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SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL: UM DEBATE IMPORTANTE PARA O TRABALHO PROFISSIONAL COM ÊNFASE NA ÁREA SOCIOJURÍDICA Hamida Assunção Pinheiro1 Lana Azevedo Cardoso2 Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer um breve estudo analítico sobre a relação do Serviço Social com as políticas sociais, dando ênfase a atuação do assistente social na área sociojurídica. Trata-se de uma investigação alicerçada na pesquisa bibliográfica, que almeja possibilitar reflexões acerca do exercício profissional e desafios para a materialização dos princípios éticos e políticos da profissão no cotidiano de trabalho. Palavras-chave: Serviço Social. Política Social. Trabalho. Abstract: This article aims to make a brief analytical study on the relationship between Social Work and social policies, emphasizing the role of the social worker in the socio-legal area. It is an investigation based on bibliographic research, which aims to enable reflections about professional practice and challenges for the materialization of the ethical and political principles of the profession in daily work. Keywords: Social Service. Social Policy. Job. 1 INTRODUÇÃO A discussão entre a relação do trabalho profissional do assistente social na área sociojurídica com a política social é fundamental, visto que é por meio dessas políticas que o Serviço Social vai materializar o seu trabalho. Nesse sentido, é importante entender como se deu o processo de construção da política social, dando ênfase ao papel do Estado no atendimento das necessidades sociais. 1 Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas – UFAM e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS, no qual atua também como coordenadora. É doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia pela UFAM. E-mail: hamida.assuncao@gmail.com 2 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Mestranda no Programa de Pós- Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS, sendo bolsista da FAPEAM. E- mail:lana2310azevedo@hotmail.com Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ Deste modo, conhecer os subsídios e as particularidades do trabalho profissional na área sociojurídica é essencial, uma vez que essa esta área vem se expandindo e o que possibilita protagonismo do trabalho de diversos assistente sociais. Sendo assim, o método de análise utilizado nesse estudo é o materialismo histórico dialético, uma vez que a presente discussão requer olhar crítico. Foi realizada também pesquisa bibliográfica em livros, artigos e legislações. Portanto, a discussão da acerca da relação entre o trabalho profissional na área sociojurídica e as políticas sociais é de grande relevância, uma vez ambos são indissociáveis e os processos de trabalho e as políticas sociais se alteram, pois a realidade é dinâmica e eles são se voltam para o atendimento de necessidades sociais. 2 POLÍTICA SOCIAL, ESTADO E QUESTÃO SOCIAL: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA PARA O SERVIÇO SOCIAL O surgimento das políticas sociais3 não possui uma data certa, uma vez que estas se constituíram diante da confluência entre os movimentos de ascensão do sistema capitalista com a Revolução Industrial4, das lutas de classe e do desenvolvimento da intervenção estatal. (BEHRING, BOSCHETTI, 2011). Nesse sentido, se pode afirmar que sua criação possui relação com os movimentos de massa social-democratas, bem como da instauração dos Estados-Nação na Europa ocidental no fim do século XIX. No entanto, é importante salientar que a sua generalização ocorreu no momento de mudança do capitalismo concorrencial para o monopolista, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial pós os anos de 1945. Entretanto, é fundamental esclarecer que as sociedades pré-capitalistas tinham determinadas responsabilidades sociais, mesmo que não estivessem inseridas na lógica do mercado, na qual se tinha como finalidade manter a ordem social e coibir práticas consideradas de vagabundagem. Nesse sentido, é possível identificar algumas práticas assistenciais 3 Refere-se à política de ação que visa atender necessidades sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual e espontânea, e requer deliberada decisão coletiva regida por princípios de justiça social, que devem ser amparados por leis impessoais e objetivas. (PEREIRA, 2008) 4 A Revolução Industrial pode ser entendida como um conjunto de mudanças que ocorreram entre os séculos XVIII e XIX, sua principal característica é a substituição do trabalho artesanal pelo assalariado com uso de máquinas. (OLIVEIRA, 2004). Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ realizadas por meio da caridade privada e da filantropia que podem ser entendidas como as protoformas das políticas sociais. Por isso, cabe destacar as legislações seminais inglesas que tinham como foco estabelecer um código coercitivo do trabalho, que se constituíram antes da Revolução Industrial, são elas: Estatuto dos trabalhadores de 1349; Estatuto dos Artesãos de 1563; Leis dos pobres elisabetanas, as quais se sucederam entre 1531 e 1601; Lei do Domicílio de 1662; Speenhamland Act de 1975 e a Poor Law Amendment de 1834. (BEHRING, BOSCHETTI, 2011). É importante salientar que as ações assistenciais tinham o foco em induzir o trabalhador a se manter por meio de seu trabalho. Mas com o advento da inserção do trabalho no sistema capitalista, se deu abertura para o imperativo da liberdade e competitividade na compra e venda da força de trabalho. (BEHRING, BOSCHETTI, 2011). Se as legislações sociais antes do sistema capitalista já apresentavam um caráter punitivo e restritivo, no auge da Revolução Industrial os pobres ficaram em uma condição de servidão à liberdade gerada pelo capitalismo, sem nenhuma proteção, o que ocasionou o denominado pauperismo5. Frente a esse contexto a classe trabalhadora travou lutas e se organizou politicamente para reivindicar melhores condições sociais de trabalho, isso resultou na constituição de novas regulamentações sociais, as quais deveriam ser geradas pelo Estado. Nesse sentido, quando abordamos a discussão sobre a política social e o papel do Estado é fundamental entender e explicar a concepção de Estado. Por isso, nessa análise é essencial destacar os estudos feitos por Gramsci, os quais apontam que o Estado tem uso para além da coerção, pois há outras ações que não requerem força e ameaça. Por isso, Pereira (2008) vem dizer que “tal resignação sugere que existe um lado não restritivo da ação estatal, que não pode ser confundida com o arbítrio dos governantes e nem encarado com um absorvedouro dos pobres, mas também legítimos dos cidadãos.” (p. 136) 5 O pauperismo pode ser entendido como um fenômeno decorrente da primeira onda industrializante que começou na Inglaterra no final do século XVIII. Nesse sentido, amplas camadas da população eram relegadas a esfera da pobreza, por isso a pauperização do trabalhador no início do século XIX, refletia nas condições de moradia e nutrição que eram gritantes (SANTOS, 2005). Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ Nessa perspectiva, a originalidade do pensamento de Gramsci se encontra na ampliação marxista, uma vez que no conceito de Estado ampliado, a sociedade também é incluída. Deste modo, a junção da sociedade política com a sociedade civil forma o denominado Estado ampliado. Em vista disso, ele é entendido como uma instituição contraditória, uma vez que ao mesmo tempo em que exerce a dominação, também usa mecanismos de consenso para se legitimar junto a sociedade, e por isso deve atender as demandas e necessidades das classes subalternas. (PEREIRA, 2008). É importante destacar que o Estado pode assumir um formato políticohistoricamente determinado, por esse motivo não existe um padrão estatal imutável, uma vez que a sua criação é relacionada a épocas e circunstâncias de diferentes contextos. Nesse sentido, é responsabilidade do Estado constituir meios para atender as demandas dos sujeitos, o que envolve a política social como elemento central. Essas políticas podem atender a população de forma abrangente visando a proteção social, ou de forma fragmentada atendendo alguns seguimentos populacionais, o que depende também das forças ideológicas que estão ligadas ao Estado. Por isso, é fundamental salientar a análise de Pereira (2008), a qual afirma que a criação das políticas sociais se deu de maneira gradativa e diferenciada entre os países, pois vai depender do movimento de organização e pressão da classe trabalhadora, assim como do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações de força no âmbito do Estado. Segundo Iamamoto (1995), no contexto brasileiro na primeira metade dos anos de 1930 é que a questão social6 se legitima, a qual expressa o processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, que passa a exigir o seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. Nesse sentido, cabe salientar que a profissão também surge no Brasil nos anos de 1930 e diante das diversas expressões da questão social no país, assistentes sociais são requisitados para atuar em diversas áreas, uma delas é a área sociojurídica que diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação social do Serviço Social articula- se às ações de natureza jurídica. (FÁVERO, 2013). 