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Centro Universitário de Itajubá – FEPI Curso de Direito Maria Eduarda de Carvalho Freitas - 019372 TRABALHO DE DIREITO PENAL Itajubá-MG 2022 Estudo sobre a Antijuridicidade: 1. Conceito: A antijuridicidade ou ilicitude consiste na contrariedade entre a conduta praticada por um determinado agente e aquilo que o ordenamento jurídico preceitua como proibição (ilicitude formal), causando lesão ou oferecendo perigo de lesão a um bem jurídico tutelado (ilicitude material). É possível observar que a sua definição torna desnecessária a separação entre ilicitude formal e material, uma vez que se torna óbvio que se a norma penal visa proteger um bem considerado relevante, qualquer conduta que lesione ou ofereça risco de lesão a ele será digna de sanção penal. Essa visão é expressa por Zaffaroni e Pierangeli (Manual do Direito Penal Brasileiro, 512), “a antijuridicidade é una, material porque invariavelmente implica a afirmação de que um bem jurídico foi afetado, formal, porque seu fundamento não pode ser encontrado fora da ordem jurídica”. A antijuridicidade é requisito essencial para a existência do crime, uma vez que constitui parte importante de seu conceito analítico que o subdivide em três partes como: fato típico, ilícito e culpável; sendo, portanto inexistente a prática de um crime, caso haja ausência de ilicitude. Do mesmo modo, segundo Luiz Regis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro, 392) a ilicitude confere um novo nível de valoração sobre a conduta típica (a qual se determina como a ação/omissão somada á tipicidade), denominado “injusto penal genérico”. Desse modo, primeiro analisa-se a tipicidade do fato para posteriormente, por meio da averiguação de inexistência de causa justificante, verificar sua antijuridicidade. Além disso, de acordo com Rogério Grecco (Curso de Direito Penal Vol. I, 417) é importante frisar que a ilicitude não se resume a esfera penal, podendo pertencer a outros ramos do Direito, tendo natureza civil, administrativa, tributária. Mas, quando o ato contrário à legalidade pertencer ao âmbito penal, será denominado como penalmente ilícito e não será restrito ao âmbito penal, projetando-se para todo o campo do Direito. Em consonância, a antijuridicidade apenas ocorre caso o indivíduo pratique uma conduta tipificada no ordenamento, de modo positivado, não bastando esta ser contrária a moral e aos bons costumes ou mal vista perante a sociedade. Tal fato ocorre pelo fato de o Direito Penal ser a “ultima ratio”, ou seja, a última linha de proteção da sociedade, devendo ser acionado apenas quando um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal sofrer uma ofensa realmente grave; segundo o princípio da fragmentariedade e da lesividade. Este mecanismo de controle social contribui para evitar a insegurança jurídica e reduzir o poder do Estado, a fim de coibir crimes de abuso de autoridade, evitando a arbitrariedade e protegendo as liberdades e garantias individuais. 2. Excludentes de ilicitude: Como observado anteriormente, toda conduta contrária a uma norma presente no ordenamento e que viola um bem jurídico penalmente tutelado é sancionada no âmbito penal, constituindo um crime doloso ou culposo. No entanto, havendo causa que justifique tal comportamento, a ação configura-se como lícita e, portanto, permitida. De acordo com Luiz Regis Prado (394), as causas de justificação são situações que permitem a ocorrência de um fato que, em outras circunstâncias seria delituoso, mas que não é por estar previsto na lei, por meio de sua imposição ou consentimento. Sendo assim, toda ação típica constitui crime, exceto se for justificada por uma norma permissiva de caráter independente que irá interferir nas normas proibitivas, a fim de permitir que a ação ou omissão típica se tornem lícitas. Com isso, uma conduta mesmo que contrarie a norma, ao se encaixar em uma das condicionantes de exclusão de ilicitude, sofrerá descaracterização da conduta ilícita por parte do agente, ou seja, o crime deixará de existir. Para Humberto Febretti (Direito Penal-Parte Geral, 376), “as hipóteses de exclusão de ilicitude previstas no artigo 23, CP são autorizações legais e excepcionais para lesão a bens jurídicos de terceiros”. Tais recursos visam à proteção dos bens jurídicos e do próprio ordenamento em si. As causas de exclusão da antijuridicidade dividem-se em legais e supralegais. As causas legais são aquelas previstas no ordenamento jurídico, em especial, no Código Penal: I- Estado de necessidade (arts 23,I e 24); II- Legítima defesa (arts 23, II e 25); III- Estrito cumprimento do dever legal (art 23, III) e IV- Exercício regular de direito. Enquanto isso, as causas supralegais são aquelas que não estão previstas na lei e que são utilizadas in bonam partem, ou seja, em benefício do réu; como o consentimento do ofendido nos tipos penais em que o bem jurídico é disponível. 