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A Vocação 
das Ciências Sociais 
no Brasil
Um estudo da sua produção em livros 
no acervo da Biblioteca Nacional
1945-1966
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Coleção Rodolfo Garcia
Vol. 32
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidente da República / Luiz Inácio Lula da Silva • Ministro da Cultura / Gilberto Gil Moreira
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
Presidente / Muniz Sodré de Araújo Cabral • Diretoria-Executiva / Célia Portella • Gerência do Gabinete / 
Cilon Silvestre de Barros • Diretoria do Centro de Processamentos Técnicos / Liana Gomes Amadeo • 
Diretoria do Centro de Referência e Difusão / Carmen Tereza Moreno • Coordenação-Geral de Planejamento e 
Administração / Tânia Mara Barreto Pacheco • Coordenação-Geral de Pesquisa e Editoração / Oscar Manoel 
da Costa Gonçalves • Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas / Ilce Gonçalves 
Cavalcanti 
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A Vocação 
das Ciências Sociais 
no Brasil
Um estudo da sua produção em livros 
no acervo da Biblioteca Nacional
1945-1966
Rio de Janeiro
2007
Glaucia Villas Bôas
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FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
Av. Rio Branco, 219 – Centro
20040-008 – Rio de Janeiro – RJ
Tels: (21) 2220 1994 e 2220 1997
Editor
Marcus Venicio Ribeiro
Revisão
Francisco Madureira
Projeto Gráfico e Diagramação
Memvavmem
Capa 
Rodrigo de Mello Alves
Reproduções Fotográficas 
Claudio Carvalho Xavier e leonardo da Costa
Estagiária 
Lara Spíndola
 Villas Bôas, Glaucia.
 A vocação das ciências sociais no Brasil : um estudo da
 sua produção em livros no acervo da Biblioteca Nacional,
 1945-1966 / Glaucia Villas Bôas. – Rio de Janeiro : Funda-
 ção Biblioteca Nacional, 2007. 
 304p. ; 16 cm x 23 cm.
 
 Originalmente apresentado como tese (doutorado – 
 Universidade de São Paulo)
 ISBN 978-85-333-0537-3
 1. Biblioteca NacionaI (Brasil) – Catálogos. 2. Ciências
 sociais – Brasil – História. 3. Pesquisa social – Brasil – His- 
 tória. 4. Ciências sociais – Bibliografia – Catálogos. I. Biblio-
 teca Nacional (Brasil). II. Título.
 CDD 300.981
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À memória de minha mãe, Veleyda 
A meus filhos Luciana e Pedro
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Sumário
AGRADECIMENTO 11
PREFÁCIO
José Murilo de Carvalho 13
APRESENTAÇÃO 19
I. A PRODUÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS EM LIVRO 23
1. A escolha do período - 1945 a 1966 27
2. O livro como recurso empírico-metodológico 
e as técnicas utilizadas na pesquisa 30
3. O acervo estudado 37
II. DISCIPLINAS E TEMAS 49
1. O crescimento da produção das ciências sociais 49
2. Duas linhas de trabalho dos cientistas sociais 51
3. O interesse desigual pelas disciplinas 53
4. O horizonte temático das ciências sociais 58
5. Os temas da história do Brasil 59
5.1 História política 64
5.1.1 História dos eventos políticos 67
5.1.2 História das instituições políticas 72
5.1.3 História das cidades, estados e regiões 75
5.2 História Econômica 79
5.3 História Social 83
5.4 História das Idéias 85
5.5 Conclusão 87
6. Os temas da economia política 88
6.1 Obras sobre a disciplina 91
6.2 Obras sobre temas específicos 93
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8
6.3 Conclusão 96
7. Os temas da antropologia 97
7.1 Obras sobre a disciplina 99
7.2	 Obras	sobre	temas	específicos		 100
7.3	 Conclusão	 109
8. Os temas da sociologia 110
8.1 Obras sobre a disciplina 112
8.2	 Obras	sobre	temas	específicos	 113
8.3	 Conclusão	 120
9. Os temas da ciência política 121
9.1 Obras sobre a diciplina 125
9.2	 Obras	sobre	temas	específicos	 125
9.3 Conclusão 129
10.		 Os	temas	da	geografia	humana	 130
10.1	 Obras	sobre	a	disciplina	 132
10.2	 Obras	sobre	temas	específicos	 132
10.3	 Conclusão	 135
11.	 Os	temas	da	demografia	 135
11.1 Obras sobre a disciplina 137
11.2	 Obras	sobre	temas	específicos		 138
11.3 Conclusão 139
III. OS ANOS DE 1945 A 1966 141
1. Características gerais 142
2. Mudanças na vida cultural 156
2.1 Empreendimentos no campo da difusão da cultura 156
2.2 Movimentos de renovação da produção cultural 165
3. Mudanças na vida intelectual 171
3.1 A expansão das universidades 171
3.2 As lutas estudantis 174
3.3	 A	participação	da	comunidade	acadêmico-científica	 176
IV. CONTINUIDADE E MUDANÇA 181
1. O desenvolvimento das ciências sociais 185
2. A relevância dos problemas brasileiros 187
3. O processo de diferenciação dos estudos em ciências sociais 189
3.1 Os estudos teórico-metodológicos 189
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9
3.2 Os estudos sobre a sociedade brasileira 191
3.2.1 A abordagem de novos problemas e o crescimento de obras 192
3.2.1.1 Os temas de maior divulgação em livro 192
3.2.1.2 Os temas de menor divulgação em livro 198
3.2.2 A persistência na adoção de enfoque e cultivo de temas 201
3.2.2.1		O	exame	dos	fatos	políticos	do	passado	 201
3.2.2.2		As	características	dos	estudos	sobre	as	questões	étnicoculturais	 203
4.		 Conclusão	 206	
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS 211
VI. LIVROS DE CIÊNCIAS SOCIAIS NO ACERVO DA 
BIBLIOTECA NACIONAL 217
VII. BIBLIOGRAFIA 293
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Este livro registra dois momentos de trabalho. O primeiro foi dedicado à 
pesquisa no acervo da Biblioteca Nacional e à escrita e defesa de minha tese 
de doutoramento. Muitas pessoas e instituições ajudaram e apoiaram meu 
projeto realizado entre as décadas de 1980 e 1990. Cerca de 15 anos depois, 
o segundo momento, incluiu a decisão de publicar o livro, uma leitura crítica 
do texto e a revisão e organização dos 872 títulos analisados para apresen-
tação ao leitor. Gostaria de agradecer a José Murilo de Carvalho, por ter me 
incentivado à publicação do livro pela Biblioteca Nacional e aceito escrever o 
prefácio, e a Marcus Venicio Ribeiro pelas sugestões, interesse e empenho na 
edição do livro. Foi inestimável também o apoio de Verônica Eloi de Almeida 
e João Antonio da Costa, que digitalizaram os originais datilografados. Ive de 
Santana Cunha fez uma revisão cuidadosa dos títulos da mostra dos livros. 
AgrAdecimento
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José Murilo de Carvalho.
Glaucia Villas Bôas transforma agora em livro sua tese de doutoramento 
defendida na Universidade de São Paulo em 1992. Trata-se de um estudo 
sociológico da produção de livros de ciências sociais no Brasil, entre 1945 
e 1966. Ao árduo e cuidadoso trabalho de levantamento da bibliografia no 
acervo da Biblioteca Nacional, a autora acrescenta uma análise sociológica do 
contexto em que os livros foram escritos e publicados. 
O período selecionado deve-se à preocupação de avaliar os primeiros re-
sultados da implantação no país, durante a década de 1930, das primeiras 
instituições de ensino e pesquisa voltadas para as ciências sociais, sobretudo 
em São Paulo e no Rio de Janeiro. As principais delas foram a Escola Livre 
de Sociologia e Política, de 1933, em São Paulo, a Faculdade de Filosofia, 
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, a Universidade do 
Distrito Federal, de 1935, e a Faculdade de Filosofia da Universidade do Bra-
sil, em 1939, também no Rio de Janeiro. 
A primeira metade da década de 30 testemunhara uma verdadeira explosão 
de idéias e de interpretações do Brasil. Foi nesse período que surgiram alguns 
dos principais clássicos de nosso pensamento. Todos eles foram escritos por 
pessoas em geral de formação jurídica, ou mesmo em medicina e engenharia, 
sem treinamento específico em ciências sociais. Eram o que Guerreiro Ramos 
chamoumais tarde de sociólogos anônimos. Apesar da criatividade dos au-
tores, a produção era numericamente pequena por falta de base institucional 
adequada em quantidade e qualidade e pelo acanhamento da indústria edito-
rial. Levantamento feito por Wanderley Guilherme dos Santos mostrou que, 
de 1931 a 1945, foram publicados apenas 11 artigos por ano no campo que 
depois se convencionou chamar de ciências sociais.
Outra era a fisionomia dos anos posteriores à democratização de 1945. 
Ex-alunos das novas escolas criadas na década anterior, muitos deles treina-
Prefácio
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Glaucia Villas Bôas
dos por professores estrangeiros, começaram a publicar trabalhos que vieram 
somar-se ao da geração anterior. O ambiente pós-guerra e pós-Estado Novo 
também favorecia o debate e a indústria editorial se ampliava. Quanto a essa 
última, a autora nos informa, citando Laurence Hallewell, que em 1940 foram 
publicados 1.678 livros e folhetos. Em 1950, o número subiu para 3.965, em 
1960 para 5.377. O número de artigos, segundo a contagem de Wanderley 
Guilherme dos Santos, subiu, entre 1945 e 1965, a 36 por ano. Esses números 
constituem boas justificativas para a escolha do período de estudo.
