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Mais do que conhecer o passado para prever o futuro, a História nos permite entender o presente e a nós mesmos. Repletos de aventuras, dramas e conquistas, os fatos históricos são, muitas 
vezes, mais interessantes e curiosos que a Literatura e o Cinema.
Da Antiguidade à Idade Contemporânea, este guia traz muitos desses acon-
tecimentos curiosos que, certamente, irão influenciar sua visão de mundo.
Boa leitura!
 Claudio Blanc
www.revistaonline.com.br
redacao@editoraonline.com.br
Presidente: Paulo Roberto Houch
Vice-Presidente Editorial: Andrea Calmon
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REDAÇÃO
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Fotógrafa: Fernanda Venâncio
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Coordenadora: Elaine Simoni
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G971
GUIA DE CURIOSIDADES HISTÓRICAS / [CLÁUDIO BLANC].
1. ED. - SÃO PAULO : ONLINE, 2015. 
96 P. : IL. ; 28 CM.
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15-22486 CDD: 900
CDU: 94
07/05/2015 14/05/2015
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ANTIGUIDADE ............................................................... 6
 EGITO ........................................................................ 8
 A INVENÇÃO DA CIÊNCIA ....................................... 14
 AS MÁQUINAS DE GUERRA DE ARQUIMEDES ....... 18
 GLADIADORES ........................................................ 24
 A GRÉCIA ................................................................ 26
IDADE MÉDIA.............................................................. 30
 AS CRUZADAS ......................................................... 32
 NINJAS .................................................................... 38
 A CAPELA DO GRAAL ............................................. 42
 AS VIAGENS DE ZHENG HE.................................... 44
RENASCIMENTO ......................................................... 46
 LEONARDO DA VINCI .............................................. 48
 A CAMARADARIA .................................................... 56
 A REFORMA ............................................................ 60
IDADE MODERNA ........................................................ 66
 VAMPIROS ............................................................... 68
 A EMANCIPAÇÃO DA MULHER ................................74
 O BRASIL DE CHARLES DARWIN ...........................78
 O BRASIL DO SÉCULO 19 ........................................ 80
IDADE CONTEMPORÂNEA .......................................... 82
 EFEITO ESTUFA: AMEAÇA MODERNA ................... 84
 A INVENÇÃO DO AVIÃO ........................................... 88
 A DITADURA MILITAR ARGENTINA ....................... 94
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ANTIGUIDADE
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ANTIGUIDADE
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O RiO da Vida
As primeiras civilizações surgiram na região da 
Mesopotâmia, desenvolvendo formas de gover-
no, de legislação e a escrita e, então, entraram 
em decadência. Pouco depois de desaparecerem 
na Suméria, os primeiros sinais de civilização co-
meçam a irromper no Egito. Talvez esta civilização 
possa ter sido originada ou influenciada pelos su-
mérios. Não se sabe, mas especula-se que isto seja 
provável. De qualquer forma, foi a natureza local, 
o cenário, que permitiu que a civilização egípcia se 
desenvolvesse, prosperasse e continuasse por mais 
de três mil anos.
Cercado de desertos, a leste e oeste – surgidos 
na mudança climática que acontecera na Pré-
História –, delimitado pelo Mediterrâneo, ao norte, 
e a Núbia, ao sul, o antigo Egito desenvolveu-se 
Por Claudio Blanc
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Paisagem característica do Nilo
em uma área longa e estreita, às margens do Rio 
Nilo. Era uma faixa de mais de mil quilômetros de 
extensão, mas que raramente excedia trinta qui-
lômetros de largura, e que se dividia naturalmen-
te em Alto e Baixo Egito. Enquanto o Baixo Egito, 
que corresponde à área do delta do Nilo, manteve 
seu território fixo, o limite sul do Alto Egito variou 
ao longo da história dessa civilização. 
Apesar da secura do clima, especialmente no 
Baixo Egito, o Nilo ameniza essa condição. As 
inundações do rio fertilizam as margens, criando 
ótimas condições para a agricultura. Assim, aquela 
estreita faia de terra foi suficiente para iniciar uma 
grande civilização. A lama, trazidas das terras altas 
do interior e ali depositada, facilitou a agricultura. 
Nas margens lodosas, os primeiros egípcios pude-
ram iniciar a lavoura. Suas terras transformaram-
se, lentamente, num oásis comprido e isolado, cer-
EGITO
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cado de desertos e montanhas. Era uma região de 
fácil manuseio. Os egípcios não precisaram exe-
cutar trabalhos de recuperação de terras, e o Nilo 
era um rio manso. Embora transbordasse todos os 
anos, fazia-o de forma previsível. Suas inundações 
não eram desastres repentinos e destruidores. Ao 
contrário, eram bastante regulares, o que permitia 
estabelecer um padrão para o ano agrícola. O Nilo 
era um como um relógio, regulando os eternos ci-
clos que moviam a vida dos antigos egípcios.
OcupaçãO
A ocupação dessa área se deu a partir do sexto 
milênio a.C. , recebendo levas de diferentes povos. 
A etnia dos egípcios resulta da mistura desses gru-
pos humanos que, desde tempos pré-históricos, 
miscigenavam-se entre si.
Por volta de 3300 a.C., um número considerá-
vel de pessoas já vivia ao longo de uma faixa de 
cerca de quinhentos quilômetros no Baixo Nilo, em 
aldeias e povoados, próximos uns dos outros. As 
pessoas organizavam-se em clãs e as cidades de-
moraram a se desenvolver, provavelmente porque 
não havia ameaças de invasores. Por causa disto, os 
agricultores não precisavam refugiar-se em cidade 
para protegerem-se. Sabe-se que esses egípcios 
primitivos construíam barcos de junco, trabalha-
vam a pedra e usavam o cobre, transformando-o 
em utensílios para uso diário. Em meados do quar-
to milênio, começaram a manter contato com ou-
tras áreas, especialmente a Mesopotâmia.
a ciVilizaçãO
A civilização egípcia durou mais de três mil 
anos e teve cinco fases principais até desaparecer 
gradualmente sob o domínio romano, quando o 
cristianismo passou a ser a religião do Império. Os 
egípcios desenvolveram uma civilização bastante 
complexa, que funcionou com eficiência durante a 
maior parte de seus três mil anos de história.
A civilização egípcia se corporificou no Estado, 
estabelecido em Mênfis, capital do Antigo Reino. 
Mais tarde, no Novo Reino, a capital se fixou em 
Tebas. As duas cidades foram grandes centros re-
ligiosos e tinham um complexo de palácios, em 
lugar de um centro urbano, propriamente dito. 
O FaRaó
A máquina do Estado consistia nas autoridades 
civis, eclesiásticas e militares. Contudo, a ideia 
que os egípcios tinham de Estado era diferente 
daquilo que hoje concebemos. Tinham menos o 
conceito de Estado, do que a ideia do que per-
tencia ao faraó e, até certo ponto, aos templos. 
O faraó, considerado uma divindade, a encarna-
ção de Hórus, era uma figura-chave, o centro da 
vida egípcia. Ele era responsável pela continui-
dade entre o divino e o humano, o cósmico e o 
social. Durante a maior parte da história do Egito 
antigo, todos os poderes sociais, até mesmo a au-
toridade sacerdotal, derivavam do faraó e eram 
por ele delegados.
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om O “Rio da Vida” garantiu a riqueza da 
civilização egípcia (pescadores no Nilo)
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Num estágio inicial, os monarcas egípcios já 
possuíam grande autoridade, como testemunham 
os primeiros monumentos dessa civilização. O as-
pecto divino do faraó originou-se nos “reis” pré-
históricos, que tinham uma função diferente dos 
monarcas posteriores. Esses “reis” eram homens 
santos, responsáveis pela saúde e prosperida-
de da terra e da comunidade que dela dependia. 
Acreditava-se que esses reis – e os ritos por eles 
presididos – garantiam a boa colheita, a ausência 
de pestes, a fertilidade das mulheres. Em diversas 
culturas pré-históricas, os reis representavam o Sol 
e tinha um séquito de doze assistentes, relaciona-
dos aos meses solares (os treze, o rei e o séquito, 
referiam-se aos meses lunares). Normalmente, o 
rei era sacrificado no solstício de inverno, e um dos 
membros do seu séquito o substituía.
diVinO
No Egito essa crença subsistia, embora modifica-
da, na figura do faraó. Era ele quem controlava as 
cheias anuais do Nilo – o que equivalia a controlar 
a vida das comunidades que dependiam do rio. Os 
primeiros rituais de responsabilidade do faraó rela-
cionam-se à fertilidade, à irrigação e à recuperação 
da terra. As representações de Menés, o fundador 
do Egito, mostram-no cavando um canal.