3. Objetividade e subjetividade nas excludentes de ilicitude: Com relação aos elementos que compõem as excludentes de ilicitude, a doutrina admite duas correntes; objetiva e subjetiva. A teoria objetiva defende que as causas de justificação dependem apenas do fato em si (critério objetivo), sem levar em consideração o estado psíquico e a intenção do autor (critério subjetivo); portanto a realidade não pode ser mudada pelo estado mental do agente. A título de exemplificação, se um indivíduo A disparasse uma arma de fogo, alvejando seu inimigo B, sem saber que este também estava armado para matá-lo, o indivíduo A responderia por legítima defesa, uma vez que os elementos objetivos (agressão injusta iminente, proteção do direito próprio e uso moderado dos meios necessários) dessa excludente são preponderantes e, portanto, suficientes. Já a teoria subjetiva considera que além dos elementos objetivos também é necessária a análise sobre os requisitos subjetivos, a fim de verificar a consciência do autor de que atua sobre uma excludente de ilicitude; sendo assim, a realidade pode ser mudada pelo estado psíquico do agente. No exemplo acima seguindo essa corrente, o agente não responderia por legítima defesa, uma vez que para isso seria necessária a presença do elemento subjetivo, ou seja, a consciência de que atuava em legítima defesa. 4. A ilicitude no conceito analítico do crime: A infração penal ocorre quando o agente pratica um fato típico, ilícito e culpável, devendo esses elementos ser analisados nessa ordem. Para esse estudo, existem duas teorias: a teoria da ratio cognoscendi e a teoria da ratio essendi. Para a primeira teoria, a qual é a mais aceita pelos doutrinadores, um fato ao ser considerado típico provavelmente também será antijurídico, exceto quando o autor agir com base em uma causa de justificação. Sendo assim, um fato anteriormente considerado típico e, portanto, antijurídico, deixa de ser ilícito e passa a ser atípico, com base no amparo de sua justificação. Portanto, a teoria da ratio cognoscendi defende que é necessária a análise em partes, ou seja, fato típico+ antijurídico+ culpável= crime. Em contrapartida, a teoria da ratio essendi defende um tipo total de injusto, promovendo uma fusão entre o fato típico e a ilicitude, não sendo possível diferenciá-los; sendo assim a existência de um implicaria na existência de outro bem como a inexistência de um implicaria na inexistência do segundo. Sendo assim, ambos deveriam ser analisados em conjunto e num mesmo instante e, após esse estudo seria verificada a presença de culpabilidade. Nesse caso, se houvesse uma causa de justificação, excluindo a antijuridicidade, o fato deixaria também de ser típico. Em suma, essa teoria defende que a conduta deve ser analisada por (fato típico+ antijurídico)+culpável= crime. 5. Estado de necessidade: O estado de necessidade caracteriza-se como o sacrifício de um interesse juridicamente protegido para salvar de perigo atual e inevitável, que não provocou por sua vontade nem podia de outro modo evitar, o direito do próprio agente ou de terceiro, desde que outra conduta, nas circunstâncias concretas, não era razoavelmenteexigível (art 24, CP). Sendo assim, o estado de necessidade consiste em uma conduta praticada por um indivíduo para proteger um bem, direito ou interesse próprio ou de outrem, que em outras circunstâncias seria considerada uma prática delituosa. Um exemplo dessa excludente é o de um barco que vira com dois tripulantes e só há um colete salva vidas disponível; ambos possuem o mesmo direito legítimo á vida, a qual também é um bem jurídico tutelado, no entanto a única forma de proteger a vida de um é em detrimento da vida de outro. O artigo 13, §2.