Buscar

Ética, direitos humanos e direitos não humanos

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 62 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 1/62
Ética, direitos humanos e direitos não humanos
Prof. Ronaldo Pelli Junior
Descrição Os limites da liberdade, a liberdade de expressão e a busca por direitos que sejam universais:
para humanos e não humanos.
Propósito A discussão sobre ética, uma das mais antigas da filosofia, é essencial na tentativa de formular
direitos humanos e estabelecer uma igualdade entre os homens, o que nos leva a olhar para
outros seres, como animais e máquinas, a possuírem direitos similares aos dos homens.
Objetivos
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 2/62
Módulo 1
Ética e liberdade de
expressão
Listar as diferentes formas de se
pensar a ética e os limites impostos
pela liberdade de expressão.
Módulo 2
A trajetória dos direitos
humanos
Reconhecer a trajetória — com
percalços — dos direitos humanos
desde a Grécia Antiga até os dias
atuais.
Módulo 3
Os direitos dos seres não
humanos
Identificar a luta de outros seres,
como os animais não humanos, para
conseguir direitos e a preocupação de
uma ética para máquinas inteligentes.
Mesmo que seja um assunto discutido há séculos, raramente se chega a uma
conclusão sobre como algo poderia ser considerado ético. A começar porque a
própria noção de ética é controversa por si só: tanto pode ser vista como algo bom,
certo e justo para um grupo; como pode ser considerada uma prescrição, como os
códigos para categorias profissionais ou os mandamentos religiosos. Ainda, pode
ser classificada como uma disciplina da própria filosofia que analisa os limites da
ética.
Ao longo da história, pensadores lutaram com força para ampliar suas vozes e
fazer circular suas ideias, por vezes consideradas éticas; outras vezes, não.
Recentemente, a luta por liberdade de expressão tem se convertido em argumento
para o compartilhamento de notícias falsas (fake news) e discursos de ódio.
Uma primeira tentativa de compreender a questão ética está na busca por criar um
solo comum para todos os homens, isto é, uma ética universal. A Declaração dos
Direitos Humanos, publicada pela ONU na metade do século XX — mas com raízes
nos movimentos revolucionários do século XVIII ou mesmo na Grécia da
Introdução
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 3/62
1 - Ética e liberdade de expressão
Ao �nal deste módulo, você será capaz de listar as diferentes formas de se pensar a ética e os limites impostos
pela liberdade de expressão.
Antiguidade —, pode ser considerada uma tentativa ou o resultado da trajetória da
discussão dos direitos humanos ao longo dos anos.
Contemporaneamente, mas no mesmo sentido, chegam críticas de movimentos
que veem um tipo de soberba no hábito de colocar o homem no centro da
discussão político-social-legal em detrimento de outros seres. É necessário que
haja debates éticos sobre inteligência artificial e como é possível, e até mesmo
aconselhável, criar figuras jurídicas equivalentes aos direitos humanos para outros
seres, como animais não humanos, máquinas e até a própria Terra.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 4/62
De�nição de ética
Sem dúvida, a ética é um dos mais antigos temas da filosofia. Aparece nas obras
filosóficas desde, pelo menos, os grandes nomes do período clássico grego: Sócrates,
Platão e Aristóteles (todos nascidos entre os séculos V e o III AEC).
Platão escreveu inúmeros diálogos e, na maioria deles, o seu já falecido mestre
Sócrates — que nunca escreveu ele mesmo uma única linha e teve sua obra
inteiramente registrada por seus alunos — era o protagonista. No mais famoso de
todos os seus livros e também uma das obras mais importantes da história da
filosofia, A república, o tema principal é a construção de uma cidade ideal, governada
por cidadãos superespecializados que orientam suas ações através da ética.
Monumentos na fachada da Academia de Atenas de Platão e Sócrates. Acima deles, estão os monumentos de
Atenas, a deusa da sabedoria e Apolo, o deus da verdade, que representavam os propósitos da Academia, fundada
por Platão por volta de 387 a.C.
O método socrático-platônico das definições universais, que parte do princípio que
sempre há uma caráter comum-universal que abrange toda multiplicidade das
particularidades. Por exemplo, a noção comum-universal de árvore abrange toda e
qualquer árvore no mundo. Tal projeto encontrou muitos críticos — a começar por
Aristóteles, seu aluno mais notável da Academia —, não por Platão defender a ética,
mas por, especialmente, defender a possibilidade uma ética comum-universal.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 5/62
Platão e Aristóteles são retratados no centro da obra Escola de Atenas (1509-1511), uma das mais famosas
pinturas do renascentista italiano Rafael, e representa a Academia fundada por Platão por volta de 387 a.C.
Por outro lado, de um ponto de vista bem específico, ninguém é aético: todo mundo
obedece a uma ética própria e, se ninguém é aético, o que quer dizer, então, ética? Por
que ela é tão importante assim?
A palavra vem do grego antigo ethos, que significa algo como conjunto de hábitos,
costumes e valores de um grupo social ou cultura. Os romanos traduziram tal
expressão para os termos mos ou moris, que originaram o nosso termo moral. Dessa
forma, ética seria os códigos visíveis ou invisíveis que determinam o que é o certo e o
errado, o bom e o ruim, o verdadeiro e o falso para determinada sociedade. O
problema é que, mudando de geografia, de grupo, de tempo, a ética, então, mudaria.
Para ficar num exemplo banal, basta pensar nos talheres utilizados para se alimentar
ao redor do planeta. Qual seria o instrumento “certo”: garfos, facas e colheres? Hashi
(ou palitinhos)? As próprias mãos? Pode-se imaginar o quanto um japonês tradicional
ficaria chocado com alguém cortando com garfo e faca um sashimi.
Alguns indianos dizem que os talheres de
metal dão gosto ruim para a comida —
daí a escolha pelas mãos. E, seguindo
ainda no tema culinária, há diversos
vídeos na internet mostrando italianos
agoniados porque alguém decidiu
quebrar o espaguete para fazer caber em
uma panela pequena.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 6/62
Se quisermos elevar um pouco a dificuldade do debate, basta lembrar a diferença de
tratamento para grupos geralmente excluídos entre as diversas sociedades ou ao
longo da história. Até cerca de 150 anos atrás, no Brasil, homens, mulheres e crianças
de pele mais escura, africanos ou descendentes, poderiam ser considerados, por lei,
propriedade de outras pessoas e eram escravizados.
Em certos países, como a Arábia Saudita, as mulheres não compartilham dos mesmos
direitos que os homens: até muito recentemente elas não podiam votar nem dirigir
veículos. Atualmente, sob o controle dos talibãs, as mulheres afegãs sequer podem
sair de casa sem a companhia de algum membro homem de sua família.
Certos grupos religiosos, doutrinas
ideológicas, ou mesmo países que
abertamente consideram uma aberração
qualquer tipo de comportamento sexual
diferente do estritamente heterossexual,
passível de punição ou, ao menos, de um
processo de reeducação forçada. Os
exemplos poderiam prosseguir.
O argumento aqui é mostrar que as pessoas que defendem esses tipos de ações não
se consideram “más” ou agindo contra a própria “ética”. Sempre houve e sempre
haverá uma autojustificativa, mesmo para os mais atrozes comportamentos ou para
muitos deles, aomenos.
Dessa primeira forma de entender a ética, pode-se tirar uma segunda: ética pode ser
vista também como um conjunto de regras prescritivas, que vão criar o fundamento
para sabermos o que é certo ou errado antes de agirmos.
Exemplo
É o que acontece com a ética cristã ou estoica, ou, mais especificamente, com os códigos de ética de
determinadas categorias profissionais, como advogados, médicos, psicólogos, enfermeiros e por aí vai.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 7/62
Entretanto, mesmo quando o código de ética está registrado em letra fria, há
controvérsias e debates para se estabelecer a “verdadeira” interpretação do texto.
Lembremo-nos das guerras ao longo da história entre diferentes grupos cristãos que
leem a mesma Bíblia; ou os grandes debates entre advogados sobre determinadas
passagens de códigos legislativos. Isso sem falar nas discussões eternas dentro da
filosofia sobre o que um autor quis “verdadeiramente” dizer.
Um caso ligeiramente diferente é o da
autonomia médica, presente no código
do Conselho Federal de Medicina. Que
declara que o médico, entre diversos
outros direitos e deveres, deve indicar o
procedimento adequado ao paciente,
observadas as práticas cientificamente
reconhecidas e respeitada a legislação
vigente.
O problema pode aparecer quando há
casos de doenças desconhecidas, sem
tratamento farmacológico reconhecido.
Por fim, há ainda uma terceira forma de pensar a ética: as teorias e concepções da
filosofia que tentam estabelecer os limites da própria ética, que buscam dentro da
ética suas fronteiras e consequências.
É uma espécie de ética da ética, ou metaética, como se diz em “filosofês”. É esse o
principal foco filosófico: investigar se há uma “verdade” intrínseca nos valores, de
caráter universal, aplicada a todas as situações. Algo que não mudaria tanto de um
lugar para outro, nem de um tempo para outro.