6 O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como especialização do trabalho, esta que pode ser apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura. (IAMAMOTO, 2008, p. 27) Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ Na década de 1940 em São Paulo, é possivel identificar profissionais de Serviço Social atuando na área scoiojurídica, no denominado Juizado de Menores. Nos anos posteriores foram ampliados diversos setores para o trabalho do assistente social nessa área. É importante salientar o papel das políticas sociais para o trabalho do assistente social no sociojurídico, uma vez que o profissional possui demandas diversas no seu cotidiano profissional. Nesse sentido, é fundamental destacar que a Constituição Federal de 1988 é considerada um marco, pois ela é o resultado do processo de redemocratização, o qual foi consequência das lutas realizadas pelos vários seguimentos populacionais. Nesse contexto a noção de cidadania ganha protagonismo, a qual possui articulação com democracia. Por isso, Coutinho (1990), vem dizer que a cidadania é a capacidade consquistada por alguns sujeitos ou em uma democracia consolidada por todos, tendo em vista se apropriar dos bens socialmente produzidos, possibilitando a atualização de todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social nos contextos históricos, nessa perspectiva se afirmar que a cidadania é o resultado de lutas constantes. Após da CF de 1988 é que o Estado assume um caráter democrático de direito7, são criadas várias políticas sociais as quais serão parâmetros centrais no trabalho profissional do Serviço Social, inclusive na área sociojurídica. Por isso Almeida e Alencar (2011), vem dizer que a política social se origina de um conjunto de respostas historicamente elaboradas pelo Estado no enfrentamento da questão social. Portanto, se pode entender que ideologicamente as políticas cumprem a função de redistribuir parte da riqueza socialmente produzida, criando assim mecanismos de consenso social junto aqueles que produzem a riqueza, mas não desfrutam dos seus benefícios. Frente a isso, as políticas são respostas sociais às disputas políticas em um dado estágio do desenvolvimento capitalista, quando os sujeitos cobram do Estado o atendimento dos interesses coletivos. 7 O Estado de Direito que seja efetivamente exercido vai se sustentar em princípios válidos em qualquer país onde a liberdade prevalece sobre a autoridade, seus princípios fundamentais são: a legalidade da administração e a garantia dos direitos e liberdades fundamentais. (VIEIRA, 2009) Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ 3 O TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL: SUBSÍDIOS PARA A ATUAÇÃO NA ÁREA SOCIOJURÍDICA Após o marco da Constituição Federal de 1988, várias políticas sociais foram criadas, as quais são ferramentas centrais para o trabalho profissional do assistente social. Nesse sentido, as principais políticas que vão subsidiar a intervenção do Serviço Social na área sociojurídica são: Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069 de julho de 1990, a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, Lei Maria da Penha nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 que foi alterada para Lei 13.827 de 13 de maio de 2019 e dentre outras. Cabe salientar que a política social tem historicamente uma relação intríseca com o trabalho profissional do Serviço Social frente aos diversos espaços sócio-ocupacionais de atuação. Para Almeida e Alencar (2011), ao mesmo passo em que as políticas públicas fragmentam a realidade social, pois estabelecem recortes por ciclos de vida e categorias como (crianças, adolescentes, jovens, mulher, trabalhador e idosos), apresentam também investimentos que buscam recriar algumas unidades, por meio principalmente de ações ou instâncias de coodernação intersetoriais, que após a Constituição de 1988, ganham nova arquitetura institucional, pois as políticas passam a ser estruturadas em sistemas unificados que articulam as ações e responsabiliadades entre os entes do governamentais de nível federal, estadual e municipal. Sendo assim, essa nova arquitetura institucional vem inserir um importante desafio aos profissionais que atuam nas políticas públicas, o de realizar práticas profissionais que visem a construção de novas possibilidades civilizatórias, sustentada em um perspectiva de ampliação e efetivação da cidadania como conquista real dos sujeitos sociais, tendo em vista realizar ações de caráter político pedagógico que tenham foco em fortalecer o papel das políticas nesse novo percurso. De todo modo, é importante explicitar que o trabalho do assistente social integra processos de trabalho coletivos em instuições públicas ou privadas, no qual esse profissional presta diretamente os serviços sociais. O assistente social possui uma autonomia técnica, no qual a ação profissional é regulada pelo Código de Ética Profissional e pela legislação específica da categoria Lei nº 8.662 de 7 de junho de 1993, assim como é sustentado um projeto de Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ formação profissional fundamentado nas Diretrizes Currículares de 1996. Por isso, o assistente social deve nas diversas áreas de atuação, inclusive na sociojurídica pensar que a ação profissional requer identificação das determinações que estruturam o trabalho na sociedade e suas mediações em relação