Prévia do material em texto
NORMAS DE SEGURANÇA EM LABORATÓRIO AULA 5 Profª Luciane de Godoi 2 CONVERSA INICIAL Em análises e reações executadas em laboratório, muitas vezes ocorre a liberação de gases e vapores. É importante para o profissional que atua nessas condições conhecer as propriedades físico-químicas dos gases, saber identificar as fontes de emissão, as incompatibilidades e fazer o armazenamento correto, além de saber agir em casos de exposição e intoxicação. TEMA 1 – GASES E VAPORES Muitas vezes confundimos gases com vapores e vice-versa, porém existem diferenças físico-químicas fundamentais: os gases são, por definição, substâncias no estado gasoso quando nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP), a 25° C e pressão de 1 atm. Os vapores, em contrapartida, se encontram em estado gasoso, mas quando atingem as CNTP, mudam de estado físico. A diferença entre eles está, portanto, nas condições em que se encontram. Os vapores estão em estado gasoso sob condições de pressão e temperatura alteradas, e voltam ao estado físico comum quando as condições normalizam. A substância gasosa, por sua vez, continua sendo gás, e apenas altera seu estado físico em condições alteradas. Gases, vapores, névoas, fumos, poeiras etc. são considerados agentes químicos de intoxicação, pois entram no organismo por meio das vias respiratórias, podendo causar inúmeros efeitos adversos na saúde e causar até a morte do profissional exposto ao agente, dependendo do grau de nocividade da substância. Os critérios para definir o quão nocivo é um agente químico são a concentração, o tempo de exposição, o tamanho das partículas, entre outros. Alguns gases comuns estão listados no Quadro 1. 3 Quadro 1 – Características e fontes de emissão de alguns gases Gás Fonte de emissão Características HCN Processos industriais, mineração Gás incolor, volátil e com odor de amêndoas NH3 Decomposição bacteriana de compostos nitrogenados Gás incolor e com odor característico forte CO2 Queima de combustíveis fósseis, setores industriais e emissões veiculares Gás incolor e inodoro, mais denso que o ar SO2 Termelétricas à base de petróleo ou carvão e produção de ácido sulfúrico Gás incolor e irritante CO Combustão do carvão e do petróleo Gás incolor, inodoro e asfixiante Cl2 Processos industriais de produção de compostos clorados Gás levemente amarelado, extremamente tóxico e de odor irritante H2S Jazidas de petróleo e gás natural, águas subterrâneas, esgotos sanitários etc. Gás incolor, tóxico e odor desagradável de ovo podre TEMA 2 – INTOXICAÇÃO POR GASES Como mencionado, a intoxicação por gases ocorre pela inalação e depende do tempo de exposição e das propriedades do gás, as quais podem ser asfixiantes (reduzem o nível de oxigênio nas células), tóxicas (em altas concentrações, podem levar à morte) ou até mesmo combustíveis e inflamáveis, que facilitam a ocorrência de incêndios e explosões. O tempo de exposição é um fator determinante para a intoxicação com certos gases, caso a tolerância mínima do corpo humano à substância seja superada. Alguns casos letais são o ácido cianídrico (HCN) e o sulfídrico (H2S). Na intoxicação por agentes químicos, as partículas pequenas do gás se combinam com o oxigênio do ar e entram na via respiratória, podendo se ligar à hemoglobina do sangue no lugar do oxigênio, impedindo a oxigenação das células do corpo, causando uma espécie de envenenamento. A intoxicação pode ser: Exógena: causada por agentes externos ingeridos ou inalados, tendo um conjunto de efeitos nocivos produzidos pela interação desses agentes com o sistema biológico; Endógena: causada por reações no organismo, ou seja, por meio de substâncias produzidas pelo próprio corpo, sejam toxinas de microrganismos infecciosos ou perturbações metabólicas. 4 Além disso, a intoxicação pode ser classificada quanto à forma da exposição ao agente químico: Aguda: resultado de uma única e pontual exposição ao agente químico, culminando na intoxicação; Crônica: resultado do efeito acumulativo da substância no organismo por conta da exposição prolongada. Como resultado da exposição aos gases tóxicos, são evidenciados sintomas característicos da intoxicação, como: Batimentos cardíacos acelerados ou diminuídos; Aumento ou queda da pressão arterial; Aumento ou diminuição das pupilas; Vômitos; Vermelhidão ou ferimentos na pele; Suor intenso; Alterações visuais (borramento, turvação, escurecimento); Falta de ar; Dor abdominal; Sonolência; Alucinações; Dificuldade para se movimentar. É fundamental que todos os profissionais estejam treinados para proceder da forma mais adequada nesses casos. Algumas recomendações de emergência são: ligar imediatamente para o Samu 192, afastar a vítima do agente