Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE FONOAUDIOLOGIA MATHEUS FERREIRA ROBERTO Descrição da terapia fonoaudiológica em um caso de transtorno dos sons da fala: estudo de caso NATAL 2022 1 MATHEUS FERREIRA ROBERTO Descrição da terapia fonoaudiológica em um caso de transtorno dos sons da fala: estudo de caso Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Fonoaudiologia. Orientadora: Profa. Dra. Vanessa Giacchini NATAL 2022 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS Roberto, Matheus Ferreira. Descrição da terapia fonoaudiológica em um caso de transtorno dos sons da fala: estudo de caso / Matheus Ferreira Roberto. - 2022. 37f.: il. Trabalho de Conclusão de Curso - TCC (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Fonoaudiologia. Natal, RN, 2022. Orientador: Vanessa Giacchini. 1. Transtorno Fonológico - TCC. 2. Desenvolvimento da Linguagem - TCC. 3. Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem - TCC. 4. Linguagem Infantil - TCC. 5. Terapia da Linguagem - TCC. I. Giacchini, Vanessa. II. Título. RN/UF/BSCCS CDU 612.78 Elaborado por Adriana Alves da Silva Alves Dias - CRB-15/474 3 MATHEUS FERREIRA ROBERTO DESCRIÇÃO DA TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA EM UM CASO DE TRANSTORNO DOS SONS DA FALA: ESTUDO DE CASO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito final para obtenção do grau de bacharel em Fonoaudiologia. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Profa. Dra. Vanessa Giacchini Orientadora ________________________________________ Prof. Dr. Ivonaldo Leidson Barbosa Lima Membro da banca ________________________________________ Profa. Dra. Maria de Jesus Gonçalves Membro da banca Natal, 25 de novembro de 2022. 4 AGRADECIMENTOS À minha família, que sempre me apoiou durante todos esses anos, especialmente os meus pais Aíza e André. Ao corpo docente e demais profissionais do departamento de fonoaudiologia da UFRN pelo acolhimento e ensinamentos. À minha orientadora, Vanessa Giacchini, por toda a paciência, orientação, ensinamentos e conselhos. Aos meus colegas de turma por todas as experiências compartilhadas durante esses quatro anos de graduação. Agradeço às amizades que fiz durante o curso, pela companhia, risadas, conselhos e principalmente pelo apoio em momentos de insegurança. 5 ROBERTO, Matheus Ferreira. Descrição da terapia fonoaudiológica em um caso de transtorno dos sons da fala: estudo de caso. 2022. 37 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Fonoaudiologia) - Curso de Fonoaudiologia, Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022. RESUMO Esta pesquisa é um estudo de caso retrospectivo que tem como objetivo descrever o processo terapêutico de uma criança com transtorno dos sons da fala de origem fonológica e o modelo terapêutico empregado na intervenção. O participante do estudo é do gênero masculino e foi atendido em uma clínica escola de fonoaudiologia entre os anos de 2019 e 2022, com pausa no primeiro semestre de 2020 em decorrência da pandemia de COVID-19. A idade da criança no início dos atendimentos era de 3 anos e 8 meses e no momento da alta fonoaudiológica 6 anos e 9 meses. O modelo terapêutico empregado foi o ABAB-Retirada e a terapia obteve bons resultados. Ao longo dos atendimentos, foram utilizados cinco sons alvo de terapia e foi alcançada generalização para outros sete fonemas ausentes no inventário fonológico da criança. Palavras-chave: Transtorno Fonológico. Desenvolvimento da Linguagem. Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem. Linguagem Infantil. Terapia da Linguagem. 6 ABSTRACT This research is a retrospective case study that aims to describe the therapeutic process of a child with phonological speech sounds disorder and the therapeutic model used in the intervention. The study participant is male and was treated at a speech therapy school clinic between 2019 and 2022, with a break in the first half of 2020 due to the COVID-19 pandemic. The child's age at the beginning of the consultations was 3 years and 8 months and at the time of speech-language pathology discharge, 6 years and 9 months. The therapeutic model used was ABAB-Withdrawal and the therapy obtained good results. During the consultations, five target sounds of therapy were used and generalization was achieved for another seven phonemes absent in the child's phonological inventory. Key words: Speech Sound Disorder. Language Development. Language Development Disorders. Child Language. Language Therapy. 