No entanto, numa civilização que se estendeu 
por três mil anos, a ideia de natureza divina do 
rei teve diferentes sentidos. Conforme observa o 
historiador Helio Jaguaribe, “os egípcios sempre 
tiveram consciência de que o faraó era um ser 
mortal e sujeito a todas as fraquezas da condição 
humana”. Reconheciam os governantes excep-
cionais e tinham consciência de que outros eram 
muito fracos. Assim, a crença na natureza divina 
do faraó não interferia com a percepção do seu 
aspecto humano. No Antigo Reino, considerava-se 
que a monarquia e o próprio Egito tinham origem 
divina. O faraó tornava-se uma das manifestações 
de Hórus, sem, no entanto, perder as caracterís-
ticas humanas. Acreditava-se que a justiça era o 
que o faraó amava, e o mal, aquilo que ele odiava. 
Ele possuía onisciência divina e, portanto, não pre-
cisava de um código de leis para guiá-lo.
No Médio Reino, o faraó perdeu, em certa me-
dida, os poderes divinos da sua função e passou 
a representar a humanidade diante dos deuses. 
No entanto, no Novo Reino, o faraó passou a ser 
considerado fisicamente o filho de Hórus, ou Ré, 
que tinha assumido o aspecto do rei para gerar na 
rainha o faraó seguinte. Nessa época, passou a ser 
representado com a estatura heroica dos grandes 
guerreiros. Aparecem nos monumentos em seus 
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O faraó Tutancâmon recebendo flores e 
papiros de Ankhesanamon
A colossal cabeça do faraó Ramsés, no templo 
de Luxor, em Tebas.
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Máscara mortuária de 
Tutâncamon
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carros de guerra esmagando os inimigos ou ca-
çando feras. J.M. Roberts cita, em seu livro The 
shorter history of the world, um registro deixado 
por um funcionário do faraó sobre a visão que os 
egípcios tinham do soberano nesse período: “Ele 
é um deus a quem devemos a vida, pai e mãe de 
todos os homens, único e sem igual”. 
Com a decadência do Egito e o declínio da mo-
narquia, a origem divina do rei acabou sendo ape-
nas uma doutrina para legitimizar quem ocupasse 
o trono, mesmo que tivesse origem estrangeira, 
como, por exemplo, a dinastia ptolomaica, de ori-
gem macedônica.
as classes sOciais
O historiador grego Heródoto descreveu sete 
classes sociais no Egito: sacerdotes, militares, cria-
dores de gado, criadores de porcos, mercadores, 
intérpretes e pilotos (de barcos). Entretanto, uma 
perspectiva mais precisa, moderna, distingue qua-
tro classes: uma classe superior, que incluía a famí-
lia real, a nobreza, os altos funcionários, os gran-
des sacerdotes e os generais; uma classe média, 
com funcionários de nível intermediário, sacerdo-
tes, comerciantes e fazendeiros; uma classe baixa, 
composta de artesãos e camponeses livres; e, por 
fim, os escravos.
Devido ao costume de os reis egípcios mante-
rem várias esposas e grande número de concubi-
nas, uma parte importante da nobreza era com-
posta pelos descendentes e parentes do faraó. 
Os sacerdotes eram o suporte do poder real. 
Eram, também, a polícia secreta e mantinham 
a ordem social. Ao controlar a crença do povo e 
beneficiar-se da dependência que o faraó tinha de 
seu apoio, os sacerdotes tornaram-se, com o pas-
sar do tempo, mais ricos e mais poderosos do que 
a aristocracia e, em certos momentos da história 
do Egito, do que a família real. Educavam os jo-
vens, acumulavam e transmitiam conhecimento e 
tradição e disciplinavam com zelo e rigor. O his-
toriador grego Heródoto, descreveu-os em seu li-
vro Istories: “Eles são, dentre todos os homens, os 
mais excessivamente atentos ao culto dos deuses e 
observam as seguintes cerimônias (...) Usam rou-
pa de linho constantemente lavadas (...) São cir-
cuncidados para o bem da higiene, acham melhor 
serem limpos do que belo. Depilam o corpo inteiro 
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Sacerdotes oferecendo aves aos deuses, num relevo no Templo de 
Medinet Habu, em Luxor, Egito
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a cada terceiro dia para que não se acumulem pio-
lhos nem outras impurezas (...) lavam-se com água 
muito fria, duas vezes ao dia e duas vezes à noite”. 
Os altos líderes religiosos conheciam os nomes dos 
deuses, os quais eram secretos, pois esse conheci-
mento permitia invocar o poder da divindade.
Os tributos e impostos pagos aos templos per-
mitiram que os templos chegassem a possuir um 
terço de todas as terras ao longo do Nilo.
Grande parte dos egípcios era constituída de 
camponeses que forneciam mão de obra para 
as grandes obras públicas e o excedente da sua 
produção agrícola, que sustentava as classes no-
bres, a burocracia e a grande estrutura religiosa. 
A terra era rica, e as técnicas de cultivo melho-
ravam cada vez mais com aperfeiçoamentos na 
irrigação. Hortaliças, cevada e um tipo de trigo, o 
trigo emmer, eram as principais colheitas e se es-
tendiam ao longo dos canais de irrigação. A dieta 
era suplementada com carne de aves domésticas, 
pesca e caça. O gado era usado, principalmente, 
para tração e aragem. O maior fardo dos campo-
neses era o serviço obrigatório nas obras públicas. 
Quando não eram recrutados pelo faraó para re-
alizar essas atividades, desfrutavam de considerá-
vel tempo de lazer.
Os camponeses eram, inicialmente, servos que 
trabalhavam nas propriedades do monarca ou 
dos grandes templos. Com a revolução que ocor-
reu no Primeiro Período Intermediário, as famílias 
camponesas recebiam terras para cultivar pagando 
um tributo que constituía numa parte da colhei-
ta. O senhor dessas terras eram, porém, o faraó, 
um templo, um nomarca, ou algum latifundiário. 
Além de trabalharem a terra, os camponeses eram 
recrutados para o serviço militar e para trabalhar 
em obras públicas. Os escravos eram, essencial-
mente, prisioneiros de guerra que o rei dava a seus 
soldados como recompensa pelo seu desempenho 
militar. Contudo, a escravidão não tinha grande 
importância para a economia egípcia. Os escravos 
gozavam de certa proteção legal e podiam ser li-
bertados. Também não era incomum que os po-
bres se vendessem como escravos para garantir a 
alimentação e moradia da família.
O templo de Karnak e o lago sagrado, residência dos deuses Amon-Rá, de 
sua esposa Mut e de seu filho Khonsu
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Camponês com sua vaca, em um relevo no Templo de 
Luxor, em Tebas
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Para nós, existe uma coisa muito familiar que di-
rige nossas vidas desde o instante que nascemos: 
a ciência. É claro que desde os tempos ancestrais 
a ciência é parte vital da vida humana. O templo-
observatório de Stonehenge, na Inglaterra, cons-
truído há cerca de 5.000 anos, é um exemplo. Uma 
observação em Stonehenge revela um conheci-
mento matemático e astronômico surpreendente. 
A Grande Pirâmide do Egito, erigida em torno de 
2.500 a.C., é outro exemplo.
A principal fonte de inspiração científica para os 
povos antigos era a observação do céu. A dança 
das estrelas pressagiava as colheitas e as mudanças 
de estação. Todas as civilizações – fosse a da China 
ou a da Índia, a do Egito ou a da Mesopotâmia, os 
maias ou os bretões megalíticos – compreenderam 
A INVENÇÃO 
DA CIÊNCIA
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Stonehenge
isso. Essas civilizações tinham pouca semelhança 
entre si e, em alguns casos, nenhum contato. A 
observação do céu e o subsequente desenvolvi-
mento da astronomia parece ter sido o gatilho 
evolutivo da ciência em todos os lugares do plane-
ta. Depois disso, o evento mais importante para o 
desenvolvimento da ciência foi o desenvolvimento 
da cultura grega clássica.
cOnhecimentO pelO cOnhecimentO
Antes dos gregos, não havia uma ciência ver-
dadeira, como entendemos hoje. Os egípcios, 
outro povo da Antiguidade que produziu uma 
vasta gama de conhecimento, tinham o que tal-
vez pudéssemos chamar de “ciência prática”. 
Para os egípcios, os conhecimentos deveriam ter 
14
um objetivo ligado à vida cotidiana. A geometria, 
por exemplo, era usada na agrimensura e na ar-
quitetura. Já os gregos buscavam o conhecimen-
to pelo conhecimento.
Um fator que contribuiu para a formação do 
caráter científico grego foi a separação entre a ci-
ência e a religião. Entre eles, a razão dominou em 
lugar da intuição. As explicações sobre a origem e 
o funcionamento do mundo e das suas coisas não 
eram mais baseadas nos mitos. Não que os gre-
gos tenham deixado de acreditar em seus deuses. 
