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1 A)Quatro a seis LITERATURA INFANTIL 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia-se com a ideia visionária e da realização do sonho de um grupo de empresários na busca de atender à crescente demanda de cursos de Graduação e Pós-Graduação. E assim foi criado o Instituto, como uma entidade capaz de oferecer serviços educacionais em nível superior. O Instituto tem como objetivo formar cidadão nas diferentes áreas de co- nhecimento, aptos para a inserção em diversos setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e assim, colaborar na sua formação continuada. Também promover a divulgação de conhecimentos científicos, técnicos e culturais, que constituem patrimônio da humanidade, transmitindo e propagando os saberes através do ensino, utilizando-se de publi- cações e/ou outras normas de comunicação. Tem como missão oferecer qualidade de ensino, conhecimento e cultura, de forma confiável e eficiente, para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética, primando sempre pela inovação tecnológica, ex- celência no atendimento e valor do serviço oferecido. E dessa forma, conquistar o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos de quali- dade. 3 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2 1. A LITERATURA INFANTIL ............................................................. 4 1.1 O que é literatura infantil? .............................................................. 4 2. O INÍCIO DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA ................... 13 3.A CRIANÇA NO MUNDO DA LEITURA: a literatura infantil ............... 13 4.LITERATURA INFANTIL E PEDAGOGIA: um breve excurso ............ 19 5. ORIGEM E EVOLUÇÃO .................................................................... 24 6.PANORAMA NO BRASIL ................................................................... 27 7.REFERÊNCIAS: ................................................................................. 39 4 1. A LITERATURA INFANTIL Imagem: 01 Neste tema, faremos uma reflexão sobre os elementos que tornam um texto efetivamente literário. Veremos que a forma é valiosa para os textos literários e que, sobretudo para a literatura infantil, o elemento imaginário é a mola propulsora. Além disso, conheceremos os tipos de leitura e suas principais funções, além de compreender como cada tipo de texto traz em si uma intenção do autor quanto à mensagem que se quer transmitir ao leitor. 1.1 O que é literatura infantil? Coelho (1986) argumenta que literatura é arte, é um ato criativo que, por meio da palavra, cria um universo autônomo, realista ou fantástico, onde os seres, coisas, fatos, tempo e espaço, mesmo que se assemelhem ao que 5 podemos reconhecer no mundo concreto que nos cerca, ali transformado em linguagem, assumem uma dimensão diferente: pertencem ao universo da ficção. A literatura infantil tem importância fundamental em vários aspectos da educação das crianças, principalmente em relação à formação de alunos que gostam de ler, pois ela estimula-os à leitura através do atrativo e do belo que compõe os textos literários. Cunha (1974, p.45) afirma que: A Literatura Infantil influi e quer influir em todos os aspectos da educação do aluno. Assim, nas três áreas vitais do homem (atividade, inteligência e afetividade) em que a educação deve promover mudanças de comportamento, a Literatura Infantil tem meios de atuar. O ser humano tem a necessidade fundamental de expressar seus pensamentos. Para isso, ele utiliza imagens, símbolos e, principalmente, narração. Narrar uma história é tão natural para o ser humano como o próprio instinto de sobrevivência. As pessoas precisam se comunicar, algo tão importante quanto comer ou dormir. Você já pensou nisso? Dessa necessidade de se comunicar com o grupo, surgiram histórias que se perpetuaram ao longo do tempo. Essas histórias são populares, foram transmitidas por meio da oralidade desde sua origem e fazem parte da tradição e da cultura ocidental. Em tempos remotos, as pessoas se juntavam em grupos ao redor de fogueiras, por exemplo, para narrar histórias que explicassem e resolvessem suas indagações; histórias que contavam a origem do mundo e do universo – representadas por heróis e mitos que personificavam os valores que orientavam aquela cultura. Isso tornava a vida em sociedade mais significativa. A humanidade foi se desenvolvendo, essas histórias foram sendo enriquecidas e, por fim, tornaram-se arte. Surge assim a literatura: Ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente (CANDIDO, 2011, p. 178-179). 6 Agora, pensemos: se as sociedades mudam constantemente e as narrativas evoluem em funções das sociedades, é certo que as narrativas também mudam, certo? Por isso, notamos uma transformação nas histórias, que são contadas em diferentes versões conforme o local e a época, pois “Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles” (CANDIDO, 2011,p. 177). Como você já deve imaginar, a escola (os meios pedagógicos, digamos) aos poucos se apropria da literatura. Isso acontece porque essas histórias contribuem para a formação moral do homem. E, agora sim, podemos compreender a importância da literatura para a formação moral da humanidade. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas (CANDIDO, 2011, p. 177). Mas você sabe qual é, afinal, o conceito de literatura? O termo literatura começou a ser usado para distinguir e classificar os textos de escrita imaginativa somente a partir do final do século XVIII. Foi principalmente com Madame de Stael, em sua obra Sobre a literatura considerada em suas relações com as instituições sociais, que teve início uma defesa do texto literário em relação às demais produções escritas. O objetivo de Madame de Stael era distinguir os textos literários, os quais buscavam descrever a realidade, simbolicamente, dos textos científicos, envolvidos por forte objetividade e raciocínio lógico. Assim, ela queria mostrar que os textos literários contemplam a imaginação e dedicam-se à construção de uma nova realidade, ao passo que os textos científicos visam a comprovação, por meio da lógica, da ciência e da objetividade, do que existe e do que não existe no mundo. Ao longo dos séculos, essa distinção entre o pensamento lógico (científico) e o imaginativo (literário) consagrou-se. 7 O (texto) literário traz a marca da invenção e da quebra de padrões de escrita e de representação do mundo e do homem. Já a ciência procura na precisão, na comprovação, nas relações necessárias entre causas e efeitos explicar o modo como a noção de realidade se constrói nos seres humanos (COSTA, 2007. P 16). Em razão dessa diferenciação – inicialmente simples,mas que se tornou complexa com o passar do tempo – foi possível chegar aos conceitos de literatura que conhecemos hoje. Delimitaremos a literatura infantil, em nosso estudo, como aquela que se relaciona “direita e exclusivamente com a arte da palavra, com a estética e com imaginário” (COSTA, 2007, p. 16). Assim, vamos nos basear na seguinte definição para aprofundar nossos estudos: O que é literatura infantil? Objeto cultural. São histórias ou poemas que ao longo dos séculos cativam e seduzem as crianças. Alguns livros nem foram escritos para elas, mas passaram a ser considerados literatura (AGUIAR, 2001, p. 16 apud COSTA, 2007, p. 16). Para melhor elucidar esse conceito da literatura infantil, vamos refletir sobre as palavras da professora Graça Paulino: Os textos literários envolvem, simultaneamente, a emoção e a razão em atividade. Sua organização provoca surpresa por fugir do padrão característico da maioria dos textos em circulação social. E fugir ao padrão hegemônico não quer dizer negar qualquer padrão. Os padrões literários existem e devem ser conhecidos também pelo leitor. Trata-se, portanto, de uma leitura que exige habilidades e conhecimentos de mundo, de língua e de textos bem específicos de seu leitor. E no momento mesmo da leitura literária todo esse repertório vai-se modificando, sendo desestabilizado por sua pluralidade e ambiguidade. Esse seria o processo de produção do conhecimento característico da leitura literária. (PAULINO, 1999, p. apud COSTA, 2007, p. 16). Assim, a produção literária, tanto a voltada para o público adulto quanto para o infantil, deve atender a determinados critérios, afinal, são eles que distinguem o texto literário do texto não literário. Você já deve ter reparado que alguns textos diferem de outros em muitos aspectos: uma receita de bolo não é