º do Código Penal considera ‘dever legal’ a omissão relevante em determinados casos; como por exemplo, o dever legal de enfrentar o perigo (policial, bombeiro), exceto em caso de sacrifício pessoal ou risco excessivo. Existem duas teorias que explicam a natureza dos bens jurídicos protegidos no estado de necessidade e que realizam a ponderação desses bens: a teoria unitária ou monista objetiva e dualista ou diferenciadora objetiva. 5.1. Teoria Unitária ou Monista Objetiva: A teoria unitária é a adotada pelo Código Penal brasileiro no seu artigo 24 e defende apenas uma hipótese de estado de necessidade, o justificante, o qual ocorre quando o bem jurídico preservado possui igual ou maior valor que o lesionado. Portanto, independentemente da ponderação de bens em confronto, o estado de necessidade sempre será uma excludente de ilicitude para essa teoria. 5.2. Teoria Dualista ou Diferenciadora Objetiva: Esta teoria admite duas espécies distintas de estado de necessidade com consequências jurídicas diversas. a) Estado de necessidade justificante: Exclui a ilicitude e ocorre apenas quando o bem jurídico protegido possui maior ou igual valor ao bem jurídico lesionado. Exemplo: um pai que rouba comida para alimentar o filho que está passando fome; este fato recai sobre o princípio da insignificância ou bagatela, uma vez que lesiona o bem jurídico do patrimônio em favor da dignidade da pessoa humana. b) Estado de necessidade exculpante: Exclui a culpabilidade e ocorre quando o bem jurídico lesionado é de igual valor ao bem jurídico protegido. Portanto, nesse caso a conduta será ilícita, mas não será antijurídica, uma vez que não era possível conduta diversa da realizada. Exemplo: uma pessoa que mata outra para salvar sua própria vida; neste caso há a colisão entre o bem jurídico vida. Segundo Luiz Regis Prado (399), o Código Penal Militar (arts. 39 e 43) vigente adotou a teoria dualista ou diferenciadora objetiva. Assim determina, expressamente, o aludido estatuto: “Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa”. 5.3. Outras classificações do estado de necessidade: ● Estado de necessidade próprio: Protege o próprio direito. ● Estado de necessidade de terceiro: Protege o bem jurídico alheio. ● Estado de necessidade real: É aquele previsto no art 24, CP. ● Estado de necessidade putativo: Quando o estado de necessidade ocorre no âmbito psíquico do agente. 5.4. Elementos objetivos do estado de necessidade: O caput do artigo 24 do Código Penal apresenta os requisitos necessários para a configuração do estado de necessidade; dentre eles: a) Perigo atual não provocado pelo agente: Enquanto na legítima defesa exige-se uma agressão promovida por outra pessoa, no estado de necessidade exige-se a efetivação de um perigo ao bem jurídico, ou seja, que este esteja sofrendo um risco de lesão. Significa um risco real e concreto, presente, imediato, atual, com real probabilidade de dano (insuficiente a mera possibilidade), e que ainda seja dotado de certeza e objetividade. Pode originar-se de ação humana ou de acontecimento natural negativo (inundação, investida de cão bravo). Deve ser também não evitável por outro modo, quer dizer, sem o sacrifício do direito, interesse ou bem de outrem. Não se verifica o estado de necessidade se o perigo puder ser enfrentado sem ofensa a direito alheio. b) Direito próprio ou de terceiro: o direito que se pretende salvar pode ser próprio ou de outrem (socorro a terceiro), por motivo de ordem pessoal (amizade, parentesco) ou solidariedade humana. Alcança, portanto, todos os bens jurídicos, como na legítima defesa. c) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: Algumas pessoas, especialmente em virtude de suas profissões, não podem se recusar a enfrentar situações de perigo. Assim, por exemplo, não pode o bombeiro deixar de enfrentar um incêndio em virtude do perigo que incorrerá. Porém, é preciso observar que não se trata de uma exigência absoluta de enfrentar o perigo e que se deve fazer uma análise em cada caso tendo por norte o princípio da proporcionalidade. Se, no caso concreto, o risco de o profissional morrer for nitidamente maior do que a chance de salvamento, parece-nos que não é exigível o cumprimento do dever, como também não será exigível a exposição da vida do profissional para tentar salvar o patrimônio, uma vez que o bem jurídico vida possui valor maior que o patrimônio. d) Inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado: Não se pode exigir do agente o sacrifício de seu bem jurídico para preservação do bem jurídico alheio. Entretanto, se uma pessoa lesiona a vida alheia para preservar patrimônio próprio não atua em estado de necessidade, uma vez que o bem jurídico lesionado é superior ao bem jurídico preservado e, portanto, era exigível do agente o sacrifício de seu bem jurídico. Porém, ainda que exista esta situação de inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado, terá o agente direito a uma redução de pena de um a dois terços, nos termos do § 2 o do art. 25 do CP. 5.5. Elemento subjetivo do estado de necessidade: Para a efetivação do estado de necessidade tanto exculpante quanto justificante, mostra-se necessário que o agente além do conhecimento dos critérios objetivos da justificante, atue com a vontade ou ânimo para salvar o bem ou direito em perigo. Sendo assim, é importante que o autor, no momento da conduta, tenha agido com base no seu interesse psicológico de salvar um bem jurídico tutelado importante para si ou para alguém de seu interesse. 6. Legítima defesa: A legítima defensa consiste na repulsa ou o impedimento da agressão ilegítima, atual ou iminente, pelo agredido ou terceira pessoa, contra o agressor, sem ultrapassar a necessidade de defesa e dentro da racional proporção dos meios empregados para impedi-la ou repeli-la (art 25, CP). Trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos do Direito Penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência, atrelada ao crime de homicídio. Segundo Humberto Febretti (376), esta excludente baseia-se em dois princípios; sendo eles: a proteção individual de bens jurídicos e a afirmação do direito em defesa da ordem jurídica. O primeiro princípio justifica a prática de uma conduta ilícita como necessária para a defesa dos bens jurídicos individuais contra agressões ilícitas, iminentes ou atuais. Enquanto isso, o princípio da afirmação do direito justifica condutas necessárias para prevenir ou repelir o injusto e, portanto, garantir a preservação da ordem jurídica independente da existência de meios alternativos de proteção. 6.1. Elementos objetivos da legítima defesa: O artigo 25, CP apresenta os requisitos para a configuração da legítima defesa; dentre eles: a) Agressão injusta atual ou iminente: Entende-se por agressão injusta a ação humana violenta ou ameaçadora não autorizada pelo Direito dirigida contra bens jurídicos do agredido ou de terceiro. O conceito de agressão relaciona-se com o conceito de conduta humana do direito penal, isto significa que aqueles movimentos corporais considerados qualificados como ausência de conduta (ataques epiléticos,choques elétricos, convulsões) não podem ser considerados como agressão e, consequentemente, não são passíveis de serem repelidos sob a excludente da legítima defesa. Entretanto, podem caracterizar agressões passíveis de serem repelidas por legítima defesa tanto as condutas comissivas como as omissivas, bem como as dolosas e as culposas. Ainda, para que haja legítima defesa, se faz necessário que a agressão injusta observe um limite temporal, isto é, seja atual ou iminente. Atual é a agressão que já se iniciou e ainda está sendo executada (uma pessoa desferindo socos contra a outra) e iminente é a agressão que está prestes a se iniciar (uma pessoa corre em direção a outra para agredi-la). Tais requisitos significam que a agressão da qual se defende não pode ser passada e nem futura, pois, na primeira hipótese, caracterizaria vingança e na segunda, não seria propriamente uma agressão, mas apenas uma ameaça de agressão, sendo possível evitá-la de outras formas. b) Direito próprio ou de terceiro: A legítima defesa prevê a proteção de qualquer direito, entre eles a vida, liberdade, honra, integridade física, patrimônio. Além disso, está sob sua tutela tanto aquele que defende seu próprio direito (legítima defesa própria) como quem tutela bem alheio (legítima defesa de terceiro). Assim, se uma pessoa causa lesão a fim de dominar um ladrão enquanto este assaltava alguém, está em legítima defesa de terceiro; se o faz para evitar ser assaltado, em legítima defesa própria. c) Uso moderado dos meios necessários: Este requisito limita-se pelo princípio da proporcionalidade, ou seja, a vítima da agressão deve se valer de instrumento e força proporcional ao nível da agressão injusta. No