Só que agora “Deus usava a Matemática para es-
crever o Universo”, conforme teorizou Pitágoras. 
Aliás, foi Pitágoras que criou a palavra matemática, 
derivada do termo grego mathema, isto é, “aquilo 
que se aprende”.
Mas se Pitágoras foi o primeiro a instituir a visão 
matemática do mundo, foi Aristóteles quem esta-
beleceu a visão científica dos gregos.
No tempo desses filósofos, a ciência era parte 
da filosofia. No entanto, muitos temas diferentes 
eram estudados pela filosofia. Com o aumento de 
conhecimento, surgiu a necessidade de se separar e 
categorizar todos esses conhecimentos. Aristóteles 
foi o primeiro a fazer isso. E ao fazer isso, ele esta-
beleceu as leis para as diversas ciências.
Pitágoras nasceu em Samos, em 571ou 570 a.C. 
Quando jovem, ele viajou ao Egito, onde teria 
sido iniciado nos Mistérios de Isis, pelos sacerdo-
tes de Tebas. Sempre em busca de conhecimento, 
Pitágoras foi à Fenícia e à Síria, Pérsia e Industão.
Em 532 foi para a Itália, na Magna Grécia, e 
fundou na colônia grega de Crotona uma asso-
ciação científico-ético-política.Pitágoras tenciona-
va fazer com que a educação ética da escola se 
ampliasse e se tornasse uma reforma política. O 
tiro acabou saindo pela culatra. Uma forte oposi-
ção se ergueu contra Pitágoras e seus seguidores, 
os pitagóricos. No final, ele foi obrigado a deixar 
Crotona, mudando-se para Metaponto, onde 
morreu provavelmente em 497 ou 496 a.C.
Segundo o pitagorismo, a essência, o princípio 
essencial de que são compostas todas as coisas, é 
o número, ou seja, as relações matemáticas. Os 
pitagóricos consideravam o número como sendo 
o fator de união de um elemento a outro. O nú-
mero era a gramática que Deus usara para escre-
ver o universo. 
PITÁGORAS
Pitágoras, o filósofo grego, está envolto numa 
aura de mistério. Sua sabedoria era tão grande que 
chegaram a dizer que era a encarnação do deus 
Apolo. De acordo com Ward Rutherford, autor 
de Pitágoras, o Amante da Sabedoria (Editora 
Mercuryo, São Paulo), “a influência de Pitágoras 
no pensamento filosófico da Europa ocidental é 
muito grande e teve seu ponto culminante no 
Renascimento – quando foi contado entre os ilumi-
nados que inspiraram o cristianismo”. Foi Pitágoras 
que criou a palavra filosofia, ou “amante do co-
nhecimento”, e matemática, de mathema, isto é, “ 
aquilo que se aprende”.
Os gregos trouxeram um novo conceito 
para a ciência
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Em Atenas, Aristóteles fundou a sua própria es-
cola, o “Liceu”, porque ficava junto ao templo de 
Apolo Liceano. Lá Aristóteles se concentrou sobre 
o que hoje chamaríamos de “ciências naturais”. 
Com a morte de Alexandre, em 321, desenca-
deou uma guerra de libertação entre os gregos e 
os macedônios que dominavam a Grécia desde 
Filipe. Aristóteles, como era de esperar foi acusado 
de colaborador dos macedônios. Fugiu para uma 
cidade chamada Cálcis, na Eubeia, onde veio a 
morrer em 322 a.C., com 63 anos.
A visão cientifica de Aristóteles se baseava na 
sua maior paixão, a biologia. Isso o levou a um 
conceito determinista, pois percebia que cada 
órgão dos animais serve a um determinado fim. 
Aristóteles via o mundo antes como orgânico do 
que como mecânico. Em lugar de seguir as leis de 
causa e efeito, Aristóteles entendia que as coisas 
cumpriam uma determinada finalidade. Essa per-
cepção foi marcante para o pensamento científico 
dos dois mil anos seguintes.
a mente GReGa
Há uma característica bastante peculiar na ciên-
cia dos gregos: a abstração. Muitos das descober-
tas dos gregos não tinham qualquer uso prático. 
Até por isso mesmo, grande parte desses conheci-
mentos ficou perdida durante séculos e sua redes-
coberta representou um novo início para a ciência 
moderna e para a filosofia. E uma das ferramentas 
para o desenvolvimento do pensamento abstrato 
era o estudo da geometria.
Alguns filósofos gregos, que não foram mate-
máticos, mas sim estudiosos da matemática, pre-
zavam a geometria a ponto de achar que era pos-
sível pensar de maneira mais clara e lógica quando 
se conhecia essa ciência. Pitágoras, o homem que 
também inventou a palavra “filosofia”, ou “ami-
ARISTÓTELES
Aristóteles é, sem dúvida, uma das persona-
lidades que mais exerceu influência sobre a 
formação do espírito científico da civilização 
ocidental. Foi ele que separou e categorizou os 
diversos ramos de conhecimento que pendiam 
debaixo da filosofia. Dessa forma, ele estabele-
ceu as leis para as diversas ciências.
Aristóteles nasceu em 384 a.C., em Estagira, 
uma colônia grega. Seu pai, Nicómaco, era 
um médico prestigiado. Tinha sido médico do 
rei da Macedônia e, ao que parece, era um 
homem de posses.
Quando o pai morreu, em 366, Aristóteles foi a 
Atenas para continuar seus estudos. Ele se ma-
triculou na célebre Academia de Platão, onde 
acabou se tornando professor. Após a morte de 
Platão, em 347 a.C., Aristóteles abandonou a 
Academia. Dizem que ele não se entendia com 
Espeusito, sobrinho de Platão, que tinha ficado 
com a direção da escola.
De Atenas, Aristóteles foi para a Ásia Menor, 
onde começou seu estudo de biologia. A essa 
altura, ele já era um sábio famoso. Sua no-
toriedade era tal que Filipe da Macedônia, o 
conquistador da Grécia, chamou-o para ser 
preceptor do seu filho Alexandre, que viria a se 
tornar “o Grande”, depois de subir ao trono, 
em 343 a.C. A influência de Aristóteles sobre 
Alexandre foi enorme. De acordo com o his-
toriador grego Plutarco (século 1 d.C.) mesmo 
depois que Aristóteles voltou a Atenas, quando 
Alexandre subiu ao trono, Alexandre se corres-
pondia frequentemente com o antigo mestre.
Aristóteles
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Platão e Sócrates, os filósofos mais famosos, junto com 
Aristóteles, da Grécia
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go do conhecimento”, e Platão pensavam assim. 
Platão, que viveu mais de cem anos antes de 
Arquimedes, mandou escrever na entrada da sua 
academia que “nenhum homem que não conhe-
ça a geometria entre por essa porta”. Alguns dos 
livros que os gregos clássicos escreveram sobre o 
tema são usados até hoje.
pensamentO abstRatO
A mente abstrata grega deu-lhes um conheci-
mento avançado para sua época, se comparado 
a outros povos que foram seus contemporâneos. 
Por exemplo, os gregos sabiam que o mundo é re-
dondo e que está suspenso no espaço. Conheciam 
também alguma coisa sobre o movimento dos 
planetas. Tinham desenvolvido mapas celestes e 
podiam até mesmo predizer um eclipse.
Tales de Mileto (século 6 a.C.), o primeiro ho-
mem a receber o título de “filósofo”, disse que 
todas as coisas vivas, inclusive o homem, se ori-
ginaram do mar. Tales, que ficou famoso por ter 
previsto um eclipse solar em 28 de maio de 585 
a.C., percebeu que é a água que dá vida às coisas, 
vendo nela a origem da vida.
Leucipo (c. 450 a.C.) e Demócrito (460 – 370 
a.C.) ensinavam que tudo era constituído por áto-
mos – minúsculas partículas que se moviam através 
do espaço vazio. Essa foi uma ideia extremamente 
moderna, concebida apenas através do desenvol-
vimento de conceitos abstratos. Leucipo teorizava 
que tudo o que acontece é rigorosamente deter-
minado por leis racionais. Isso não cheira ao nosso 
atual conceito de ciência?
Demócrito, por sua vez, pensava que a colisão de 
átomos indestrutíveis era responsável pela forma-
ção e dissolução de todas as coisas observáveis.
Os gregos antigos também descobriram que a 
Terra gira em torno do seu eixo a cada 24 horas. 
Sabiam até o tamanho do planeta. Eratostenes, 
que trabalhava no Museu de Alexandria, calculou 
com sucesso a circunferência da Terra.
