévola 'ue ocupa o espa5o da pr8pria interpreta5&o -Miller" " p$ /13$
7or 'ue" ent&o" os jovens antecipam essa interpreta5&o+ Como ler essa
mensa!em invertida+ * 'ue sur!e diante do sujeito 'uando ele se depara com o *utro+
>e acordo com @acan -3" sur!e uma ima!em autenticada pelo *utro$ 7orém" al!o
dessa ima!em n&o pode ser re4letido e !era" portanto" uma 4alta" uma 4alha$ Essa
ima!em" 'ue [orienta e polaria o desejo" tem para ele sujeito uma 4un5&o de capta5&o$
 (ela" o desejo está n&o apenas velado" mas essencialmente relacionado com uma
aus6ncia[ -@acan" " p$ 3$
 
;IGJ.A / = Es'uema 8ptico -@ACA(" /01/=1/00" p$ DDH3$
 
Através do recurso a uma experi6ncia usada em 8tica 4ísica" conhecida como a
experi6ncia de Bouasse" 'ue é a demonstra5&o onde se 4a uso de um vaso -onde as
4lores est&o colocadas 4ora dele no sentido inverso3 colocado 4rente a um espelho
c?ncavo" produ=se a ilus&o de se ver o vaso com as 4lores dentro$ * olho" no modelo
usado por @acan" é o símolo do %ujeito" e 'uer dier 'ue" na rela5&o do ima!inário com
o real" tudo depende da situa5&o do %ujeito" posto 'ue esta situa5&o está essencialmente
caracteriada por seu lu!ar no mundo sim8lico" 'ue é o mundo da palavra$
%ituar a partir deste es'uema a 'uest&o a'ui traalhada é essencial para
entendermos a trans4er6ncia ne!ativa$ * *utro a'ui" parece ser" desde sempre" um *utro
hostil" 'ue aandona" 'ue vem de um n&o=cuidado$ %e tomamos esta mensa!em hostil
'ue vem do *utro" no circuito de 4ala instaurado na conversa5&o" é esperada a suspeita e
a hostilidade na rela5&o trans4erencial$ “(este traalho 'ue 4a de reconstruí=la a ora
do seu ser  para um outro  o analista" ele o sujeito reencontra a aliena5&o
4undamental 'ue o 4e construí=la como um outro" e 'ue sempre a destinou a lhe ser 
4urtada por um outro, -@acan" /0D/00N" p$ /3$
 (o ponto em 'ue a mancha ou a 4alha do es'uema 8ptico mostra a
impossiilidade da ima!em recorir toda a realidade" vemos a produ5&o da 4antasia 'ue
modula aresposta do jovem$ %ore ela" cada jovem desenha uma ima!em de si"
4orjando seu ser no campo da cultura$  daí 'ue provém" para tantos" a suspeita de 'ue
n&o valem !rande coisa$ (ela apoiam seu ser e a!em" na reposta rápida e truculenta" de
seus atos in4ratores$
A suspeita" 'uase na 4orma da certea advinda de uma interpreta5&o antecipada"
emer!e como resposta 9 mensa!em de desvaloria5&o do *utro$ >e maneira 'ue a
interpreta5&o pode ter valor de dessuposi5&o # e n&o de suposi5&o # de saer no *utro$
 