Ética e moral
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 8/62
Muita gente faz um esforço conceitual para diferenciar a ética da moral. A primeira
teria uma ligação mais forte com um comportamento individual, “natural”, que estaria
presente em todas as pessoas, independentemente do grupo social, da classe, das
crenças e dos desejos que possuímos, e daria certa autonomia em relação às
influências do exterior. Já a segunda funcionaria como o conjunto de leis desse
agrupamento, que respeitaria as particularidades dessa comunidade.
Há diversos problemas em ambos os
casos. De início, como isolar essa nossa
suposta “natureza”, a ponto de ela não
ser persuadida pelas forças externas?
Como dizer que há um mundo “interno”,
intacto, sem influência do que acontece
“lá fora”, com as outras pessoas, com as
nossas relações cotidianas?
No máximo, daria para dizer que a ética é
o filtro “interior”, individual, para as regras
exteriores, comunitárias — o âmbito da
moral.
Em seguida, há uma série de outras questões, por exemplo:
Cada um teria uma ética diferente do outro?
Seria possível dizer que há uma “essência” que perpassaria por todos, homens,
mulheres e crianças do planeta inteiro?
Haveria uma questão principal, fundamental, a partir da qual todas as outras
poderiam se apoiar, se basear, para criar seus valores?
Seria ela a defesa da vida? Mas será que todos os grupos humanos pensam a
vida da mesma maneira?
Como comparar a definição da vida das tradições cristãs com a de povos
tradicionais, autóctones?
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 9/62
Responder a essas questões não é fácil! E você não encontra uma resposta unânime
para elas. O importante é que você, a partir de nosso conteúdo estudado — e do
aprofundamento esperado — possa tomar posição frente a elas, com certa
fundamentação teórica.
O pensador alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900) foi um dos maiores críticos
do que chamou de moral. Ele associava
essa moral a um conjunto de valores
criados a partir do pensamento
socrático-platônico, que se manteve
vigente ao ser, posteriormente, adaptado
pelo cristianismo .
Nietzsche propôs filosofar com o
martelo, como dizia, para explicitar sua
intenção de destruir esses valores que,
segundo ele, nos enfraqueciam, nos
tornavam menos capazes de lidar com a
própria vida e toda a sua variedade de
possibilidades e surpresas.
Friedrich Nietzsche.
>
Adaptado pelo cristianismo
No prefácio de Além do bem e do mal, Nietzsche acusa o cristianismo de ser uma mera adaptação simplificada
e, consequentemente, mais acessível do dogmatismo platônico para o povo comum; ou seja, um “platonismo
para as massas”.
Contudo, assim que “quebrou” a moral platônico-cristã, esse pensador, com ou sem
intenção, logo colocou um outro tipo de proposta de valores, mais “fortes”, em que se
encarava com coragem a aleatoriedade da vida, em que não haveria uma separação
tão óbvia entre razão e emoção, entre bem e mal, entre verdadeiro e falso. Ou seja,
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 10/62
Nietzsche percebeu que não há vácuo moral: sempre outros valores assumem o posto
deixado vazio.
Mesmo que a moral seja associada a determinado grupo social,
portanto perdendo a capacidade de universalização, percebe-se,
de forma concomitante, que é impossível viver sem uma moral,
mesmo que implícita.
Isso porque precisamos recorrer à moral (ou à ética, dependendo de quem fala)
quando estamos diante de um impasse, quando precisamos tomar uma grande
decisão e não temos recursos próprios, imediatos, ou para saber qual é a melhor
estrada para se pegar na hora da encruzilhada.
Immanuel Kant.
Immanuel Kant (1724-1804) foi outro
filósofo que muito se debruçou sobre
questões ético-morais, exatamente
porque sabia que havia um limite para o
racional e que não era possível saber
qual é a regra na qual o outro sujeito está
se baseando para agir.
Tentando responder a essa demanda, ele
formulou o chamado imperativo
categórico, que pode ser sintetizado na
seguinte frase: “Aja de tal forma que sua
ação possa ser considerada lei
universal”. Em outras palavras, aja do
jeito que gostaria que agissem com você.
Ainda: considere ética toda ação sua,
desde que você aceite que façam a
mesmíssima coisa consigo.
A proposta de Kant não passou ilesa, entretanto. Entre outros apontamentos, seus
críticos defendem que, às vezes, ser justo é tratar de maneira desigual os desiguais.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 11/62
Dito de outra forma: nem todas as pessoas têm as mesmas necessidades, desejos
similares ou uma tábua de códigos que se equivalha. Por isso, achar que a “minha”
percepção é a melhor para todos parece uma falta de conhecimento das
subjetividades dos outros indivíduos — e no fundo até egoísmo.
Uma das principais críticas à ética kantiana afirma que ele apenas
atualizou o que foi o padrão ouro da moral durante quase todos os
últimos 2 mil anos: o cristianismo.
Desde os Dez Mandamentos até a categorização dos pecados, todo o sistema cristão
funcionou para dar parâmetros que guiassem seus adeptos a saber o que era o certo e
o errado, o que era verdade e o que era mentira, e como se poderia garantir uma vida
boa no paraíso, após a morte.
Com o passar do tempo, porém, o cristianismo perdeu a relevância que possuía há
séculos. Mesmo que ainda haja muitos cristãos no mundo, outras forças (como a
ciência) surgiram para colocar em dúvida as propostas sacerdotais. Antes mesmo da
subida em definitivo da ciência ao altar dos valores morais, outros encontros já tinham
afetado o monopólio cristão da leiprescritiva. Um caso exemplar foi a chegada dos
europeus, nos séculos XV e XVI, nas terras que depois receberam o nome de América.
A Primeira Missa no Brasil, quadro de Victor Meirelles que retrata o contato entre as populações nativas e os
colonizadores europeus.
Assim que encontraram populções nativas tão diferentes em seus comportamentos e
valores, uma série de perguntas atravessou a cabeça dos europeus:
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 12/62
Como tratar os nativos americanos, que seguiam outras éticas
que permitiam relacionamentos menos monogâmicos, que não
tinham pudores excessivos com o corpo, que não veneravam o
mesmo Deus, que queriam trabalhar apenas o necessário, sem
conseguir compreender a pretensão europeia de acumular
riquezas?
Parecia claro que não era apenas o cristianismo que sabia lidar com o mundo. Outros
modos de viver funcionavam tão ou melhor que o europeu e isso precisava ser levado
em conta. Ou deveria ser.
Ética e liberdade
Em vários momentos da história, a ética
(ou a moral) foi vista como aquilo que
tentou controlar o que se pode ou não
fazer. Há uma frase muito citada, mas
que não aparece exatamente assim, de
Os irmãos Karamazov, obra literária do
russo Fiódor Dostoiévski, que resume
bem a intenção: “Se Deus não existe,
tudo é permitido”.
Isto é, Deus (ou um ente que tivesse uma
importância ética parecida) seria o
tampão moral que nos impediria de cair
no caos completo, na desordem total, no
vale-tudo. Como se apenas uma mão
pesada nos impedisse de nos destruir
por completo.
Fiódor Dostoiévski.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 13/62
Se não houvesse uma lei repressora, nós
tenderíamos ao aniquilamento ou, no
mínimo, à perda de certos traços que nos
tornam diferentes de outros seres, a
começar pelos outros animais.
Nessa passagem do livro, o personagem de Dostoiévski dá alguns exemplos do que,
para ele, seria o mais baixo que o homem poderia chegar: se não acreditarmos na
imortalidade da alma, então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a
antropofagia. Considerando que este era um costume de certos grupos indígenas das
Américas na época da invasão europeia, há mais de 500 anos, o contraste moral fica
ainda mais gritante.
Antropofagia
Ato ritual religioso de comer uma ou várias partes do corpo de um ser humano como uma forma de se vingar
por mortes ocorridas em conflitos anteriores e para adquirir as características de seus inimigos.
Desenho datado de 1557 de uma cena antropofágica ocorrida no Brasil.
Para um intelectual urbano russo do século XIX, talvez o ato de comer outros seres
humanos fosse um dos pontos mais baixos que o homem chegaria. Mas, para um tupi
da costa de Pindorama (nome que os indígenas dessa etnia davam para a terra que se
chamou depois de Brasil), o ato tinha diversas conotações: espirituais, existenciais e
até éticas. Como equiparar tais noções tão distantes?
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 14/62
O dilema ético aqui está exatamente em poder analisar a questão proposta da forma
mais ampla possível. Aqui essas perguntas podem nos ajudar a refletir, mas não nos
darão uma resposta pronta: a moral cristã, que eliminou o antropofagismo no Brasil,
não deveria acontecer? Todos os aspectos culturais de um povo devem permanecer
sempre intactos?
É bastante provável que não sejamos assim tão dependentes de
uma lei forte para nos organizar e reprimir nossas vontades mais
egoístas, mas é notável como os limites impostos pela ética
aparecem em todos os agrupamentos humanos — e são
essenciais para a construção de uma sociedade. É preciso
estabelecer o que se pode ou não fazer, para criar uma coesão e,
assim, nos liberar para sermos livres no restante das ações.