O museu de alexandRia
O Museu de Alexandria foi a primeira institui-
ção científica da História a ser fundada e susten-
tada por um governo. Ali, Ptolomeu I, o regen-
te que substitui Alexandre, o Grande, reuniu o 
maior grupo de cientistas da época. Ele lhes pa-
gava salários, o que era uma novidade. No mu-
seu, os cientistas não tinham problemas finan-
ceiros. Sem precisar se preocupar com o próprio 
sustento, eles tinham liberdade de produzir cada 
vez mais conhecimento.
Nos seus primeiros anos, o museu produziu 
os três maiores matemáticos do mundo antigo: 
Euclides, Arquimedes e Apolônio. Os três formu-
laram o plano segundo o qual a matemática se 
desenvolveria durante os vinte séculos seguintes. 
Antes deles, ela era apenas um ramo da filosofia.
Leucipo e Demócrito conceberam a ideia do átomo O Museu e Biblioteca de Alexandria, 
em gravura de O. Von Corven (século 19)
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Arquimedes ficou conhecido com um dos maio-
res matemáticos de todos os tempos. Seu gênio foi 
capaz de fazer a matemática avançar milhares de 
anos. Ele descobriu coisas que seus antecessores 
não conseguiram e algumas das suas teorias ma-
temáticas são tão sofisticadas que até hoje só são 
compreendidas por especialistas. Mas Arquimedes 
também foi um dos maiores – senão o maior – in-
ventoresdo seu tempo. Ele aplicou seus conheci-
mentos de mecânica a coisas práticas e criou má-
quinas que impressionaram seus contemporâneos. 
Entre essas invenções, provavelmente as principais 
são as máquinas de guerra que projetou para de-
fender Siracusa.
AS MÁQUINAS DE GUERRA
DE
siRacusa, caRtaGO e ROma
A cidade onde nasceu e viveu Arquimedes, 
era um porto próspero, estrategicamente situa-
do na Sicília. Durante o reinado do rei Hiero II, 
o soberano que empregou os conhecimentos de 
Arquimedes em benefício seu e de Siracusa, a ci-
dade atravessou um período pacifico. Hiero soube 
evitar ter Siracusa envolvida em algum dos confli-
tos que grassavam entre as cidades-estado gregas. 
No entanto, por causa da sua posição estratégica, 
a cidade viria a ser envolvida numa guerra acirrada 
entra as duas maiores potências do Mediterrâneo: 
Cartago e Roma.
Vista de Siracusa, com o Castelo Maniace
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ARQUIMEDES
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O acordo não deu certo. Os mercadores roma-
nos não aceitaram ser impedidos de negociar nos 
prósperos e movimentados portos da Sicília. Os 
cartagineses, por sua vez, bloquearam o estreito de 
Messina, entre a Sicília e a ponta da bota italiana. 
Resultado: os navios romanos que zarpavam dos 
portos do oeste da Itália ficaram impedidos de na-
vegar até seus próprios portos da costa leste. Para 
dar a volta pela extremidade da Itália, os romanos 
deveriam, ou navegar pelo estreito de Messina, ou 
circunavegar a Sicília pelo Mediterrâneo ocidental, 
controlado por Cartago. A guerra era iminente.
aRmas secRetas
Vendo o cenário belicoso ser montado ao lado 
da sua cidade, o rei Hiero logo entendeu que, mais 
cedo ou mais tarde, Siracusa seria colhida no con-
flito entre Roma e Cartago. Se Hiero apoiasse algu-
ma das duas potências, iria se ver em maus lençóis 
com a outra. Era uma opção política do tipo “pular 
do caldeirão para cair no fogo”. Tradicionalmente, 
Siracusa era aliada dos romanos. No entanto, 
como as legiões romanas estavam em campanha 
em todos os lugares da Itália, Hiero duvidou que 
seus aliados destacariam homens e navios para 
proteger Siracusa da poderosa frota cartaginesa. A 
solução encontrada por Hiero foi discutir o assunto 
com seu gênio de plantão: Arquimedes. 
De início, o matemático e inventor não se mos-
trou lá muito disposto. Como a grande maioria dos 
sábios gregos – influenciados pelo esnobismo filo-
sófico de Platão –, Arquimedes se interessava por 
descobertas que estavam mais para abstrações do 
que trabalhar com um objetivo prático. Mas Hiero 
não deixou o cientista em paz. No final, usando 
AS MÁQUINAS DE GUERRA
Arquimedes, um dos maiores 
matemáticos e inventores 
de todos os tempos
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Cartago era uma grande cidade na costa me-
diterrânea da África. Havia sido fundada por na-
vegantes fenícios. Com o tempo, Cartago se ex-
pandiu, e os cartagineses fundaram colônias na 
Espanha e vieram a controlar quase toda a Sicília. 
Os navegadores cartagineses eram lendários. Há 
indícios de que um deles, o almirante Hano, te-
nha circunavegado a África quase dois mil anos de 
Vasco da Gama. 
Os navios de Cartago dominavam toda a parte 
ocidental do mediterrâneo, e o seu poderio na-
val era mantido com atitudes drásticas. Qualquer 
navio que fosse flagrado navegando por aquelas 
águas era abalroado e afundado. Com uma ma-
rinha tão eficiente, os cartagineses começaram a 
estender seu poderio e, aos poucos, foram domi-
nando a Sicília.
Mas Roma também estava se tornando uma ci-
dade poderosa. Suas legiões tinham conquistado 
todas as cidades-estado gregas da Itália. Era como 
se Roma e Cartago fossem dois vasos de guerra 
velejando em rota de colisão a toda a velocidade. 
O choque era inevitável.
Romanos e cartagineses tentaram encontrar um 
meio de evitar o conflito. Fizeram um acordo que 
dividia o Mediterrâneo entre as duas potências. 
Decidiram que nenhum navio cartaginês poderia 
comerciar nos portos da Itália, e nenhum navio ro-
mano poderia entrar nos portos da Sicília. 
Ruínas antigas em Cartago
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ARQUIMEDES
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tudo o que sabia sobre mecânica, Arquimedes 
projetou o que veio a ser as mais poderosas má-
quinas de guerra do seu tempo.
Hiero ordenou aos seus artesãos que as constru-
íam, mantendo-as sempre novas e em funciona-
mento. As cordas não podiam apodrecer, a madei-
ra estragada deveria ser substituída imediatamente 
e nenhuma parte metálica podia estar enferrujada. 
Além disso, deveria sempre haver homens treina-
dos para usar essas máquinas. Ele sabia que mais 
cedo ou mais tarde elas seriam postas em ação.
Hiero tinha razão. Só que ele não chegou a ver 
as máquinas de Arquimedes em operação. Ele 
morreu antes. Em 215 a.C., seu neto Hieronimus 
assumira o trono, mas não reinou por muito tem-
po. Um traidor subornado por Cartago, chamado 
Hipócrates, assassinou Hieronimus e se apoderou 
de Siracusa. Mais que isso, Hipócrates traiu os ro-
manos e firmou uma nova aliança com Cartago. 
Como era de se esperar, Roma declarou guerra a 
Siracusa e mandou uma frota e um exército con-
tra a cidade, sob o comando de Marcelo, um dos 
maiores generais romanos de então. Era chegada 
a hora de ver o que as máquinas de Arquimedes 
podiam fazer.
Teatro construído pelo general Marcelo, em 
Roma, com os espólios da Guerra Púnica
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O historiador Plutarco, em gravura antiga
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O ceRcO
Marcelo montou acampamento perto das mu-
ralhas de Siracusa e se preparou para atacar a ci-
dade por terra e por mar. De acordo com Plutarco 
(46 – 119 d.C.), o historiador grego que narrou 
a história do cerco para a posteridade, a frota de 
Marcelo tinha mais de sessenta navios de guerra. 
Os romanos tinham, também, uma máquina de 
guerra que atirava grandes pedras e setas na cida-
de. Essa máquina era tão grande que tinha de ser 
apoiada numa ponte de pranchas colocadas nos 
conveses de oito navios ligados um ao outro.
Quando o povo de Siracusa viu a frota ro-
mana e as tropas que sitiavam sua cidade, ficou 
completamente aterrorizado. Hipócrates, o novo 
tirano, também se apavorou. Seus aliados car-
tagineses não enviaram reforços para proteger 
Siracusa, conforme haviam prometido. Foi então 
que Hipócrates se lembrou das máquinas de guer-
ra Arquimedes. O tirano foi pessoalmente conver-
sar com o inventor, que se colocou inteiramente 
à disposição para dirigir o funcionamento das 
máquinas. Arquimedes tratou de posicionar suas 
geringonças em lugares estratégicos da cidade. 
Sem saber o que iriam encontra pela frente, os ro-
manos atacaram. Começava assim a batalha por 
Siracusa, uma das mais fantásticas travadas em 
toda Antiguidade.