7 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Sistema Fonológico Geral do AFC …......................................................... 18 Quadro 2 - Produção dos fonemas nas diferentes posições da palavra – onset inicial e onset medial ............................................................................................... 18 Quadro 3 - Sons alvos trabalhados em cada semestre …………………………………. 20 8 LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS ADL Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem AFC Avaliação Fonológica da Criança ASHA American Speech-Language-Hearing Association UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 APRESENTAÇÃO DO CASO 14 DISCUSSÃO 21 COMENTÁRIOS FINAIS 23 REFERÊNCIAS 24 APÊNDICE 26 ANEXOS 31 10 Este Trabalho de Conclusão de Curso está apresentado em formato de relato de caso original e foi formatado de acordo com as normas do periódico ACR disponíveis em ACR - Instruções aos autores. https://audiolcommres.org.br/pdf/normas_1_1.pdf https://audiolcommres.org.br/pdf/normas_1_1.pdf 11 INTRODUÇÃO Durante o processo de aquisição do sistema fonológico, é esperado que as crianças substituam e/ou omitam fonemas tanto na aquisição típica quanto na atípica(1). À medida que a idade da criança aumenta, os processos fonológicos vão sendo superados e o padrão do sistema fonológico vai se aproximando ao do adulto(2), até que todo o inventário fonológico seja adquirido. Quando os processos fonológicos não são superados na idade esperada essa aquisição é considerada atípica. Os motivos para a criança não superar esses processos fonológicos são diversos, desde dificuldades em realizar sequências articulatórias, distorções na produção articulatória até dificuldades perceptivo-auditivas e na organização mental dos fonemas da língua(1,3). Para a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA), o Transtorno do Som da Fala (Speech Sound Disorder) pode ser de natureza orgânica, quando existe alteração estrutural, motora, neurológica ou sensorial; ou de natureza funcional, quando não existe uma causa conhecida, envolvendo aspectos linguísticos (fonologia) e motores (articulação)(4). Neste estudo, será utilizado o termo transtorno dos sons da fala (TSF) de origem fonológica para se referir ao transtorno de causa desconhecida, por ser a nomenclatura mais empregada atualmente. A terapia fonoaudiológica nos casos de TSF tem como objetivo ajudar a criança a perceber os contrastes dos sons da língua e suas funções comunicativas, e realizar os ajustes fonoarticulatórios para sua produção, até que seja desenvolvido o padrão correto de uso dos fonemas da língua. Existem duas principais abordagens terapêuticas para esses casos, a articulatória, que é considerada como uma terapia tradicional, e a intervenção com base fonológica. Os dois tipos objetivam tornar a 12 criança consciente das características perceptuais dos sons alvos e que ela alcance a generalização deles. A principal diferença entre essasduas abordagens é o foco da intervenção, enquanto a abordagem articulatória foca na produção fonética do som alvo, individualmente, por meio de treinamento, a com base fonológica foca no desenvolvimento e organização mental do sistema fonológico(5). Quando a natureza do TSF é fonológica, o modelo tradicional de terapia não se configura como uma boa estratégia, uma vez que seu foco é na produção (articulação) dos fonemas da língua e não na organização mental do sistema fonológico. Essa abordagem trata inicialmente a produção de um fonema alvo de maneira isolada, depois avança para sua ocorrência dentro de sílabas, palavras, frases e, por fim, fala espontânea. A mudança para um novo alvo só se dá após a automatização do alvo anterior, o que torna o processo terapêutico muito mais demorado e cansativo para a criança. Ambas as abordagens terapêuticas oferecem resultados no tratamento do TSF de origem fonológica, porém a intervenção de base fonológica promove um processo terapêutico mais rápido e com menos ocorrências de erros residuais de fala quando comparada com a abordagem articulatória(6). A intervenção de base fonológica busca o maior número de generalizações trabalhando o menor número de fonemas(5). A abordagem fonológica é menos difundida na prática clínica fonoaudiológica do que a abordagem articulatória. É comum que estudantes de fonoaudiologia não tenham a oportunidade de utilizar a abordagem fonológica em terapia durante a graduação. Sabendo disso e que estudos de caso são uma ótima fonte para estudar casos clínicos e métodos de intervenção, o presente estudo tem como objetivo 13 descrever o processo terapêutico de uma criança com TSF de origem fonológica e o modelo terapêutico de ordem fonológica empregado na terapia. 