É preciso estabelecer o que se pode ou não fazer, para criar uma coesão e, assim, nos
liberar para sermos livres no restante das ações.
Jean-Jacques Rousseau.
Muitos pensadores ao longo da história
da filosofia, como o suíço Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), consideravam
que o homem nasce livre, mas precisa se
aclimatar à sociedade, diminuir seu
ímpeto, se adaptar aos códigos impostos
pela tradição.
Esses pensadores foram empurrando a
fronteira do que se podia fazer ou não —
ou seja, da moral — a cada vez que um
impedimento dogmático aparecia.
Uma das questões primordiais do
Iluminismo, por exemplo, foi a liberdade
de expressão.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 15/62
Até o movimento europeu que teve como expoentes Kant, os franceses Voltaire,
Diderot e Rousseau, e os ingleses Hume e Adam Smith, falar o que se pensava podia
dar em prisão ou até em morte. Por isso, eles lutaram, escreveram, correram riscos
para que todos pudessem expressar aquilo que tinham em mente, sem medo de
serem exterminados por isso.
A título de comparação do tamanho do risco do simples ato de opinar publicamente —
algo banalizado em tempos de redes sociais —, lembre-se de como a imprensa foi
perseguida na colônia portuguesa das Américas. Só se foi permitido ter jornais
impressos com a vinda de D. João VI para o Brasil, em 1808. E, ainda assim, não era
exatamente uma imprensa livre, mas profundamente censurada.
Liberdade de expressão
No Brasil, na segunda metade do século XX, estudantes, artistas, militantes, músicos,
operários, escritores, em suma, críticos ao regime foram presos, torturados,
condenados ao exílio e até mortos por discordarem com veemência dos ditadores.
O assassinato do jornalista Vladimir
Herzog é um dos casos mais famosos
que representa quão violenta foi a
repressão dos militares.
Em 1975, Vlado, como era apelidado, se
apresentou espontaneamente para
prestar depoimentos ao DOI-CODI, órgão
militar famoso por atacar dissidentes do
regime. O jornalista foi preso na mesma
hora e apareceu enforcado, em sua cela,
apenas um dia depois.
Vladimir Herzog morto no DOI-CODI de São Paulo.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 16/62
Segundo as informações declaradas
pelos oficiais, ele teria se matado com
um cinto de pano que prendia sua roupa.
Havia, contudo, uma grosseira
inconsistência na versão apresentada
pelos militares: na foto divulgada, os
joelhos do jornalista apareciam
encostados no chão, o que
impossibilitaria o suicídio.
Desde o Iluminismo, portanto, a liberdade de expressão se tornou um dos pilares dos
regimes que se propunham democráticos. Só é possível ter uma democracia se tal
direito for respeitado. Recentemente, entretanto, o processo se inverteu: utilizando-se
desse arcabouço legal, vários atores políticos começaram a propagar informações
que não condizem com os fatos. Em termos atuais, passaram a divulgar fake news.
A liberdade de expressão é tratada por quem divulga esses “fatos alternativos” de
forma distorcida. Primeiro como um valor superior aos demais: nenhum outro direito
poderia ser mais importante que este. Segundo: como uma desculpa para falar
qualquer coisa, não importando se é verdade ou não.
Sobreviventes do campo de concentração nazista
Buchenwald, no leste da Alemanha, quando foram
resgatados.
Na Alemanha, por exemplo, é previsto
como crime a negação do Shoá, também
conhecido como Holocausto, o genocídio
nazista que matou cerca de 6 milhões de
pessoas, entre judeus, Testemunhas de
Jeová, pessoas com deficiências,
ciganos, comunistas, homossexuais e
outros grupos discriminados pelos
nazistas.
Na Ucrânia, não só é proibido ocultar o
Holodomor — o genocídio soviético da
população ucraniana, com cerca de 12
milhõesde mortos pela fome —, como
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 17/62
também foi proibida a existência de
partidos políticos comunistas e qualquer
símbolo que remeta ao regime socialista
soviético.
Não importa que a liberdade de imprensa, análoga à de expressão nesse caso, esteja
registrada na Constituição daquele país. Há valores maiores do que a possibilidade de
opinar publicamente. Na realidade, mesmo em democracias bem mais consolidadas
que a brasileira, a liberdade não é infinita e precisa ser tolhida quando há riscos reais.
Mesmo nos EUA, cuja Primeira Emenda à Constituição, datada ainda de 1791, já
defendia a expressão livre, não é um vale-tudo.
Precisa ser tolhida
Essa é outra questão pouco reconhecida como unânime. Nesse sentido, vale conferir os artigos e reportagens
indicados no Explore +.
Nenhum direito é absoluto e a liberdade de expressão não é soberana
em relação aos demais direitos.
O Estado não interfere em relação a toda e qualquer informação veiculada, mas caso
haja um exemplar considerado perigoso (planejamento de ataques terroristas, por
exemplo), pode haver interferências.
Além disso, no momento histórico em que pouquíssimas empresas privadas
controlam o tráfego de informação pelo mundo, a relação entre liberdade de
expressão, democracia e censura mudou drasticamente.
Exemplo
Facebook, Twitter e Google são capazes de desviar o fluxo para certas postagens a partir do quanto se
investe. Ou seja, não é exatamente um procedimento democrático, mas plutocrata, isto é, com prioridade
para quem tem mais dinheiro.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 18/62
Por outro lado, tais empresas bilionárias também podem, de uma hora para outra,
banir certos personagens ou conteúdos, como no caso do ex-presidente norte-
americano Donald Trump, cuja conta no Twitter foi retirada do ar no início de 2021 sob
acusação de incitar a violência, é um exemplo do poder dessas companhias. Por se
tratarem de empresas privadas, que não precisam dar satisfação das suas ações para
o público em geral, acabam por gerar desconfianças legítimas.
Para alguns, as acusações ao então
presidente dos EUA foram óbvios; para
outros não! Então, sendo uma empresa
privada, que não precisa dar satisfação
das suas ações para o público em geral,
sempre há uma desconfiança. E quando
houver perseguição a certos
personagens que forem contrários à
empresa em questão (como alegou parte
da Imprensa Americana, nesse mesmo
caso)?
Ou acontece o problema inverso: certos
conteúdos, apesar de serem
classificados como discurso de ódio ou
como propagadores de informações
falsas, muitas vezes são mantidos
porque têm audiência.
Enfretamento entre policiais e apoiadores do ex-
presidente Trump durante a invasão do Capitólio dos
Estados Unidos em 2021.
É o caso de canais de propagação de notícias inverídicas no Facebook ou no Youtube
(do Google), por exemplo. Para tornar as coisas ainda mais difíceis, mesmo que uma
rede de divulgação caia no Whatsapp, que é ligado ao Facebook, ela surge num outro
aplicativo de comunicação instantânea.
E o pior: em vários desses casos, apesar de essas grandes companhias terem códigos
de ética, eles são ignorados – ou interpretados de forma “criativa” – em prol de outros
interesses, como manter a audiência em crescimento, engajada, com interações".
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 19/62
Como insistido inúmeras vezes, não há unanimidade sobre algumas dessas
temáticas. E é fundamental apresentar, quando possível, outras versões além daquela
do "senso comum midiático".
Assim, a partir desse admirável novo mundo que nos aparece, em que a liberdade de
expressão já não é a mesma que foi defendida pelos iluministas, uma pergunta
aparece com cada vez mais frequência: como estabelecer um limite, como propor
uma ética para uma rede que é necessariamente ampla e tão multifacetada? Ou, para
voltar à frase de Dostoiévski: se não há Deus — uma lei, um Estado, uma moral, uma
ética — tudo é possível mesmo?
Quem controla as agências de controle?
Neste vídeo, vamos falar sobre os elementos que nos ajudam a perceber a
importância e a complexidade de agências de controle das mídias digitais. Vamos lá!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 20/62
Questão 1
Sabemos que definir o que é ética não é fácil, mas podemos partir de alguns
fundamentos teóricos, desenvolvidos ao longo da história, a fim de podermos
afirmar algo sobre a ética. Nesse sentido, avalie as afirmativas abaixo, que têm por
objetivo caracterizá-la:
I. Códigos visíveis ou invisíveis que determinam o que é o certo e o errado, o bom e o
ruim, o verdadeiro e o falso para determinada sociedade.
II. Conjunto de regras prescritivas, que vão criar o fundamento para sabermos o que
é certo ou errado antes de agirmos.
III. A lógica interna e obrigatória que força participantes de um grupo social a se
comportarem de certa maneira.
IV. Valores internos das pessoas, independentemente do tipo de ambiente inserido e
da influência recebida.
Está correto o que se afirma em
A I somente.
B III somente.
C I, II e IV.
D IV somente.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 21/62
Parabéns! A alternativa C está correta.