redigida da mesma maneira que uma notícia de jornal, assim como uma notícia 8 de jornal também não é escrita da mesma maneira que um poema. Então, o que caracteriza um texto como receita de bolo, notícia de jornal ou poema? A resposta é a forma. A literatura é a arte da palavra? Sim! A literatura também é um tipo de arte. Vamos pensar nessa arte? Alguns textos apresentam características muito especiais. Estes são chamados textos literários. Mas quais seriam essas características especiais? A forma como algo é escrito faz muita diferença em seu entendimento. Um texto, por exemplo, pode ser escrito em verso ou em prosa. Normalmente, os poemas são escritos em verso, porém sempre há exceções; já os contos, os romances e as crônicas, em geral, são escritos em prosa – mas também há exceções. Quando um escritor cria um texto literário, ele se preocupa com a forma do que será escrito, e não apenas com o conteúdo. Na literatura infantil, sobretudo, o elemento imaginativo é fundamental. É ele que dá vida à história. Para entendermos como funciona esse “toque’ imaginativo, vamos ler um trecho do conto “O pássaro de ouro”, dos irmãos Grimm: Um certo rei tinha um maravilhoso jardim, e neste jardim havia uma árvore que dava maçãs douradas. As maçãs eram sempre contadas, e perto da época de amadurecerem notou-se que toda noite uma delas sumia (GRIMM, 2001, p. apud COSTA, 2007, p. 18). Notamos, no texto, que as palavras jardim, árvore e maçã, embora se refiram a elementos que fazem parte da realidade – todos nós conhecemos jardins, árvores e maçãs, certo? –, no contexto da história fantasiosa assumem uma característica também fantástica. Pensemos: “ o maravilhoso jardim de um rei” não pode ser qualquer jardim, “uma árvore que produz maçãs douradas” só pode ser uma árvore especial. Você percebeu como essa caracterização mexe com nossa capacidade de imaginar um universo completamente diferente, encantado e maravilhoso? Se ainda não ficou claro, leia, então, o trecho a seguir: “A maçã contém quercetina, um poderoso antioxidante que, em ratos, protege os neurônios da degeneração e pode fazer o mesmo em seres humanos. A casca é rica em substâncias que combatem doenças” (MAÇÃ., 2013, s/p). 9 Você notou as diferenças entre o primeiro e o segundo texto? No primeiro, a maçã é um elemento misterioso, fantástico, e seus atributos químicos não são contabilizados, pois não têm importância naquele contexto. No segundo texto, a fruta é descrita no sentido de compreendermos seus benefícios à saúde. Assim, percebemos que o mesmo elemento pode ter abordagens distintas, e uma dessas abordagens pode ser literária, como é o caso do primeiro texto. Por trás da definição de literatura está um ato de seleção e exclusão, cujo objetivo é separar alguns textos, escritos por alguns autores, do conjunto de textos em circulação. Os critérios de seleção, segundo boa parte dos críticos, é a literariedade imanente aos textos, ou seja, afirma- se que os elementos que fazem de um texto qualquer uma obra literária são internos a ele e dele inseparáveis, não tendo qualquer relação com questões externas à obra escrita, tais como o prestígio do autor ou da editora que o publica, por exemplo (ABREU, 2006, p. 39 apud COSTA, 2007, p. 19-20). Ficou claro para você que os elementos que vão definir um texto como literário ou não são internos e inerentes a ele? A consagração de determinado texto se dá de dentro para fora, ou seja, é o texto em si que prestigia seu autor, e não o oposto. Tendo em vista o contexto escolar, o qual está fundamentalmente relacionado ao uso da literatura infantil, podemos afirmar que essa distinção entre diferentes gêneros textuais (literários e não literários) é útil ao professor no sentido de auxiliá-lo na tarefa de trabalhar com os textos, pois o conhecimento da literatura se expande para outras áreas, como aquelas que contemplam os saberes históricos e culturais. O que isso quer dizer? Pensemos: se a literatura é um fenômeno cultural e histórico, esta é passível de receber definições distintas em certo contexto social e histórico. Logo, essa experiência muda em certas épocas e locais. A essa altura, você deve estar se perguntando como é possível o leitor infantil, ser despertado por esse universo imaginário se o contexto social e histórico da literatura pode ser tão volátil. Bem, aqui entra a figura do professor, pois é ele quem desperta os estudantes para os encantamentos da literatura e 10 os conduz inicialmente na leitura dos textos. Vejamos o que diz Regina Zilberman a esse respeito: Ao professor cabe o desencadear das múltiplas visões que cada criação literária sugere, enfatizando as variadas interpretações pessoais (...) em razão de sua percepção singular do universo representado (ZILBERMAN, 2003, p. 28 apud COSTA, 2007, p. 20). Ficou claro para você a importância fundamental do professor como aquele que vai despertar o desejo da leitura em seus alunos? O papel do professor no processo de conquistar seus alunos é por demais relevante, de tal sorte que, caso seu desempenho demonstre desconhecimento da natureza da literatura e da leitura, poderá criar em seus alunos a recusa e o afastamento dos livros (COSTA, 2007, p. 20). Podemos compreender, portanto, que, na sala de aula, a literatura infantil assume uma função formadora, mas esta não pode ser confundida com uma função pedagógica. O professor pode e deve valer-se da natureza ficcional da literatura para trazer à luz vários conhecimentos e concepções de mundo. Que fique claro, contudo, que não se trata de fazer uso da literatura como “súdita do ensino de boas maneiras (de se comportar e ser ou de falar e escrever, ela se apresenta como o elemento propulsor que levará a escola à ruptura com a educação contraditória e tradicional” (ZILBERMAN, 203, p. 25 apud COSTA, 2007, p.20). Tendo em vista a importância do trabalho da literatura na escola, pois é por meio dela que podemos formar cidadãos críticos e leitores, vamos estudar quais são as possíveis funções da leitura e da literatura na escola. Função De acordo com Richard Bamberger (2000, p. 41 apud COSTA, 2007, p.21), os tipos de leitura têm funções diferentes. Vejamos: Leitura informativa – tem a função de informar. Deve merecer mais confiança do que aquilo que é dito oralmente. 11 Leitura escapista – serve como válvula de escape, ou seja, o prazer que não se encontra na vida, busca-se na leitura. Leitura literária – diz respeito a uma busca que vai além da realidade. Esse tipo de leitura procura um significado interno, um reconhecimento simbólico do que se passa no cotidiano. Apesar de a educação literária visar esse tipo de leitor, poucas pessoas se conservam no nível de leitores literários durante a vida. Leitura cognitiva – esse tipo de leitura se equipara à filosofia, pois busca o conhecimento e a compreensão do homem e do mundo. Esses quatro tipos de leitura são igualmente importantes para a formação do leitor crítico, desse modo, a escola deve trabalhar textos variados. Vejamos a seguir outra maneira de abordar essas funções da leitura, contemplando sua aplicação no trabalho docente e suas implicações metodológicas. Para começar, vamos resumir as funções da literatura a partir de três vertentes (COSTA, 2007. P. 22): 1- Quanto à abrangência – individual ou social, privada ou pública. 2- Quanto à relação entre autor, mensagem e leitor – informar, educar, entreter, persuadir, expressar uma opinião ou ideia. 