14 APRESENTAÇÃO DO CASO O projeto que regula a coleta e a descrição dos dados do paciente que é relatado no presente estudo seguiu as diretrizes e normas da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que trata dos critérios de ética em pesquisas e testes envolvendo seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, parecer de nº 5.498.439. O responsável pelo participante da pesquisa assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, permitindo a realização e divulgação da pesquisa e seus resultados. Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo, com amostra por conveniência, em que foi selecionado um paciente atendido na Clínica Escola de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por queixa de dificuldades na fala pelo período de 2019 a 2022, com pausa no primeiro semestre de 2020 em decorrência da pandemia de COVID-19, finalizando com alta terapêutica. O participante do estudo é do gênero masculino e foi encaminhado pela escola por não ser compreendido pela professora, e pela pediatra por apresentar atraso na fala. Ele iniciou os atendimentos na Clínica Escola de Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no final de 2018 com a idade de 3 anos e 8 meses para a realização de triagem fonoaudiológica, onde foi detectada a alteração de fala. A Clínica Escola de Fonoaudiologia da UFRN funciona em consonância com o período de aulas. Os pacientes são atendidos por discentes de fonoaudiologia e supervisionados por docentes da instituição. Os pacientes que necessitam de atendimento em linguagem passam por triagem fonoaudiológica para então permanecer ou não na lista de espera e dar continuidade aos atendimentos. A cada 15 início de semestre, os pacientes em terapia são reavaliados para definir se continuarão em atendimento ou receberão alta. Até o início de 2020, as sessões eram realizadas duas vezes por semana, porém com a adoção das medidas de segurança para a contenção da propagação do coronavírus, as sessões passaram a ser realizadas uma vez por semana, a fim de diminuir as chances de exposição dos pacientes e terapeutas ao vírus. Ao longo do processo terapêutico foram realizadas cerca de 10 a 15 sessões terapêuticas por semestre, com duração de 45 minutos cada. As sessões eram planejadas pelos alunos estagiários e supervisionadas pela docente responsável. Quanto ao histórico do paciente, ele nasceu a termo com 38 semanas, de parto cesáreo por perda de líquido amniótico; precisou de oxigênio por apresentar hipóxia devido a alterações brônquicas; realizou fototerapia por quatro dias para tratar hiperbilirrubinemia; apresentou anemia aos 4 meses e até os 2 anos teve acompanhamento médico devido a dificuldades respiratórias causadas por bronquite. Realizou Triagem Auditiva Neonatal dentro dos 3 primeiros meses de vida, tendo resultado passa. A mãe realizou pré-natal a partir do primeiro mês de gestação; foi exposta a fumo; e na concepção tinha 22 anos, assim como o pai, com quem não tem laços de consanguinidade. Sobre o desenvolvimento neuropsicomotor, a criança atingiu os marcos do desenvolvimento dentro da idade esperada; balbuciou aos 5 meses e falou as primeiras palavras aos 8 meses. Começou a frequentar a escola com 2 anos de idade, tendo boa relação com as outras crianças e adultos. 