Mesmo que a ética seja vista como uma lógica interna de determinado grupo, ela
não tem um caráter obrigatório, mas optativo, de escolha: o homem é livre para
escolher ser ético ou não. As demais afirmativas apresentam o quanto a ética pode
ter sua concepção ampliada.
Questão 2
Houve recentemente uma mudança significativa na maneira como a liberdade de
expressão é entendida de forma geral. Entre as alternativas abaixo, assinale a que
melhor explica essa transformação.
E II, III e IV.
A
De um período em que a liberdade de expressão não tinha limites,
hoje ela começou a ter, desrespeitando a democracia.
B
De um tempo em que era usada como forma a propagar qualquer
informação, hoje se tornou o último bastião contra as censuras
gerais.
C
De uma relação de trocas iguais, democráticas, em que não havia
necessidade de a invocar, para um momento ainda mais tranquilo em
que tal proposta quase é esquecida.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 22/62
Parabéns! A alternativa D está correta.
Apesar de um histórico de lutas para ampliar a liberdade de expressão, tal direito
não pode ser visto como superior aos demais, muito menos ser usado para divulgar
notícias falsas.
2 - A trajetória dos direitos humanos
D De um mecanismo iluminista contra as censuras, tal artifício serve
hoje como justificativa para se divulgar fake news.
E
De um jeito de se expressar livremente, hoje se transformou numa
forma de comunicação social.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 23/62
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a trajetória — com percalços — dos direitos humanos desde
a Grécia Antiga até os dias atuais.
De�nição de direitos humanos
Talvez a pergunta “quando foram instituídos os direitos humanos?” só tenha uma
concorrente na categoria dificuldade de responder: é a sua prima “o que são os
direitos humanos?”.
Eleanor Roosevelt, então 1ª dama do EUA, exibe a
Declaração Universal dos Direitos Humanos publicada
em espanhol.
Sabe-se, com certeza, que tal expressãoaparece na Declaração Universal da
Organização das Nações Unidas, um
documento proferido em 1948 — logo
após o genocídio promovido por nazistas
e fascistas durante a Segunda Guerra
Mundial — que delimita os direitos
fundamentais do ser humano.
Tal declaração, porém, não acabou com
as controvérsias e contradições.
Segundo o historiador e jurista norte-americano Samuel Moyn, que defende essa onda
atual de direitos humanos como uma espécie de última utopia humana e aponta a
década de 1970 como o momento em que a Europa buscou uma identidade fora dos
termos da Guerra Fria, que separava o mundo entre países alinhados aos EUA
capitalistas ou à URSS comunista.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 24/62
Além disso, depois da desastrosa saída
do Vietnã, em 1975, a política externa
dos EUA mudou para padrões mais
liberais, a fim de manter relações mais
igualitárias com outras nações. E,
principalmente, foi a década em que a
aventura colonialista dos países
europeus na África se dissolveu,
ocasionando a libertação de diversos
povos que até hoje pagam a conta dessa
longa dominação.
Isso, claro, sem contar o rescaldo dos
grandes movimentos populares do fim da
década de 1960, que sacudiram os
paralelepípedos das ruas de várias
cidades do Norte Global, de Paris a
Berkeley (EUA), passando por Praga,
capital da então república socialista
tchecoslovaca. Após tais protestos e
modificações do tabuleiro mundial, não
dava mais para se crer capitalista ou
comunista de forma inocente.
Grande protesto contra a guerra do Vietnã tomou as
ruas de Amsterdã em 13 abril de 1968.
Com a eleição de Margareth Thatcher no Reino Unido, em 1979, e de Ronald Reagan
nos EUA, em 1981, os direitos humanos se transformaram em uma moeda
imperialista.
Exemplo
Usando como desculpa o combate às ditaduras comunistas e o perigo do chamado avanço “vermelho”, EUA
e Reino Unido intervinham diretamente na política interna e externa de países periféricos.
Contraditoriamente, não se importavam com as violações dos mesmos direitos nesses mesmos países
periféricos, que seguiam suas cartilhas subservientes e, na maioria dos casos, aderiam às suas políticas
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 25/62
econômicas neoliberais. Era o caso das ditaduras sul-americanas do período, tais quais as implantadas no
Brasil, na Argentina e no Chile.
Essa política de direitos humanos também não aconteceu de forma igual nem ao
mesmo tempo em todos os países da Europa do oeste — basta lembrar que,
paralelamente a esse período, toda a Península Ibérica continuava sob o domínio de
ditaduras nacionalistas até metade da década de 1970: Portugal se liberta do
salazarismo, iniciado em 1933, somente com a Revolução dos Cravos, em 1974. Já a
Espanha se livraria do franquismo — imposto desde o fim da Guerra Civil Espanhola,
em 1938 — apenas com a morte do “generalíssimo” Francisco Franco, em 1975.
Demonstração franquista nas ruas de Salamanca, na Espanha, em 1 de janeiro de 1937.
Mas, afinal, como definir o que são os direitos humanos?
Para começarmos a entender esse assunto, é possível citar alguns procedimentos
dentro do escopo dos direitos humanos: o direito à liberdade de culto e religião; o
direito a um julgamento justo, quando se é acusado de algum crime; o direito a não ser
torturado; e o direito à educação.
É nesse sentido que, atualmente, os direitos humanos:

Plurais e têm como �m
acabar com a
escravização no mundo

Universais e inerentes a
todos os seres humanos
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 26/62
Destacam que todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e
direitos, com o fim de acabar com a
escravização no mundo e prevenir
genocídios, através de direitos e
liberdades fundamentais.
Promovem o respeito e a observância
aos direitos e liberdades fundamentais
do ser humano, como um ideal comum a
ser atingido por todas as nações,
independentemente das práticas, morais
e leis específicas de seus países.

Prioridades e sua violação
é uma grave afronta à
Justiça
Esclarecem que o pleno reconhecimento
e respeito aos direitos e liberdades
fundamentais, para que toda e qualquer
pessoa tenha direito a uma vida digna, é
um requisito inerente à moral, à ordem
pública e ao bem-estar de toda e
qualquer nação democrática.

Equiparados a
estabilidade e a
segurança nacional
Enfatizam que o direito a uma renda justa
e satisfatória, que assegure uma
existência digna, está diretamente
relacionado com a estabilidade, a
segurança nacional, a autonomia
individual e dos povos, bem como a
prosperidade nacional e global.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em 1948, nos fornece um bom
parâmetro para tentar entender o que são, afinal, os direitos humanos: são uma
tentativa de criar uma moral — uma ética — compartilhada por “todos os membros da
família humana”, como escreve a declaração das Nações Unidas publicada em 1948.
Tais direitos são aquilo no qual todos deveríamos nos basear, por serem as condições
fundamentais para uma vida digna de toda e qualquer pessoa, sem importar quem ela
é ou o que ela faz.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 27/62
Direitos humanos e Iluminismo
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade.
(Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos)
Livres, iguais e com espírito fraterno. Desde o seu primeiro artigo, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos não esconde sua principal influência: a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789.
Redigida logo no início da Revolução
Francesa, em 1789, o icônico documento
— cujo lema principal era “liberdade,
igualdade e fraternidade” — não apenas
ignorava o rei, como toda nobreza e a
Igreja, atribuindo a soberania do país ou
nação ao seu povo. Destacando que “os
direitos naturais, inalienáveis e sagrados
do homem” são a base de qualquer
governo.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 28/62
O caráter universal dos direitos humanos
também já aparecia na declaração de
1789, que se refere, ao longo de seu texto
e de diversas formas, aos homens, sem
fazer distinção da sua nacionalidade,
com apenas uma menção ao povo
francês. Seu artigo 1º, que ecoa no
documento da ONU, quase dois séculos
depois, já assegurava que “os homens
nascem e permanecem livres e iguais em
direitos”.
Era tanta liberdade, igualdade e propunha tanta fraternidade que teóricos e políticos
anglófilos como Richard Price e Edmund Burke, que tinham apoiado a independência
norte-americana, em 1776, foram contrários à Revolução Francesa, com medo de que
ela acabasse provocando o caos.
Foi contra ela que Burke escreveu Reflexões sobre a Revolução na França, e criou as
bases para o conservadorismo moderno, que até aceita transformações, mas acredita
que as revoltas são movimentos extremos demais.
Aliás, a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América é outro
documento que historiadores, como a
estadunidense Lynn Hunt, defendem
como seminais no tema dos direitos
humanos. A segunda linha do texto de
1776 já afirma: "Consideramos estas
verdades autoevidentes: que todos os
homens são criados iguais, dotados pelo
seu Criador de certos Direitos
inalienáveis, que entre estes estão a Vida,
a Liberdade e a busca da Felicidade".
Declaração de Independência dos Estados Unidos.06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 29/62
Mesmo que haja uma menção ao Criador,
o Seu trabalho termina ali. O governo era
dos homens e para os homens. Todos os
homens.