tóxico, mantê-la deitada de lado e procurar informações sobre as propriedades da substância responsável pela intoxicação na ficha de informações de segurança de produtos químicos (FISPQ). O conhecimento sobre a substância ajudará os profissionais da saúde a agir de forma mais rápida e precisa. TEMA 3 – GASES PRESSURIZADOS A forma mais usada para armazenar e comercializar gases é sob pressão em cilindros. Em alta pressão e muitas vezes em baixíssimas temperaturas, os gases mudam de estado físico e passam para líquido, 5 permitindo que caibam grandes volumes dentro do cilindro. Os cilindros de gás devem ter uma estrutura reforçada para aguentar o gás armazenado sob pressão, com paredes metálicas bastante grossas. Por conta disso, podem apresentar riscos sérios na sua utilização. Os cilindros contêm uma grande quantidade de energia e, em caso de manuseio incorreto e pressão aliviada inadequadamente, podem causar sérios acidentes. Se for tombado, o cilindro pressurizado fica sujeito a uma força de empuxo muito alta, parecida com um foguete, o que pode gerar um acidente de grandes proporções; Seus maiores perigos são a possibilidade de causar incêndios, por conter gases inflamáveis e/ou explosivos, e problema de intoxicação por gases tóxicos e corrosivos. Alguns cuidados devem ser tomados em relação à instalação e ao uso dos cilindros de gás: Devem ser mantidos sempre acorrentados, tanto no armazenamento quanto na utilização; Os manômetros, reguladores e acessórios do cilindro devem ser compatíveis, apropriados e aprovados de acordo com as características físico-químicas do produto; Sempre que o cilindro não estiver em uso, o registro deve ficar fechado, evitando o vazamento de gás; O cilindro e todos seus acessórios devem ser instalados por pessoal capacitado e especializado. Uma instalação incorreta pode acarretar problemas graves; O transporte deve ser sempre feito com carrinho adequado, seguindo normas de segurança. 6 Figura 1 – Manômetro Créditos: Science Photo/Shutterstock. Todo profissional deve se familiarizar com os tipos de gases usados em laboratório e todo o sistema agregado, sabendo identificar todos os componentes da instalação. Os gases mais utilizados em laboratório, seja para combustão, análises instrumentais (como cromatografias, espectrometrias etc.) ou outros fins são o GLP, acetileno, óxido nitroso, nitrogênio líquido, hélio, argônio e outros. TEMA 4 – ARMAZENAMENTO DE CILINDROS Os cilindros oferecem vários riscos por vazamento ou quedas, portanto seu armazenamento exige cuidados especiais, devendo ficar preferencialmente na área externa, em um depósito ao abrigo de luz e intempéries. Os cilindros, caso haja mais de um tipo de gás, devem ser separados de acordo com suas propriedades. Não é recomendado deixar cilindros incompatíveis juntos, como gases combustíveis e gases oxidantes; Figura 2 – Cilindros de gás oxidado 7Fonte: Renopicasso/Shutterstock. Os cilindros devem ser presos com correntes e capacetes para evitar qualquer ação que possa deteriorar seu material e provocar vazamentos; O manuseio deve ser feito apenas por profissionais capacitados, especializados e autorizados; Caso seja necessário manter o cilindro em áreas internas, ele deve ser colocado longe de fontes de calor e ignição, e fora de áreas com passagem intensa de pessoas e aparelhos de ar-condicionado instalados; Qualquer sinal de identificação no cilindro deve ser mantido, pois não foi colocado sem motivo. Rótulos, adesivos, etiquetas, marcas de fabricação e testes podem indicar as propriedades do gás, potenciais riscos, incompatibilidades, lote de fabricação e testes de qualidade, além de possíveis contatos de emergência e da empresa fabricante; Ao redor da área de armazenamento do cilindro, é estritamente proibido fumar ou usar qualquer fonte de ignição, especialmente se forem gases inflamáveis; Não se deve guardar cilindros de gases no subsolo, visto que, em caso de possíveis vazamentos, o gás fica confinado mais facilmente, aumentando os riscos; Equipamentos de segurança, como extintores de incêndio, devem ficar próximos da área de estocagem dos cilindros, facilitando o socorro em caso de acidentes; Mantenha-o sempre na posição vertical, ao abrigo da luz solar e da ação climática; 8 O rótulo, como mencionado, contém informações importantes sobre o produto. Dentre elas há o grau de risco do gás, que pode variar do grupo 1 ao 6 (Quadro 2). Além do rótulo, há informações na FISPQ do produto, a qual deve estar organizada, disponível e acessível. Figura 3 – Cilindros de gás com rótulo Créditos: Oleksiy Mark/Shutterstock. Quadro 2 – Grupo de risco (gases) Grupo Características Grupo 1 Não inflamável, não corrosivo, baixa toxidez Grupo 2 Inflamável, não