3- Quanto aos objetivos da formação de leitores – experiências pessoais, aprendizagem e conhecimento como fonte de prazer, prazer da leitura sem compromisso, construção do leitor crítico. Vejamos em detalhes cada uma dessas funções. Quanto à abrangência individual ou social – inicialmente, o contato entre o autor e o leitor, por meio da obra, é lento e silencioso. O leitor aos poucos decifra as palavras do autor, em um processo gradativo no qual ele tateia as ideias linha a linha. Assim, o primeiro momento é sempre individual, mas em um segundo momento é possível tornar a leitura algo social. Como? Por meio de debates, resumos orais, seminários. São essas situações que transpõem a leitura individual e solitária para um ato de compartilhamento. Se pensarmos na gênese do que constitui uma narrativa, verificaremos que a natureza da literatura é profundamente social. Lembra-se do que falamos no início desta unidade sobre a necessidade do ser humano de compartilhar suas ideias e seus eventos do cotidiano? Pois é exatamente isso. 12 Também temos de levar em conta que, além da linguagem em si (fundamental para a constituição da literatura, como bem sabemos), a literatura aborda os temas pertinentes ao universo da vida humana, incluindo sentimentos, medos, desejos e experiências. Quanto à abrangência privada ou pública – esse aspecto diz respeito ao acesso ao livro. É fundamental que se crie o hábito da leitura e que o livro faça parte do cotidiano das pessoas. Na esfera privada, criar uma minibiblioteca no quarto de estudos ou de dormir e conservar livros como objetos preciosos são atitudes que ajudam na formação e no desenvolvimento do leitor. Já no que diz respeito ao âmbito público, às escolas cabe o papel de mantenedoras de grandes acervos em bibliotecas, de modo a propiciar a circulação dos livros. Essa movimentação é fundamental para que as ideias circulem no ambiente, o que contribui para o efeito multiplicador do conhecimento e do comportamento crítico. Quanto à relação entre autor, texto e leitor – para compreendermos essa relação, vamos observar o quadro 1. Finalidade do emissor da mensagem Objetivos do emissor para prender a atenção do público Público a que se dirige Informar Comunicar algo novo ou importante de forma clara, exata e rápida. A informação pode estar relacionada a fatos, nomes, datas, lugares etc. Leitor médio (público geral) que precisa de informação prática. Leitor especializado que necessita de informação especial ou técnica. Educar Ensinar, treinar, explicar uma técnica ou um modo de fazer. Por exemplo, ensinar a construir uma maquete etc. também é parte do ato de educar incrementar gradualmente o conhecimento do leitor sobre determinado assunto. Leitor que tem um conhecimento sobre uma técnica ou um tema inferior ao necessário. Quadro: 01 13 2. O INÍCIO DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA De acordo com Cademartori (2010), em meados dos anos de 1986, período em que escreveu a primeira edição de O que é literatura infantil, o gênero literário destinado às crianças começou a ser alvo de discussões e a ser valorizado pela comunidade acadêmica. Nesta época o Ministério da Educação distribuiu livros literários para as crianças nas escolas e bibliotecas do país. Essa iniciativa pioneira era denominada, Programa Salas de Leitura e era desenvolvido pela Fundação de Assistência ao Estudante. Conforme Frantz (2011), a história da literatura infantil brasileira começa com Monteiro Lobato. Ele foi o primeiro autor que escreveu para as crianças brasileiras, histórias com qualidade literária. Antes a literatura destinada às crianças, era a literatura européia clássica, tradicional, traduzida ou adaptada para o idioma brasileiro. Em 1921 Monteiro Lobato publica a obra que inaugura a literatura infantil brasileira, intitulada A menina do narizinho arrebitado. 3.A CRIANÇA NO MUNDO DA LEITURA: a literatura infantil 14 Imagem: 02 De acordo com Carvalho (1989) a literatura – mitos, estórias, contos, poesias, qualquer que seja a sua forma de expressão, é um das mais nobres conquistas da humanidade, a conquista do próprio homem. É conhecer, transmitir e comunicar a aventura do ser. Só esta realidade pode oferecer-lhe a sua verdadeira dimensão. Só esta aventura pode permitir-lhe a ventura da certeza de ser. Zilberman (1994, p.22) argumenta o que segue: A literatura sintetiza, por meio dos recursos da ficção, uma realidade, que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente. Assim, por mais exacerbada que seja a fantasia do escritor ou mais distanciada e diferente as circunstâncias de espaço e tempo dentro das quais uma obra é concebida, o sintoma de sua sobrevivência é o fato de que ela continua a se comunicar com o destinatário atual, porque ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e soluções, ajudandoo, pois, a conhecê-lo melhor. É fundamental que cada criança tenha o gosto, o prazer pela leitura, pois essa é uma dimensão essencial na vida de qualquer ser humano. Quando lemos estamos exercitando a mente e aguçando nossa inteligência. De acordo com Moric (1974), a literatura constitui uma arte, mas também representa um meio de educar o jovem leitor, desenvolver sua percepção estética do mundo, refinar suas qualidades, revelar sua inteligência, sua concepção do mundo, suas ideias, seu gosto. Nas palavras de Góes (2010, p.47): O desenvolvimento da leitura entre crianças resultará em um enriquecimento progressivo no campo dos valores morais, da cultura da linguagem e no campo racional. O hábito da leitura ajudará na formação da opinião e de um espírito crítico, principalmente a leitura de livros que formam o espírito crítico, enquanto a repetição de estereótipos empobrece. Os textos literários são fundamentais às crianças, pois mexem com suas fantasias, emoções e intelecto, sendo apresentados a elas com uma estética atrativa e também porenvolverem o lúdico. Bordini (1985, p. 27-28) afirma o seguinte “os textos literários adquirem no cenário educacional, uma função única, singular: aliam à informação o prazer do jogo, envolvem razão e emoções numa atividade integrativa, conquistando o leitor por inteiro e não apenas na sua esfera cognitiva”. 15 É através das emoções, ludismo, imaginação e fantasias que a criança apreende, ou seja, entende a realidade, dando-lhe um significado. Imagem: 03 Diante de um mundo globalizado em que o poder da mídia é massificador, é de extrema importância que pais e professores atuem em conjunto despertando nas crianças desde os anos inicias, o desejo pela leitura. Desta forma, no decorrer dos anos à medida que forem amadurecendo, poderão ser adultos capazes de fazer uma leitura além do que lhes está exposto, ou seja, o que mundo globalizado quer realmente expressar ou difundir nas entrelinhas. A literatura infantil é o caminho que leva as crianças ao mundo da leitura de maneira divertida, pois através de seu caráter mágico e lúdico faz com que a atenção das crianças se volte a ela. Entretanto, a escola muitas vezes não tem proporcionado aos seus alunos esse caráter mágico e lúdico da literatura infantil. A leitura não é apresentada à criança como algo belo e prazeroso, daí vem à má formação de nossos leitores. Desta forma, teremos adultos que não sentem prazer pela leitura e nem a adotam como uma prática social indispensável. Cabe assim, aos professores essa árdua tarefa. Eles precisam produzir atividades 16 divertidas, desenvolver em suas aulas metodologias diversificadas, fugindo assim de atividades rotineiras que desligam os alunos do prazer pela leitura. A escola tem como um dos objetivos primordiais, preparar o educando para exercer a cidadania, em que se procura alcançar uma educação transformadora e libertadora, mas como ela alcançará esse objetivo se não formar leitores praticantes que sejam conscientes dos direitos e deveres que constituem a cidadania? Uma educação humanizante tem que obrigatoriamente focar a prática da leitura. Nas palavras de Maria (2002), a eficácia da escola pode ser medida no modo como conseguiu prover o aluno de competência linguística para o exercício consciente de sua cidadania. Como somos conhecedores, teoria e prática não devem andar separadas ou desvinculadas, por isso o professor que deseja despertar nos seus educandos o gosto pela leitura, deve ser antes de tudo um constante leitor, fazendo com que suas palavras tenham um real valor para as crianças e para si mesmo. E sendo um mediador do diálogo entre o texto e o leitor. De acordo com Maria (2002), para acompanhar o processo de formação do aluno-leitor é imprescindível que o professor tenha construído ou esteja construindo, para si próprio, uma história de leitor. Mas porque damos tanta ênfase à leitura? Através da leitura podemos ler o mundo que nos rodeia, fazendo indagações e passando a compreender a realidade. Segundo Manguel (1997), todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial. Afinal, quais as características que as obras literárias dadas às crianças devem possuir? Frantz (2011, p. 53-60) destaca algumas características que precisam ser evitadas para que a leitura não se torne desagradável para as crianças. São elas: a) Didatismo e pedagogismo: a leitura tem sido utilizada apenas como fins didático-pedagógicos; 17 b) Moralismo: os livros infantis estão repletos de histórias que almejam unicamente a transmissão de normas de comportamento que levem a criança a ser da maneira como os adultos desejam. c) Adultocentrismo e paternalismo: o mundo adulto com todos os seus preconceitos e valores sobrepõem-se aos valores do mundo infantil, sufocando- os. d) Visão fechada de mundo: alguns autores apresentam a seus leitores infantis um mundo pronto, acabado, de valores absolutos e inquestionáveis. e) Infantilismo: há textos que parecem se destinar a um leitor que só entende a linguagem do “inho” e da “inha”, subestimando a criança, entendendo o ser infantil como um ser menor, inferior, ao qual se deve oferecer uma literatura igualmente inferior e de menor qualidade. Tornam-se evidente que as obras literárias devem possuir algumas dessas características, mas tudo de maneira equilibrada, sem inferiorizar a criança. A literatura infantil dada nos anos iniciais não pode deixar de privilegiar a poesia infantil, pois nos textos poéticos direcionados ao público infantil a valorização do lúdico está muito presente, o que atrai de maneira significativa as crianças. Segundo Frantz (2011, p.122): A poesia convida-nos a viver a fantasia a soltar a imaginação, a sentir a realidade de maneira especial, mágica, a ver e buscar sentidos em tudo que nos rodeia e a expressá-los de forma simbólica, lúdica, criativa, nova, prazerosa... poética. É quando o belo se sobrepõe ao útil. A criança é inserida no mundo da leitura mesmo antes de saber ler, pois o primeiro contato com a leitura se dá por meio da audição de histórias. Com tantos avanços tecnológicos, ouvir histórias contadas parece não despertar o interesse em ninguém, entretanto 6 muitas crianças gostam da maneira com o professor se expressa corporalmente e verbalmente ao contar uma história. Ao ouvir histórias a criança não é envolvida apenas no aspecto emocional, mas também cognitivamente, pois seu pensamento é estimulado a buscar significação para o que ela está ouvindo e elabora internamente esse universo significado. De acordo com Barbosa (1999, p. 22): 18 Para a criança, ouvir histórias estimula a criatividade e formas de expressão corporal. Sendo um momento de aprendizagem rica em estímulos sensoriais, intelectuais, dá-lhe segurança emocional. Ouvir histórias também ajuda a criança a entrar em contato com suas emoções, supre dúvidas e angústias internas. Através da narrativa a criança começa a entender o mundo ao seu redor e estabelecer relações com o outro, a socialização. Consequentemente, são mais criativas, saem-se melhor no aprendizado e serão adultos mais felizes Os contos de fadas também são essenciais. Nas palavras de Jesualdo (1993, p.136- 137), existem pessoas contrárias a se darem contos de fadas às crianças: Os homens graves e, mais que graves dotados de um espírito que não vacilamos em qualificar de falsamente racionalista ou científico são contrários a que se narre contos de fadas às crianças. Dizem eles que “essas bobagens somente contribuem para falsear o espírito, gerar nas crianças o gosto pelo maravilhoso, incliná-las à credulidade e a afogar nelas o germe de todo sentido crítico”. Entretanto, isso não é cabível, pois à medida que a criança vai crescendo e amadurecendo ela toma consciência do que é real, na ficando presa ao mundo da fantasia. Os contos de fadas são carregados de significados e não podem ser esquecidos nas leituras que as crianças farão e as que lhes serão dadas. Bettelheim (1980, p.14) explica: Esta é a mensagem que os contos de fadas transmitem às crianças de forma múltipla: uma luta contra as dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana; e se a pessoa não se intimida, mas se defronta de modo firme com as pressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa. Também em relação à composição das bibliotecas infantis, elas devem ser repletas com bons e atrativos livros. Conforme Meireles(1984, p. 145-146): As bibliotecas infantis [...], têm a vantagem não só de permitirem à criança uma enorme variedade de leituras, mas de instruírem os adultos acerca de suas preferências. Pois, pela escolha feita, entre tantos livros postos à sua disposição, a criança revela o seu gosto, as suas tendências, os seus interesses. 19 A biblioteca é um lugar de obtenção de informações, por isso o livro deve ser valorizado. Nas palavras de Góes (2010, p. 55): No bombardeio visual dos dias que correm, a biblioteca tem um papel tão essencial quanto insubstituível [...]. A biblioteca deveria, pois, ser um lugar de intercâmbio, troca, informação, integração na comunidade [...]. É princípio das bibliotecas proporem atividades bem diversas. Porém essas atividades só devem existir se derivarem de uma relação com o livro. O livro infantil deve ter o objetivo de sempre chamar a atenção da criança logo que ela o vê. Alguns livros falham no que diz respeito ao aspecto ilustrativo. Entretanto, isso não pode ocorrer nos livros infantis, pois as ilustrações trazem informações significativas, mostrando como são os personagens. Dessa forma, dáse uma maior veracidade à história. Palo e Oliveira (2006, p.15), dizem que nos livros o mais comum é o aparente diálogo que, no fundo, esconde um tom único, monológico, privilegiando a informação construída pelo texto verbal em detrimento daquela oriunda do visual. 4.LITERATURA INFANTIL E PEDAGOGIA: um breve excurso Historicamente, embora seja possível encontrar livros escritos para crianças anteriormente ao século XVIII, a emergência da literatura infantil, como um campo literário, está estreitamente relacionada com a emergência da sociedade burguesa, quando a prática da leitura literária se tornou central não apenas para crianças, mas para toda a sociedade. Conforme as pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1998), Se é certo que leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais a escrita se consolidou enquanto código, como se sabe a propósito dos gregos, só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a leitura enquanto prática coletiva, [itálicos no original] em sociedades de recorte burguês, onde se verifica no todo ou em parte uma economia capitalista. Esta se concretiza em empresas industriais, comerciais e financeiras, na vitalidade do mercado consumidor e na valorização da família, do trabalho e da educação. (p. 16) 20 Os primeiros livros endereçados para crianças surgiram, portanto, no contexto da ascensão da burguesia, na Europa, e estavam repletos de intenções morais e pedagógicas explícitas, pois eram produzidos com o intuito de constituir cidadãos devidamente alfabetizados e alinhados com as necessidades e as visões de mundo daquela sociedade. Para atingir tais objetivos, alguns autores da época mesclavam histórias e poemas a lições destinadas a ensinar leitura e escrita, incluindo abecedários, além de regras de comportamento e moral. Essa tendência pode ser observada, entre outros, já nos livros da britânica Mary Cooper, The Child’s New Play-thing, publicado em 1742, e de John Newbery, A Little Pretty Pocket-Book, publicado originalmente em 1744. Vários autores daquele período ficaram conhecidos pela ênfase acentuada em ensinamentos morais e religiosos, podendo-se destacar, nesse sentido, os livros Simple Susan, publicado em 1798 por Maria Edgeworth, The Story of the Robins, publicado por Sarah Trimmer em 1786, The History of the Fairchild Family, publicado em 1818 por Mary Martha Sherwood, entre muitos outros (Russell, 2015, p. 7). No Brasil, foi somente a partir do século XIX que surgiram livros nacionais de literatura endereçados a crianças, embora a maior parte fosse constituída por traduções e adaptações de obras europeias, principalmente portuguesas. Conforme advertem Regina Zilberman e Marisa Lajolo (1993), já naquela época, a escola era “a destinatária prevista para estes livros, que nela circulam como leitura subsidiária ou como prêmio para os melhores alunos” (p.19). Mais tarde, no início do século XX, autores brasileiros como Olavo Bilac, Viriato Correa, Manuel Bonfim, Júlia Lopes de Almeida, Adelina Lopes Vieira, entre outros, passaram a escrever obras para crianças, baseados na crença burguesa segundo a qual a literatura, e especialmente a poesia, seria um instrumento pedagógico eficiente para ensinar, na escola e fora dela, os valores morais, cívicos e religiosos que a sociedade de então considerava apropriados e necessários para uma boa formação. Nas palavras de Gregorin Filho (2011), Educação e leitura no Brasil, do final do século XIX até o surgimento de Monteiro Lobato, viviam alicerçadas nos paradigmas vigentes, ou seja: o 21 nacionalismo, o intelectualismo, o tradicionalismo cultural com seus modelos de cultura a serem imitados e o moralismo religioso, com as exigências de retidão de caráter, de honestidade, de solidariedade e de pureza de corpo de alma em conformidade com os preceitos