Há uma conexão estreita entre as duas famosas declarações do século XVIII: Thomas
Jefferson, o autor da declaração americana, estava em Paris 13 anos depois, meses
antes da queda da prisão da Bastilha, o evento que marca o início da Revolução
Francesa. Thomas Jefferson era amigo e muito provavelmente influenciou o marquês
de Lafayette, que foi um dos redatores do documento de 1789.
Capa de O contrato social ou princípios do direito
político, de 1762.
Todas essas declarações revolucionárias
respiraram os ares críticos e científicos
do Iluminismo, que criou as bases
estruturantes para a proposta da
formação de uma sociedade, em tese,
muito menos estratificada.
A expressão “direitos do homem”, que
ficou bastante associada à declaração
francesa de 1789, já aparecia na obra O
contrato social ou princípios do direito
político, de 1762, do iluminista Jean-
Jacques Rousseau.
Em geral, os direitos humanos têm três
condições características, devem ser:
Naturais
Inerentes aos seres humanos.
Iguais
Os mesmos direitos para todo
mundo.
Universais
Aplicáveis por toda parte.
Dito de outra forma: todos considerados humanos — mesmo as piores pessoas,
mesmo os maiores genocidas, os bandidos mais detestáveis e aqueles sujeitos que
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 30/62
odiamos — devem usufruir desses direitos. Por isso, merecem não serem torturados
bem como terem um julgamento e um tratamento justo, igualitário e digno.
A ironia do processo é que parcelas consideráveis da população tanto dos EUA quanto
da França — isso para não falar de periferias como o Brasil — não eram incluídas
nesses direitos humanos. Isso se mantém, de certa forma, até hoje. Quando algum
grupo é excluído na hora de votar, por exemplo.
Pela lei brasileira, menores de 16 anos, os considerados loucos, presos que têm
sentença transitada em julgado, indígenas vivendo em situação de isolamento, jovens
prestando serviço militar obrigatório e estrangeiros não são autorizados a participar
das eleições. Todos são impedidos por serem considerados dependentes, portanto,
podendo ser influenciados por outras pessoas.
Ainda no século XVIII, também eram
colocados fora dos direitos “universais”
aqueles sem propriedade, os
escravizados, os negros livres, certas
minorias religiosas (como os judeus) e,
por último, mas não menos importante:
as mulheres. Aos poucos, por vezes de
forma lenta demais, esses segmentos da
sociedade foram sendo incorporados à
ideia de “universal” e começaram a
usufruir dos direitos humanos.
Manifestação pelo voto feminino em Nova York, 1912.
O primeiro país a autorizar o voto feminino foi a Nova Zelândia, em 1893. No Brasil, as
mulheres conquistam o direito de votar em 1932. Na revolucionária França, elas só
foram às urnas em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial.
A noção de quem pode ou não receber direitos vai se alargando, vai sendo modificada
a partir das necessidades, condições e exigências da sociedade. O que é considerado
razoável há 200, 300 anos, não é mais hoje em dia, um processo que tem bastante
influência da moral.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 31/62
O próprio Jefferson, redator da declaração de independência norte-americana e
terceiro presidente dos EUA, era um grande proprietário de escravos — o que causa um
enorme constrangimento hoje em dia entre os seus compatriotas. Talvez no futuro
tenhamos essa mesma vergonha de situações que hoje toleramos e, até mesmo, de
certa forma, incentivamos, como a extrema desigualdade social.
Direitos humanos e Grécia
Essa aparente contradição para os olhos contemporâneos entre um discurso de
universalização e uma prática que excluía certos grupos sociais é comum desde a
época da democracia ateniense na Grécia Antiga, comumente considerada o berço da
democracia ocidental.
Pintura de Philipp Foltz que retrata um discurso público do célebre estadista ateniense, Péricles.
Foi lá que o primeiro experimento democrático digno desse nome aconteceu, com a
população — isto é, homens adultos livres — da cidade-estado de Atenas participando
da organização da sociedade. Escravizados, mulheres e estrangeiros eram excluídos
de todo o processo, entretanto. Na prática, os participantes ativos desse sistema
atingiam no máximo 20% da população de Atenas.
De qualquer forma, há quem enxergue também na Grécia de séculos antes de Cristo a
origem dos direitos humanos. Sofistas e estoicos já tinham, no mínimo
implicitamente, uma ideia de igualdade entre os homens. Os primeiros, com a sua
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 32/62
noção de que o homem é a medida para todas as coisas, e os segundos, colocando a
razão para reger o mundo que, por sua vez, seria pensado de forma a priorizar o bem
de todos.
Outros teóricos enxergam ainda no poeta grego Hesíodo, que teria atuado entre 750 e
650 AEC, o passo inicial da caminhada que culminou no direito de todas as pessoas
serem tratadas como iguais.
Hesíodo.
Se Homero — outro poeta grego do
século VIII AEC — ainda colocava a
vingança como fundamento da Justiça, o
que, por isso, não leva em conta o valor
da vida humana como igual, Hesíodo
inclui o homem na equação.
Em Hesíodo, sai o guerreiro, personagem
dos épicos homéricos, e entra o
agricultor, que quer apenas viver uma
vida tranquila, uma existência justa, que
seja regida por algum tipo de direito.
O homem nos poemas de Hesíodo
deveria seguir as leis que criavam a
ordem universal sob pena de receber
algum castigo de Zeus. Eram castigos
ainda muito conectados com fatos da
natureza, mas que mostravam, de
alguma forma, a preocupação com a vida
do próprio homem.
A despeito de não se ter uma certidão de nascimento que seja indiscutível — e nunca
haverá —, o que se pode entender é que todas as vezes que se pensa em direitos
humanos se coloca a vida humana, em toda a sua dignidade, no centro da questão. Os
direitos humanos foram resumidos pelo jurista inglês do século XVIII William
Blackstone, que os chamou de a “liberdade natural da humanidade", isto é, os "direitos
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 33/62
absolutos do homem, considerado como um agente livre, dotado de discernimento
para distinguir o bem do mal".
Crítica aos direitos humanos
Embora ninguém seja, de forma aberta, contra os direitos humanos — apesar de haver
diversas deturpações do conceito que levam certos políticos de extrema-direita a
reclamar de um enviesamento na sua prática —, a maneira como tais direitos foram
estabelecidos e usados politicamente ao longo dos séculos fez deles um alvo. A
começar pelo já mencionado uso de propaganda parcial por políticos reacionários da
década de 1980 que queriam desestabilizar países comunistas.
É fácil dizer que um país como Cuba, por
exemplo, não respeita os direitos
humanos, quando eles abertamente
perseguiram homossexuais.
O mais difícil é justificar o silêncio
desses mesmos políticos diante das
torturas, prisões e assassinatos dos
opositores de ditadores como Augusto
Pinochet, no Chile.
O então presidente dos EUA, Jimmy Carter, sorrindo ao
lado do ditador chileno Augusto Pinochet, em 1977.
Ou o incentivo militar norte-americano ao massacre da população de El Salvador, que
se opunha ao governo de direita. Ou o apoio do mesmo país ao grupo dos “Contra”, na
Nicarágua, que tentavaacabar com a Revolução Sandinista, que tinha derrubado um
ditador apoiado pelos EUA. Isso só para ficar em exemplos que ocorreram na América
Latina na década de 1980.
Mas as críticas não param aí. Teóricos de tradição marxista enxergam na Revolução
Francesa um movimento que se utilizou da força das classes mais baixas para
destronar os chamados primeiro e segundo Estado, isto é, a nobreza e o clero, e
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 34/62
instalar no poder não os pobres e necessitados, mas uma outra classe intocável: a
burguesia.
A mais icônica obra sobre a Revolução francesa, do pintor iluminista Eugène Delacroix, A Liberdade guiando o povo,
de 1830.
Banqueiros, grandes industriais e comerciantes assumiram as posições que antes
eram dos nobres e dos padres. A camada mais desvalida, embora tenha tido
participação ativa no movimento revolucionário, foi mais uma vez colocada para
escanteio quando o processo se estabilizou.
Há também quem associe os direitos humanos a apenas uma boa intenção que nunca
foi concretizada de verdade, e a demora para que outros grupos além do segmento de
sempre — os homens brancos ricos — participassem do jogo democrático corrobora
esse tipo de raciocínio. Mesmo que hoje a grande maioria da população brasileira
tenha acesso ao voto, para continuar no caso já mencionado, em outros temas
relacionados aos direitos humanos, como a segurança, a liberdade e a igualdade,
certos grupos — os de sempre — parecem ter mais direitos que outros.
Para comprovar isso, basta ver a diferença de expectativa de vida entre brancos e
negros no Brasil. Ou a cor de pele predominante na imensa maioria da população
carcerária. Ou a gigantesca diferença de renda entre os muito ricos e o resto da
população. Qualquer métrica social ou de direitos humanos que for utilizada vai
mostrar esse abismo.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 35/62
Gráfico: Brasil: Taxa de Homicidios de Negros e de Não Negros a cada 100 mil Habitantes Dentro destes Grupos Populacionais (2009 a 2019)
Extraído de: Diest/Ipea, FBSP e IJSN. Atlas da Violência, 2021, p. 50.