entanto, é preciso que ela se utilize dos meios disponíveis no momento da conduta, valendo-se de seu uso moderado, sem excessos. Em segundo lugar, o meio deve ser o mais benigno possível: quem pode repelir agressão injusta com seus punhos ou com socos, não pode utilizar-se de uma faca ou revólver, e quem pode intimidar o agressor ameaçando-o com uma arma contundente ou de fogo ou mediante um disparo de advertência, não pode disparar contra a vítima. Em suma, o defendente pode utilizar-se dos meios necessários para repelir a agressão, devendo estes ser entendidos como os que têm à sua disposição, mas deve utilizá-los de forma moderada, isto é, sem excesso. Assim, por exemplo, se o defendente é ameaçado com uma faca, é legítimo que ele se defenda com uma arma de fogo. Mas, se após o tiro de advertência o agressor se afasta, não é legítimo alvejá-lo. Ou, se após o tiro de advertência o agressor não se afasta e o defendente necessita alvejá-lo na perna, não é legítimo alvejá-lo novamente quando caído no chão. 6.2. Espécies de legítima defesa: a) Legítima defesa real: É aquela que preenche todos os requisitos presentes no art 25 do Código Penal e que corresponde como hipótese de exclusão de ilicitude. b) Legítima defesa putativa: Ocorre quando o agente por erro (art 20, § 1º) pensa estar em uma situação de legítima defesa, mas na verdade não está. Nesta situação, não há exclusão de ilicitude, mas pode haver exclusão do dolo ou culpa, dependendo da situação. c) Legítima defesa sucessiva: Ocorre quando há excesso de legítima defesa e o agressor originário passa para a situação de vítima, podendo defender-se do excesso. d) Legítima defesa recíproca: Ocorre quando os agentes estão simultaneamente em legítima defesa, tratando-se de uma situação e praticamente impossível de acontecer, de acordo com a doutrina. Estefam Rios (654) apresenta outras classificações para a legítima defesa, dentre elas: e) Legítima defesa própria: Quando o agente pratica a conduta para proteger seu próprio bem jurídico. f) Legítima defesa de terceiro: Quando o sujeito defende o direito alheio. g) Legítima defesa subjetiva: Quando há o excesso exculpante. h) Legítima defesa com aberratio ictus: Quando o autor ao repelir a agressão injusta, atinge o bem de outra pessoa por engano na execução. 7. Estrito cumprimento do dever legal: É a excludente de ilicitude na qual a própria lei impõe a um agente público a realização de condutas para executar o ato legal, ou seja, para proteger um determinado bem jurídico, mesmo que essas sejam típicas. Desse modo, é possível que na condenação de um brasileiro à pena de morte por fuzilamento, os militares responsáveis por atirar e matar o condenado pratiquem a conduta típica de homicídio (art. 121, caput, do CP), mas agem de forma lícita, pois cumprem estritamente um dever legal. A mesma situação ocorre com o carcereiro que restringe a liberdade do preso (art. 148, caput, do CP) e com o oficial de justiça que arresta os bens do devedor (art. 155, caput, do CP) cumprindo ordem judicial. No entanto, essa excludente não deve se confundir com o abuso de autoridade, proveniente de agentes públicos, os quais podem vir a utilizar força bruta de forma exagerada e não prevista em lei para reprimir certos grupos de modo hostil; configurando assim a arbitrariedade e sendo portanto, passível de punição por parte do Ministério Público. 7.1. Elementos objetivos do estrito cumprimento do dever legal: A exclusão da ilicitude para o estrito cumprimento do dever legal depende de alguns requisitos, tais como: a) A existência do dever legal: É necessário que haja um dever legal, ou seja, uma ação decorrente de uma lei. Na maioria dos casos, o estrito cumprimento do dever legal recai sobre os agentes públicos, mas também pode ser aplicado para particulares. Um exemplo é a testemunha em processo judicial, a qual tem o dever legal de dizer a verdade e por isso, pratica a conduta de crime contra a honra de terceiro que, apesar de constituir fato típico, não será ilícita. Importante deixar claro o fato de que não havendo uma norma que imponha o dever legal, a excludente do estrito cumprimento do dever legal não se aplicará. Assim, à luz do direito brasileiro, por exemplo, um policial jamais poderá matar uma pessoa e argumentar que o fez no estrito cumprimento do dever legal, simplesmente pelo fato de que nenhuma