cristãos. (p. 16) Assim como na Europa, também no Brasil, portanto, a produção de livros para crianças esteve marcada, desde seu início, por intenções morais e pedagógicas vinculadas ao universo cultural de uma burguesia emergente, sendo o espaço escolar o locus de consumo prioritário dessas obras. Na Europa, é possível dizer que o rompimento com o pedagogismo da literatura infantil teve seu início já na era vitoriana, com a publicação de Alice no país das maravilhas, por Lewis Carroll, em 1865. No Brasil, Monteiro Lobato foi pioneiro na escrita de uma obra literária que explorava prioritariamente o lúdico e a imaginação infantil em detrimento de ensinamentos explícitos. Contudo, somente a partir da década de 60 do século XX, houve um crescimento realmente expressivo de obras infantis no contexto brasileiro, especialmente de narrativas, o qual foi acompanhado pela melhoria também da sua qualidade artístico-literária. Já a poesia, segundo Zilberman (2005), passou por uma revitalização, em termos de quantidade e qualidade, principalmente a partir da década de 1980, quando houve uma valorização do gênero no Brasil, o que levou um número cada vez maior de poetas a se dedicarem a esse tipo de produção. Desde então, ao invés da perspectiva do adulto que pretende ensinar algo, é possível encontrar uma quantidade muito significativa de livros que priorizam o universo e a perspectiva infantis. No lugar de informações utilitárias, conhecimentos escolares e valores morais explícitos, autores contemporâneos têm valorizado a qualidade literária e o lúdico, que podem se manifestar tanto por meio das temáticas abordadas quanto da liberdade para experimentações com o significante linguístico. Têm se tornado cada vez mais comuns projetos intersemióticos ousados, ligando ilustração/imagens e texto linguístico de modo tão integrado que se chega frequentemente a uma linguagem híbrida. Além disso, questões densas e existenciais como a morte e a velhice, entre outras, também são apresentadas na perspectiva infantil, evitando-se respostas fáceis e enredos óbvios. A crítica literária não permaneceu isenta diante desse novo contexto. Maria da Glória Bordini (1986), em um estudo sobre a crítica voltada para a 22 produção infantil nas décadas de 70 e 80 do século XX, vislumbrou uma mudança de perspectiva introduzida pelo trabalho de acadêmicos nas universidades, nas quais foram sendo instituídas disciplinas específicas de literatura infantil desde então, o que, segundo a pesquisadora, levou a “uma reviravolta do foco sobre o elemento humanísticoformativo para o estético- ideológico”(p. 97). A partir dessas iniciativas, as análises acadêmicas passaram a privilegiar aspectos propriamente literários em detrimento de aspectos pedagógicos, valorizando a autonomia artística das obras infantis e tornando ainda mais refinado o olhar do leitor universitário para diferenciar obras cujo fim é proporcionar uma experiência de fruição literária de obras produzidas como mero pretexto para o ensino de gramática, números, informações sobre história e geografia, valores morais, etc. Por outro lado, a escola continuou sendo o lugar privilegiado para o consumo das obras literárias infantis e infantojuvenis. O mercado desses livros se expandiu devido aos programas de incentivo do governo, existentes desde a década de 1960, tais como a Fundação do Livro Escolar, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, entre outros (Lajolo, 1986). Atualmente, destaca-se o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), instituído em 1997 e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação (FNDE), em parceria com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC). O principal leitor da literatura infantil contemporânea, portanto, não é simplesmente a criança, mas a criança escolarizada. Se a escolarização da literatura infantojuvenil, de um lado, tem sido a responsável por sua vitalidade no Brasil, na medida em que garante grandes públicos consumidores, de outro lado, também tem gerado práticas que obliteram sua dimensão artística e literária. Para Graça Paulino (2010), O problema está na constituição anti-estética ou a-estética dos cânones escolares de leitura. Os modos escolares de ler literatura nada têm a ver com a experiência artística, mas com objetivos práticos, que passam da morfologia à ortografia sem qualquer mal-estar. Se for perguntado a um incauto mestre que tipo de leitor quer formar, possivelmente a resposta passará por idealizações distantes das práticas culturais concretas. (p.161) 23 A dificuldade de muitos educadores para realizar atividades significativas de leitura literária na escola, aliada ao discurso segundo o qual seria mais apropriado abordar textos imagéticos e outros gêneros textuais supostamente mais alinhados com a cultura contemporânea, tem levado alguns educadores a defender, inclusive, o fim do ensino da literatura. Segundo Rildo Cosson (2014,), “para muitos professores e estudiosos da área das Letras, a literatura só se mantém na escola por força da tradição e da inércia curricular, uma vez que a educação literária é um produto do século XIX que já não tem razão de ser no século XX” (p.20). Por outro lado, é preciso ressaltar que o universo acadêmico brasileiro não tem permanecido indiferente a essa problemática, o que se comprova pela existência de uma produção consistente de livros e artigos recentes que procuram articular o campo pedagógico a questões de leitura literária. Nesse contexto, muitos pesquisadores têm enfrentado o seguinte dilema: “Se hoje não faz mais sentido utilizar obras literárias como meros pretextos para atividades didáticas e pedagógicas em sentido restrito, o que deve ser ensinado quando se trabalha com a literatura no espaço escolar ou em outros espaços de formação?”. Essa pergunta vem sendo respondida a partir de diferentes perspectivas teóricas e discursos que enfatizam o caráter formativo da literatura infantil e sua importância no contexto escolar. Muitas dessas discussões têm sido divulgadas em livros que, entrementes, são referência no campo e bibliografia obrigatória em cursos de Letras e Pedagogia. Tais discussões também se fazem presentes em eventos como as reuniões nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação e em Letras (ANPED e ANPOLL), bem como em diferentes revistas e periódicos vinculados às áreas da Educação e das Letras. Nesse sentido, pode ser citado um trabalho de mapeamento do campo realizado por Silveira e Bonin (2013), que analisaram os artigos apresentados nas reuniões anuais da Anped – da 23ª a 32ª (2000 a 2012) – os quais focalizavam a literatura infantil e infantojuvenil. 24 5. ORIGEM E EVOLUÇÃO A célula máter da Literatura Infantil, hoje conhecida como "clássica", encontra-se na Novelística Popular Medieval que tem suas origens na Índia. Descobriu-se que, desde essa época, a palavra impôs-se ao homem como algo mágico, como um poder misterioso, que tanto poderia proteger, como ameaçar, construir ou destruir. São também de caráter mágico ou fantasioso as narrativas conhecidas hoje como literatura primordial. Nela foi descoberto o fundo fabuloso das narrativas orientais, que se forjaram durante séculos a.C., e se difundiram por todo o mundo, por meio da tradição oral. A Literatura Infantil constitui-se como gênero durante o século XVII, época em que as mudanças na estrutura da sociedade desencadearam repercussões no âmbito artístico. O aparecimento da Literatura Infantil tem características próprias, pois decorre da ascensão da família burguesa, do novo "status" concedido à infância na sociedade e da reorganização da escola. Sua emergência deveu-se, antes de tudo, à sua associação com a Pedagogia, já que as histórias eram elaboradas para se converterem em instrumento dela. É a partir do século XVIII que a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar- se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta. As Mil e Uma Noites: Coleção de contos árabes compilados provavelmente entre os séculos XIII e XVI. São estruturados como histórias em cadeia, em que cada conto termina com uma deixa que o liga ao seguinte. Essa estruturação força o ouvinte curioso a retornar para continuar a história, interrompida com suspense no ar. Foi o orientalista francês Antoine Galland o responsável por tornar o livro de As mil e uma Noites conhecido no ocidente (1704). Não existe texto fixo para a obra, variando seu conteúdo de manuscrito a manuscrito. Os árabes foram 25 reunindo e adaptando ess es contos maravilhosos de várias tradições. Assim, os contos mais antigos são provavelmente do Egito do séc. XII. A eles foram sendo agregados contos hindus, persas, siríacos e judaicos. O uso do número 1001 sugere que podem aparecer mais histórias, ligadas por um fio condutor infinito. Usar 1000 talvez desse a ideia de fechamento, inteiro, que não caracteriza a proposta da obra. Os mais famosos contos são: • O Mercador e o Gênio; • Aladim ou a Lâmpada Maravilhosa; • Ali-Babá e os Quarenta Ladrões Exterminados por uma Escrava; • As Sete Viagens de Simbá, o Marinheiro . A literatura infantil surgiu somente no século 17, com a descoberta da prensa. As histórias infantis e os contos populares, no entanto, existem desde que o ser humano adquiriu a fala. Há notícias de histórias antigas na África, na Índia, na China, no Japão e no Oriente Médio — como a coleção de contos árabes As Mil e Uma Noites. Algumas histórias tratam de temas que fazem parte da tradição de muitos povos e apresentam soluções para problemas universais. É o caso de “O Pequeno Polegar”. 