Para realizar seu estudo, Gláucia Villas Bôas escolheu só incluir livros, 
excluindo artigos, e se concentrou nas obras que constam do catálogo da 
Biblioteca Nacional. A primeira limitação pode ser facilmente compensada 
pelo levantamento já mencionado feito por Wanderley Guilherme dos Santos 
e publicado em 2002, após a defesa da tese da autora. Segundo esse levanta-
mento, entre 1945 e 1965, foram publicados, em 20 revistas, 724 artigos de 
análises política e social do Brasil. 
A segunda é de menor importância, embora tenha sido devidamente regis-
trada. Como se sabe, todos os livros editados no país devem, por lei de 1907, 
ter um exemplar depositado na Biblioteca Nacional. Em tese, portanto, ao 
consultar o catálogo dessa instituição o pesquisador teria diante de si o uni-
verso dos livros publicados. Mas estamos no Brasil e a lei tem sido apenas par-
cialmente cumprida. Apesar desse percalço, o acervo da Biblioteca Nacional 
era e continua sendo o mais completo do país. Ao trabalhar com ele, a autora 
cobriu uma parcela muito grande da bibliografia produzida, não se podendo 
saber exatamente o que ficou de fora. Foram levantados 978 títulos, tendo a 
autora trabalhado com 872, sobre os quais existiam informações suficientes 
para classificação por tema. 
Esse levantamento bibliográfico já é por si uma contribuição relevante à 
história do pensamento brasileiro em geral e das ciências sociais em particular 
na medida em que facilita o trabalho de outros pesquisadores e abre para eles 
um amplo leque de investigação. É conhecido o fenômeno da formação de 
cânones explicativos. Surgem espontaneamente, ou por esforço deliberado, 
seleções de autores e obras que aos poucos são transformadas em clássicos de 
determinada área de conhecimento. Tais autores e obras se tornam referên-
cia obrigatória, com a exclusão de centenas de outros que podem ter coisas 
importantes a dizer. A formação de cânones é quase inevitável, inclusive por 
razões práticas, pela impossibilidade de se cobrir toda a bibliografia existente, 
mas é indispensável que os cânones sejam flexíveis e que sejam periodica-
mente alterados. O levantamento bibliográfico apresentado neste livro, quase 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
exaustivo, facilita a tarefa de desafiar os cânones. De posse de informação tão 
ampla, o pesquisador ignorará autores não canônicos por sua própria conta 
e risco. 
Mas Gláucia Villas Bôas foi além de simples levantamento bibliográfico, 
adicionando valor especial a seu trabalho. Ela enfrentou a penosa tarefa de 
mapear os livros por área de conhecimento e por temas. No que diz respeito 
às áreas de conhecimento, adotou uma definição ampla, posto que algo po-
lêmica, de ciências sociais, incluindo nelas a história, a geografia humana e a 
demografia, além das tradicionais antropologia, sociologia, ciência política, e 
da economia política. O lado polêmico diz respeito, sobretudo, à inclusão da 
história no campo das ciências sociais. Mas, como a análise mantém a distin-
ção entre as várias sub-áreas, é sempre possível ao leitor detectar as diferenças 
entre elas. Ele pode verificar, por exemplo, que, como era de esperar, a história 
foi responsável pela maioria (35%) dos livros recenseados, número próximo 
à soma dos de sociologia, antropologia e ciência política (40%). Tal resultado 
era de esperar na medida em que a escrita da história é muito mais antiga no 
país, antecede em mais de um século a formação especializada que teve início 
na década de 1930.
Um dos achados importantes da autora é o que se refere ao número res-
peitável de obras de ciências sociais no sentido estrito, sobretudo de antro-
pologia (16%) e de sociologia (14%). Esse número é sem dúvida decorrência, 
pelo menos em parte, da produção de pessoas treinadas nos novos cursos. 
A menor representação da ciência política (9%) pode ser devida ao processo 
mais lento de sua separação de outros campos mais tradicionais de conheci-
mento, como o direito e a filosofia. 
Outra contribuição relevante deste livro é a análise do local de publicação 
e dos editores. O Rio de Janeiro ainda era, na época, o centro cultural indis-
cutível do país, responsável por 58% das edições, seguido à distância por São 
Paulo com 24%. Não por acaso, é em sociologia que São Paulo mais se apro-
ximava do Rio de Janeiro, com 39% da produção, em comparação com 45% 
da capital. Rio de Janeiro e São Paulo, juntos, cobriam 82% das publicações. 
Mesmo que se leve em conta a probabilidade de que o descumprimento da 
lei de envio dos livros à Biblioteca Nacional fosse muito maior nos outros 
estados, a concentração é muito grande. 
A presença de um mercado editorial emergente é demonstrada quando a 
autora classifica as publicações em comerciais e não comerciais, essas últimas 
publicadas por órgãos públicos, aí incluídas as universidades federais e esta-
duais. A maioria dos livros (63%) foi publicada com fins lucrativos. Mas aqui 
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Glaucia Villas Bôas
também se evidencia a diferença entre São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio de 
Janeiro, sede do governo, as publicações oficiais são responsáveis por 36% 
do total ali editado, enquanto em São Paulo não passam de 17%. O peso do 
Estado é ainda maior em áreas fora do eixo Rio - São Paulo, onde também a 
indústria editorial era menos desenvolvida. Somando-se os livros publicados 
em Salvador, Belo Horizonte e Recife, verifica-se que 61% deles foram publi-
cações oficiais.
A análise diacrônica da produção de livros é outra contribuição relevante 
feita pela autora. Dividindo o período em dois segmentos de 11 anos cada um, 
ela mostra que o desenvolvimento das sub-áreas foi muito desigual. Os novos 
campos, com a exceção notável da antropologia, que sofreu um desacelera-
mento da produção após grande expansão inicial, cresceram exponencialmen-
te. A sociologia mais do que duplicou o número de livros no segundo período, 
passando sua contribuição de 10% para 16%, a ciência política triplicou a 
produção, de 6% para 11%. Juntamente com a expansão das instituições de 
ensino e pesquisa, é possível supor que o crescimento dos estudos socioló-
gicos e, sobretudo, políticos teve a ver com a retomada da vida política e da 
mobilização social ao longo do período. 
Esse ponto nos leva ao coração da tese e do livro: uma análise sociológica 
da produção bibliográfica em ciências sociais. A socióloga Gláucia Villas Boas 
é ela mesma uma representante legítima da consolidação acadêmica das ciên-
cias sociais no Brasil, iniciada na década e 1930 e completada após o início da 
moderna pós-graduação ao final da década de 1960. A produção bibliográficaem ciências sociais é interpretada dentro do contexto social em que se verifi-
cou e que lhe dá inteligibilidade. Ela responde a injunções desse contexto, ao 
mesmo tempo em que faz parte da própria constituição dele. 
O impacto do contexto aparece com clareza, sobretudo da análise dos 
temas abordados pelos autores nos diferentes campos de especialização. O 
caso mais óbvio é, como se podia esperar, o da ciência política. Se entre 1945 
e 1955 apenas 1,5% dos livros se dedicavam ao estudo de ideologias políticas, 
entre 1956 e 1966 a porcentagem sobe para 22%. Inversamente, o estudo das 
instituições políticas cai de 60% para 43%. As mudanças são coerentes com 
os diferentes momentos históricos. Se depois da ditadura tratava-se, sobretu-
do, de consolidar as instituições democráticas, a partir do segundo governo 
Vargas a radicalização política tomou a frente, reduzindo-se o interesse na 
institucionalização.
Em outros pontos a relação entre produção e contexto revela-se mais 
complexa, como nos informa o gráfico que mapeia o número de livros pu-
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A vocação das ciências sociais no Brasil
blicados ano a ano entre 1945 e 1966. Há uma queda acentuada de produção 
entre 1945 e 1953, quando se passa de 37 livros (1945) para 18 (1953), numa 
média de 27 por ano. Segue-se, entre 1954 e 1959, um aumento rápido de 
produção, com um pico em 1958, com 63 livros. Nesse segundo momento, a 
média anual sobe para 50 livros/ano, ou 53, se levarmos em conta apenas o 
qüinqüênio de JK. No terceiro momento, entre 1960 e 1966, há uma queda 
em relação ao período anterior, mantendo-se, no entanto, a produção bem 
acima da verificada na primeira fase, com média de 46 livros por ano até o 
golpe e de 47 entre 1964 e 1966. 
De acordo com a expectativa, vemos que o período JK representou na 
produção de livros de ciências sociais o mesmo que significou em outros cam-
pos, isto é, um momento de explosão de criatividade. Contra a expectativa, 
o momento seguinte, apesar de toda a radicalização política que o marcou, 
presenciou um recuo na produção intelectual. Ou talvez devamos dizer que a 
radicalização favoreceu a produção de textos de ciência política e de sociolo-
gia, mas, em contrapartida, desfavoreceu a de história e antropologia. 
São alguns exemplos que aponto apenas para indicar ao leitor a grande 
contribuição do estudo de Glaucia Villas Bôas, fruto da maturidade de nossas 
ciências sociais, capazes já de interrogar sua própria historia. A contribuição 
consiste tanto nas respostas que o livro traz como nas perguntas que suscita 
dentro do campo da sociologia do conhecimento, das profissões e da pro-
dução intelectual. Não sei melhor maneira para classificar um bom trabalho 
intelectual. 