Uma pintura da “garra de Arquimedes”, 
feita por Giulio Parigi (1571 – 1635)
“Quando os romanos atacaram as muralhas 
simultaneamente em dois lugares, medo e cons-
ternação deixaram os siracusanos estupefatos, 
acreditando que nada seria capaz de resistir àque-
la violência e àquelas forças”, escreveu Plutarco. 
“Mas, quando Arquimedes começou a manejar 
suas máquinas, imediatamente disparou contra 
as forças terrestres todas as espécies de dardos e 
imensas massas de pedra que caíam violentamen-
te, fazendo um enorme ruído, e contra as quais 
nenhum homem podia opor resistência, pois elas 
derrubavam em magotes aqueles sobre os quais 
caíam, interrompendo suas formações e fileiras”.
Plutarco não descreve com precisão as máqui-
nas inventadas por Arquimedes, mas podemos 
imaginar que eram poderosos guindastes movi-
mentados através de sistemas de alavancas. O 
historiador grego, que escreveu mais de duas 
centenas de anos depois que o cerco de Siracusa 
aconteceu, conta que grandes “mastros” saíam 
da muralha e se inclinavam sobre navios e os 
afundavam com grandes pedras que deixavam 
cair do alto. Outros vasos de guerra eram levan-
tados no ar poruma garra de ferro e arremes-
sados contra os rochedos que ficavam na base 
das muralhas. Por vezes, os navios eram içados a 
grande altura no ar e balançados violentamente 
de um lado para outro, jogando os marinheiros 
no mar.
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A grande máquina de guerra dos romanos não 
teve destino melhor. Plutarco narrou que quando 
Marcelo ordenou que ela fosse posicionada perto 
dos muros da cidade, “lançou-se contra ela uma 
pedra que pesava dez talentos, depois outra e mais 
outra, as quais, atingindo a máquina com imensa 
força e o barulho de um trovão, despedaçaram 
completamente a base, atiraram fora tudo o que 
estava sobre ela e deslocaram-na inteiramente da 
ponte que a sustentava”. Plutaro fala também de 
grandes espelhos côncavos, usados para incendiar 
os navios da frota romana à distância. Marcelo 
não teve outra escolha a não ser recuar os navios 
e ordenar a retirada das forças terrestres.
a inVasãO
No entanto, os romanos estavam longe de pen-
sar em desistir. Marcelo planejou atacar de novo, 
à noite. Ele apostou na hipótese de que seus sol-
dados poderiam ficar sob o local dos disparos, com 
as setas e pedras voando sobre suas cabeças, sem 
serem atingidos. O que Marcelo não sabia é que 
Arquimedes já havia pensado nisso e criara má-
quinas que se acomodavam a qualquer distância, 
além de outras de curto alcance. Os romanos não 
sabiam, também, que Arquimedes mandara fa-
zer numerosas pequenas aberturas nas muralhas, 
através das quais as máquinas de menor alcan-
ce infligiam golpes inesperados nos atacantes. O 
resultado do novo ataque romano foi um outro 
grande fracasso. Uma chuva de setas e pedras caiu 
sobre os agressores. Enquanto eles se retiravam, 
Arquimedes acionou as armas de maior alcance, 
causando uma incrível baixa nas fileiras inimigas. 
Ao mesmo tempo, o inventor usou seus engenhos 
para jogar os navios uns contra os outros. Isso fez 
com que os romanos pensassem que estavam lu-
tando contra deuses.
Depois da demonstração de eficiência das má-
quinas de guerra de Arquimedes, os habitantes de 
Siracusa ficaram tão confiantes que abandonaram 
as armas tradicionais, contando apenas com as de 
Arquimedes para defender sua cidade. Os roma-
nos também ficaram completamente apavorados. 
Marcelo desistiu de tentar tomar Siracusa de as-
salto e resolveu apostar suas fichas num cerco de 
longa duração.
O cerco durou três anos. Durante esse tempo, 
Marcelo, que não ousou voltar atacar as mura-
lhas de Siracusa, subjugou uma grande parte da 
Sicília, além de ter tomado o acampamento de 
Hipócrates, o tirano de Siracusa, matando-o e a 
oito mil dos seus homens. 
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Arquimedes dirigindo as defesas de Siracusa, óleo de Thomas Spence (1895)
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Os siracusianos também se tornaram descui-
dados. Estavam tão seguros de que as máquinas 
de Arquimedes os defenderiam que acabaram se 
tornando alheios à ameaça romana. No dia do fes-
tival da deusa Ártemis, comemorado com muita 
comida e bebida, os habitantes da cidade estavam 
tão entregues às comemorações que sequer nota-
ram os soldados romanos que conseguiram escalar 
as muralhas e se posicionaram em diversos pontos 
da cidade. E por esse tremendo descuido, Siracusa 
caiu nas mãos dos romanos.
Marcelo admirava Arquimedes, que já era fa-
moso em todo o mundo. Ele ficou tão impressio-
nado com os feitos científicos de seu adversário 
que, quando a cidade caiu, ordenou que a vida 
de Arquimedes fosse poupada. Mandou que seus 
soldados encontrassem o cientista e o trouxessem 
à sua presença. 
Mas Arquimedes, sempre imerso em sua profun-
da concentração, nem tinha notado que Siracusa 
estava sendo saqueada. A despeito de todo o baru-
lho, ele continuava a desenhar figuras geométricas 
em sua bandeja de areia. De repente, o inventor 
foi interrompido por uma sombra projetada sobre 
seus desenhos. Olhou para cima e viu um solda-
do romano. Irritado, Arquimedes esbravejou que 
o soldado interrompia seus cálculos. Mais irritado 
ainda, o romano avisou que Arquimedes deveria 
acompanha-lo. O velho inventor explodiu, dizen-
do que não sairia dali enquanto não terminasse 
seus cálculos. Foi o que bastou para o soldado 
passar Arquimedes a fio de espada.
Essa cena foi retratada num mosaico desen-
terrado em Herculano, a cidade que, junto com 
Pompeia, foi destruída por uma erupção do 
Vesúvio, em 79 d.C. O mosaico sugere que o len-
dário episódio da morte de Arquimedes pode mui-
to bem ser verdadeiro.
Marcelo irritou-se profundamente quando 
soube o que acontecera ao matemático de 79 
anos. Dizem alguns autores que ele mandou exe-
cutar o soldado que matara Arquimedes como 
um assassino comum. Marcelo também mandou 
dispensar honrarias aos dependentes do cientista, 
o que indica que provavelmente Arquimedes era 
casado. Numa última e significativa homenagem, 
Marcelo deu ordens para que o túmulo do mate-
mático fosse entalhado com uma esfera inscrita 
dentro de um cilindro. Ter o desenho da desco-
berta que julgava ser seu mais importante traba-
lho gravado em sua tumba era um antigo desejo 
do velho matemático.
Os espelhOs de aRquimedes
Uma das mais fantásticas armas de Arquimedes, 
descrita por Plutarco, era um sistema de espelhos 
côncavos feitos de metal muito polido que os sira-
cusianos usaram para minar o medo e a destruição 
entre os romanos. Esses espelhos, construídos em 
forma de parábolas, atraiam e focalizavam os raios 
de sol de maneira tão precisa que, quando os raios 
eram dirigidos para qualquer dos navios da frota 
de Marcelo durante um curto período de tempo, a 
embarcação pegava fogo.
No entanto, ninguém sabe se esses espelhos fo-
ram realmente construídos. Para tirar a prova, em 
1774, o conde de Buffon, um francês naturalis-
ta e construtor de máquinas excêntricas, resolveu 
construir um aparato baseado nas descrições dis-
poníveis. Segundo de Buffon, sua máquina foi ca-
paz de incendiar madeira a 50 metros de distância 
e, a uma distância de 45 metros, foi capaz de der-
reter chumbo. Segungo Elza Gomide, do Instituto 
de Matemática e Estatística da Universidade de 
São Paulo (USP) e autora do posfácio da edição 
brasileira do livro Arquimedes, Uma Porta Para a 
Ciência, da escritora americana Jeanne Bendick, se 
Arquimedes poderia ter criado esses tais espelhos 
incendiários. “Sim, acredito que Arquimedes podia 
ter feito isso”, afirma Elza.”Ele conhecia as leis de 
reflexão de calor, mas não se sabe se havia tecno-
logia para construir um espelho ou um sistema de 
espelhos como esse descrito por Plutarco”.