aos serviços realizados com a classe trabalhadora. (ALMEIDA, ALENCAR, 2011) Desta forma, é fundamental salientar que o trabalho realizado pelo assistente social nos vários contextos institucionais se apoia em uma base que é acionada a partir do acervo técnico- operativo, teórico-metodológico e ético-político que dão suporte ao exercício profissional. Nesse sentido, o trabalho do Serviço Social integra processos de trabalho coletivos em unidades públicas e privadas, as quais implementam diretamente, gerenciam, articulam, controlam e acionam serviços sociais em convergência com as políticas públicas. Por isso, entender os desafios e as particularidadesdo trabalho profissional na atualidade requer apreender como as esferas públicas como no caso dos Tribunais de Justiça se relacionam com os vetores que orientam as políticas públicas, tendo em vista analisar as possibilidades de desenvolvimento e articulação das práticas de proteção social no âmbito do Estado, da família e com as demais políticas. Sendo assim, é importante verificar como as tendências e os fenômenos hoje presentes no campo da política social, como por exemplo a descentralização, a intersetorialidade, o controle social e a territorialidade, ocasionam novas racionalidades no desenvolvimento dos processos de trabalho coletivos, assim como geram obstáculos as competências e atribuições profissionais dos assistente sociais. (ALMEIDA, ALENCAR, 2011) Entretanto, os obstáculos postos no cotidiano profissional do assistente social não podem inviabilizar o seu trabalho, pois são apenas mais um dos desafios postos ao profissional de Serviço Social. De todo modo, as ações profissionais estão ligadas ao desenvolvimento de programas, projetos e ativiades voltadada para a garantia de direitos, como por exemplo o que se prevê no ECA - a proteção integral de crianças e adolescente, no qual o trabalho profissional do assistente social no Poder Judicário se volta para a responsabilização daqueles que devem assegurar esses direitos, bem como a inserção nos programas de apoio familiar e dentre outros em que esse profissional vai realizar diversas intervenções. Nesse sentido, Almeida e Alencar (2011) afirmam que as atribuições e competências profissionais se alteram de acordo com as prerrogativas socioinstitucionais das unidades em Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ que se inserem, ou seja, pertecem por exemplo ao âmbito judiciário. Deste modo, a materialização do trabalho do assistente social nos espaços sócio-ocupacionais pode ocorrer por meio de programas, projetos e demais atividades que esse profissional venha a desenvolver. Entretanto, as mudanças nas legislações sociais, pode acarretar alterações signficativas no processo de trabalho do assistente social, uma vez que essas modificações vão alterar as demandas, os programas, os projetos e entre outras, pois a política pública pode assumir um caráter focalizado, descentralizado ou municipalizado. São diversas possibilidades de alteração nas políticas sociais ou até mesmo a sua retração como preve o neolibaralismo8 que defende a concepção de Estado mínimo, o qual prevê pouca intervenção do Estado e o livre mercado, visando atribuir uma lógica mercantilistas às políticas socias, o que vem ocorrendo no atual contexto brasileiro. Por isso, é fundamental para o assistente social social que atua na área sociojurídica e nas demais, estar amplamente fundamentado para ter a capacidade de defender os princípios éticos e políticos da profissão e realizar um trabalho voltado para a justiça social. 4 MARCOS HISTÓRICOS E PARTICULARIDADES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ÁREA SOCIOJURÍDICA O trabalho do assistente social na área sociojurídica no Brasil, como dito anteriormente iniciou na década de 1940, e desde então o assistente social foi inserido em diversos espaços sócio-ocupacionais da referida área. Os profissionais atuam nos vários setores do Poder Judiciário, os quais podemos citar: Varas de Famílias e Sucessões, Vara de Execução Penal, Serviço Social Forense, Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas, Juizado da Infância e da Juventude Cível, Vara Infracional da Infância e da Juventude, Vara Especializada em Crimes Contra a Dignidade Sexual de Crianças e Adolescentes, Juizados da Maria da Penha, Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, dentre outros. Para conhecermos, mais afundo, a área sociojurídica como espaço de atuação, é importante ponderarmos alguns marcos históricos fundamentais para o reconhecimento do 8 Dentre os princípios do receituário neoliberal, destacam-se: a necessidade de privatização da esfera pública, desregulamentação financeira, abertura externa, flexibilização das relações e condições de trabalho, retração ou diminuição do Estado, reestruturação de políticas sociais. (LAURELL, 2002). Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ trabalho profissional na referida área. Segundo Borgianni (2013), O termo “sociojurídico” foi ligado pela primeira vez ao Serviço Social brasileiro no momento da criação da edição nº 67 da Revista Serviço Social & Sociedade com “temas sociojurídicos”, editada em setembro de 2001, quando se fundava uma série de números especiais desse periódico. A produção da referida revista ocorreu após o pedido do editor José Xavier Cortez, pois nesse momento era solicitado da assessoria editorial que fosse criada uma edição de números especiais da revista voltados para temáticas com as quais os profissionais de Serviço Social eram desafiados em seu cotidiano de trabalho. A maioria dessas solicitações segundo Borgianni (2013), partiram de assistentes sociais que atuavam no sociojurídico e por este motivo foram criados uma série de artigos que se relacionavam aos diversos setores desse campo de atuação como: Área penitenciária, Judiciária, Varas da Infância e Juventude, Varas de Família e Sucessões e entre outras. Outro marco importante para o Serviço Social na área sociojurídica foi à realização do 10º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, no Rio de Janeiro em 2001. Nesse evento, a comissão organizadora criou pela primeira vez um CBAS com uma seção temática que tinha o objetivo de reunir profissionais que trabalhassem no sistema penitenciário e no judiciário, foi lançada nesse momento a edição 67 da Revista Serviço Social & Sociedade. É importante salientar que a realização do CBAS foi de grande relevância para a categoria, tendo em vista que posteriormente foi criada uma agenda de compromissos voltados para a área sociojurídica, como a Oficina Temática no 2º Congresso Paranaense de Assistentes Sociais e o Encontro Nacional CFESS/CRESS realizado em Salvador, ambos no ano 2003. Deste modo, podemos perceber que esses marcos históricos na área sociojurídica tiveram importante contribuição para as discussões sobre trabalho profissional do assistente social na área. Após esses encontros houve um comprometimento dos assistentes sociais em ultrapassar as fragmentações dos serviços, as manifestações de violência, criminalização e entre outras problemáticas. Nesse sentido, os instrumentos técnico-operativo do Serviço Social, como o parecer e laudo social também ganham espaço para problematização, o que é fundamental para o trabalho profissional. Salienta-se que o termo sociojurídico demonstra o lugar que o Serviço Social brasileiro tem neste espaço sócio-ocupacional após seu redirecionamento ético e político, tendo em vista Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ analisar a realidade social a partir de uma perspectiva de totalidade frente as contradições sociais profundas na realidade brasileira. Na contemporaneidade o Poder Judiciário vem tendo uma ampliação de suas demandas em face das mudanças societárias, que de certo modo afetam as famílias brasileiras. Por isso, Chuairi (2001) vem dizer que a ampliação do interesse da sociedade pelas questões que se relacionam com a justiça e o quantitativo crescente de sujeitos que demandam serviços das instituições jurídicas visando a solução para os seus litígios não solucionados em outras esferas sociais, não podem ser desassociados das transformações da realidade contemporânea, da crise social e dos impactos da modernidade na rotina da sociedade. Nesse sentido, o trabalho do assistente social na área sociojurídica é fundamental, uma vez que esse profissional deve ter um olhar crítico da realidade, que vai além demera aplicação da lei, pois reconhece as especificidades presentes nas demandas dos usuários, bem como o contexto em que este está inserido. Por isso, Chuairi (2001) discute que O Serviço Social possui uma interface histórica com o Direito, à medida que sua ação profissional, ao tratar das manifestações e enfrentamento da questão social, coloca a cidadania, a defesa, preservação e conquista de direitos, bem como sua efetivação e viabilização social, como foco de seu trabalho (CHUAIRI, 2001, p.137). Deste modo, o trabalho profissional exercido pelo assistente social deve buscar o desenvolvimento de ações voltadas para à viabilização dos direitos sociais, tendo em vista ampliar o leque de possibilidades de intervenções profissionais, pois a propositividade é um elemento essencial no seu trabalho. O assistente social deve realizar uma intervenção comprometida com os interesses da população, uma vez que o profissional vai trabalhar na elaboração de laudos, pareceres, estudos, abordagens, palestras e demais ações que são demandadas na área sociojurídica. Sendo assim, é importante destacar que o assistente social em todas as áreas de atuação, inclusive na sociojurídica tem na questão social o objeto do seu trabalho, visto que, cotidianamente no seu espaço sócio-ocupacional, as famílias que demandam o seu trabalho vivenciam em sua realidade social as mais diversas expressões da questão social. Por isso, Iamamoto (2008) afirma que Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc. Questão Social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem. (IAMAMOTO, 2008, p.28) Portanto, a o assistente social deve em seu cotidiano de trabalho profissional entender as mediações por quais se expressa à questão social na realidade dos sujeitos. Nesse sentido, é fundamental que esse profissional se oriente para uma perspectiva de via dupla, na qual seja viável apreender as expressões que assumem na contemporaneidade as desigualdades sociais, e ao mesmo tempo criar formas de resistência e defesa dos direitos sociais, visando materializar no seu trabalho o Projeto Ético Político da profissão9. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base na análise realizada, podemos evidenciar que política social tem uma relação intrínseca com o trabalho profissional do assistente social na área sociojurídica. Nesse sentido, podemos perceber que a política social se gestou em um contexto complexo e foi alterada de acordo com cada momento sócio-histórico, até chegar no seu atual formato. É por meio da política social, que o assistente social vai poder intervir nas expressões da questão social, considerando que essas políticas vão delinear os processos de trabalho coletivos, no qual está inserido o assistente social. Nesse sentido, o Estado tem o papel fundamental de propiciar meios para a criação de políticas sociais que atendam as demandas da população, frente a isso ele pode requisitar o trabalho do Serviço Social nas diversas áreas, inclusive na área sociojurídica que desde o seu surgimento nos anos de 1940 vem se expandindo em vários espaços sócio-ocupacionais de atuação para o assistente social. Contudo, a relação entre o trabalho profissional do Serviço Social com as políticas sociais, sofre diversos impactos e passa por vários desafios, uma vez que a política social é uma via de mão dupla pois ao mesmo tempo que atende os interesses da população e responde 9 O projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolha entre alternativas concretas, daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. “Este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero” (NETTO, 2006, p. 15). Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ também aos interesses do capital. No entanto, cabe ao profissional de Serviço Social superar tais obstáculos e realizar um trabalho profissional na área sociojurídica e nas demais comprometido com os princípios éticos e políticos da profissão, tendo em vista materializar nas suas práticas cotidianas o Projeto Ético Político da profissão. REFERÊNCIAS ABESS/CEDEPSS. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. In: Cadernos ABESS. nº 7 - Formação Profissional: trajetórias e desafios. Edição Especial. São Paulo: Cortez Editora, ABESS/CEDEPSS, 1997. ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira; ALENCAR, Mônica Maria Torres. Trabalho e Serviço Social. In: Serviço Social: trabalho e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. (Capítulo 3) AMORIM, Álvaro André Amorim. O persistente estado de crise: nexos entre Estado, política social e cidadania no Brasil. In: BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rossetti; SANTOS, Silvana Mara de Morais; MIOTO, Regiane Célia Tamaso (Orgs.) Capitalismo em crise, política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. (Capítulo 4) BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Capitalismo, liberalismo e origem da política social. In: BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2011. (capítulo 2) BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso: em 04 de junho de 2019. ______. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742.htm>. Acesso: em 04 de junho de 2019. ______. Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília, DF, 7 de jun de 1993. Disponível em: < http://www.cfess.org.br/arquivos/legislacao_lei_8662.pdf>. Acesso em: 04 de junho de 2019. ______. Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019. Dispõe sobre a Lei Maria da Penha e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/lei/L13827.htm>. Acesso em: 04 de julho de 2019. BORGIANNI, E. Para entender o Serviço Social na área sociojurídica. Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n.115, p.407-442, jul/set. 2013. Anais do V SERPINF e III SENPINF ISBN 978-65-5623-100-6 https://editora.pucrs.br/ CHUAIRI, S, H. Assistência jurídica e serviço social: reflexões interdisciplinares. Revista Serviço & Sociedade. São Paulo, n. 67, p. 7-37, setembro, 2001. COUTINHO, Carlos Nelson. Cidadania e modernidade. Perspectivas. São Paulo. 1990. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 14ª Edição. São Paulo: Cortez. 2008. FÁVERO, Eunice Teresinha. O Serviço social e o Judiciário: construções e desafios com base na realidade populista. 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