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Esse estudo dos livros de ciências sociais do acervo da Biblioteca Nacio-
nal do Rio de Janeiro, publicados no período de 1945 a 1966, é resultado de 
pesquisa exaustiva feita nessa instituição nos últimos dois anos da década de 
1980. O acervo da Biblioteca Nacional ainda não estava informatizado, e tra-
balhando no fichário da seção de livros terminei reunindo 978 títulos. A pes-
quisa resultou em minha tese de doutorado "A Vocação das Ciências Sociais 
no Brasil (1945/1964): Um estudo sobre sua produção em livro", defendida 
na Universidade de São Paulo, sob a orientação de Maria Isaura Pereira de 
Queiroz, em 1992. Nela classifiquei e analisei as publicações por temas e dis-
ciplinas, o que permitiu oferecer um panorama de como o Brasil era pensado 
em livro pelos cientistas sociais naquele importante período da vida nacional. 
Não era objetivo da tese apresentar uma lista de 872 obras, número da 
amostra analisada. Durante muito tempo ouvi colegas e alunos perguntarem 
por que não fazia uma publicação com os títulos dos livros com os quais 
havia trabalhado, uma vez que poderia facilitar o trabalho de busca de outros 
pesquisadores. Embora a vida acadêmica nos roube tempo e leve muitas ve-
zes a outros projetos, mantive durante esses anos o desejo de publicar a tese 
com os títulos que se dividem em sete disciplinas: História do Brasil, Econo-
mia Política, Antropologia, Sociologia, Ciência Política, Geografia Humana e 
Demografia. Eis que foi possível agora publicá-la justamente pela Biblioteca 
Nacional, o que muito me alegra. 
As bibliografias constituem um instrumento de trabalho indispensável 
para os pesquisadores, mas não há muitas no campo das ciências sociais bra-
sileiras. O que se deve ler para conhecer o Brasil, de Nelson Werneck Sodré, 
publicado em 1945, tornou-se obra de referência de algumas gerações de cien-
tistas sociais, com suas primeiras reedições cuidadosamente atualizadas sob 
a supervisão do autor. Os Cadernos do Instituto de Estudos Brasileiros, da 
Universidade de São Paulo, de 1971, trazem um precioso conjunto de livros 
e artigos de revistas no campo da história, organizados por Sergio Buarque 
de Holanda, Alice Piffer Canabrava e Nícia Vilela Luz; o tema sociologia foi 
APreSentAção
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Glaucia Villas Bôas
coordenado por Maria Isaura Pereira de Queiroz; e a área de antropologia teve 
a orientação de Egon Schaden. Resultado de um seminário promovido pelo 
IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, os Cadernos registram ainda os deba-
tes críticos que focalizam os temas estudados e suas diferentes abordagens nas 
disciplinas escolhidas. Contudo, não foram publicados em livro, ficando seu 
conhecimento e uso restritos a um pequeníssimo número de pesquisadores. 
Além disso, a seleção feita por Lucia Lippi Oliveira em Elite intelectual e debate 
político nos anos 30 – uma bibliografia comentada da Revolução de 1930 (1980) 
tem sido de grande valia para a pesquisa histórica e política da década citada. 
O título reúne 143 livros e documentos sobre a Revolução de 1930, os quais 
têm a política como questão central. Em 1999, veio a público O que ler na 
ciência social brasileira (1970-1995), coordenado por Sergio Miceli, três volumes 
sobre sociologia, antropologia e ciência política que tiveram grande recepti-
vidade entre os cientistas sociais. Em 2002, o Roteiro bibliográfico do pensamento 
político-social brasileiro (1870-1965), de Wanderley Guilherme dos Santos, veio 
preencher o “vazio” de bibliografias. 
Finalmente, não se pode deixar de mencionar o BIB – Revista Brasileira de 
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, da ANPOCS/Associação Nacional 
de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, que vem prestando, desde 
a década de 1970, enorme apoio aos estudos nesse campo, mantendo a boa 
qualidade de seus artigos e a regularidade indispensável a um periódico. Diga-
se também que, nos últimos anos, os meios virtuais têm proporcionado cada 
vez mais possibilidades de acesso a livros e textos, comentários e interpreta-
ções. 
As bibliografias do acervo da Biblioteca Nacional para o período em foco 
são escassas, destacando-se a Brasiliana da Biblioteca Nacional, organizada 
por Paulo Roberto Pereira e editada pela própria Biblioteca em 2001. O traba-
lho integra artigos de mais de 50 especialistas sobre a documentação e livros 
do acervo da instituição. 
Somadas as iniciativas, percebe-se que ainda há o que fazer tanto no que 
concerne à produção de bibliografias comentadas na área das ciências so-
ciais, quanto no que diz respeito ao conhecimento do importante patrimônio 
da entidade. Apesar do avanço da pesquisa científica no Brasil, do sistema 
nacional de pós-graduação e da formação de pesquisadores, parece que o 
entendimento da importância das bibliografias é acanhado, sendo necessário 
ensinar aos jovens que se iniciam na pesquisa o uso desses meios insubstituí-
veis de trabalho. As conseqüências do descaso pelas bibliografias são muitas. 
Primeiro, a falta de informação sobre livros e revistas constantes em acervosFBN_RG_vocacao_00_abertura.indd 20 5/3/2009 09:33:39
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A vocação das ciências sociais no Brasil
de bibliotecas e arquivos contribui para o desconhecimento e a ausência de 
diálogo com a tradição de intérpretes e conhecedores do Brasil. Segundo, 
o fato de não se recorrer às bibliografias concorre para que a produção do 
saber, sobretudo na área das ciências sociais, corra o risco da repetição dos 
problemas ao invés de seu avanço. 
Ao circunscrever-se à Biblioteca Nacional, a pesquisa torna visível seu 
valioso conjunto no período de 1945 a 1966, facilitando a busca dos estudio-
sos interessados nas publicações daquela época. A preservação da memória 
das ciências sociais pela instituição permite que informações e conhecimento 
sejam acessíveis aos pesquisadores sem passar pelo crivo dos intérpretes que, 
muito embora importantes, fatalmente consagram temas, autores e disciplinas 
com suas escolhas e autoridade. 
No Brasil, muito cedo a camada intelectual buscou esclarecer fatos da vida 
social, chamando-lhe a atenção, particularmente, os aspectos da sociedade em 
que vivia. A partir de meados do século XIX, começaram a ser publicadas 
narrativas sobre a história do país que privilegiavam, de modo geral, as ações 
e os eventos políticos considerados relevantes para a construção da nação; 
vieram a público também estudos sobre as peculiaridades étnicas e culturais 
da população brasileira. Foi-se reunindo uma vasta documentação, a exem-
plo, entre outros, dos artigos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico 
Brasileiro, fundado em 1838, que testemunha o modo pelo qual se concebia a 
reflexão e a pesquisa daqueles problemas.
A década de 1930 veio marcar decisivamente a evolução dos estudos sobre 
os fatos sociais, uma vez que nela se iniciou a formação do cientista social no 
país. Dentro do quadro de reformas políticas e educacionais daqueles anos, 
foram criadas na cidade de São Paulo a Escola Livre de Sociologia e Política, 
em 1933; e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São 
Paulo, em 1934. No Rio de Janeiro, disciplinas das ciências sociais começaram 
a ser ministradas na Universidade do Distrito Federal, em 1935. Interrompidas 
as atividades da UDF em 1939, a formação de cientistas sociais foi retomada 
no mesmo ano na Faculdade de Filosofia da antiga Universidade do Brasil.
Os anos de 1945 a 1966 delimitaram um importante período da vida na-
cional, marcado por profundas mudanças econômicas, sociais e políticas. Nos 
setores culturais e intelectuais, a expansão dos meios de difusão da cultura, 
de um lado, e os movimentos a favor da renovação da produção cultural, de 
outro, se associaram ao crescimento das universidades, às lutas estudantis, às 
iniciativas da comunidade acadêmico-científica para consolidar suas institui-
ções. Configurou-se naqueles meios um clima de debates e polêmicas efer-
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Glaucia Villas Bôas
vescentes, que se voltavam duplamente para a questão do desenvolvimento 
do país e também do compromisso social e político da produção cultural. No 
campo das ciências sociais, começaram a surgir no início daquele período os 
primeiros resultados das atividades das instituições de pesquisa e formação de 
cientistas sociais. Que rumo teriam tomado os estudos elaborados e publica-
dos em livro naquelas circunstâncias histórico-sociais? 
Nas últimas décadas, o interesse em conhecer as atividades e características 
da camada intelectual erudita do país tem levado a um expressivo desenvolvi-
mento das pesquisas nas áreas do pensamento social brasileiro, da história das 
idéias e da sociologia do conhecimento. As primeiras avaliações sociológicas 
da produção do conhecimento voltado para os fatos sociais datam de finais 
da década de 1940. Contudo, somente tomam vulto nos anos 1970, quando 
são publicados com maior freqüência textos focalizando especificamente as 
ciências sociais, ou o pensamento social no Brasil.
De modo geral, esses trabalhos têm realçado duas perspectivas de análise 
no exame da produção intelectual brasileira: ora questionam-se as caracterís-
ticas dos estudos de autores brasileiros à luz do padrão da produção científica 
de países econômica, política e culturalmente mais desenvolvidos, atribuindo, 
portanto, relevância à posição do Brasil no sistema mundial de dominação; 
ora o foco de análise converge para as instituições voltadas para as ciências 
sociais, como também para grupos de cientistas com finalidade de averiguar 
o grau de autonomia do campo da produção científica frente ao campo dos 
ideais e das ações políticas.
O estudo que apresentamos a seguir, entretanto, submete à analise os en-
foques, os temas e os problemas que distinguiram a produção científica em 
livro, questionando de que maneira a experiência social e histórica marcante 
daqueles anos se teria deixado traduzir na elaboração e divulgação do conhe-
cimento no campo das ciências sociais.
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Duas questões se impõem quando se escolhem as ciências sociais como 
objeto de pesquisa sociológica: dizem respeito à identidade e à diferença das 
formas de conhecer e à relação que guardam com a sociedade onde são ela-
boradas e recebidas. As ciências sociais são um conhecimento específico tanto 
pela sua constituição intrínseca, quanto pelo fato de que a possibilidade de 
elaborá-las está definitivamente associada à existência de um grupo social e a 
um tipo de sociedade.