Ademais, as críticas aos direitos humanos feitas por parte de figuras de extrema-
direita, como se tal arcabouço fosse uma forma de proteger e incentivar meliantes,
apenas disfarçam a tentativa de se manter esse tipo de distância entre quem já tem
acesso a tais direitos e quem nunca teve.
Ainda que seja uma árdua tarefa estabelecer valores éticos para um grupo tão
heterogêneo quanto a espécie humana, os direitos humanos arriscam esse papel.
O caráter universal desses direitos serve exatamente para criar o
mínimo, aquilo que todos podem reivindicar e recorrer. A fim de
que todas as sociedades humanas sejam mais justas e
igualitárias.
Se seguirmos os direitos humanos, podemos dizer que é ético que todas as pessoas
nunca sejam torturadas na vida, mesmo que tenham cometido o pior dos crimes. É
ético que ninguém seja discriminado por conta de sua cor de pele, sua crença, sua
orientação sexual, sua identidade de gênero. É ético que todas as pessoas tenham as
mesmas chances para prosperar na vida, sem importar o meio em que nasceu. É ético
que se procure colocar em prática a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 36/62
Crítica marxista aos direitos humanoss
Os marxistas também reclamam do caráter individualista que estaria implícito nos
direitos humanos, como se tal categoria judicial não pensasse o todo da sociedade de
uma vez, mas pulverizasse cada uma das perspectivas. Como estabelecer, por
exemplo, o limite da liberdade de cada um? As discussões sobre liberdade de
expressão, no módulo anterior, mostram como essa demarcação é complicada.
De toda forma, por um lado é justa essa crítica marxista sobre o caráter individualista
dos direitos humanos, uma vez que, ao se dividir cada um dos cidadãos em indivíduos,
se perde força para exigir mais participação política, além de criar um problema
acerca da linha que separa os direitos de um indivíduo do seu próximo; por outro, ela
ignora o âmbito mais singular em que os direitos atuam.
Quando alguém é torturado, é a sociedade como um todo que está
sofrendo, já que precisou recorrer a um procedimento vil que
ataca a dignidade de um dos seus cidadãos. No entanto, é um
sujeito único que sente dor. Alguém que tem uma vida pregressa,
que tem sonhos e que está recebendo na pele a carga dessa
violência. Portanto, há sempre duas alçadas sendo entrelaçadas
ao mesmo tempo: o indivíduo e a sociedade. E ambas devem ser
respeitadas.
Para sabermos o quão longe estamos dessa universalização dos direitos humanos,
podemos recorrer a um teórico socialista utópico do fim do século XVIII e início do XIX
chamado François-Marie Charles Fourier.
Fourier, percebendo que as propostas de liberdade, igualdade e fraternidade da
Revolução Francesa não foram assimiladas pela sociedade como um todo, propôs um
medidor: “o grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barômetro natural
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 37/62
pelo qual se mede a emancipação geral”. Poderíamos atualizar esse barômetro com a
população negra e indígena, com as pessoas com deficiências, com as pessoas
LGBTQIA+ e todos os grupos historicamente excluídos.
Direitos Humanos e Regimes Político-
econômicos
Neste vídeo, Ronaldo Pelli mostra, com exemplos, que o tema dos direitos humanos
está presente nos diversos regimes político-econômicos existentes, mantendo-se por
meio de incoerências internas. Confira!
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Dentre as opções abaixo, assinale a que apresenta a melhor definição para direitos
humanos.

06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 38/62
Parabéns! A alternativa B está correta.
É difícil determinar com perfeição o que seriam os direitos humanos, mas há como
estabelecer uma explicação mais genérica que fala sobre as garantias legais para a
proteção dos indivíduos de violências cometidas em sociedades liberais.
Questão 2
A
Órgão governamental que tem por objetivo proteger todo cidadão de
qualquer tipo de violência.
B
Normas que têm como fim proteger as pessoas de abusos, sejam
políticos, legais ou mesmo sociais.
C
Arcabouço jurídico que acompanha o homem desde a época dos
gregos na Antiguidade e que coloca o homem acima de todos os
demais seres.
D
Procedimento legal utilizado em países da chamada Cortina de
Ferro, que forneciam direitos sociais a todos os moradores.
E
Mecanismo de exclusão que cria uma separação entre homens e
mulheres, ricos e pobres, brancos e negros etc.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 39/62
Sabemos que ao falar em direitos humanos estamos entrando em um terreno
perigoso. Não porque, em sã consciência, alguém seria contrário ao fato de as
pessoas deverem ter seus direitos protegidos; mas por conta de variadas
interpretações. Assim, é importante que tenhamos claro quais são as três condições
básicas dos Direitos Humanos:
Parabéns! A alternativa A está correta.
Para serem considerados direitos humanos, eles devem ser inerentes aos seres
humanos, devem ser os mesmos para todo mundo e aplicáveis por toda parte.
A serem naturais, iguais e universais.
B serem livres, igualitários e fraternos.
C serem franceses, norte-americanos e gregos.
D serem uma forma de proteger apenas os bandidos mais detestáveis.E serem uma exceção que premia apenas humanos direitos.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 40/62
3 - Os direitos dos seres não humanos
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car a luta de outros seres, como os animais não humanos, para
conseguir direitos e a preocupação de uma ética para máquinas inteligentes.
Direito dos animais
Se os direitos já são um tema complicado, cheio de interpretações e diferentes
ângulos quando os contemplados são os humanos, imagine nas situações em que o
“público-alvo” é formado por outros sujeitos além do humano?
Para começar a dificuldade, a definição de humano não é unânime entre os diferentes
grupos sociais ao redor do globo, com suas metafísicas, valores e éticas diversas.
Povos que não seguem a tradição ocidental, como indígenas de todas as partes da
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 41/62
Terra, podem ter formas outras de categorizar o que seria o homem. E não é pouca
gente.
Segundo a ONU, há cerca de 370 a 500 milhões de indígenas no mundo, espalhados
por 90 países, que vivem em todas as regiões geográficas e representam 5 mil
culturas diferentes. Cada um com formas diferentes de entender sua posição no
mundo, sua relação com outros seres, sua definição de homem, seu idioma. Para ter
uma noção da diversidade, só na região onde está atualmente o estado de Rondônia,
há 25 diferentes línguas, de famílias totalmente diferentes. Como forma de
comparação, a União Europeia tem 24 línguas oficiais.
Localização geográfica das terras indígenas localizadas no estado de Rondônia.
Um exemplo sobre as diferentes visões do que é o humano: certos grupos indígenas
amazônicos acreditam que animais que compartilham corpos semelhantes se veem
como gente, enquanto os demais seres seriam animais. Tal perspectiva cria um jogo
em que o animal que enxerga é “gente”, enquanto os demais, que são enxergados, são
sempre “animais”, podendo ser o caçador ou a caça.
Eduardo Viveiros de Castro.
Dito de outra forma: para o homem, a
onça é uma ameaça, o porco, uma presa.
Para a onça, que se vê como gente, o
homem é uma presa. Para o porco, o
homem é a ameaça, e por aí adiante. Isso
é, de maneira muito genérica e
esquemática, o que os antropólogos
brasileiros Tânia Stolze Lima e Eduardo
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 42/62
Viveiros de Castro conceituaram como
perspectivismo ameríndio.
Assim, fica demonstrada a dificuldade de se aplicar os direitos “humanos”
indiscriminadamente para todo e qualquer grupo que consideramos “humanos”. No
caso desses indígenas, deveríamos incluir na categoria “humanos” outros animais?
Essa é uma questão que acompanha o pensamento filosófico há muito tempo. Como
consequência prática, já existe um movimento antigo para criar direitos para seres
outros que não os homens, a começar pelos animais não humanos.
É possível afirmar que todos os humanos já tiveram ou terão algum contato com os
animais não humanos, mas os tipos de contato variam enormemente. Enquanto
certos animais são classificados como domésticos, criados sob o mesmo teto, com
regalias dignas de pequenas altezas em certos casos, outros são considerados como
matáveis, para serem transformados em alimento e vestimenta ou, até mesmo, por
puro esporte.
Cria-se, assim, uma hierarquia de
importância entre os animais, uma
hierarquia baseada em valores morais já
solidificados que resvala, com
frequência, em preconceitos. Para grande
parte dos moradores de cidades
ocidentais, é comum ver o boi e a vaca
como comida, e o cachorro como um pet.
Na Coreia, entretanto, é tradição usar cães também como alimento. E, antes que
viremos o rosto, podemos imaginar o que os indianos hindus, que tratam vacas como
sagradas, devem pensar sobre o nosso hábito de exterminá-las em matadouros
industriais.