16 Na triagem fonoaudiológica foi realizada avaliação por meio de atividade lúdica com brinquedos que a criança poderia explorar livremente. Foi observado que a criança iniciou diálogo; expressou necessidades e desejos; manteve tópico; trocou turnos de conversação; reformulou a mensagem; fez e manteve contato visual; e produziu frases com três palavras de forma telegráfica. Para a avaliação da linguagem foi utilizado o protocolo Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem - ADL(7), onde a criança apresentou linguagem receptiva compatível com a sua faixa etária. A linguagem expressiva não pôde ser pontuada devido às alterações fonológicas apresentadas pela criança que tornavam sua fala ininteligível. Para a avaliação da fonologia, foi utilizado o protocolo ABFW – Fonologia(8), sendo a maior parte da avaliação realizada por meio de imitação devido à dificuldade apresentada pela criança em reconhecer as figuras e manter a atenção. Foram observadas substituições assistemáticas de diversos fonemas; e substituições sistemáticas dos fonemas /s/ e /ʃ/ por /t/; redução dos onsets complexos /tr/, /bl/, /br/, /pr/, /pl/ e /kr/; e omissão de codas /S/ e /R/. Para a avaliação de praxia orofacial foi utilizado o Teste de Praxias Articulatórias e Bucofaciais(9), que não detectou dificuldades práxicas considerando a idade da criança. Diante dos achados da triagem, a criança foi encaminhada para avaliação audiológica e entrou na lista de espera para dar continuidade aos atendimentos em linguagem. A avaliação audiológica revelou audição normal bilateralmente. A criança iniciou os atendimentos fonoaudiológicos no primeiro semestre de 2019, quando estava com 3 anos e 11 meses. Foi aplicado o protocolo Avaliação Fonológica da Criança – AFC(10) para avaliar de forma espontânea a fonologia, linguagem expressiva e receptiva. Devido a ininteligibilidade nas produções de fala da criança, 17 não foi possível avaliar todo o inventário fonológico da criança (Quadro 1). O paciente possuía mais fonemas adquiridos na posição de onset inicial do que medial (Quadro 2). Na posição de onset complexo, ocorreram simplificações de /br/, /tl/, /kl/, /gr/, /fr/ por /b/, /t/, /k/, /g/, /f/ respectivamente; e substituições de /pr/ e /r/ por /l/; demais produções não foram avaliadas pela ininteligibilidade na fala da criança. Na posição de coda, houve simplificação de /S/ e /R/. A partir desses achados e do resultado da avaliação audiológica foi levantada a hipótese diagnóstica de TSF de origem fonológica. A terapia fonoaudiológica empregou desde o princípio o modelo ABAB-Retirada(11), que consiste em uma intervenção cíclica onde um único fonema alvo é selecionado a partir de avaliação para ser estimulado por um número de sessões. Logo após esse primeiro período de tratamento, é feito o chamado período de retirada, ondeo fonema alvo não será diretamente estimulado. Então, um novo período de tratamento é iniciado, seguido de um novo período de retirada e assim sucessivamente até atingir o domínio de todos os fonemas alterados da língua. Nos períodos de retirada são realizadas reavaliações fonoaudiológicas, a fim de ver as mudanças ocorridas no inventário fonológico do paciente. Inicialmente, o fonema alvo de terapia foi o fonema /ʒ/. Porém, posteriormente, devido a dificuldades apresentadas pela criança na realização do fonema, o foco das terapias passou a ser o fonema /s/. No segundo semestre de 2019, quando a criança estava com 4 anos e 7 meses, foi realizada reavaliação fonológica com a aplicação do protocolo AFC(10), que revelou um sistema fonológico ainda incompatível com o esperado para a idade (Quadro 1). 18 A ininteligibilidade de fala da criança não permitiu a análise de todos os fonemas nas diferentes posições na palavra (Quadro 2). Na posição de onset complexo, a criança simplificou /br/ por /b/ e /tr/ por /t/. Os outros onsets complexos não foram produzidos. Houve simplificações das codas /S/ e /R/. Quadro 1. Sistema Fonológico Geral do AFC inventário fonológico geral da criança Semestre de avaliação adquirido parcialmente adquirido não adquirido fonema não produzido 2019.1 /p/; /t/; /d/; /v/; /m/; /n/ /b/; /l/ /s/; /z/; /ʃ/; /ʒ/; /k/; /g/ /f/; /R/; /ɳ/; /ʎ/; /ɾ/ 2019.2 /p/; /t/; /f/; /ʃ/; /m/ /b/; /d/; /v/; /n/; /l/ /s/; /z/; /ʒ/; /k/; /g/; /ʎ/; /ɾ/ /R/; /ɳ/ Quadro 2. Produção dos fonemas nas diferentes posições da palavra – onset inicial e onset medial 2019.1 2019.2 Fonemas onset inicial onset medial onset inicial onset medial adquirido /p/; /t/; /d/; /m/; /n/ /p/; /t/; /m/; /n/; /v/; /f/ /p/; /t/; /ʃ/ parcialmente adquirido /b/; /l/ /b/; /l/ /d/ /d/; /v/; /n/; /l/ não adquirido /s/; /z/; /ʒ/; /k/; /R/ /k/; /g/; /ʒ/; /s/ /s/; /R/ /s/; /ɾ/; /R/; /k/; /ʎ/ fonema não produzido /f/; /v/; /ʃ/; /g/ /p/; /f/; /z/; /ɾ/; /R/ /b/; /k/; /g/; /z/; /ʒ/; /ɾ/ /b/; /g/; /f/; /z/; /ʒ/; /m/ Em decorrência da pandemia de COVID-19, os atendimentos fonoaudiológicos foram suspensos, retornando apenas no segundo semestre de 19 2020, quando o paciente estava com 5 anos e 6 meses. A fonologia foi reavaliada com o protocolo ABFW – Fonologia(8). Os resultados mostraram que o paciente possuía adquiridos os fonemas: /p/, /b/, /l/, /t/, /d/, /ɳ/, /v/, /m/, /n/, /f/; não adquiridos os fonemas: /s/, /z/, /k/, /g/, /ʎ/, /ɾ/, /ʒ/, /ʃ/; e parcialmente adquirido: /R/. Observa-se que apenas a classe das nasais possuía todos os fonemas adquiridos. A classe das plosivas e fricativas, observou-se uma dificuldade com os segmentos coronais e dorsal. E a classe das líquidas é a mais alterada, tendo apenas a líquida lateral coronal anterior adquirida. O modelo terapêutico permaneceu sendo o ABAB-Retirada(11) e o fonema alvo das terapias voltou a ser o /ʒ/ (Quadro 3). As sessões eram realizadas envolvendo a produção do fonema /ʒ/ em diferentes posições da palavra por meio de atividades lúdicas. O paciente recebeu orientação sobre a articulação e produção do fonema alvo com o auxílio de imagens do trato articulatório em corte sagital e formato da boca durante a produção do fonema. Ao final do semestre o paciente conseguia reproduzir o fonema alvo de forma distorcida em alguns momentos durante as atividades realizadas nas sessões. No primeiro semestre de 2021 foi mantido o mesmo modelo de terapia fonológica, o ABAB-Retirada(11), mas com a mudança no fonema alvo de estimulação. No ano de 2021, o fonema estimulado foi o /z/ (Quadro 3), o qual o paciente demonstrou mais interesse. No segundo semestre de 2021, quando o paciente estava com 6 anos e 4 meses, foi realizada nova avaliação da fonologia utilizando o ABFW - Fonologia(8). Os resultados mostraram que o paciente ainda não havia adquirido totalmente os fonemas: /s/, /k/, /g/, /ʎ/, /ɾ/, /ʃ/, /ʒ/. A partir da reavaliação feita, foi selecionado o fonema /g/ como alvo das terapias. Para 20 avaliação das estruturas e funções orofaciais foi aplicado o Protocolo para Exame Miofuncional Orofacial – MBGR(12), que não constatou alterações estruturais ou miofuncionais. No início de 2022, quando o paciente estava com 6 anos e 9 meses, foi realizada reavaliação da fonologia por meio do protocolo ABFW – Fonologia(8). Os resultados mostraram que o paciente havia adquirido os fonemas /s/, /ʎ/, /ʃ/ e /ʒ/ ainda precisando adquirir os fonemas /k/, /g/ e /ɾ/. Neste semestre, o modelo terapêutico continuou sendo o ABAB-Retirada(11), onde nas primeiras sessões foi trabalhado o fonema alvo /ɾ/ e posteriormente, após o período de retirada, a terapia enfocou o fonema /g/ (Quadro 3). Quadro 3. Sons alvos trabalhados em cada semestre Semestre 2019.1 2019.2 2020.2 2021.1 2021.2 2022.1 Som alvo /s/ /s/ /ʒ/ /z/ /g/ /ɾ/; /g/ Ao final do semestre foi feita reavaliação, sendo observado que o paciente estava em processo de automatização dos fonemas /k/, /g/ e /ɾ/. O restante do sistema fonológico estava adequado, e por isso, após orientações aos pais sobre o processo de automatização desses fonemas, o paciente recebeu alta fonoaudiológica. 21 DISCUSSÃO O sistema fonológico da criança estava bastante inadequado para a idade. Aos 3 anos e 11 meses, o paciente ainda não havia adquirido as plosivas /k/ e /g/, e as fricativas /s/ e /z/; aquisições esperadas para antes dos 3 anos de idade(13). Além disso, os fonemas /ʃ/ e /ʒ/ deveriam estar adquiridos desde os 3 anos e 6 meses(13), mas estavam ausentes no sistema fonológico da criança. Na mesma idade, o /l/ deveria estar completamente adquirido(13). Esses achados indicam aquisição atípica. Os resultados das avaliações realizadas durante o período em que o paciente foi atendido não revelaram qualquer alteração de ordem estrutural, neurológica, motora ou sensorial que definissem o diagnóstico como de natureza orgânica. Com base nas avaliações realizadas, os achados fonoaudiológicos indicaram um TSF de origem fonológica. Dessa forma, um modelo de intervenção fonológica, com enfoque na organização dos sons foi empregado, neste caso, o ABAB-Retirada(11). As terapias fonoaudiológicas que se utilizam de modelos terapêuticos de ordem fonológica apresentam evoluções mais rápidas e com menos erros residuais de fala quando comparadas com o modelo articulatório tradicional(6). Desde o início do tratamento, o objetivo das terapias foi estimular o mínimo de fonemas a fim de alcançar o máximo de generalizações possíveis para o maior número de fonemas não estimulados. Ao longo do tratamento, foram observados diferentes tipos de generalização, como generalizações para palavras não utilizadas em terapia e generalizações de um fonema para outro, como quando foi trabalhado o fonema /s/ e ocorreu generalização para outros fonemas não trabalhados em terapia como o /R/(5). 