Pode-se distingui-las, inicialmente, por integrarem o que se denomina co-
nhecimento erudito,1 saber tradicionalmente constituído por estudos apro-
fundados e sistemáticos de um determinado assunto. O conhecimento eru-
dito pressupõe a formação e o treinamento de um corpo de estudiosos, cujas 
condições específicas de existência – no sentido de que está afastado das ativi-
dades do trabalho manual – surgem com o advento do excedente econômico 
e variam de acordo com a organização da produção material e o aumento da 
riqueza social.
Os apreciadores do conhecimento erudito formam assim um grupo pri-
vilegiado, pois elaboram e possuem um saber prestigiado que não é acessí-
vel a todos. E podem buscar orientar – através do saber que produzem – a 
conduta de outros grupos sociais.2 Ao considerar as ciências sociais como 
parte integrante do conhecimento erudito, diferenciamo-las de imediato do 
1. Seguimos a distinção entre conhecimento erudito e conhecimento vulgar adotada por Maria Isau-
ra Pereira de Queiroz em Balanço da tradição do pensamento sobre cultura e sociedade a partir 
d o século XIX, publicado em QUEIROZ, Maria I. P. de; SIMSON, Olga R. M. von; MICELI, 
Sergio; ORTIZ, Renato. Esboço de um projeto de investigação da produção cultural no Brasil, São Paulo, n. 
17, 1ª série, set. 1982. Cadernos CERU. 
2. A relação entre conhecimento erudito, particularmente o científico, e a orientação de práticas 
sociais é discutida em ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Temas básicos da sociolo-
gia. São Paulo: Cultrix/USP, 1973; FREYER, Hans. Teoria da época atual. Rio de Janeiro: Zahar, 
1965. p. 41-70; WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970. p. 45-
52. No contexto brasileiro, na década de 1950 o tema foi questionado e debatido em FER-
NANDES, Florestan. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1963. 
p. 77-144, 229-234 e 253-299; RAMOS, Alberto Guerreiro. Cartilha de aprendiz de sociólogo: por 
uma sociologia nacional. Rio de Janeiro: Estúdio de Artes Gráficas C. Mendes Júnior, 1954. 
I
A Produção dAs CIênCIAs soCIAIs em LIvro
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Glaucia Villas Bôas
conhecimento “vulgar” que pode ser comum a todos os membros de uma 
sociedade.
Porém, essas distinções não são suficientes para caracterizar as ciências 
sociais. No conjunto da tradição do conhecimento erudito, elas convivem 
com outros saberes de qualidade também elitista como a experiência religiosa,a filosofia e o conhecimento das ciências naturais e exatas. As ciências sociais 
adquirem identidade dentro daquele quadro enquanto idéia que trata da ex-
plicação dos fenômenos da vida social, a partir da sistematização e classificação 
de materiais empíricos, submetidos à análise com instrumental teórico cuja 
elaboração provém de um processo de generalização. A exatidão, a objetivi-
dade e a possibilidade de verificação dos resultados obtidos, características 
gerais do conhecimento científico, qualificam, portanto, também as ciências 
sociais.3 
Tal modo de conhecer, a organização de sua prática e o sentido que lhe 
é atribuído são forjados ao longo das transformações sociais decorrentes da 
Revolução Industrial, com a consolidação da sociedade moderna de base téc-
nico-industrial. Somente nesta configuração social concebe-se como possível 
o domínio e o controle da vida social através do saber científico. O caráter 
instrumental atribuído à disciplina está relacionado com a possibilidade de 
“civilizar o homem” e “consumar a história”, que surge na época moderna.4 
As ciências sociais são compreendidas como um programa, sugerido pela teoria 
do desenvolvimento da sociedade.5 Assim, de um lado o desenvolvimento 
histórico, de outro lado a possibilidade de controle e domínio da vida social 
marcam a sua identidade.
Observando o princípio sociológico das relações entre conhecimento 
e corpo social, é possível conhecer as características das ciências sociais a 
partir do estudo das condições econômicas, sociais, políticas e históricas da 
sociedade onde são elaboradas; da criação, organização e objetivos de institui-
ções voltadas para a sua transmissão e produção; da origem social, trajetória 
profissional e projetos político-ideológicos de grupos de estudos; também é 
possível conhecê-las através de sua constituição interna, onde se inscrevem 
aquelas mesmas condições sociais e institucionais, reapresentadas no plano do 
pensamento por meio do procedimento cognitivo específico das disciplinas. 
3. Cf. Institut für Sozialforchung Frankfurt (M). Empirische Sozialforchung. In: HANDWÖRTER-
BUCH der Sozialwissenschaft. Göttingen: Gesamtherstellung Rupert & Co., 1956-1964. v. 9. 
4. Cf. FREYER, Hans. Op. cit. 
5. Cf. KEMPSKI, Juergen V. Sozialwissenschaft. In: HANDWÖRTERBUCH der Sozialwissens-
chaft. Göttingen: Gesamtherstellung Rupert & Co., 1956-1964. v. 9. p. 617-626. 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
A análise da constituição interna informa ainda sobre os limites diante dos 
quais os cientistas sociais fizeram suas escolhas e traçaram o percurso de sua 
história.
As ciências sociais se configuram através da conjugação de elementos 
constitutivos, tais como pressupostos epistemológicos, paradigmas teóricos, 
métodos e técnicas de investigação. Cada um deles – ou tomados em seu con-
junto – pode ser utilizado para o exame das relações entre o conhecimento 
e a sociedade na qual é elaborado, quando se trata de conhecê-las a partir de 
elementos intrínsecos ao seu procedimento cognitivo.
Todavia, um dos traços marcantes da configuração das ciências sociais é a 
diversidade de disciplinas e temas que conformam sua unidade. A repartição 
em diferentes disciplinas retrata tanto a divisão do trabalho intelectual e os 
grupos de várias profissões, como a existência de diversos pontos de vista de 
conhecimento e análise das relações sociais. 
A divisão em disciplinas tem sido observada na prática, apesar das con-
trovérsias que suscita. Desde finais do século XIX, verifica-se um movimento 
para estabelecer graus cada vez maiores de especialização, postura justificada, 
no mais das vezes, pelo princípio necessário de verificação e comprovação do 
conhecimento produzido. Recortar e isolar uma “fatia” do vasto quadro da 
existência humana são fundamentos da divisão disciplinar:
Todos os campos e disciplinas têm a vantagem e a desvan-
tagem de recortar alguma coisa do grande quadro da existên-
cia – na maioria das vezes apenas uma pequena fatia, a qual se 
põe debaixo da lupa. O princípio é isolar; tudo depende daquilo 
que é isolado do acordo com uma finalidade. Cada ciência tem, 
portanto, suas questões básicas próprias, as quais a diferenciam 
de outras.6
Ao mesmo tempo, observa-se o esforço pela reflexão sobre a unidade das 
ciências sociais, movido por diferentes interesses. De um lado, considera-se 
que cada “fatia” isolada contém o todo do qual faz parte, podendo-se, desse 
modo, reconhecê-lo; de outro lado, reclama-se da indispensabilidade de uma 
teoria geral da sociedade que explique os diferentes fenômenos individuais es-
6. Cf. WIESE, Leopold von. Soziologie. In: HANDWÖRTERBUCH der Sozialwissenschaft. Göt-
tingen: Gesamtherstellung Rupert & Co., 1956-1964. v. 9. p. 626. 
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Glaucia Villas Bôas
tudados por cada disciplina.7 De outra perspectiva, proclama-se ainda a exis-
tência de um “mercado comum” entre os campos das ciências sociais: 
Mas, ainda sem o querer explicitamente, as Ciências So-
ciais se impõem umas às outras, cada uma tende a compreen-
der o social no seu todo, na sua totalidade; cada uma invade 
o domínio de suas vizinhas crendo permanecer em casa. A 
Economia descobre a Sociologia que a rodeia, a História – 
talvez a menos estruturada das Ciências do Homem – aceita 
todas as lições de sua múltipla vizinhança e se esforça por 
repercuti-las. Assim, malgrado as reticências, as oposições, 
as ignorâncias tranqüilas, a instalação de um “mercado co-
mum” se “esboça”.8 
O debate sobre as vantagens e desvantagens da especialização, da unifica-
ção das ciências sociais ou de conveniência disciplinar é vasto e reúne espe-
cialistas de diferentes campos do conhecimento. Para o propósito do trabalho, 
importante é assinalar que o conjunto de disciplinas e subdisciplinas revela, 
sobretudo, um complexo de relações sociais, a tomada de consciência dessas 
relações e o interesse em problematizá-las e conhecê-las.9
Outra questão relativa à divisão disciplinar diz respeito aos campos de 
conhecimento que integram o grupo das ciências sociais. A Enciclopédia Bri-
tânica10 inclui economia, ciência política, sociologia, antropologia, psicologia 
social, estatísti ca social e geografia social, excluindo a história por não haver 
consenso entre os historiadores quanto à sua pertinência às ciências sociais. 
7. Na década de 1920, por meio da noção de “fato social total” Marcel Mauss demonstrava como 
um fato social compreende dimensões diversas da sociedade global na qual se insere; MAUSS, 
Marcel. Essai sur le Don. Forme et raison de l’échange dans les societés archaiques. In: ___. 
Sociologie et anthropologie. Paris: PUF, 1968; LÉVI-STRAUSS, Claude. Introduction à l’oeuvre de 
Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Op. cit.; em ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. 