Além do fato de que há outras formas de forçar uma relação de dominação por parte
dos homens sobre os demais animais. O homem é chamado de animal racional, como
se isso fosse um demérito para os outros, como se a razão fosse a única forma de
inteligência possível.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 43/62
Um dos critérios técnicos para medir inteligência é o tamanho do cérebro, ou a
quantidade de células nervosas versus a extensão do corpo. Por esse critério, polvos
são considerados inteligentíssimos, já que têm a mesma quantidade de neurônios que
cachorros e uma fração do tamanho deles.
Polvos podem também usar ferramentas,
como, aliás, corvos, chipanzés e outros
animais — o que foi, durante um tempo,
visto como exclusividade dos homens —,
e são capazes de reconhecer rostos —
procedimento comum a muitos outros
animais. A lista para mostrar a
inteligência de animais poderia continuar
por longas linhas.
Além disso, há também a dificuldade de definir o que seria inteligência. Aves de rapina,
por exemplo, precisam de uma visão de longa de distância muito melhor que a do
homem; primatas têm uma agilidade própria de quem salta de galho em galho.
Determinado gambá norte-americano se finge de morto com tanta perfeição que os
seus predadores, que não são comedores de carniça, desistem de atacá-lo.
Especismo
Novamente, os exemplos são muitos. Todos demonstram que cada animal
desenvolveu o que precisou para melhor viver em determinado hábitat e isso não o faz
necessariamente “melhor” nem mais ou menos “inteligente” que indivíduos de outra
espécie.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 44/62
Esse tipo de hierarquia é chamado de
especismo: um conceito desenvolvido,
ainda no século XX, pelo filósofo
britânico Richard Ryder, que trata do uso
dos animais não humanos. Tal conceito
mostra como é preconceituosa certa
autoridade reivindicada pelos homens
para poder usar, da forma como lhe
aprouver, todo e qualquer outro ser, como
se todos os demais seres existissem
única e exclusivamente para servir ao
homem.
Richard D. Ryder.
Especismo também serve para mostrar que, em momentos específicos, usamos
certas espécies como o parâmetro que julgamos os demais. Acontece com frequência
com o homem, num processo antropocêntrico, em que ele se julga superior aos
outros. Por esse tipo de argumento, todo sacrifício de outras espécies é válido para
que o homem continue a viver.
Peter Singer.
O filósofo australiano do século XX Peter
Singer, famoso por suas obras sobre a
relação ética entre humanos e animais, —
seu livro, Libertação Animal é
considerado como a obra fundadora dos
Direitos dos animais — diz que o
especismo é um preconceito de
membros de uma espécie em detrimento
dos interesses dos membros de outras
espécies.
Defensores dos animais não humanos
tentam, há tempos, criar legislações para
tratá-los como sujeitos de direitos, para
protegê-los de serem meros objetos para
a vontade dos homens.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 45/62
Peter Singer
Como já temos apresentado até aqui, essas questões são sempre muito complexas. Por exemplo, é do filósofo
australiano o pensamento: “[...] bebês humanos não nascem com a noção de si próprios, ou capazes de
perceber sua existência; eles não são pessoas. A vida de um recém-nascido vale menos que a de um porco, um
cão ou um chipanzé; eles não têm senso da própria existência ao longo do tempo. Então, matar um recém-
nascido nunca é equivalente a matar uma pessoa, isto é, um ser que deseja seguir vivendo" (Editorial Gazeta do
Povo, 13/12/2014).Seria esse posicionamento fruto apenas da necessidade de defesa dos direitos dos animais
não humanos!?
O tema é forte desde o início da relação do homem com os outros animais — ou seja,
desde muito tempo. Mas ficou mais forte ainda a partir das primeiras declarações
sobre direitos humanos, no século XVIII.
“Os sofrimentos de um animal nos parecem ruins, porque, sendo animais como eles,
protestaríamos muito se nos fizessem a mesma coisa”, escreve o filósofo iluminista
Voltaire, num de seus muitos textos sobre o não consumo de carne e o sofrimento
causado aos animais.
Recentemente, a preocupação com os animais tem crescido ainda mais. Segundo
pesquisa encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira, 14% dos brasileiros em
2018 se declaravam vegetarianos ou parcialmente vegetarianos. Isso representava
cerca de 30 milhões de brasileiros. Em 2012, esse percentual era de 8% apenas. Isto é,
a questão animal está presente cotidianamente para uma parcela razoável da
população.
A alimentação é apenas um pedaço do
problema. Uma das grandes
preocupações dos defensores dos
direitos dos animais não humanos é
evitar ou, ao menos, criar parâmetros
aceitáveis para o uso de cobaias em
pesquisas científicas.
Coelhos usados em testes de laboratório em caixas de
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 46/62
Em instituições sérias e preocupadas
com o bem-estar desses animais, há uma
série de protocolos para utilizá-los
nesses testes, mas há quem argumenta
que todo e qualquer uso é uma violência
inaceitável. Ainda mais porque os bichos
utilizados não ganham qualquer
vantagem, nem para a espécie, muito
menos individualmente.
acrílico.
Já foi comprovado que inúmeros animais, principalmente os que têm algum tipo de
sistema nervoso, são sencientes: sentem dor, sensações, sentimentos de forma
“consciente”. Então, ao matar um animal, estamos matando um ser que tem mais em
comum conosco do que, muitas vezes, reparamos ou gostamos de lembrar.
Direito das máquinas
Em um evento de tecnologia de 2017, na Arábia Saudita, um robô com inteligência
artificial chamado Sophia, que conversou com o apresentador do evento ao vivo,
recebeu, ao fim da entrevista, a cidadania do país saudita, como se fosse um ser
humano. Era uma ação publicitária para divulgar uma cidade tecnológica chamada
Neom. Comandada por robôs e inteligências artificiais, tal cidade está sendo
construída pela Arábia Saudita no meio do deserto.
Não se sabe exatamente o que essa cidadania proporcionou para Sophia — ou se ela
conseguiu direitos de homens ou de mulheres, muito diferentes nesse país do Oriente
Médio extremamente machista — mas tal situação nos leva a pensar sobre a
legislação por trás de produtos e tecnologias.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 47/62
Cientistas, engenheiros, filósofos,
empresários e todos que pensam sobre
as tecnologias se dividem em diferentes
formas de encarar os problemas que o
futuro, nesse âmbito, nos reserva.
Há os que acreditam que vamos subir
nossas consciências para computadores
e encontrar uma espécie de vida eterna.
Outros imaginam uma versão do porvir
mais preocupante, com robôs parecidos
com os saídos de filmes como O
exterminador do futuro (direção de
James Cameron, 1984).
Há ainda aqueles que pensam mais
cautelosamente, mas já veem vários
problemas com o alcance da tecnologia
atual.
Talvez ainda esteja longe o dia em que um robô terá completa autonomia e não
precisará de humanos para existir — e aí saberemos se a questão sobre seu estatuto
legal será, de verdade, o nosso principal problema com as máquinas.
Contudo, a partir de uma mirada filosófica ou ética, as inteligências artificiais (IA)
estão, desde que apareceram, dando espaço para muitas discussões. A começar
debates sobre quais valores serão inseridos nesses supercomputadores. O exemplo
dos carros sem motorista é sempre mencionado para explicar esse paradigma.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 48/62
Um carro autônomo do Google em um cruzamento na cidade de Mountain View, na Califórnia, em março de 2016.
Em uma eventual situação de acidente, o carro sem motorista respeita um protocolo já
estabelecido anteriormente, mas não está claro quem estabelece esse protocolo. É o
engenheiro que programou o carro? Pode ser personalizado para que cada dono do
carro possa escolher a maneira como o seu automóvel vai se comportar?
Tais problemas já acontecem atualmente com casos mais simples. Quando
aplicativos de navegação sugerem determinadas rotas, mesmo que mais perigosas,
com muito mais curvas ou mais sinais de trânsito, porque, numa situação ideal, tais
caminhos são os que exigem menos tempo para percorrer a distância, já estamos
vivendo um cenário parecido.
Há um critério anterior (menor tempo) estabelecido para se chegar do ponto A ao
ponto B e todos os demais parâmetros são colocados em segundo plano. Não é
considerada a preferência do motorista (um caminho com menos curvas, por
exemplo) ou mesmo sua segurança. Muitas vezes essa desconsideração acontece
porque tais aplicativos são internacionais e não se adaptam às realidades locais.
Outras simplesmente por ainda não haver uma tecnologia tão precisa assim ou, ainda,
por não haver interesse para esse “detalhe”. Mesmo que tais aplicativos possam ser
customizados, há sempre limites para a influência que exercemos sobre essas
tecnologias.
O melhor exemplo, nesse caso, é o das
redes sociais. É elucidadora a maneira
como os algoritmos priorizam certos
conteúdos — geralmente mais polêmicos,
que geram maior engajamento, mais
discussões — em detrimento da
antiquada e chata informação correta.
Se a questão das redes sociais já está
afetando diretamente a democracia e o
comportamento das pessoas, bem como
dividindo a sociedade num eterno nós
contra eles, tal pensamento pode ainda
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 49/62
ter outras influências em diferentes
segmentos.