26 Imagem: 04 O personagem representa o desejo de vingança do mais fraco contra o mais forte. Os pequenos se identificam com os heróis e experimentam diversas emoções. Que criança não fica com medo ao imaginar o Lobo Mau devorando a Vovozinha? Ou odeia a bruxa quando ela prende Rapunzel na torre? Para a escritora A na Maria Machado, os contosde fadas pertencem ao gênero literário mais rico do imaginário popular. "Essas histórias funcionam como válvula de escape e permitem que a criança vivencie seus problemas psicológicos de modo simbólico, saindo mais feliz dessa experiência." A ideia foi difundida após a divulgação dos estudos do psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990). Para ele, nenhum tipo de leitura é tão enriquecedor e satisfatório do que os contos de fadas, pois eles ensinam sobre os problemas interiores dos seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. Ou seja, a fantasia ajuda a formar a personalidade e por isso não pode faltar na educação. Uma obra é clássica e referência em qualquer época quando desperta as principais emoções humanas. O que os pequenos mais temem na infância? A separação dos pais; e esse drama existencial aparece logo no começo de muitas histórias consideradas referências na literatura. Para Bettelheim, a agressividade e o descontentamento com irmãos, mães e pais são vivenciados na fantasia dos contos: o medo da rejeição é trabalhado em João e Maria, a rivalidade entre irmãos em Cinderela e a separação entre as crianças e os pais em Rapunzel e O Patinho Feio. A leitura das histórias no passado tinha mais um propósito muito claro: apontar padrões sociais para as crianças. O objetivo das moças ingênuas era encontrar um príncipe, como mostrado em A Bela Adormecida e Cinderela. Em A Polegarzinha, de Andersen, a recompensa final da protagonista, Dedolina também era o casamento. Já garotas desobedientes, como Chapeuzinho Vermelho, deparavam com situações dramáticas, como enfrentar o Lobo Mau. Essa história tinha forte 27 caráter moral na sociedade rural do século 17: camponesas não deviam andar sozinhas. Isso mostra como os contos serviam para instruir mais que divertir. 6.PANORAMA NO BRASIL Você sabia que, até o século XIX, a literatura destinada ao público infantil no Brasil era importada? Sim, ainda não se produzia literatura infantil brasileira naquela época. E mais: as traduções eram, na maioria, ralizadas em Portugal. Assim, tratava-se de uma produção literária dispendiosa e, obviamnete, elitista. Ainda não havia editoras no país e até mesmo e até mesmo autores brasileiros tinham seus livros impressos na Europa. Vamos compreender um pouco do momento histórico brasileiro em que ocorreu o surgimento de uma literatura infantil nacional. Durante a primeira metade do século XIX, em 1808, com a vinda e o estabelecimento da familia real portuguesa no Brasil, teve início uma caminhada rumo ao progresso econômico e à independência política. Consequentemente, essa mudança de paradigma busca uma maneira de incluir o país entre as nações civilizadas do Ocidente Dessa maneira, o rei Dom João VI, no sentido de preparar a colônia brasileira para ser a nova sede de Portugal, não mediu esforços e, em curto tempo, fez com que inúmeras áreas se desenvolvessem no Brasil, muitas delas relacionadas à cultura e à produção de conhecimento (se você fizer uma pesquisa histórica, notará que muitas universidades surgidas no Brasil datam desse período, além disso, em 1810 foi trazido de Portugal um importante acervo de livros e outros documentos que deram origem à Biblioteca Nacional, a primeira e mais importante biblioteca brasileira). Em 1808, implanta-se a Imprensa Régia brasileira, e com ela nasce oficialmente a atividade editorial no Brasil . Assim, algumas obras voltadas para o público infantil são traduzidas e publicadas, como As aventuras pasmosas, do Barão de Munchhausen, e a coletânea Leitura para meninos, organizada por José Saturnino da Costa Pereira. Esta última "encontrou seu público entre as crianças que aprendiam a ler, assimilavam padrões morais e estudavam os 28 conteúdos de disciplinas curriculares, como geografia, cronologia, história de Portugal e história natural" (ZILBERMAN, 1996, p 16). Já em 1822, o principe Dom Pedro reage à decisão da nova Constituição portuguesa, a qual tornava o Brasil novamente colônia de Portugal, e proclama a Independència, tornando-se imediatamente imperador, sob o título de Dom Pedro I. Assim, percebemos que esses dois acontecimentos (a chegada da familia real e a proclamação da Independência) foram fundamentais para movimentar as bases culturais do pais, abrindo novos horizontes à educação. Entre o final do século XIX e o inicio do século XX, ocorreu uma rápida urbanização no país: aumentaram os empregos no setor cafeeiro, cresceu o número de bancos e ampliou-se o quadro de funcionários públicos; além disso, aumentaram as redes de ferrovias e o movimento dos portos. Todo esse progresso amplia a população na cidade, o que favorece o aparecimento da literatura infantil. Gestam-se aí as massas urbanas que, além de consumidoras de produtos industrializados, vão constituindo os diferentes públicos, para os quais se destinam os diversos tipos de publicações feitos por aqui: as sofisticadas revistas femininas, os romances ligeiros, o material escolar, os livros para crianças (LAJOLO; ZILBERMAN, 1999, p. 25). No final do século XIX, a literatura brasileira era bastante variada. Vigoravam os poemas parnasianos, carregados de lirismo e sentimentalidade, como os de Olavo Bilac-expoente máximo do parnasianismo brasileiro. Na prosa, em vez dos textos açucarados e histórias idealizadas do Romantismo que havia imperado até pouco tempo, abria-se caminho para textos que focalizavam as mazelas da sociedade, como foi o caso do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, por exemplo, ou que denunciavam as hipocrisias do caráter humano, como no caso de O ateneu de Raul Pompeia. Dessa maneira, as criticas à burguesia vieram à luz, os vicios e a mesquinhez humana foram colocados em evidência em romances que agora buscavam não mais adoçar a vida, mas sim expô-la em toda a sua crueza. Assim, é tecido um Brasil multifacetado, cujos modos de vida e histórias são documentados de maneiras variadas por intelectuais como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato - este último com forte expressão na literatura infantil, como veremos em breve. 