Op. cit., os autores reivindicam a necessidade de uma teoria geral da sociedade que permitiria 
explicar os diversos setores em que a sociedade está dividida. Embora se refiram no mais das 
vezes à sociologia e suas subdisciplinas, seus argumentos seriam válidos para as disciplinas que 
compõem as ciências sociais.
8. Cf. BRAUDEL, Fernando. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 42. 
9. Nesse sentido, cf. ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Op. cit. cap. VIII; REDFIELD, 
Robert. Relations of Anthropology to Social Sciences and Humanities. In: ANTHROPOLOGY 
Today (An Encyclopedic Inventory), A. L. Kroeber (Org.). Chicago/London: The University Chi-
cago Press, 1965, p. 728-738. Na p. 728 o autor afirma que “uma disciplina acadêmica é de imediato 
um grupo de homens perseguindo relações sociais e um método de investigação”. 
10. Cf. History of Social Sciences. In: ENCYCLOPAEDIA Britannica, 1972. v. 16. p. 980. 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
A definição enciclopédica é tão importante quanto problemática. Impor-tante porque representa um momento de síntese de uma teia de relações entre 
os cientistas sociais, o contexto de suas atividades e o saber que elaboram; 
problemática, porque aquelas relações variam ao longo do tempo e no espaço. 
Ao excluir a história do conjunto de disciplinas, aquela definição deixa de con-
siderar particularmente historiadores franceses,11 que insistem em conceber a 
matéria como parte integrante das ciências sociais.
Ao lado das disciplinas, os temas tratados em cada uma delas e os temas 
omitidos ou pouco estudados constituem um indicativo valioso para a com-
preensão do “retrato” de uma sociedade, seja no sentido mais amplo desse 
conceito, seja quando restrito aos limites de uma sociedade nacional. Os te-
mas expressam duplamente condições e situações sociais estudadas, e as es-
colhas possíveis dos pesquisadores. Mostram os problemas valorizados num 
determinado período, como foram conhecidos e avaliados na perspectiva dos 
cientistas sociais.
O exame das ciências sociais permite, portanto, caracterizar esse campo 
do conhecimento erudito, distinguindo-o de outros ramos do saber e revelan-
do as relações que mantém com a sociedade na qual surge e se desenvolve.
1. A escolha do período - 1945 a 1966 
Não seria possível apontar o crescimento das ciências sociais no Brasil, 
nos anos de 1945 a 1966, sem antes fazer referência às transformações eco-
nômicas, sociais e políticas que, tendo início na década de 1930, marcaram 
a emergência de uma sociedade urbano-industrial de molde capitalista no 
país. A partir daqueles anos, expandiu-se a indústria modificando o sistema 
de estratificação social e imprimindo nova feição às cidades, ainda que de 
forma desigual pelas regiões brasileiras; o Estado fortaleceu o poder central 
e assumiu o controle de instrumentos indispensáveis para a execução de um 
“programa” nacional de mudanças e reformas, favorecendo, entre elas, as ins-
titucionais de caráter político-administrativo e as educacionais.
Nesse contexto de transformações, se inicia no Brasil a formação do cien-
tista social, cujos marcos são a criação da Escola Livre de Sociologia e Política, 
em 1933, e a da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de 
11. Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma introdução à história. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 
34-39.
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Glaucia Villas Bôas
São Paulo, em 1934, na capital paulista. No Rio de Janeiro, após ser criada a 
Universidade do Distrito Federal, em 1935, que interrompeu suas atividades 
em 1939, a Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil 
inicia seus cursos, inclusive o de Ciências Sociais, em 1939.
Outras entidades voltadas para o ensino ou pesquisa nesse campo foram 
fundadas ainda nas décadas de 1930 e 1940. Juntamente com as instituições 
pioneiras de São Paulo e do Rio de Janeiro, elas mostram investimentos feitos 
no sentido da organização de cursos e de centros, cuja finalidade é a qualifi-
cação de especialistas, a obtenção de dados e a elaboração de estudos siste-
máticos sobre a sociedade brasileira. Um exemplo desses estabelecimentos 
é o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, órgão do Ministério da 
Educação e Cultura, criado em 1949, na cidade do Recife.12 
Considerando o tempo indispensável para a qualificação de especialistas, 
além do prazo necessário para a elaboração de estudos e pesquisas, pode-se 
pressupor que em finais da década de 1940 tenham surgido os primeiros re-
sultados das atividades dessas instituições. Àqueles trabalhos pioneiros se te-
riam acrescentado outros, realizados ao longo da década de 1950 e início dos 
anos 1960, período no qual, vale dizer, continuaram sendo criadas entidades 
direcionadas para as ciências sociais.13 Tais estudos formariam um quadro, por 
12. Em Belo Horizonte, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Minas 
Gerais inaugura curso de Ciências Sociais em 1941, fechando-o a seguir, e reabrindo-o em 1947; 
porém, cursos de Sociologia e Política são ministrados naquela cidade, na Faculdade de Ciências 
Econômicas, em 1945; em Salvador, o curso de Ciências Sociais aberto em 1945 na Faculdade 
de Filosofia da Universidade da Bahia não se mantém, mas disciplinas como Antropologia são 
ministradas nos cursos de Geografia e História. O desenvolvimento das pesquisas sobre o tema 
é estimulado pelo convênio entre a Secretaria de Educação do Estado e a Universidade norte-
americana de Columbia, em 1949. Muito embora não estivessem estritamente voltadas para a 
pesquisa ou o ensino no campo das ciências sociais, devem ser lembradas instituições que con-
tribuíram para o seu desenvolvimento como o Conselho Nacional de Geografia, formado em 
1937 no Rio de Janeiro e incorporado, juntamente com o Departamento Nacional de Estatística, 
de 1934, ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, fundado em 1938; em 1937, foi criado 
o Institituto Nacional de Estudos Pedagógicos, órgão do Ministério da Educação e Cultura. A 
Fundação Getulio Vargas é de 1944 e abriga o Instituto Brasileiro de Economia; regulamentado 
o ensino nas Faculdades de Ciências Econômicas em decreto-lei de 1945, é fundada no mesmo 
ano a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas na Universidade do Brasil; em 1964, inaugu-
ra-se a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo. 
13. São exemplos de instituições criadas ao longo dos anos 1950 e início dos anos 1960: o Instituto 
de Direito Público e Ciência Política da FGV, criado em 1950; a Fundação para Desenvolvi-
mento da Ciência, em Salvador, 1951; o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, 
de 1953, transformado em 1955 no Instituto Superior de Estudos Brasileiros; as Faculdades de 
Ciências Sociais e Política, em Fortaleza, 1954; o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 
1955; o Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, 1957; a Campanha de De-
fesa do Folclore e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, 1958; o Instituto de 
Ciências Sociais da Universidade da Bahia e a Universidade de Brasília em 1961. 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
meio do qual seria possível conhecer características de um primeiro conjunto 
da produção sistemática das ciências sociais, conjunto que teria reatualizado 
a identidade daquele campo do conhecimento no país, diferenciando-o mais 
claramente de outros ramos do saber erudito e renovando a tradição14 de es-
tudos sobre a sociedade brasileira.
Junte-se àquela suposição, o fato de que os anos de 1945 a 1966 impri-
mem uma qualidade nova às mudanças que vinham ocorrendo no país desde 
1930. O período se caracteriza por um regime democrático de governo, o qual 
presume a existência de condições favoráveis para a divulgação mais ampla 
de idéias. Nele, consolida-se a indústria capitalista e acelera-se o processo de 
urbanização. A inserção do Brasil no sistema capitalista mundial moderno é 
crescente. Na esfera da administração pública, o Estado dá prosseguimento à 
criação de novos órgãos e instituições, iniciando sua atuação no planejamen-
to da economia. As idéias e os ideais nacionalistas buscam fundamentos no 
desenvolvimento econômico e social do país; enquanto isso, novos estratos 
sociais participam de movimentos políticos, principalmente nas cidades. As 
características das décadas de 1945 a 1966 teriam favorecido assim a expan-
são das ciências sociais, cuja origem, como se mencionou, está vinculada aos 
problemas sociais decorrentes das transformações que marcaram o advento 
da sociedade burguesa. 
Entre as características do período em questão, sublinhem-se aqui a con-
solidação, o crescimento e a diferenciação da indústria e do mercado editoriais 
no Brasil. A divulgação das idéias, através do meio específico que é o livro, 
passa a ser feita em larga escala. Aqueles anos talvez tenham marcado uma 
modalidade da difusão das idéias emgeral, e da divulgação do conhecimento 
erudito em particular, à medida que o livro “feito no Brasil” foi sendo cada 
vez mais utilizado para aqueles fins. O conhecimento produzido teria então 
alcançado um público mais amplo e mais diferenciado do que aquele de con-
textos históricos anteriores, quando a indústria do livro era incipiente no país, 
ou apenas começava a se esboçar.
Pode-se argumentar que as oportunidades de acesso aos livros são me-
didas por diversas condições sociais, econômicas e políticas. De um lado, as 
desigualdades econômicas, sociais e de nível de escolaridade restringem as 
possibilidades de acesso aos textos; de outro, a produção de títulos pode ser 
beneficiada ou limitada por políticas econômicas, editoriais ou culturais ado-
14. Empregamos o termo tradição no sentido utilizado em QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 
Op.cit.
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Glaucia Villas Bôas
tadas, como também por características ou conjunturas da economia nacional 
e internacional. Especialmente quanto à publicação em livro das pesquisas so-
bre a sociedade brasileira, pode-se argumentar ainda que se destinava, naquele 
período, a um mercado consumidor reduzido e especializado, que se forjava 
ao longo das mudanças implementadas na área da educação no país, desde a 
criação das universidades, das faculdades de filosofia e das reformas do ensino 
secundário nas décadas de 1920, 1930 e 1940. Todos esses argumentos são 
válidos e mereceriam um exame minucioso que não nos cabe fazer aqui. Eles 
não impedem, contudo, a observação de que no período em que se expandi-
ram os estudos das ciências sociais, foram oferecidas condições indispensá-
veis para o desenvolvimento da indústria editorial no Brasil, por meio do que 
ampliaram-se as possibilidades de veicular as idéias através dos livros.