Os espelhos incendiando navios romanos, numa 
ilustração do livro Thesaurus Opticus (1572)
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Os gladiadores foram um fenômeno típico da 
antiga Roma, remanescentes de um tempo em 
que os antigos habitantes dessa região faziam sa-
crifícios humanos. Em um determinado momento 
de sua história, os romanos obrigaram prisionei-
ros de guerra a lutar até a morte para homenage-
ar a memória de um cidadão de destaque. Essas 
homenagens eram abertas ao público e consti-
tuíam importante forma de entretenimento para 
a plebe. Aqueles que as ofereciam recebiam a 
simpatia do povo. Como eram espetáculos ca-
ros, eram patrocinados por ricos cidadãos, que 
se beneficiavam politicamente do evento. Esses 
patrocinadores apresentavam, em geral, as lutas 
na Saturnália – o festival em que os papéis sociais 
se invertiam e em que a morte era relacionada 
à renovação – e nas festas de Minerva. Com o 
tempo, o duelo em homenagem a um morto im-
portante foi perdendo a importância, e o aspecto 
de entretenimento dos combates passou a ser o 
maior motivo das lutas gladiatórias.
Os primeiros espetáculos de gladiadores acon-
teceram nos munera (plural de “munus”), festivais 
públicos oferecidos ao povo de Roma por indiví-
duos ricos e de status elevado. “Munus” significa 
“dever”, “obrigação”, expressando a responsabi-
lidade individual de contribuir com a sua comuni-
dade. O cidadão que oferecia o múnus era chama-
do de munerario ou editor. 
Os munera mais famosose que atraiam mais 
gente eram aqueles que, além da distribuição de 
presentes e alimentos ao povo, apresentavam due-
GLADIADORES
los entre gladiadores para homenagear um morto 
célebre. A palavra portuguesa “munificência”, 
isto é, “generosidade”, “liberalidade”, deriva do 
termo romano. Alguns munera chegaram a durar 
mais de 120 dias. 
Com o tempo, os munera foram substituídos 
pelos jogos “ludii”, patrocinados pelo Estado. Os 
espetáculos apresentados nos jogos duravam um 
dia inteiro e incluíam combates entre homens e 
feras (venationes), que empregava caçadores (ve-
natores) especialmente treinados para este fim, 
execuções públicas de inimigos de Estado e apre-
sentações musicais. A principal atração dos jogos 
era, sem dúvida, os combates gladiatórios.
A maioria dos gladiadores era constituída de es-
cravos da mais baixa espécie, socialmente margina-
lizados e segregados, mesmo na morte. Alguns gla-
diadores eram, porém, voluntários que arriscaram 
sua posição jurídica e social e suas vidas lutando na 
arena. A julgar pelas limitações que o Senado esfor-
çou-se em colocar aos voluntários, aqueles que se 
ofereciam para lutar nos jogos de gladiadores eram 
muitos. Os historiadores franceses Philippe Ariès e 
Georges Duby chegam a afirmar que “quase todos 
os gladiadores eram voluntários”.
Um fragmento de mosaico 
encontrado em Chipre mostra um 
secutor observado pelo juiz do 
combate
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A Grécia Antiga não era o que hoje entendemos 
como o país que existe na área original dessa anti-
ga civilização. O termo é usado para descrever os 
povos que falavam grego e que compartilhavam 
uma religião comum. Geograficamente, a área 
ocupada por esses povos era bem maior do que a 
atual península grega. Compreendia, também, re-
giões de cultura helênica colonizadas pelos gregos 
antigos: Chipre, a costa egeia da Turquia – então 
chamada de Jônia –, a Sicília e o sul da Itália, ou 
Magna Grécia, e colônias espalhadas nas costas 
das atuais Albânia, Bulgária, Egito, sul da França, 
Líbia, Romênia, Catalunha e Ucrânia.
Os povos que vieram constituir a civilização he-
lênica chegaram à península grega em várias on-
das migratórias, a partir do terceiro milênio antes 
de Cristo. Aqui, receberam grande influência da 
civilização minóica, estabelecida na ilha de Creta.
cReta
A civilização minóica se desenvolveu na ilha de 
Creta entre 2.600 e 1.375 a.C. Exímios marinhei-
ros, durante cerca de quatro séculos os cretenses 
A GRÉCIA
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prosperaram, negociando com o Egito e a Grécia 
Continental. A civilização de Creta chegou ao 
seu apogeu por volta de 1.600 a.C., dominando 
com seus navios e sua cultura o Mar Egeu. Os 
minóicos se sentiam seguros com a proteção do 
mar. Viviam em cidades não fortificadas, próxi-
mas ao litoral e em terrenos pouco elevados. Foi 
seu contato com a Grécia continental que intro-
duziu mercadorias, tecnologias e conhecimentos 
do Egito e das civilizações mais desenvolvidas 
do Oriente Médio na Europa durante a Idade do 
Bronze. Então, no século 14 a.C., os minóicos 
deixaram de ser influentes.
Os micênicOs
Ao mesmo tempo em que a civilização minóica 
se desenvolvia, chegava ao seu apogeu e decaía, 
povos arianos de língua indo-europeia se esta-
beleciam na península grega. As montanhas da 
Macedônia, ao norte, ainda eram habitada por 
um povo que mais tarde se fundiu aos futuros 
gregos, os pelasgos. Mas o centro da península, 
o Peloponeso, e o extremo sul, a Ática, haviam 
sido dominados pelos aqueus, os quais os gre-
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Afresco no Palácio de Cnosos, em Creta
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gos consideravam seus antepassados. Os aqueus 
eram mais desenvolvidos que os pelasgos e cons-
tituíram uma civilização de fato. Pastores de ove-
lhas e guerreiros, haviam se estabelecido ali a 
partir de 2.500 a.C. Conheciam o uso da quatri-
ga – uma carruagem de guerra com quatro rodas 
– e davam mais importância ao homem do que à 
mulher na sociedade. Seus objetos de culto dife-
rem muito dos objetos das religiões centradas em 
deidades femininas, como era comum no Oriente 
Médio e na própria região do Mar Egeu, antes da 
sua chegada.
O centro dessa civilização foi Micenas, um as-
sentamento no Vale do Peloponeso. A influência 
da civilização de Creta sobre eles foi fundamen-
tal, e Micenas se desenvolveu. A partir de 1.600 
a.C., durante cinco ou seis séculos, essa civilização 
se espalhou pela maior parte da Grécia continen-
tal, estabelecendo as fundações da futura cultura 
helênica. Na verdade, foi um aprimoramento da 
organização tribal, sob o comando de reis. Sua 
cultura não se baseava em um único sistema polí-
tico, mas era compartilhada por várias cidades, das 
quais Micenas era a mais importante.
Por conta da influência dos cretenses, os micê-
nicos acabaram conquistando a supremacia co-
mercial do Mar Egeu, em aproximadamente 1.400 
a.C., contribuindo com a decadência de Creta. 
Mas, com a entrada de um novo povo no palco da 
Grécia, os dóricos, a cultura de Micenas acabou se 
extinguindo entre os séculos 12 e 11 a.C.
Os helenOs
No século 8 a.C., a Grécia, dividida em várias 
comunidades independentes, começou a emergir 
da sua Idade das Trevas, como ficou conhecido o 
obscuro período histórico que se seguiu à queda 
de Micenas. A literatura e a escrita micênicas se 
perderam, mas, em aproximadamente 800 a.C., 
os gregos, ou helenos, como esse povo chamava 
a si mesmo, adaptaram o alfabeto fenício. Era o 
começo de uma nova civilização. Os próprios hele-
nos traçaram o início da sua cronologia nessa épo-
ca, estabelecendo os primeiros Jogos Olímpico, 
em 776 a.C., como o seu início.
Com o desenvolvimento da nova civilização, a 
população cresceu além dos limites da capacida-
27
de da sua terra arável. Povo de destemidos mari-
nheiros, os gregos iniciaram, a partir de 750 a.C., 
um período de expansão que durou cerca de 250 
anos. Expedições de diferentes cidades estabele-
ceram diversas colônias em lugares tão distantes 
um do outro como a Espanha e a Ucrânia. A costa 
do Egeu da atual Turquia, a ilha de Chipre, a costa 
sul do Mar Negro, a Albânia, a Sicília, a Córsega, 
o sul da Itália e da França, o nordeste da Espanha, 
o norte da África e até mesmo as atuais Geórgia 
e Ucrânia, abrigaram colônias gregas, abrindo es-
sas regiões para sua influência. Por volta do século 
6 a.C., os helenos tinham expandido sua língua e 
cultura a uma área bem maior do que a Península 
Grega (a atual Grécia). 
Embora mantivessem laços religiosos e comer-
ciais, as colônias gregas não eram controladas 
politicamente pelas cidades que as fundaram. As 
comunidades independentes eram uma caracterís-
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Portão dos Leões, no sítio arqueológico de Micenas, a cerca de 90km de Atenas.