29 O resultado é um mosaico: o virtuosismo poético de Olavo Bilac, as vaguidades não menos rebuscadas dos simbolistas a denúncia urgente e contorcida de Euclides da Cunha ou Raul Pompeia, o regionalismo de Monteiro Lobato, entre 1890 e 1920, configuram a produção literária brasileira em suas várias vertentes. Entre estas, mesmo as que proclamavam (ou eram proclamadas) menos radicais assumiam como função dos projetos e dos textos a tarefa missionária de dar testemunho de seu pais, atuando, por meio da literatura, no ambiente que desejavam transformar (LAJOLO, ZILBERMAN, 1999, p. 27). E é em meio a esse contexto cultural e social, quando o país se urbanizava e se modernizava, que surgem os primeiros esforços para uma literatura infantil genuinamente brasileira Entre 1890 e 1920, houve um grande desenvolvimento dos centros urbanos e um consequente aumento populacional nessas regiões. Isso se reflete na consolidação de classes sociais intermediárias entre a aristocracia rural (os barões do café) e a alta burguesia (os industriais). Assim como ocorreu na Europa, esse cenário é favorável para o consumo de bens, e agora não podemos nos esquecer de que os livros são mercadorias elitistas. Desse modo, faz sentido pensar que o consumo de livros era impulsionado por uma idealização europeizada da cultura Afinal, trata-se do "padrão de escolarização e cultura com que esses novos segmentos sociais desejam apresentar-se frente a outros grupos com os quais buscam ou a identificação ou a diferença" (LAJOLO, ZILBERMAN, 1999, p. 27) Essa mentalidaderatifica a busca por um padrão social e cultural apoiado em bases europeias. Porém, a história nos mostra que certas peculiaridades da sociedade brasileira foram responsáveis por alguns problemas na urbanização do Brasil: tratava-se de um país que abolira recentemente a escravidão sem levar em conta a inserção desses cidadãos na sociedade economicamente ativa e, ainda no que se refere à economia, esta se fundamentava num sistema latifundiário arcaico, o qual não demonstrava qualquer intenção de mudança. O resultado dessa situação foi um projeto de modernização que agradava somente às elites: visava-se apenas o centro da cidade, expulsando o pobre, mais especificamente o negro ex-escravo, para as periferias. Provavelmente, você ainda hoje consegue notar os reflexos dessa postura de um século atrás em nossa sociedade contemporânea, não é? 30 Bem, neste momento, você deve estar se perguntando: "Mas o que essa história tem de fato a ver com a literatura infantil?". Essa pergunta será respondida agora. Vamos lá? Como vimos, esse modelo europeu burguês favorecia o consumo e a aquisição de bens culturais. Desse modo, o conhecimento torna-se, ele próprio, um bem de consumo. O saber é um diferenciador social e, portanto, a instrução, a alfabetização e a educação tornam-se urgentes. As escolas ganham um novo valor. Contudo, apesar da valorização eminente da escola, "desponta a preocupação generalizada com a carência de material adequado de leitura para crianças brasileiras" (LAJOLO, ZILBERMAN, 1999. p 28). Nas lamentações da ausência de material de leitura e de livros para a infância brasileira, fica patente a concepção, bastante co mum na época, da importância do hábito de ler para a formação do cidadão, formação que, a curto, médio e longo prazo, era o papel que se esperava do sistema escolar que então se pretendia implantar e expandir (LAJOLO, ZILBERMAN, 1999, p. 271). Em outras palavras, havia uma necessidade urgente de materiais escolares que fossem feitos por e para brasileiros, cujos temas tivessem como pauta o nacional, isto é, a pátria, a cultura e o sentimento do brasileiro. E esse apelo foi ouvido – até mesmo por se ter percebido ai um filão no mercado editorial. Em sintese, era um bom negócio para editores, elite e governo. Graças à escola, que necessitava de literatura para ensinar bons habitos e valores, autores como Olavo Bilac, Coelho Neto. Manoel Bonfim o Tales Andrade passaram a ter seus livros publicados. No mesmo período, no mercado editorial, surgem traduções feitas por nossos escritores. E a justificativa para consolidar a necessidade de estabelecer a literatura infantil genuinamente brasileira era o panorama fortemente marcado pelas obras estrangeiras, já que até então circulavam no pais diversas traduções e adaptações desses textos. Cabe citar, portanto, nomes Carlos Jansem e Fiqueiredo Pimentel, podemos destacar os contos clássicos de Grimm, Perrault e Andersen, publicados nos Contos da Carochinha (1894), nas Histórias da Avozinha (1896) e nas Histórias da Baratinha (1896); já Carlos Jansen contribui para esse cenário 31 com as traduções de Contos seletos das mil e uma noites (1882), Robinson Crusoé (1885) e As aventuras do Barão de Munchhausen (1888), por exemplo. Quanto à produção nacional em prosa, cronologicamente, podemos citar: ►Contos infantis (1886), de Júlia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira. ► Contos pátrios (1904), de Olavo Bilac e coelho Neto. ► Histórias da nossa terra (1907), de Júlia Lopes de Almeida. ► Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bonfim. ► Era uma (1817), de Júlia Lopes de almeida. ► Saudade (1919), de Tales de Andrade. Já em relação à poesia infantil brasileira, são relevantes: ► Coração (1893), de Zalina Rolim. ► Livro das crianças (1897), de Zalina Rolim e João Kopke. ► Poesias infantis (1904), de Olavo bilac. ► Alma infantil (1919), de Francisca Júlia e Júlio da Silva. Em relação às antologias folclóricas, destacam-se: ► A festa das aves (1910), de Arnaldo Barreto, Roman Roca e Teodoro Morais. ► Livro das aves (1914), de Prescilina D. de almeida. ► A árvore (1916), de Júlia Lopes de almeida e Adelina Lopes Vieira. ► Os nossos brinquedos (1990), Cantigas das crianças e do povo (1916), Danças populares (1916) e Provérbios populares, máximas e observações usuais (1917), estes de alexina de Magalhães Pinto. Essas foram as principais obras disponíveis para a infância brasileira daquele momento. Neste breve panorama da literatura infantil no Brasil, é fundamental que apontemos alguns fatos que marcaram a produção de livros para crianças em nosso país. ► Nacionalização da literatura infantil – naquela época, ainda havia uma distância linguística entre os textos disponíveis e os leitores, o que apontava para uma necessidade de nacionalizar a literatura infantil. Surgem, então, vários 32 programas de incentivo para que isso se concretize, como, por exemplo, a publicação de uma adaptação extremamente progressista dos Contos da Carochinha, de Fiqueiredo Pimentel, em 1894. Muitas adaptações e versões ao gosto brasileiro são publlicadas a partir daí, e um fato que devemos citar como marco é o lançamento da Biblioteca Infantil da Editora Melhoramentos, em 1915. ►Nacionalismo na literatura – os livros buscam, portanto estabelecer uma lição de patriotismo. Para isso, as histórias contam, em sua maioria, com protagonistas infantis, de modo a estabelecer uma identificação imendiata com o leitor. As características das personagens são sempre estereotipadas (virtuosas e de comportamento exemplar, ou negligente e cruel). Além disso, os protagonistas estão sempre envolvidos em situações modelares de aprendizagem (lendo bons livros, ouvindo histórias edificantes, tendo conversas educativas com seus pais e professores etc.). Em 1910, vem à luz o livro Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manoel Bonfim, obra que trocou as cartilhas portuguesas utilizadas até então por um texto original e muito mais brasileiro, mostrando os diversos cenários sociais, geográficos e econômicos do país naquela época. Através do Brasil baseou-se em dois modelos estrangeiros que incentivavam o patriotismo na infância: o francês de Le tour de la France par deux garçons e o italiano de Cuore. A estutura da obra de Bilac e bomfim (dois meninos cruzando o brasil de norte a sul em busca do pai doente) possibilita a inserção de ligações de geografia, agricultura, história e higiene. As aventuras vividas pelas personagens fazem com que os leitores se identifiquem com as histórias e apreendam o conteúdo pedagógico oferecido. Ao fim, a grande lição que a obra deixa é a do civismo, do patriotismo e da brasilidade. Assim como nas obras estrangeiras que serviram de modelo para Através do Brasil, neste, no final, a família e a pátria se entrelaçam. ► Modelo de língua nacional - esse aspecto também foi fundamental para a consolidação da literatura infantil genuinamnete nacional. Existe uma forte preocupação com a escrita correta da língua pátria. Nesse sentido, era essencial que, nas obras didátias e pedagógicas, se considerasse a função modelar da qual a literatura poderia se aproprioar. “além de fornecer exemplos de qualidades, sentimentos, atitudes e valores a sewrem interiorizados pelas 33 crianças, outro valor a ser assimilado, e que o texto deve manifestar com limpidez, é a correção da linguagem (LAJOLO; ZILBERMAN, 1999, p.42). Aqui, o objetivo está além da busca pela perfeição linguistica: almeja-se o fortalecimento de um sentimento de nação estabelecido pelo uso da língua como emblemada pátria. Na primeira metade do século XX, o Brasil passou por profundas mudanças sociais e politicas Foi um periodo de modernização, e o pais transformou-se econômica e culturalmente. As guerras que ocor riam no mundo impulsionavam movimentos migratórios, e o Brasil, principalmente a região Sudeste, se tomava mais e mais urbanizado. Nas artes, a literatura infantil rompeu, parcialmente, com algumas amarras e passou a promover o