lei brasileira prevê ser um dever legal de a polícia matar os cidadãos, muito pelo contrário. Ao que tudo indica, há apenas duas hipóteses no ordenamento jurídico brasileiro nas quais um agente estatal pode matar outra pessoa: a Lei de Abate (art. 303, § 2º , da Lei nº 7.565/1986) e crimes Militares em Tempo de Guerra (arts. 355 e seguintes do CPM). b) Estrito cumprimento: Não basta a existência do dever legal, é necessário que o agente cumpra estritamente, ou seja, de forma rigorosa, sem excessos. Deste modo, o policial que, se utilizando da força física necessária para realizar uma prisão lesiona o preso, não pratica conduta ilícita, pois cumpre estritamente seu dever legal. Porém, o mesmo não acontece se durante a prisão ou após a prisão o policial abusa de sua força e lesiona o preso. O mesmo acontece com o carcereiro que recebendo ordem judicial para colocar o preso em liberdade imediatamente o mantém preso por mais tempo desnecessariamente. Nestas hipóteses, o dever legal não foi cumprido de maneira estrita, mas com excesso, que será punível. 8. Exercício regular de um direito: Consiste no exercício regular de um direito, o qual não pode ser visto como ilícito, uma vez que uma mesma conduta não pode ser simultaneamente um direito (de acordo com o ordenamento jurídico) e ser ilícita (contrária ao ordenamento jurídico). Desse modo, ainda que aquele que exerce regularmente o seu direito esteja praticando uma conduta típica, está não será considerada ilícita, como ocorre, por exemplo, com o médico que ao realizar uma cirurgia precisa fazer uma incisão no paciente e causar-lhe uma lesão corporal (art. 129 do CP). O mesmo pode ser dito do boxeador que durante a luta causa lesões no rosto de seu oponente. O exercício regular de direito diferencia-se do estrito cumprimento do dever legal especialmente em relação à obrigatoriedade da conduta. No estrito cumprimento do dever legal, o agente está obrigado a praticara conduta, pois a lei lhe impõe esse dever, enquanto no exercício regular de direito, o agente tem a faculdade de praticar ou não a conduta (art 5º,II,CF). No entanto, em ambas as hipóteses, não pode haver excesso pelos agentes. 8.1. Elementos objetivos do exercício regular de um direito: A exclusão de ilicitude para o exercício regular de um direito depende de alguns requisitos; entre eles: a) A existência de um direito: É necessário que o agente tenha o direito, a autorização para a prática da conduta analisada, uma vez que nem todos os profissionais possuem o direito de causar danos a outro indivíduo sem culminar na prática de um crime. O médico, por exemplo, tem o direito de lesionar o paciente para realizar a cirurgia, mas o mesmo não acontece com o psicólogo ou engenheiro, por exemplo. O lutador de boxe tem o direito de lesionar seu oponente durante a luta, mas não quando o encontra fora dos ringues. b) Exercício regular: Além da existência do direito, é preciso que o seu titular o exerça de forma regular, isto é, sem abusos. Se o médico tem o direito de lesionar o paciente, ele somente pode fazê-lo se for absolutamente necessário para o sucesso da cirurgia, sendo que qualquer lesão desnecessária configura excesso e será punível. O mesmo ocorre com o jogador de futebol que realiza uma entrada dura em seu adversário durante o jogo, causando-lhe lesões que estão acobertadas pelo exercício regular de direito. Porém, se o jogador desfere um soco e causa lesões em seu adversário durante o jogo, não está acobertado pela excludente de ilicitude. 9. Consentimento do ofendido: O Código Penal brasileiro não incluiu o consentimento do ofendido explicitamente no rol do artigo 23, a fonte de inspiração, nessa matéria, foi a legislação italiana, que estatui: “não é punível quem ofende ou põe em perigo um direito, com o consentimento da pessoa que dele pode validamente dispor” (art. 50, Código Penal italiano). O consentimento do sujeito passivo pode excluir a tipicidade da ação ou da omissão, quando requisito intrínseco ao tipo legal, ou, eventualmente, quando externo a ele, afastar a ilicitude da conduta. Um exemplo é o que ocorre com o tipo penal de estupro (art. 213, caput, do CP),pois somente haverá o crime de estupro se a relação sexual se der sem o consentimento de uma das partes, pois havendo o consentimento, não há que se falar em crime, pois a conduta é atípica. Por outro lado, quando