corrosivo, baixa toxidez Grupo 3 Inflamável, tóxico e/ou corrosivo Grupo 4 Tóxico e/ou corrosivo, não inflamável Grupo 5 Espontaneamente inflamável (pirofórico) Grupo 6 Venenoso 4.1 Normas que regulamentam o armazenamento de cilindro NR-13 (caldeiras e vasos de pressão): recipientes e casos sob pressão que contenham gases comprimidos devem ser armazenados em depósitos bem ventilados e estar protegidos contra quedas, calor e impactos acidentais; NBR 12.790 e 12.791 – Cilindro de aço: dispõe sobre a armazenagem e o transporte de gases a alta pressão; 9 NBR 11.725: dispõe sobre conexões e roscas para válvulas de cilindros para gases comprimidos. TEMA 5 – INCOMPATIBILIDADE DOS GASES Assim como qualquer reagente químico, os gases também têm incompatibilidades, pois são substâncias químicas diferentes e com propriedades próprias. Os vazamentos são as principais causas de acidentes com gases, provocando intoxicações, incêndios e explosões. Uma solução para evitar vazamentos são testes periódicos para verificar isso, e caso haja suspeita de vazamento, deve-se proceder com a substituição do cilindro, mantendo-o em local afastado e sem circulação de pessoas. Esses acidentes ocorrem por conta de incompatibilidade dos produtos, que acabam reagindo violentamente entre si, podendo resultar em uma explosão e gerar produtos altamente tóxicos e inflamáveis. As propriedades dos gases mais utilizados em laboratórios são mostradas no Quadro 3. Quadro 3 – Propriedades dos gases mais utilizados Gases Propriedades Nitrogênio, hélio, argônio Inertes GLP, hidrogênio, acetileno, metano Inflamáveis Fluorídrico, cloro, sulfeto de hidrogênio Corrosivos Monóxido de carbono, ácido cianídrico Asfixiantes Ácido clorídrico, amônia Irritantes Butano, propano, eteno, óxido nitroso Anestésicos Em caso de emergência, o responsável técnico pelo laboratório deve ser comunicado, e deve-se contatar a empresa responsável pela instalação dos cilindros. NA PRÁTICA Após estudarmos sobre gases e vapores, chegamos à conclusão de que eles estão presentes em nossas atividades constantemente. Em nossos lares, usamos o GLP, que é o gás liquefeito de petróleo, uma mistura de propano e butano, e o GNV, ou gás natural veicular. Na saúde, os gases são muito utilizados como anestésicos e para esterilizar instrumentos. 10 Porém, o ponto principal deste estudo é entender os cuidados ao “lidar” com os gases, por isso, observe como eles são armazenados e onde são usados no dia a dia, em sua casa, por exemplo. FINALIZANDO Nesta aula estudamos os gases, começando por diferenciar gases de vapores. Suas diferenças envolvem conceitos de termodinâmica, como pressão de vapor, temperatura e pressão. Vimos também a maneira correta e segura de trabalhar com gases pressurizados. Muitos equipamentos analíticos utilizam gases especiais e, por isso, as linhas pressurizadas também são itens a serem contemplados no projeto do laboratório. Os gases são considerados reagentes químicos e merecem toda a atenção ao serem armazenados. Vimos que os cilindros pressurizados obedecem a rígidas normas de controle de qualidade e devem ser manuseados, instalados e revisados por especialistas no assunto. Também vimos como acontecem as intoxicações por gases e os limites de tolerância do organismo à exposição a agentes gasosos. Alguns gases são inertes; outros, asfixiantes e ainda corrosivos, oxidantes e altamente tóxicos. Foram apresentados alguns exemplos e a origem de cada um deles. Para finalizar, estudamos algumas noções de primeiros socorros, ao identificar os principais sintomas de uma intoxicação gasosa. Saiba mais Para complementar o estudo dos gases, sugere-se a leitura do artigo “Intoxicação ocupacional pelo benzeno: um assunto de saúde ambiental”, de Moreira e Gomes (2011). Disponível em: <http://revista.aborj.org.br/index.php/rbo/article/view/298/248>. Acesso em: 12 nov. 2019. 11 REFERÊNCIAS ANDRADE, M. Z. Segurança em laboratórios químicos e biotecnológicos. Caxias do Sul: Educ, 2008. CARVALHO, P. R. Boas práticas químicas em biossegurança. Rio de Janeiro: Interciência, 1999. FILHO, A. F. V. Segurança em laboratório químico. São Paulo: Conselho Regional de Química IV Região, 2008. MARIANO, A. B. et al. Guia de laboratório para o ensino de química: instalação, montagem e operação. São Paulo: Conselho Regional de Química IV Região, 2012. MOREIRA, G. M.; GOMES, S. F. Intoxicação ocupacional pelo benzeno: um assunto de saúde ambiental. Revista Brasileira de Odontologia, Rio de Janeiro, v. 68, n. 2, p 171-174, jul./dez. 2011. Disponível em: <http://revista.aborj.org.br/index.php/rbo/article/view/298/248>. Acesso em: 12 nov. 2019. VAL, A. M. G. et al. Segurança e técnicas de laboratório. Belo Horizonte: UFMG, 2008. v. I.