registro da linguagem oral e coloquial nas narrativas Nas histórias, agora, incluiam-se "temas nacionalistas, fatos e vultos do passado histórico nacional, focalizados, contudo, dentro de uma perspectiva exacerbada, passadista e conservadora" (PEREIRA, SOUZA, KIRCHOF, 2012, p. 82). Assim, em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho arrebitado, dando início a uma nova fase literária da produção brasileira destinada a crianças. Começa, portanto, uma mudança nos paradigmas das publicações do segmento no Brasil. Lobato também se destacou como editor e teve importante atuação na área com iniciativas para popularizar a venda de livros. Também nessa época, e com destaque para sua editora, propagou-se o uso de ilustrações nos livros, não só infantis, a cargo de importantes ilustradores como Voltolino e Belmonte, entre outros. Tal foi a importância e o sucesso da obra de Lobato que, durante décadas, "o panorama da literatura destinada a crianças e a jovens permaneceu semiestagnado, com várias e frustradas tentativas de imitação" (SANDRONI, 1998, p 15 apud CAVEQUIA 2010 p.3). Monteiro Lobato (1882-1948) foi realmente um “divisor de águas”, separando o que era produzido antes e o que se passou a produzir em termos de literatura para crianças no Brasil. A partir de suas publicações, a criança passa a ter uma literatura cujos propósitos se libertam dos nacionalismos e moralismo de época. De acordo com Nelly Novaes Coelho (1991 apud CARDOSO, 2012, p. 3), o sucesso da obra se deve ao fato de as crianças se identificarem com as situações narradas, assim como ocorre com alice no país 34 das marqavilhas, cujo enredo “funde o real e o maravilhoso em uma única realidade”. Além de suas criações originais, Lobato ainda fez adaptações, recriações (como de fábulas) e traduções. Entretanto, seus livros não eram uma unanimidade. As escolas mais tradicionais e/ou religiosas não viam com bons olhos seus textos desprovidos dos valores moralizantes até então utilizados no sentido de educar. Seu trabalho não tardou a despertar a ira de religiosos e moralistas. O mundo fictício criado por Monteiro Lobato foi um marco decisivo para a literatura infantil brasileira. As características encontradas em seus textos são próprias de uma literatura que se propôs a ultrapassar a mera questão pedagógica, didática ou educativa e incentivar a liberdade interior e de ação. Nessa perspectiva, sua produção literária destinada aos leitores mirins representou um estímulo à curiosodade intelectual, à criatividade e à descoberrta, fatores que contribuíram para a longevidade de uma obra que, ainda hoje, contínua encantando a todos que mantêm contato com ela, seja pela leitura dos textos escritos, seja pela assistência às suas inúmeras adaptações televisivas (PEREIRA; SOUZA; KIRCHOF, 2012, p. 82). De modo a facilitar nosso estudo, apresentaremos a seguir as principais características da obra de Monteiro Lobato: ► estilo de escrita siimples. ► junção de elementos da realidade e da fantasia; ► abordagem da cultura nacional; ► inovação ao incluir ensinamentos de disciplinas como geografia, matemática e história; ► representação do meio rural e suas peculiaridades sociais. As principais obras infantis de Monteiro Lobato são: ► Reinações de Narizinho. ► Viagem ao céu e O Saci. ► Caçadas de Pedrinho e Hans Staden. ► Histórias do mundo para as crianças. ► Memórias da Emília e Peter Pan. 35 ► Emília no país da gramática e Aritmética da Emília. ► Dom Quixote das crianças. ► O poço do Visconde. ► Histórias de tia Nastácia. ► O pica-pau amarelo e A reforma da natureza. ► O Minotauro. ► Os doze trabalhos de Hércules. Imagem: 05 Depois do movimento modernista de 1922, a educação passou a ser mais valorizada, exigindo-se uma reformulação dos processos pedagógicos e administrativos nas escolas. Uma grande revolução educacional se deu em 1930, quando foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Com o surgimento desse ministério, o ensino no Brasil foi classificado em primário, secundário e superior, e, sete anos depois, com a Constituição de 1937, iniciou- se uma nova fase para a educação, com a criação da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, em São Paulo, e do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). Com essa expansão, a produção de literatura infantil também aumentou no país. Nas décadas de 1930 e 1940, havia uma segmentação de gênero na literatura infantil: para os meninos, eram destinadas as histórias em quadrinhos 36 (vindas dos Estados Unidos) e o gênero policial, que tornou Sherlock Holmes, o detetive mais famoso do mundo; para as meninas, difundem-se coleções conhecidas como Rosa ou Menina Moça. No ambiente escolar, no entanto, há necessidade de uma literatura mais “didática” e, como observamos anteriormente, Monteiro Lobato enfrentou a ira dos religiosos e moralistas da época, de maneira que seus livros foram proibidos nas escolas religiosas, acusados de desviar as crianças da “verdade”, dando lugar, assim, a uma literatura mais “cotidiana”. Na década de 1950, com a publicação de As aventuras de Xisto (1957), de Lúcia Machado de almeida, há uma emancipação da literatura em relação à escola, que passa a servir de entretenimento para as crianças. Na década de 1960, com a implantação da Lei de diretrizes e Bases da educação Nacional (LDBEN), exige-se a democratização do ensino, e o período de escolarização passa a ter a obrigatoriedade de no mínimo oito anos, promovendo-se, portanto, “a leitura como habilidade formadora básica, e propondo fazer do texto literário o subsídio para o ensino da gramática” (CARDOSO, 2012, p. 5). Nos anos de 1970, ocorre ainda uma grande demanda por novos textos literários pautada nessa mudança de paradigmas promovida pela LDBEN. Diante de todas essas mudanças, são muitos os autores que passam a atender a essa nova proposta, como Francisco Marins, Maria Heloísa Penteado, Maria José Dupré e Clarice Lispector. O cenário também se torna propício para outras modalidades literárias voltadas para o público infantil, como o teatro e as histórias em quadrinhos, cujos principais títulos são O Menino Maluquinho, de Ziraldo, e A turma da Mônica, de Maurício de Sousa. Muitos autores surgidos nessa época ainda hoje são considerados proeminentes na área, como Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Fernanda Lopes de almeida, João Carlos Marinho, Lygia Bojunga Nunes, Rachel de Queiroz, Sérgio Caparelli, Pedro Bandeira e Tatiana Belinky. Essa nova fase da literatura abriu espaço para a valorização da ilustração das obras infantis, que passou a ser considerada um trabalho de coautoria. Após 1985, com o movimento das Diretas já, o Brasil passou por muitas mudanças econômicas e sociais muito significativas. Essas mudanças culminaram em uma nova Constituição Federal de 1988. A nova Constituição, conhecida como constituição Cidadã. 37 Além dessa mudança de paradigma, as obras publicadas nesse período também começaram a tratar de temas atuais ligados ao cotidiano das crianças: fala-se sobre a separação dos pais e o primeiro amor, por exemplo. Em síntese, o período apresenta três fortes correntestemáticas: 1- Realista – registra o cotidiano, informando acerca do modo de viver nas diversas regiões brasileiras, e aborda temas como o divórcio, as drogas, o racismo etc. 2- Fantasia – desenvolve histórias maravilhoasas e inverossímeis. 3- Híbrida – apresenta ambas as características anteriores, de modo que é dificil delimitar em que ponto começa a fantasia a acaba a realidade. Atualmente, nossa realidade tecnológica e globalizada tem propiciado um crescimento realmente signifivativo da produção literária – de maneira quantitativa e qualitativa. O início do século XXI foi marcado pelo investimento de várias editoras no segmento infantil e infantojuvenil. A obra infantil de Monteiro Lobato foi reeditada, vários clássicos ganharam novas traduções, criaram-se muitas adaptações e os livros passaram a se caracterizar por projetos gráficos sofisticados e inovadores, com a revelação de novos escritores e artistas dedicados a essa produção voltada para as crianças. Imagem: 06 38 A literatura infantil brasileira vem se destacando também internacionalmente, com a premiação de vários escritores, ilustradores e designers gráficos, tanto jovens profissionais quanto veteranos. 39 7.REFERÊNCIAS: ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. ANDRÉ, M. E. D. A.; LUDKE, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 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