22 Foram trabalhados diretamente cinco fonemas ausentes no inventário fonológico da criança: /s/, /z/, /ʒ/, /g/ e /ɾ/. Com esse trabalho, foram alcançadas generalizações para os outros sete fonemas, também ausentes, que não foram trabalhados em terapia: /b/, /l/, /ʃ/, /k/, /R/, /ɲ/ e /ʎ/. Ao observar as generalizações obtidas pela criança estimulando o menor número de sons alvos, conclui-se que a terapia utilizando o modelo ABAB-Retirada(11) teve bons resultados, visto que as generalizações são o critério mais importante para medir a eficiência obtida com o tratamento utilizando um modelo de intervenção fonológica(14). 23 COMENTÁRIOS FINAIS A terapia fonoaudiológica neste caso possibilitou a readequação do sistema fonológico da criança utilizando um modelo de intervenção fonológica eficaz. Durante o tratamento, foram utilizados apenas cinco sons alvos: /s/, /z/, /ʒ/, /g/ e /ɾ/. A partir desses sons alvo, o paciente alcançou generalização para outros sete fonemas: /b/, /l/, /ʃ/, /k/, /R/, /ɲ/ e /ʎ/; com isso, todo o sistema fonológico da criança foi reorganizado. 24 REFERÊNCIAS 1. Ceron MI, GubianiMB, de Oliveira CR, Gubiani MB, Keske-Soares M. Prevalence of phonological disorders and phonological processes in typical and atypical phonological development. Codas. 2017; v. 29(3), p. 1–9. 2. Silva MK da, Ferrante C, Borsel J Van, Pereira MM de B. Aquisição fonológica do Português Brasileiro em crianças do Rio de Janeiro. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012; v. 24(3), p. 248–54. 3. Wertzner HF, Santos PI dos, Pagan-Neves L de O. Tipos de erros de fala em crianças com transtorno fonológico em função do histórico de otite média. Rev da Soc Bras Fonoaudiol. 2012; v. 17(4), p. 422–9. 4. American Speech-Language-Hearing Association. Speech Sound Disorders: Articulation and Phonology [Internet]. [place unknown]; 2020 [cited 2022 Oct 22]. Available from: https://www.asha.org/practice-portal/clinical-topics/articulation-and-phonology 5. Mota Helena Bolli. Terapia Fonoaudiológica para os desvios fonológicos. Rio de Janeiro: RevinteR; 2001. ISBN: 85-7309-462-1. 6. Klein ES. Phonological/traditional approaches to articulation therapy: A retrospective group comparison. Lang Speech Hear Serv Sch. 1996; v. 27(4), p. 314–22. 7. Menezes ML. Avaliação do desenvolvimento da linguagem. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004. 8. Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: teste de linguagem infantil, nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba: Pró-Fono; 2004. https://www.asha.org/practice-portal/clinical-topics/articulation-and-phonology 25 9. Hage SRV. Teste de Praxias Articulatórias e Bucofaciais. 2000. 10.Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht, RR. Avaliação fonológica da criança: reeducação e terapia. 1992. 11. Tyler AA, Figurski GR. Phonetic inventory changes after treating distinctions along an implicational hierarchy. Clinical Linguistics & Phonetics. 1994; v. 8(2), p. 91-107. 12.Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: protocolo MBGR. Revista Cefac. 2009; v. 11, p. 237-255. 13.Ceron MI, Simoni SND, Keske‐Soares M. Phonological acquisition of Brazilian Portuguese: Ages of customary production, acquisition and mastery. International Journal of Language & Communication Disorders. 2022; v. 57(2), p. 274-287. 14.Barberena LC, Mota HB, Keske-Soares M. As mudanças fonológicas obtidas pelo tratamento com o modelo ABAB-Retirada e Provas Múltiplas em diferentes gravidades do desvio fonológico. Revista CEFAC. 2015; v. 17, p. 44-51. 26 APÊNDICE APÊNDICE I - NORMAS DA REVISTA 27 28 29 30 31 ANEXOS ANEXO I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 32 33 34 ANEXO II - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP 35 36 37 38
Compartilhar