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Portão dos Leões, no sítio 
arqueológico de Micenas, 
a cerca de 90km de Atenas.
suficientemente ricos para possuírem armas, equi-
pamentos de guerra e cavalos – o que os transfor-
mava em líderes militares.
Com o desenvolvimento do comércio, artesãos 
estrangeiros se estabeleceram nas cidades, fazen-
do surgir uma próspera classe mercantil. As ten-
sões sociais resultantes logo afloraram em confli-
tos. A partir de 650 a.C., os aristocratas tiveram de 
enfrentar os líderes populistas. Muitos deles foram 
bem-sucedidos em assumir o controle das cidades. 
Eram os Tyrranoi, ou tiranos, cujo significado ori-
ginal difere do seu sentido moderno.
No século 6, os horizontes da civilização he-
lênica já estavam bem definidos. As cidades de 
Atenas, Esparta, Corinto e Tebas emergiram como 
principais centros de influência. Elas controlavam 
as áreas rurais e pequenas aldeias ao seu redor. 
Atenas e Corinto tinham se tornado grandes po-
tências marítimas e mercantis. Mas, no campo po-
lítico, as rédeas estavam nas mãos de duas cidades 
rivais, Esparta e Atenas.
tica dos helenos. A polis, comoera chamada essa 
comunidade, se aproxima mais da nossa ideia de 
Estado do que de cidade. Ela não incluía todos os 
habitantes da cidade e cercanias. Consistia, antes, 
dos seus cidadãos: os guerreiros que defendiam a 
polis. Escravos, mulheres e artesãos estrangeiros, 
chamados de méticos, não podiam ser cidadãos. 
No início, muitas polis eram governadas por 
reis, os basileus, mas os registros históricos mos-
tram que a partir do século 7 a.C. elas já eram 
governadas por aristocratas, ou “pessoas melho-
res”. Os aristocratas eram proprietários de terras, G
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Ruínas do Templo de Apolo em Corinto, um 
dos principais centros de influência helênica
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IDADE MÉDIA
 IDADE MÉDIA
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Por quase quatro séculos, a Igreja Católica 
apostou na expansão do poder papal pelo uso da 
força de expedições militares que travaram san-
grentas batalhas na Europa, no norte da África e 
no Oriente Médio. Houve sete grandes cruzadas 
em 175 anos – até a morte de Luis IX –, mas a 
Igreja continuou tentando, sem adesão dos no-
bres, promover outras por mais tempo. Houve, 
portanto, inúmeras cruzadas menores, além des-
sas sete grandes. Acredita-se que as aventuras 
guerreiras cristãs, que entraram para a história 
com o nome de cruzadas, deixaram para trás um 
rastro de destruição que alterou definitivamente 
o jogo de poder no cenário mundial. Além de lu-
tar em nome da soberania, os papas desejavam 
conquistar Jerusalém, cidade-pilar do cristianismo, 
em poder dos muçulmanos. Tanto esforço, no fi-
nal das contas, ficou longe de alcançar seus ob-
jetivos. Ironicamente, foram os povos do Oriente 
Médio que acabaram oferecendo novos rumos aos 
cristãos europeus e, por consequência, ao mundo 
atual. Em sua obra de três volumes, A História das 
Cruzadas, o inglês Steven Runciman concluiu que 
o movimento cruzado é uma das mais importantes 
influências da civilização ocidental.
AS CRUZADAS
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Vitral com cena da Primeira Cruzada, Bruxela, Bélgica
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Embora até meados do século 15 a Igreja de 
Roma continuasse tentando promover guerras 
santas sem sucesso, o sonho papal acabou na noi-
te de 24 de agosto de 1270, quando o rei francês 
Luís IX – o santo rei Luís – foi derrubado por uma 
epidemia que varreu o norte do continente africa-
no. A mando do papa Gregório X, o líder da sétima 
cruzada veio abaixo antes da batalha começar, as-
sim como grande parte do seu exército. Em Tunis, 
na Tunísia, muitos dos cerca de 60 mil cruzados 
que lutariam ao lado de Luis foram dizimados pela 
febre que irrompera como ira divina. As últimas 
palavras do nobre revelam a convicção religiosa 
que tinha de sua missão de cruzado: “entrarei em 
vossa casa, Senhor, rezarei em vosso sacro santu-
ário, glorificarei vosso nome”. E prometia em seu 
delírio: “Jerusalém, eu irei!”. Ao mesmo tempo, 
sob o vento seco tunisiano, milhares de homens 
recolhiam os cadáveres para enterrá-los o mais ra-
pidamente possível.
GueRRa santa
O peso sobre os corações e mentes dos europeus 
que tomaram parte nessas guerras santas é inde-
lével. Quando as cruzadas começaram, em 1095, 
o oeste da Europa mal emergira do longo perío-
do de invasões bárbaras, conhecido como Idade 
das Trevas. Com a queda de Roma no Ocidente, 
em 476 d.C., a Europa foi varrida pelos exércitos 
de diversos povos conquistadores. Godos, visigo-
dos, saxões, anglos, francos e outros perverteram 
a pax romana, literalmente incendiando o conti-
nente e fundando vários reinos bárbaros. Durante 
séculos, os grandes reis europeus não passavam 
de guerreiros incivilizados. Por centenas de anos, 
nenhuma cidade da Europa Ocidental, nem mes-
mo a antes poderosa Roma, podia se comparar 
à magnificência de Constantinopla ou de Bagdá. 
Culturalmente atrasada, a arquitetura europeia 
era extremamente primitiva, e a produção cien-
tífica do período simplesmente inexistia. Seus ha-
bitantes sofriam graves privações materiais e se 
agrupavam sob o domínio de guerreiros, de cuja 
proteção precisavam.
A única instituição importante que sobrou do 
império romano foi a Igreja. Por toda a Europa, 
seus bispos – quase sempre membros de famílias 
importantes – eram personagens fundamentais 
nos assuntos locais, assumindo tarefas antes exe-
cutadas pelos funcionários imperiais. Dessa forma, 
a igreja passou a exercer cada vez mais o papel 
que Roma representara: a civilização. 
Assim, a diplomacia papal contribuiu para que 
emergisse um padrão de reinos cristãos a partir de 
uma Europa bárbara. Eram os papas que escolhiam 
os governantes e coroavam os reis. Como conse-
quência, o poder papal aumentou cada vez mais.
Gregório, o Grande (540 – 604) foi o fundador 
da supremacia pontifícia. Foi, também, o primeiro 
papa a pregar o uso de força militar no trabalho 
missionário. Nos quatrocentos anos que se segui-
ram ao seu papado, a diplomacia dos seus suces-
sores foi bem sucedida na consolidação dos reinos 
cristãos europeus. Agora, restava expandir a influ-
ência da Igreja Católica, colocando as Igrejas do 
Oriente sob seu domínio. E os olhos dos papas se 
voltaram à Terra Santa.
A oportunidade surgiu em 1095, quando 
Alexius Comnenus (1048 –1118), imperador bi-
zantino, escreveu ao conde Roberto de Flandres 
relatando os ataques muçulmanos aos peregrinos 
cristãos à Palestina. Roberto mostrou a carta ao 
papa Urbano II (1042 – 1099), que imediatamente 
pregou a luta pela libertação dos lugares sagrados 
para os cristãos. Inflamados pela ira da sua pre-
gação, os reis europeus atenderam prontamente 
seu chamado. E durante os 175 anos seguintes a 
Europa viveria em função das guerras santas.
Cruzado, na fachada de uma igreja 
em Viena, Áustria
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ReVOluçãO cultuRal
A marca que as cruzadas deixaram no desenvol-
vimento da literatura ocidental é igualmente notá-
vel. O período das quatro primeiras cruzadas coin-
cide com a evolução, na França e na Alemanha, 
de uma sólida produção que reflete o espírito 
cruzado. No artigo Songs (Canções), publicado 
recentemente pela Oxford University Press, o in-
glês Michael Routledge demonstra a influência de-
terminante que esses primeiros épicos tiveram na 
criação do gênero romance. “Particularmente nas 
produções dos trovadores da Provença do sécu-
lo 11 e 12, que viriam a criar os romances do rei 
Artur, do Graal e os ideais do amor cortês”, escre-
veu o pesquisador.
O padrão de vida ocidental foi elevado pelo de-
sejo dos soldados e peregrinos europeus de des-
frutarem em sua terra natal dos mesmos confor-
tos encontrados nos reinos cruzados da Síria, do 
Líbano e da Palestina. Embora a Europa já tivesse 
recebido alguma influência da cultura islâmica, es-
pecialmente dos reinos muçulmanos da Espanha e 
da Sicília, foram as guerras santas que consolida-
ram o processo. Os cruzados aceleraram a dissemi-
nação de informações desconhecidas pela maioria 
dos europeus: a sabedoria grega apreendida em 
Bizâncio ou no Islã, os perfumes das essências tra-
zidos do oriente, o luxos das roupas de seda, as 
novas comidas e até a importância do banho (de 
que os europeus precisavam muito).