a ausência de consentimento não for elementar do tipo penal, havendo o consentimento, poderá ocorrer uma hipótese supralegal de exclusão da ilicitude, desde que o bem jurídico seja disponível, ou seja, exclusivamente de interesse privado. Deste modo, diante do consentimento, várias condutas típicas não poderão ser consideradas antijurídicas, pois este funcionará como causa supralegal de exclusão da ilicitude, como, por exemplo, nos crimes de lesão corporal (art. 129 do CP), cárcere privado (art. 148 do CP), furto (art. 155 do CP). No entanto, são necessários alguns requisitos para a validade do consentimento de acordo com Humberto Febretti (389); dentre eles: ● A manifestação do titular do bem jurídico seja livre, sem coação; ● Que o titular do bem jurídico esteja consciente para o consentimento; ● Que seja bem jurídico disponível, ou seja, de exclusivo interesse privado; ● Que o fato típico seja limitado e possível de identificação do consentimento do titular do bem jurídico. No que se refere à disponibilidade, atualmente todos os bens jurídicos individuais, inclusive a integridade corporal e a saúde, são disponíveis, exceto a vida. Apenas para exemplificar hipóteses de disponibilidade dos bens jurídicos, integridade corporal e saúde, tem-se o tatuador que é contratado para fazer uma tatuagem em seu cliente, embora essa configure uma lesão corporal gravíssima (art. 129 do CP) foi realizada com o consentimento da vítima. 10. Excesso nas causas de justificação: De acordo com Guilherme de Souza Nucci (Curso de Direito Penal, 702), os excessos nos excludentes de ilicitude estão concentrados nos seguintes aspectos: a) No estado de necessidade: O excesso ocorre quando o agente utiliza de meios dispensáveis, ferindo gravemente os bens jurídicos alheios; b) Na legítima defesa: O excesso corresponde a falta do emprego dos meios necessários ou do seu uso imoderado; c) No estrito cumprimento do dever legal: Quando o agente deixa de agir de acordo com o que está previsto na lei de forma rigorosa, agindo com abuso de autoridade, responde pelos excessos. d) No exercício regular de direito: Exercer o próprio direito de modo abusivo e imoderado, causando dano ao bem jurídico alheio. 10.1. Excesso doloso: Ocorre o excesso doloso quando o agente age de modo consciente e proposital, causando maior lesão do que seria necessário ao agressor para repelir o ataque. Nesta caso, o sujeito age na maioria das vezes motivado pelo ódio, rancor, vingança ou outros motivos dessa natureza. Este modelo de excesso quando reconhecido elimina a possibilidade de se reconhecer a excludente de ilicitude, fazendo com que o autor da conduta exagerada responda pela tipicidade do resultado causado ao agressor. No entanto, pode funcionar como atenuante da pena, sendo favorável ao agente da legítima defesa. 10.2. Excesso culposo: Trata-se do “erro de cálculo” na prática da conduta, ou seja, ocorre quando o agente emprega maior força do que a necessária para repelir um ataque do agressor. Neste caso, o sujeito responde pelo resultado do fato típico a título de culpa. 10.3. Excesso exculpante: Trata-se de uma causa supralegal de exclusão de ilicitude, não prevista expressamente em lei. Ocorre quando o agente motivado pelo medo, surpresa ou perturbação de ânimo age de forma imoderada, causando grave lesão ao agressor. Pode constituir uma hipótese de flagrante de imprudência, porém justificável pela situação de perigo pela qual passava. Um exemplo é quando o autor dispara o revólver mais vezes do que o necessário para se defender de uma grave ameaça. 10.4. Excesso acidental: Trata-se do exagero que decorre do caso fortuito, ou seja, um exagero acidental. Um exemplo é um agente que dispara tiros contra o seu agressor e este cai no chão batendo a cabeça, o que resulta na sua morte. Sendo assim, este excesso é penalmente irrelevante, não respondendo o agente por dolo ou culpa. 10.5. Excesso intensivo e extensivo: O excesso intensivo seria aquele que respeitado o aspecto temporal, o agente extrapolaria no meio utilizado ou no contexto da moderação; enquanto o excesso extensivo, não muito aceito pela doutrina, consistiria na extrapolação do limite de tempo da resposta, ou seja, o agente é agredido, mas reage apenas depois, em um contexto que foge da atualidade ou iminência da ação.
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