Al!o como “voc6 n&o sae o 'ue di, -Miller" " p$ /3$ (ossa hip8tese"
especialmente em rela5&o aos jovens com 'uem traalhamos" alocados socialmente
como “em con4lito com a lei," é a de 'ue eles s&o como um atestado de veri4ica5&o da
viol6ncia da cidade 'ue aparece como trauma" realidade n&o palpável" sem sentido" sem
conten5&o" sem nome$
Assim como" ao tempo de ;reud -/0/0/0213" os neur8ticos de !uerra
atualiavam no corpo" so a 4orma de an!Pstia" o real da cena da !uerra" parece=nos 'ue
os jovens" em situa5&o de !uerra urana" consentem em o4erecer seu corpo para
sustentar uma verdade hist8rica" re4erida 9 realidade do discurso capitalista: a de 'ue s&o
elimináveis$ Esses jovens parecem atualiar no corpo" so 4orma de ato" sua condi5&o de
homo  sacer $  nesse ponto 'ue" 4ora do circuito sim8lico 'ue en!endra a transmissão
de um lu!ar no mundo" experimentam  'uem s&o na virul6ncia da in4ra5&o$ (&o
investidos narcisicamente da ima!em de “sua majestade" o e6, -;reud" /0/0/0213"
tornam=se ojetos de !oo de uma sociedade" elimináveis$
Refle*+es ,inconclusivas: o Sujeito Suposto Suspeito e a Psicanlise nos
!ispositivos p/blicos
A suspeita da 'ual os adolescentes s&o alvo" revereram" de 4orma especí4ica" no
atendimento de orienta5&o psicanalítica proposto e" de 4orma ampla" na rela5&o 'ue eles
estaelecem com o *utro %ocial$ (esse sentido" pensar a incid6ncia da trans4er6ncia
nessa clínica e" especialmente" aordar a trans4er6ncia ne!ativa nos possiilita revisitar 
a teoria 9 lu da práxis analítica" a 4im de 'ue" do sujeito suposto suspeito" possa advir 
uma suposi5&o de saer 'ue o tire" o sa'ue" das in4indáveis repeti5<es 'ue o cristaliam
em um lu!ar de impasse" de destino tra5ado$
 (o dier de Guimar&es .osa -/012" p$ 3" o “jul!amento é sempre de4eituoso"
 por'ue o 'ue a !ente jul!a é o passado,$ 7assado" por 'ue a suspeita sempre antecipa
uma considera5&o sore o outro" no caso dos adolescentes em con4lito com a lei" esta
antecipa5&o é a desvaloria5&o" jo!ando=os para 4ora dos ideais da cultura$ A resposta
encontrada por estes jovens é ent&o tamém antecipadamente “eu sei 'ue voc6 me
deprecia,$ >eslocar a certea para a constru5&o da suposi5&o de um saer pode dier 
al!o da dire5&o do traalho a ser desenvolvido$
Estamos imersos em um la5o discursivo 'ue produ desi!ualdades" exclus&o e
viol6ncia$ %ocialmente" os adolescentes em con4lito com as leis encontram=se
invariavelmente so suspeita" independentemente da responsailia5&o assumida por 
 