Finalmente, levando em conta o término do regime democrático de gover-
no em 1964, supõe-se que as condições institucionais, políticas e econômicas, 
bem como aquelas específicas do mercado editorial, tenham sofrido influ-
ências desse fato e possivelmente alterado as características das publicações 
sobre o tema. 
Os motivos que levaram a indagações sobre o perfil das ciências sociais nos 
anos de 1945 a 1966 são, portanto, os seguintes: a emergência de um conjunto 
de estudos no campo da disciplina, fruto da institucionalização do ensino e da 
pesquisa voltados para aquela área do conhecimento, nas décadas de 1930 e 
1940, assim como o trabalho de instituições criadas até o início dos anos 1960; 
as condições propícias à elaboração do conhecimento das ciências sociais que 
teriam sido oferecidas tanto pelo regime democrático de governo, como pelas 
transformações econômicas e sociais que nele ocorreram; e a implementação 
efetiva da indústria do livro no país, que possibilitou em larga escala a divulga-
ção das idéias através daquele meio. Essa modalidade da difusão do saber teria 
caracterizado um primeiro conjunto da produção das ciências sociais, o qual 
presume-se ter delineado a diferenciação daquele ramo do conhecimento den-
tro do quadro da tradição de estudos sobre a sociedade brasileira. 
2. O livro como recurso empírico-metodológico e as 
técnicas utilizadas na pesquisa 
 Para conhecer o perfil da produção dos cientistas sociais no Brasil, no 
contexto social e histórico de 1945 a 1966, utilizou-se nessa pesquisa o 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
livro como recurso empírico-metodológico. O livro define-se como meio 
de comunicação e difusão da cultura, como produto e mercadoria, como 
objeto de arte. Em definição corrente, o termo significa “mensagem escri-
ta de extensão considerável feita para a circulação pública, e registrada em 
materiais leves, mas duradouros o suficiente para ser carregada, compara-
tivamente, com maior facilidade”.15 Acrescente-se que o livro é em geral 
uma publicação não-periódica. Diferencia-se do folheto pelo número de 
páginas e tipo de capa.16 
A escolha do livro como material empírico dessa pesquisa foi precedida 
de algumas considerações. O registro escrito é, sem dúvida, um elo indis-
pensável entre a produção e a recepção das idéias. Ao materializar o saber 
adquirido, a publicação completa uma etapa do saber, evidenciando interes-
se em divulgá-lo para um público mais amplo. Os livros conjugam, ao me-
nos, duas ordens de interesse: conhecimento de determinados problemas, 
debate de tais problemas.
Em segundo lugar, o uso do livro delimita um tipo específico de proce-
dimento. Com o decorrer do tempo, não só guarda e acumula idéias, como 
registra a memória de ações e maneira de pensar de seus autores. É uma 
fonte vantajosa para a reconstrução histórica porque nela os estudiosos 
expõem tanto o seu trabalho, quanto a avaliação que dele fazem no mo-
mento de sua atualidade. 
A memória assim preservada permite que informações e conheci-
mentos sejam reatualizados sem passar pelo crivo das condições e re-
ferências do presente daquele que as transmite – como ocorre com a 
memória oral. Jorge Luis Borges dizia que “o mais importante de um 
livro é a voz do autor.” Como fonte de investigação, o livro garante a 
continuidade de um diálogo.17
Finalmente, a escolha das obras de ciências sociais possibilita redimensio-
nar critérios utilizados nas avaliações da produção intelectual. Um desses cri-
térios restringe a produção científica a um grupo de estudiosos que se define 
15. Book. In: ENCYCLOPAEDIA Britannica, 1972. v. 3. p. 919.
16. De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas, órgão filiado à Federation Interna-
tionale de Documentation, o folheto tem no mínimo cinco e no máximo 49 páginas, revestidas 
de papel ou cartolina. Cf. Normas ABNT sobre informação e documentação, NBR 6029, set. 
2002. 
17. O comentário está em BORGES, Jorge Luis. O livro. Humanidades, v. I, n. 1, p. 18, out.-dez. 
1982. 
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Glaucia Villas Bôas
pela sua formação especializada, carreira profissional e inserção em institui-
ção estritamente voltada para a produção científico-acadêmica. Outro cri-
tério busca observar características de estudos e pesquisas, vinculando sua 
qualidade à qualidade da entidade que propicia condições para sua realiza-
ção; neste caso, são avaliados os valores que norteiam as atividades daquela 
instituição, seus objetivos, a qualificação de seus profissionais, normas que 
regulamentam sua prática, o grau de autonomia que possui para preservar 
seus interesses frente àqueles de instituições voltadas para outros fins.
Tanto um como outro dos critérios apontados tendem a limitar o exame 
de produção científica ao exame de um grupo ou uma instituição “típicos”. 
Parte-se do pressuposto de que o conhecimento científico se elabora nos 
limites de um grupo ou de uma entidade que apresenta um conjunto de 
características e aproxima-se assim de um padrão ideal. Tal perspectiva de 
análise da produção científica leva ao risco de excluir da investigação tanto 
o que produziram os estudiosos, quanto o que foi produzido pelas insti-
tuições que não tenham as qualidades consideradas indispensáveis para a 
elaboração de estudos de caráter científico. Aliás, é o que ocorre no perí-
odo observado, os autores nem sempre têm uma qualificação específica, 
havendo entre eles não apenas cientistas sociais, mas também diplomatas, 
militares, juristas, filósofos. 
Diga-se ainda que esse procedimento não privilegia o conhecimento da 
produção científica, mas a experiência de grupos e instituições voltados 
para o desenvolvimento das ciências sociais. É certo que as instâncias da 
produção científica, dos grupos de estudiosos das instituições científicas, 
estão interligadas e são condicionadas pelas características econômicas, po-
líticas, culturais e históricas da sociedade que as abriga, podendo contribuir 
para a modificação ou manutenção de tais particularidades. Contudo, de-
finida a instância quese pretende conhecer, entre os múltiplos planos que 
envolvem a elaboração do conhecimento científico, segue-se a escolha e o 
uso de instrumento analítico que permita estudá-la na sua especificidade.
Quanto ao livro, diga-se que o surgimento dos meios audiovisuais de 
comunicação provocou um amplo debate sobre sua validade como instru-
mento de difusão da cultura. O rádio, o cinema, a televisão, as fitas magnéti-
cas de gravação, pela velocidade com que informam e atualizam a ocorrên-
cia de um fato para grandes audiências, teriam desafiado o lugar longamente 
privilegiado do livro na transmissão de conhecimentos. 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
Todavia, aos argumentos que insistem na permanência do livro somam-se as 
pesquisas18 que assinalam em toda a parte o crescimento do índice de produção 
anual de novos títulos. No Brasil, o desenvolvimento da produção editorial – da 
fundação da Imprensa Régia, em 1808, à década de 1920 – foi considerado um 
dos mais lentos. Nos anos 1930, esboçam-se a indústria e o mercado editoriais, 
os quais a partir da década de 1940 apresentam índices crescentes. Estima-se 
que, entre livros e folhetos, o número de títulos publicados em 1940 tenha sido 
de 1.678, elevando-se para 3.965 em 1950; 5.377 em 1960; 9.950 em 1971; e 
13.267 em 1980, excluídas as publicações oficiais. Em 1980, o Brasil passa a 
ocupar o 11º lugar na produção mundial de livros. A União Soviética, à frente 
de todos os outros países, naquele ano publica 80.676.19 
Os números são um indicativo importante da permanência do livro ao 
lado de outros meios de comunicação. Não revelam, entretanto, as numerosas 
atividades que envolvem sua fabricação. As obras condensam múltiplas rela-
ções sociais e históricas, e diversos processos de trabalho. Constituem uma 
expressão sintética de aspectos da vida social e nacional, tão diferentes quanto 
interligados, como os aspectos econômicos, políticos e da efervescência da 
prática intelectual. 
Utilizar o livro como fonte de pesquisa pressupõe, portanto, compreender 
que o conhecimento, além das já referidas relações que mantém com a socie-
dade e grupos de estudiosos, está sujeito a mais uma rede de relações sociais, 
no que respeita à sua divulgação e recepção através da escrita. Trata-se de uma 
teia de relações exteriores ao processo de produção intelectual stricto sensu. 
Ainda que não sejam investigadas nesse trabalho, é preciso reconhecê-las, pois 
indicam limites do material pesquisado.
Nesse sentido, cabe dizer que a produção do conhecimento das ciências 
sociais e sua transmissão através da escrita são, mesmo no Brasil, evidente-
mente, mais amplas do que aquelas que se inscrevem nos livros. As revistas 
especializadas, as teses e os relatórios de trabalho não publicados constituem 
outras fontes de análise que, ao lado do livro, conformam o quadro da pro-
dução escrita. 
A par disso, saliente-se que, no período de 1945 a 1966, as condições 
institucionais do trabalho científico se encontram em processo de reconhe-
18. Referimo-nos a ANDRADE, Olímpio de Souza. O livro brasileiro desde 1920. 2 ed. Rio de Janei-
ro: Cátedra; Brasília: INL 1978; e a HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São 
Paulo: T. A. Queiroz/USP, 1985.