Se uma IA for programada para produzir o máximo possível numa indústria, ela o fará
muitas vezes em detrimento do próprio homem. Há um conto do escritor americano
de ficção científica Philip K. Dick que expõe bem esse aspecto. Autofac, publicado em
1955, mostra uma sociedade completamente arrasada após uma guerra nuclear.
Nesse cenário, há uma fábrica operada por inteligências artificiais que precisa
continuar produzindo, mesmo que não haja mais mercado consumidor.
Não seria, por enquanto, possível “prever o imprevisível”. Se algo ocorrer fora do
escopo da programação da máquina inteligente, ela não saberá se adaptar às novas
condições. Já existem novas versões de computadores que são autoprogramáveis,
que poderiam criar saídas para situações como essa — ou a propaganda quer, dessa
forma, que nós acreditemos nas supermáquinas. Mas, nesse caso, ainda não teríamos
uma solução para como uma inteligência artificial deveria se portar em relação ao
humano.
Teóricos sugerem que o nosso melhor “legado” para as máquinas seria o nosso
humanismo. Pelo lado bom dessa interpretação, seria colocar o homem no centro das
questões a ponto de impedir que uma máquina cause mortes por tentar atingir
cegamente suas metas. Mas há diversos lados ruins dessa questão.
A começar: que homem estaria no
centro? Os habitantes de países pobres
teriam o mesmo peso que os de países
ricos? E os outros seres, como os
animais não humanos, mencionados
recentemente, continuariam vistos
apenas como objetos para o uso
humano? Por fim: estaríamos vivendo,
atualmente, o melhor dos mundos
possíveis, como disse certa vez o filósofo
alemão do século XVII einício do XVIII G.
W. Leibniz?
Gottfried Wilhelm Leibniz.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 50/62
Será que no momento atual, com o aquecimento global, com a feroz concentração de
riquezas nas mãos de pouquíssimas pessoas, com o aparecimento de pandemias
assustadoras, não seria melhor pensar em um outro mundo, em que o homem não
estivesse tão no centro assim? Em que ele compartilhasse essa centralidade ou
simplesmente a entregasse para outros seres — para o planeta, por exemplo?
Isso sem falar no custo — político, social,
ambiental etc. — que tais inteligências
artificiais arrastam consigo. Logo após o
golpe de Estado na Bolívia em 2020, o
multibilionário do ramo da tecnologia
Elon Musk chegou a afirmar, de forma
parcialmente irônica e parcialmente
desafiadora, que se deveria dar um golpe
em quem precisasse para que sua
empresa continuasse a prosperar.
Não deve ser coincidência que grande
parte da reserva mundial de lítio, um
mineral essencial para a construção de
baterias de celulares e carros elétricos
(ramo de uma das empresas de Musk),
fica na Bolívia.
Elon Musk.
Se quisermos adaptar essa ideia de humanismo para outros modos, seria possível
pensar que deveríamos determinar um código de ética para as máquinas, diretrizes
que elas devem respeitar acima de quaisquer outros valores, códigos que não
poderiam nunca ser quebrados.
Mas quem determinaria tal constituição? Quais países teriam poder de influir sobre
isso? As nações ricas dividiriam o poder com as pobres? E as empresas de tecnologia,
cada vez mais poderosas e ricas, renunciariam o controle de suas próprias criações
para deixar que um conselho plural determinasse como suas máquinas deveriam se
comportar? E se essas determinações restringirem os lucros dessas empresas?
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 51/62
É difícil acreditar nisso, considerando que nem mesmo uma regulação externa é bem
aceita por essas empresas, que logo dizem que estão sendo censuradas.
O possível surgimento de máquinas mais inteligentes que os humanos
coloca a própria humanidade a se olhar no espelho.
Se a razão, como vimos também, é a forma como o homem sempre quis se identificar,
encontrar outro ser que nos ultrapassa na nossa principal característica nos faz
pensar que talvez não seja essa a nossa principal característica ou, se for, há outros
seres mais “humanos” que nós mesmos.
Direitos de diversos seres
Uma das consequências diretas de se pensar o mundo colocando o homem no seu
centro é o que está sendo chamado de Antropoceno: uma nova era geológica em que
o principal fator de mudança (termodinâmica, geomorfológica, física, climática) não é
mais um ente “natural”, mas o homem e suas criações. Uma das consequências mais
imediatas é a crise ecológica com o aquecimento global e as drásticas deteriorações
nas áreas habitáveis.
Como visto, com o homem no centro do mundo, todos os demais entes são apenas
matéria-prima para ele se utilizar. Os animais não humanos, já mencionados, se
transformam em seres para o consumo, com pouco espaço para exercitarem suas
vidas independentemente.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 52/62
Segundo o IBGE, em 2019, havia mais
bois que homens no Brasil, todos para o
corte ou para produção de laticínios, mas
não são apenas eles que sofrem na mão
humana. Também os minerais são
tratados de maneira similar, como um
estoque para servir a grandes empresas.
As florestas são reserva de madeira e
futura área de pasto. Monoculturas que
provocam os esgotamentos nutricionais
dos solos, que alimentarão outros
animais, que, por sua vez, servirão de
alimento para os humanos. Mesmo com
outras opções, o fluxo das águas segue
sendo canalizado para produzir energia.
Nada tem espaço, menos ainda tempo, para se renovar na própria
velocidade. São extraídos de forma violenta, retirados
industrialmente de seus hábitats para atender o homem.
Além disso, para alguns grupamentos humanos não ocidentais, certos usos do seu
território são considerados um sacrilégio. Para dar um exemplo entre muitos: na
Austrália, o povo Anangu acredita que todos os seres, inclusive os elementos da
paisagem, foram criados por seres antigos, seus antepassados. Isso inclui a
montanha Uluru, um monolito de arenito de 348 metros de altura, que é um dos pontos
mais famosos da região.
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 53/62
Por conta do seu aspecto particular, um
morro vermelho no meio de uma vasta
planície, Uluru foi, por muitos anos, um
ponto turístico que atraiu diversos
escaladores. Ao longo dos anos, porém,
houve vários acidentes, inclusive fatais,
muitos deles provocados pela erosão de
dejetos industriais deixados pelos
turistas. O povo Anangu — povo que vivia
ali por séculos e chegou a ser impedido
de habitar o espaço — exigia que a
montanha fosse fechada.
O argumento é simples no discurso,
complexo no subtexto: Uluru é sagrada e
deve permanecer intocada. O problema é
que o governo australiano, mesmo
depois de devolver a terra para os
Anangu, liberava as escaladas. Apenas
em 2019, Uluru foi fechada por completo.
Montanha Uluru, Austrália.
Há casos ainda em que outros seres não humanos se tornaram sujeitos de direito. O
caso mais anedótico aparece na Colômbia, para onde o traficante de drogas Pablo
Escobar transportou hipopótamos africanos que, após sua morte, se reproduziram
sem limites e invadiram as florestas tropicais. Esses hipopótamos, atualmente, são
considerados uma praga, a maior espécie invasora do mundo. Não há qualquer
predador ou animal do mesmo porte que dispute os territórios com eles. O governo
colombiano estava estudando liberar o abate, para diminuir o número de indivíduos,
que está em torno da centena, entretanto, em 2021, uma decisão judicial os
considerou sujeitos de direitos, que não podem ser mortos. Ficou decidido, então, que
serão utilizados dardos anticoncepcionais.
Um caso mais paradigmático aconteceu em países vizinhos: Bolívia e Equador. Com a
ascensão ao poder de presidentes ligados a movimentos indígenas em ambos os
países, foi decidido que a constituição dessas nações deveria ser reescrita, para, entre
06/06/2023, 21:06 Ética, direitos humanos e direitos não humanos
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03193/index.html#imprimir 54/62
outras questões, incluir a variedade dos povos da região. Foi o início do chamado novo
constitucionalismo latino-americano.
Cerimônia de celebração à Pachamama.
Ambos os países viraram plurinacionais,
mas as intervenções judiciárias não
pararam aí. Tanto Bolívia quanto Equador
incluíram em suas legislações as
filosofias da Mãe Terra — Pachamama —
e do bom viver, relacionadas com
diversos grupos étnico-sociais que
habitam aquelas áreas muito antes de o
primeiro espanhol pisar em terras
americanas.
Na Bolívia, apesar de não aparecer na Carta Magna, foi criada uma lei específica para
reconhecer o caráter jurídico da Mãe Terra como sujeito coletivo de interesse público.
Identifica a interculturalidade como princípio para o exercício dos seus direitos,
reafirmando a necessidade de diálogo e harmonia com a natureza. Um dos artigos da
lei afirma que os bolivianos e as bolivianas são parte da Mãe Terra, não sujeitos que
centralizam e se utilizam de todos os demais seres. Também foi criada uma
defensoria pública para os interesses da Mãe Terra, que tem como fim zelar pelo
cumprimento dos direitos de Pachamama.
O Equador foi além: colocou o direito de Pachamama e do bom viver dentro da própria
constituição. Seu artigo 10 fala que a natureza terá seus direitos

Continue navegando