eles pr8prios sore seus atos" lhes é imputado “um olhar vi!ilante,$ %ua resposta" no
eixo ima!inário" reprodu a vi!ilFncia e a viol6ncia$
 (essa medida" é 4undamental colocar em 'uest&o a 4orma pela 'ual os
 psicanalistas" inseridos nas políticas pPlicas e nas universidades" traalham na aten5&o
9s demandas existentes nesses contextos$ Colocar em 'uest&o si!ni4ica estar atento 9
 particular rela5&o trans4erencial 'ue se estaelece com a'uele 'ue é o destinatário do
atendimento e como tal rela5&o incide na o4erta de escuta$ (esse sentido é 'ue
 pensamos um desliamento possível: do sujeito suposto suspeito às possibilidades de
 suposição de saber em um outro que reconhece que o sujeito não passa incólume à
incidência do laço discursivo sobre o/no sujeito.
Jma anedota" em conhecida e re4erida por SieT" nos auxilia a pensar o
impacto da incid6ncia do discurso social comum no corpo e na vida destes adolescentes
e o lu!ar a partir do 'ual uma interven5&o psicanalítica pode produir e4eitos
interessantes$
“um o4icial alem&o visitou 7icasso em seu estudio em 7aris durante a %e!unda Guerra
Mundial$ Chocado com o “caos, van!uardista da Guernica" per!untou a 7icasso: “;oi voc6
'ue 4e isso,+,$ Ao 'ue 7icasso replicou" calmamente: “(&o" isso 4oi 4eito por voc6s),$
-SieT" /H" p$ H3
A anedota" vetor interpretativo de enuncia5&o em sua dupla 4ace de piada e
denPncia" nos convoca a pensar a tor5&o aí operada$ A resposta de 7icasso 4rente 9
inda!a5&o do o4icial diante do horror 'ue a Guernica lhe suscitou" 4e retornar o horror 
ao executor dos atos retratados e n&o 9 ora$ Oal é a 4un5&o do psicanalista nos contextos
'ue s&o ojeto de nosso estudo e re4lex&o neste arti!o$
Jm delito ou um crime n&o podem servir como justi4icativa para outro$ Essa
l8!ica poderia induir a uma peri!osa coer6ncia" como mostra t&o em a concep5&o de
 analidade do mal" presente na ora de Lannah Arendt -/0003" a respeito do jul!amento
de Eichmann em Qerusalém$ (esse livro" a autora lan5a m&o da tese de 'ue os carrascos
naistas n&o eram particularmente maus" tinham plena consci6ncia do 'ue estavam
4aendo" impunham so4rimento e dor 9s suas vítimas" mas eram capaes de
desresponsailia5&o" n&o mani4estando so4rimento diante das atrocidades cometidas$
Ao se colocarem como ons servidores hierár'uicos" tendo a tare4a de eliminar 
vidas alheias" tocou=lhes o traalho sujo 'ue deveria ser 4eito e o 4aiam com esmero e
dedica5&o$ A mesma l8!ica parece operar hoje" tanto nas mortes de jovens pores e
ne!ros moradores das peri4erias dos !randes centros uranos" 'uanto nos
4undamentalismos reli!iosos$
 
;rente a essas situa5<es" a psicanálise convida 9 cria5&o de uma nova resposta$ A
o4erta analítica é anterior 9 demanda e a condiciona" a resposta do analista procurando
encontrar rechas de interven5&o sore o mal estar da cultura$ Entendemos 'ue as
solu5<es ima!inárias 'uanto ao saer" podem alocar o técnico das medidas ora na
impot6ncia ora na prepot6ncia" se ele se mira no ideal de saer$ >e um lado" n&o saerá
nada" identi4icado 9 dessuposi5&o de saer do jovem" de outro" acreditar=se=á detentor 
do saer sore o melhor modelo a ser se!uido" 4aendo=se ele pr8prio de ideal a ser 
se!uido$
 (ossa aposta psicanalítica é sempre no deslocamento dos sentidos" 'ue
evidencia a aus6ncia de um sentido Pltimo" uma palavra Pltima a ser dada$ Ao contrário"
acreditamos 'ue" ao darmos lu!ar ao real traumático em jo!o no processo civiliat8rio"
a cada situa5&o em 'ue vivenciamos a viol6ncia" a in4ra5&o ou a ruptura do pacto
civiliat8rio" arimos a condi5&o para 'ue um novo nome seja 4orjado sore a
experi6ncia e uma via seja aerta pelo desejo$ Assim" consentir com a experi6ncia
traumática implica em introduir" no saer=4aer do jovem" o “], 'ue" na lín!ua
4rancesa" indica o real do !oo -Guerra" /3$ Savoir!"aire" podendo a'ui ser 
apreendido como saer 4aer com o isso 'ue resta sem si!ni4ica5&o nas experi6ncias
 analiadas de exist6ncias t&o caras$
Introduir o real na cena analítica" n&o implica !oar do jovem com seu ato" mas
realocar a causalidade da verdade" deslocando=a de sua apar6ncia sujetivada no ato$
.eduida a 4loresc6ncia ima!inária e constituído um nome para cernir o real" o 'ue
4aer com o “isso, 'ue resta é a aposta analítica na passa!em de uma rela5&o de
suspeita ou de dessuposi5&o de saer para a 4ormula5&o de uma nova per!unta 'ue"
 possa" em sua ori!inalidade" indicar um caminho$
Referências &iblio"rficas
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Mais conteúdos dessa disciplina