19. HALLEWELL, Laurence. Op. cit. p. 406, 426-427, 472 e 615.
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Glaucia Villas Bôas
cimento e consolidação no Brasil. Há exemplos de estudiosos que desenvol-
veram suas pesquisas em campo de conhecimento distinto daquele de sua 
formação acadêmica, ou interromperam sua trajetória profissional; há 
exemplos também de instituições de vida efêmera, ou que mantiveram 
atividades científicas sem ter logrado estabelecer meios adequados para 
a consecução de seus objetivos. O estudo da produção científica naquele 
período exigiria, portanto, duplamente, um procedimento metodológico 
que privilegiasse a instância da produção cientifica e também observasse 
suas condições históricas específicas. 
A utilização das publicações de ciências sociais em livro, como recurso 
empírico-metodológico, se mostra então apropriada para a avaliação da pro-
dução da disciplina, porquanto põe em evidência a produção propriamente 
dita e evita a seleção a priori de estudos sobre a sociedade brasileira com base 
em julgamentos de excelência, ou em requisitos da trajetória acadêmica e pro-
fissional de seus autores, ou no funcionamento de instituições. Apresenta-se 
assim como critério mais adequado às particularidades do período histórico 
abordado, de condições socioeconômicas tão efervescentes. 
Note-se que as características de um conjunto de estudos e pesquisas ins-
crevem traços do percurso de seus cultores, das práticas institucionais e da 
sociedade global; ao descrever e analisar em primeiro plano a produção cien-
tífica, o trajeto metodológico dessa pesquisa favorece a observação daqueles 
traços, sem entretanto limitar o horizonte de investigação dos mesmos.
Esse estudo do perfil das ciências sociais se baseia em uma amostra de 
872 livros, constantes do acervo da Biblioteca Nacional, situada no Rio de 
Janeiro. A Lei do Depósito Legal nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004, 
que determina seja entregue à instituição um exemplar de cada um dos livros 
publicados no país, justifica a escolha desta Biblioteca. A entidade reúne, ca-
taloga e conserva a maior parte da produção intelectual brasileira, embora 
aquela Lei não venha sendo cumprida com regularidade, como foi possível 
verificar durante a pesquisa. No entanto, é o acervo mais completo dos livros 
de ciências sociais. 
Foram buscados de início os livros classificados nas disciplinas que em de-
finições correntes integram as ciências sociais: sociologia, antropologia, ciência 
política, geografia humana, história, economia política e psicologia social.20 
20. A reunião do material foi feita em duas etapas que cobrem os períodos agosto/outubro de 1985 
e março/junho de 1986.
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A vocação das ciências sociais no Brasil
A seleção das obras se estendeu às publicações datadas de 1945 a 1966. 
Considerou-se que esta faixa permitiria: 1) incluir na amostra um número 
significativo de estudos elaborados no contexto social e político focalizado pela 
pesquisa; sabe-se que o término de um estudo não determina de imediato sua 
publicação em livro, havendo um tempo, cujo cálculo médio costuma ser de 
dois anos, entre o final do trabalho e a divulgação de seus resultados em livro; 
2) examinar se as crises políticas que marcaram o início dos anos 1960 teriam 
provocado alterações na produção científica, seja de ordem quantitativa, seja 
de ordem qualitativa.
No sistema classificatório da Biblioteca Nacional a grande maioria dos 
livros se encontra definida pela categoria “Brasil”, que se desdobra em nu-
merosos subitens como Brasil – história, Brasil – condições sociais, Brasil – 
religiões. A série Brasil – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostra 
condições demográficas, natalidade, padrão de vida, custo e nível de vida, ci-
dades, crescimento, mortalidade, causas, e assim por diante até que se esgotem 
as possibilidades temáticas.
A partir da categoria-chave “Brasil” formam-se, portanto, conjuntos e sub-
conjuntos que terminam por configurar uma espécie de “mapa”, onde estão clas-
sificadas as obras de ciências sociais referentes a uma, duas, ou mais daquelas cate-
gorias. Os grupos disciplinares “sociologia”, “antropologia”, e outros, com raras 
exceções, incluem somente obras, manuais e introduções de autores estrangeiros. 
Durante a coleta, foram analisados todos os conjuntos e subconjuntos indicados, 
e selecionados os títulos que formam a amostra desse trabalho. 
Essa disposição dos títulos nos catálogos fez com que, obrigatoriamente, 
se lidasse com um amplo universo de obras sobre a sociedade brasileira, para 
selecionar, entre elas, aquelas cujas fichas catalográficas indicavamsua perti-
nência ao campo das ciências sociais. No decorrer da seleção, verificou-se que 
aos estudos sobre a sociedade brasileira acrescentavam-se obras de autores 
nacionais dedicadas a questões teóricas e metodológicas sobre o tema. À me-
dida que registravam características do pensamento dos especialistas sobre 
seu campo de trabalho intelectual, no período em estudo, essas obras foram 
incluídas na amostra.
Depois da coleta dos títulos, as primeiras observações do material leva-
ram a um questionamento sobre a constituição das ciências sociais pela sociolo-
gia, antropologia e ciência política, como costumam ser reconhecidas no Brasil, 
com base na organização de departamentos, faculdades e institutos universitários. 
Notou-se que o conjunto de estudos sobre a sociedade brasileira era formado por 
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diferentes enfoques disciplinares, que se complementavam e se interpenetravam, 
enquanto cada disciplina delimitava sua fisionomia. De tal modo, que optar exclu-
sivamente pela pesquisa da produção científica da sociologia, da antropologia e da 
ciência política seria limitar, às perspectivas desses três campos do conhecimento, 
o exame dos textos sobre as ações e relações sociais características da sociedade 
brasileira no período aqui abordado. Manteve-se então o leque disciplinar que se 
apresentava no acervo da Biblioteca Nacional.
Resta dizer que, para a classificação das obras selecionadas em disciplinas 
e temas, foram utilizadas as informações contidas nas fichas catalográficas, 
sobretudo o título do livro, considerado uma síntese de seu conteúdo, dada 
pelo autor. Ao título foram relacionadas as noções-chave nas quais a obra fora 
classificada pela Biblioteca, além de outras informações quanto ao conteúdo, 
quando existentes (algumas raras fichas trazem o índice do livro). A essas 
indicações somaram-se aquelas relativas ao órgão interessado na publicação, 
muitas vezes institutos ou centros de pesquisa e ensino em ciências sociais, no 
caso de publicações sem fins lucrativos.
Durante o processo de classificação foram verificados os seguintes pro-
blemas: 1) fichas que não registravam o ano de publicação da primeira edição 
do livro; 2) informações incompletas devido à má feitura ou à falta de preser-
vação das fichas da Biblioteca; 3) informações insuficientes para classificação. 
Nesse caso, as fichas não apresentavam qualquer outra indicação, exceto o 
título do livro, seu autor, ano e local de publicação. Tais dados encontravam-se 
isolados das informações contidas nas noções-chave da classificação da obra. 
Para resolver essas dificuldades, consultou-se o seguinte material: Introdução ao 
estudo da Sociologia no Brasil, coordenação de Maria Isaura Pereira de Queiroz, 
Introdução ao estudo da História do Brasil, coordenação de Sergio Buarque de 
Holanda, Alice Piffer Canabrava e Nícia Vilela Luz, e Introdução ao estudo da 
Antropologia no Brasil, coordenação de Egon Schaden, trabalhos apresentados 
em seminário realizado em São Paulo, em 1971. Utilizou-se também a terceira 
edição, de 1969, de Teoria da História do Brasil: introdução metodológica, de José 
Honório Rodrigues, e a quarta edição de O que se deve ler para conhecer o Brasil, 
de Nelson Werneck Sodré, publicada em 1973. Evitou-se a consulta aos livros 
coletados na Biblioteca Nacional, senão quando aquele material não registrava 
o título procurado. Além disso, vale dizer que o acervo guarda alguns livros 
na sua segunda, terceira ou quarta edições, mas que foram publicados em primeira 
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A vocação das ciências sociais no Brasil
edição no período abordado neste trabalho. Quando foi possível reconhecer esse 
fato, a obra ficou no conjunto de livros estudados e buscou-se informar ao leitor a 
data de sua primeira edição. 
3. O acervo estudado
Indicamos a seguir, com base nos livros de ciências sociais constantes do acervo 
da Biblioteca Nacional, características da produção daquele campo do conhecimen-
to que se referem à autoria dos estudos, à formação das ciências sociais por diferen-
tes disciplinas, e à publicação e divulgação, em livro, de trabalhos realizados.
Pela autoria das 872 obras são responsáveis 585 autores, dos quais 3,8% são 
mulheres e 4% são estrangeiros (entre homens e mulheres). A julgar pelos títulos 
existentes na instituição, a autoria da maioria dos livros sobre a ciência, no período 
referido, é nitidamente masculina e nacional. 
Os textos dividem-se nas seguintes disciplinas:
Tabela I
Distribuição das obras de ciências sociais por disciplina
Disciplina Número de obra
História do Brasil 303
Economia Política 158
Antropologia 141
Sociologia 121
Ciência Política 83
Geografia Humana 43
Demografia 23
Total 872
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O lugar de destaque da história do Brasil no conjunto das publicações 
evidencia interesse marcante no estudo da historiografia.21 Os livros que 
definem esse campo de trabalho correspondem a 34,7% do total de obras 
distribuídas em sete disciplinas. A história do Brasil, note-se, foi a primeira 
a ter uma prática organizada de investigação, criada em 1838 pelo Instituto 
Histórico e Geográfico Brasileiro, no contexto das necessidades político-
ideológicas da Independência.
Durante quase cem anos, de 1838 a 1934, quando foram iniciadas a for-
mação do historiador e as atividades de pesquisa nos meios universitários – a 
começar pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de 
São Paulo –, o IHGB, sediado no Rio de Janeiro, e seus congêneres em outras 
cidades brasileiras centralizaram a produção historiográfica.
A tradição de estudos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tem 
sido objeto de exame, debate e crítica.22 No mais das vezes, argumenta-se 
que aqueles textos limitaram-se ao registro de eventos oficiais e ao destaque 
de vultos históricos, contribuindo no seu conjunto para a exaltação da na-
cionalidade. Não caberia aqui discutir a qualidade da historiografia vinculada 
ao Instituto, mas tão-somente assinalar que a história, uma das mais antigas 
disciplinas voltadas para as relações travadas entre os homens, foi também 
no Brasil uma das primeiras a merecer a atenção dos estudiosos, de modo 
regular e de acordo com normas e valores. A antigüidade do conhecimento 
da história, no Brasil, poderia explicar a alta percentagem das publicações 
indicadas na tabela I.
Contudo, assinale-se que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 
dedicando-se de fato ao conhecimento da história do Brasil e não à geo-
grafia, foi responsável pelas primeiras pesquisas etnográficas realizadas no 
país a partir de 1840, cujo foco principal de interesse eram os costumes 
21. A propósito da definição dos termos História e historiografia, ver IGLESIAS, Francisco. In-
trodução à historiografia econômica. Belo Horizonte: Universidade de Minas Gerais, 1959. p. 11-12; 
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Op. cit. p. 25-27; utiliza-se neste trabalho o termo historiografia 
para denominar o conhecimento produzido no campo da história, o qual se constitui de teorias, 
métodos e técnicas próprios; emprega-se História para a disciplina. 
22. Cf. CANABRAVA, Alice Piffer. Roteiro sucinto do desenvolvimento da historiografia, publicado 
em HOLANDA, Sergio Buarque; CANABRAVA, Alice Piffer; LUZ, Nícia Vilela (Coord.). Introdução 
ao estudo da história do Brasil, São Paulo, 1971. Cadernos do Instituto de Estudos Brasileiros; GUIMA-
RÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico 
Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, 1988.
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A vocação das ciências sociais no Brasil
de tribos indígenas,23 o que revela a importância conferida à antropologia 
desde aquela data. 
Nesse sentido, convém lembrar que as disciplinas integrantes doelenco 
das ciências sociais nessa pesquisa, de modo geral começaram a esboçar seus-
campos de trabalho no século XIX, seja por meio do ensino, seja pelas pes-
quisas e levantamentos feitos em órgãos governamentais, institutos e museus, 
ou com a publicação de obras precursoras em livro, que demonstram interesse 
em um campo do saber.24 Ressalte-se o desenvolvimento específico da histó-
ria do Brasil, porque entre as disciplinas essa área foi possivelmente a que mais 
estimulou os pesquisadores, levando ao seu estudo de modo sistemático após 
a Independência. Tal fato, como já se mencionou, poderia explicar o elevado 
número de publicações sobre o tema, constante da amostra. 
Essas observações iniciais sugerem apenas que o estudo razoavelmente 
intenso de uma disciplina, em determinado período histórico, não parece es-
tar condicionado pelas características específicas de um instrumental teórico 
e metodológico que se mostre valioso para a compreensão de fenômenos 
significativos em um momento histórico específico. Poder-se-ia supor que, 
nos anos de 1945 a 1966, a economia política e a sociologia, devido a caracte-
rísticas da identidade cognitiva de cada uma dessas disciplinas, voltadas para o 
desenvolvimento econômico e as transformações sociais, teriam correspondi-
do mais do que outras áreas do saber à demanda de conhecimentos sobre os 
problemas sociais peculiares àquele período histórico no Brasil; conseqüen-
23. Cf. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Brésil, XIXe siècle: les précurseurs des sciences sociales – cul-
ture, science et développement. Paris: Privat, 1979; e da mesma autora: Desenvolvimento das ciências 
sociais na América Latina e contribuição européia: o caso brasileiro. Ciência e Cultura, v. 41, n. 4, 
p. 378-388. abr. 1989. 
24. A respeito da constituição dos campos disciplinares das ciências sociais no Brasil, a partir do 
século XIX, ver QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Brésil, XIXe siècle: les précurseurs des sciences 
sociales – culture, science et développement. Paris: Privat, 1979; e da mesma autora: Desenvolvimento 
das ciências sociais na América Latina e contribuição européia: o caso brasileiro. Ciência e Cultura, 
v. 41, n. 4, p. 378-388, abr. 1989; AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira, São Paulo: Melho-
ramentos, 1956. tomo II, cap. II e IV; AZEVEDO, Fernando de. A antropologia e a sociologia 
no Brasil. In: ___ (Org.). As ciências no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1956; PEREIRA, José 
Verissimo da Costa. A geografia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. (Org.). As ciências no 
Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1956. Sobre geografia ver também PRADO JR., Caio. Evolução 
política do Brasil e outros estudos. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1963. p. 165-186; HUGON, Paul. A 
economia política no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de. (Org.). As ciências no Brasil. São Paulo: 
Melhoramentos, 1956. Sobre economia política ver também LIMA, Heitor Ferreira. História do 
pensamento econômico no Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1976; RODRIGUES, José Honório. 
Teoria da história do Brasil: introduçao metodológica. 3 ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1969. 
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temente, teriam se posicionado de modo mais marcante, relativamente a ou-
tros campos disciplinares no quadro de suas publicações em livro. Os dados 
obtidos indicam, entretanto, que embora figurem sem dúvida em lugar de 
destaque, o número de publicações em cada uma delas está longe de superar 
aquele da história do Brasil; ao mesmo tempo, a tabela I mostra que ao lado 
da economia política e da sociologia, o interesse dos estudiosos pela antropo-
logia foi relevante naqueles anos. 
Depreende-se, portanto, dessas observações preliminares, ser indispen-
sável examinar em seu conjunto os fatores que possivelmente interferem na 
produção de conhecimento de uma disciplina em um contexto social e histó-
rico específico. 
Quanto aos dados da tabela I, é necessário destacar ainda algumas 
 observações. Durante o processo de classificação das obras, verificou-se a 
existência de numerosos estudos sobre o folclore brasileiro. Tais pesquisas 
não alcançaram o prestígio de uma disciplina científica, mas tangenciam de tal 
modo os limites da história social, da sociologia e da antropologia, que ainda 
hoje sua identidade constitui objeto de debates e controvérsias.25 Particular-
mente no contexto histórico analisado nesse estudo, quando a diferenciação 
dos campos de trabalho intelectual se torna foco de interesse dos especia-
listas, houve uma ampla discussão sobre o projeto e as “fronteiras” do co-
nhecimento sobre o assunto. De modo geral, encontrava-se o folclore como 
um ramo da antropologia; como disciplina humanística; como fenômeno a 
ser estudado por disciplinas tais como a sociologia, a psicologia, a lingüísti-
ca, a antropologia etc. Ao mesmo tempo, reivindicava-se para o folclore um 
domínio de conhecimento próprio, científico e autônomo.26Observou-se que 
os trabalhos sobre o tema, freqüentemente denominados etnográficos em tí-
tulos constantes da amostra, tratavam a cultura brasileira do ponto de vista 
de suas tradições populares. Aproximavam-se assim do objeto característico 
da antropologia – a cultura –, como também do quadro temático específico 
25. Cf. ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas: cultura popular. Texto 3. São Paulo: PUC, 1985.
26. Sobre as controvérsias suscitadas pelos estudos de folclore cf. FERNANDES, Florestan. A 
etnologia e a sociologia no Brasil. São Paulo: Anhambi, 1958. p. 247-327; CARNEIRO, Edison. Evo-
lução dos estudos de folclore no Brasil. Revista Brasileira de Folclore, Rio de Janeiro, p. 159-180, 
1962; RAMOS, Arthur. Estudos de folclore. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1958; 
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro; VILHENA, Luis Rodolfo da Paixão. Traçando 
fronteiras: o folclore na década de 1950. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPOCS, XIII, 1989. 
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dos estudos antropológicos naquele período, interessados especialmente nos 
traços constitutivos da cultura brasileira, como veremos mais adiante. A par 
disso, foram aproveitados apontamentos sobre a história da antropologia no 
Brasil,27 que mostram como essa disciplina ao institucionalizar-se e estabele-
cer seus fundamentos científicos, recebeu e buscou reelaborar o legado de 
um conjunto de trabalhos sobre aspectos da cultura brasileira, entre os quais 
o folclore, que vinham sendo realizados desde o século XIX. As pesquisas 
sobre o assunto figuram então nesses textos no campo da antropologia, ex-
cetuando-se aqueles, em número menor, que trataram do tema das tradições 
populares de uma perspectiva sociológica. 
A ciência política consta da tabela com número de obras limitado, se compa-
rado aos das quatro primeiras disciplinas expostas, sobretudo história do Brasil. 
Ele representa, entretanto, quase o dobro do número de estudos da geografia 
humana, e em muito excede o da demografia. Ao mesmo tempo, a quantidade 
de estudos apresentada pela ciência política poderia tornar-se significativa, se 
levássemos em conta que o objeto de conhecimento da disciplina é alvo de con-
trovérsias, e os limites entre ciência política, ciência do direito, sociologia política 
e história política provocam discordância entre os estudiosos.28 
Relativamente às outras disciplinas, a geografia humana apresenta um nú-
mero restrito de obras. Com base na amostra da Biblioteca Nacional, restaria 
averiguar as características da constituição desse campo de estudos no Brasil, 
a fim de compreender os limites de sua produção científica, em comparação 
a outros temas. 
Os trabalhos sobre demografia são os mais reduzidos. A inexistência de 
um campo próprio para a formação profissional do demógrafo na universi-
dade, além do papel de disciplina “auxiliar” que muitas vezes lhe é atribuído 
seriam fatores, entre outros, a serem investigados no estudo da produção

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