O épico medieval A Canção de Rolando – da-
tado da época da primeira cruzada e escrito na 
França – contém a mensagem que melhor ilus-
tra a arrogância europeia com relação aos “infi-
éis”. A certeza de que “os cristãos estão certos 
e os pagãos errados” permeia todo o poema. E 
se essa era a mentalidade que justificava os atos 
cruzados, o saque dos preciosos tesouros orien-
tais e a conquista de territórios eram o motor das 
cruzadas. O historiador britânico J.M. Roberts é 
um dos que pensam assim. “As cruzadas foram 
o primeiro exemplo de voracidade do imperia-
lismo ultramarino europeu”, afirma no livro The 
Shorter History of The World, referindo-se ao im-
pulso dado às expedições europeias de conquis-ta. Nesse sentido, as guerras santas mudaram a 
face dos cristãos. A determinação com que os 
cruzados empreenderam conquistas em nome de 
Cristo seria, segundo Roberts, “a raiz psicológica 
da confiança com que os europeus saíram mais 
tarde para tomar o mundo por mar”. E muito da 
tecnologia que permitiu esse domínio foi absorvi-
do da Terra Santa, durante as cruzadas.
Os romances medievais, como a Histério do Cavaleiro Verde de Sir Gawen, foram 
influenciados pelas cruzadas
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heRdeiROs naVais
A Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão 
foi fundada durante a primeira Cruzada para guar-
dar os lugares santos e proteger os peregrinos 
cristãos. Durante os dois séculos que permanece-
ram na Síria, no Líbano e Palestina, esses monges 
guerreiros, também conhecidos como templários, 
acumularam riqueza maior que a de muitos rei-
nos e se familiarizaram com inovações arquitetô-
nicas e navais desconhecidas na Europa de então. 
Quando as Cruzadas terminaram, seu poder tinha 
se tornado tão ameaçador que a Ordem foi dissol-
vida, seus membros excomungados e os líderes, 
executados. Mas a herança dos templários não 
deixou de representar um papel determinante no 
curso da história.
O escritor e historiador escocês Andrew Sinclair 
sustenta que os templários que conseguiram esca-
par da perseguição se refugiaram na Escócia e em 
Portugal. Lá, foram bem recebidos por seu notável 
conhecimento de técnicas de navegação. “Seus 
navios a vela foram pioneiros no uso da bússo-
la e da vela de armação latina (a vela triangular 
que permite navegar até 45º contra o vento), que 
adotaram dos dhows árabes”, explica Sinclair. A 
própria palavra barca teria sua origem no termo 
equivalente árabe baraka.
Introduzidos pelos templários, os inovadores ma-
pas da costa atlântica da Europa, do Mediterrâneo 
e do norte da África, gritantemente diferentes 
dos prosaicos mapas usados na Europa até então, 
derivavam dos desenvolvimentos da cartografia 
árabe. Sinclair afirma que os conhecimentos que 
os refugiados da Ordem do Templo levaram para 
Portugal foram incorporados com um novo nome: 
os Cavaleiros de Cristo. Os navios da Ordem reno-
meada navegavam no Atlântico sob a cruz de oito 
pontas dos templários. O primeiro europeu a cir-
cunavegar a África, o explorador Vasco da Gama, 
era um Cavaleiro de Cristo. Tal qual o Infante Dom 
Henrique, que viria a se tornar um dos seus grãos-
mestres. Foi ele quem fundou – com base na heran-
ça adquirida durante as cruzadas – a famosa escola 
naval de Sagres, o centro da navegação portugue-
sa, onde estudou o almirante Pedro Álvares Cabral. 
Passados quase mil anos, a ambição papal do século 
10 anda repercute de forma determinante no mun-
do atual.
as cRuzadas e O islã
Muitos estudiosos especulam sobre o efeito 
que os cruzados tiveram sobre o declínio do mun-
do islâmico. Para alguns desses pesquisadores, as 
invasões mongóis, que começaram no século 12, 
foram muito mais nocivas para a civilização que 
os árabes haviam fundado do que as cruzadas. 
No entanto, se não fosse por elas, os muçulmanos 
contariam com muito mais recursos para reagir à 
agressão mongol. 
O verdadeiro mal causado pelas guerras santas 
ao Islã foi mais sutil. O Estado islâmico era uma 
teocracia cuja eficiência política dependia do ca-
lifado – a linha de reis-sacerdotes com direito à 
sucessão hereditária. E o ataque cruzado aconte-
ceu num momento em que o califado não tinha 
condições políticas de liderar a reação do Islã. As 
muitas lideranças disputavam entre elas, sequer 
cogitando coalizão. Mesmo os líderes que foram 
capazes de derrotar os cristãos, como Saladino e 
Nur ed-Din, agiram por conta própria.
As cruzadas abalaram irremediavelmente a 
unidade política e religiosa que constitui o Islã. E 
como “quando dois brigam, lucra um terceiro”, 
os turcos otomanos acabaram se aproveitando 
das guerras santas entre os cristãos europeus e 
os árabes e assumiram o califado. Enquanto seu 
império durou – até o final da Primeira Guerra 
Mundial, em 1918 – os sultões otomanos promo-
veram uma centralização superficial para o mun-
do islâmico. Mas com a falta de um califa que 
encerre em si a unidade muçulmana, o problema 
continua até hoje.
A Cruz de Cristo, estampada nas velas 
das caravelas portuguesas, são marca do 
conhecimento de navegação conquistado durante 
as cruzadas
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AS CRUZADAS
linha dO tempO
Antecedentes – visando o aumento do poder pontifício, 
o Papa Gregório I (590 – 604) defende pela primeira vez 
o uso da força militar no trabalho missionário.
Cruzada do Povo (1095) – quando soube que na Terra Santa os cristãos 
estavam sendo perseguidos pelos turcos, Pedro o Eremita, um fanático religioso, 
organizou um exército de maltrapilhos para libertar Jerusalém. Chegaram a tomar 
a fortaleza de Xerigordon, na Anatólia, mas foram massacrados pelos turcos.
{ Primeira Cruzada (1096 – 1102) – Pregada 
pelo Papa Urbano II para libertar a Terra 
Santa, visava, na verdade, expandir 
o poder pontifício. Foi a cruzada com 
maiores recursos 
e a mais bem documentada. 
Os cruzados tomaram Edessa, 
Antioquia, Trípoli e Jerusalém. 
A Ordem dos Cavaleiros do Templo 
de Salomão, ou templários, foi fundada 
para defender os lugares santos 
e os peregrinos cristãos.
{ Segunda Cruzada (1145 – 1148) – com a 
queda de Edessa, em 1144, o Papa 
Eugenio III e São Bernardo pregaram 
uma cruzada para retomar 
a cidade. Terminou num fracasso total, 
com a derrota das tropas cruzadas 
em Damasco.
{ Terceira Cruzada (1189 – 1192) – 
O líder curdo Saladino retomou 
Jerusalém dos 
cruzados em 1187, 
levando a mais uma 
cruzada. Pregada pelo 
Papa Gregório VIII, 
foi liderada por três 
grande reis europeus, 
entre eles Ricardo I, 
o Coração de Leão, 
da Inglaterra, o qual 
assegurou direitos 
territoriais, mas não 
recuperou Jerusalém.
{ Quarta Cruzada (1202 – 1205) – 
o Papa Inocêncio III, buscando reviver 
o esforço cruzado, pregou mais uma 
expedição à Terra Santa, mas, com 
desentendimento ente os francos e os 
bizantinos, cristãos se voltaram contra 
cristãos, e Constantinopla acabou 
sendo saqueada. Os cruzados sequer 
chegaram à Palestina.
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Saladino (1138 – 1193)
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{ Sexta Cruzada (1248 – 1254) – pregada 
pelo Papa Inocêncio IV e liderada por 
São Luis (rei Luis IX, da França). Os 
cruzados capturam Damieta, mas são 
massacrados em al-Mansoura: 285 
templários, de um contingente de 290, 
são massacrados no interior da cidade e 
seus corpos pendurados nas muralhas.
{ Sétima Cruzada (1269 - 1270) – Liderada 
por São Luis da França. Fracasso total: a 
peste irrompe no acampamento cruzado 
em Tunis; 
Luis e seu filho, João Tristão, 
morrem durante a epidemia.
{ Em 1464, o Papa Pio II tenta lançar 
mais uma cruzada à Terra Santa, mas 
não obteve qualquer resposta da 
nobreza europeia. Pio II liderou seu 
próprio exército, mas morreu antes 
de a cruzada acontecer.
{ Cruzada Albigensiana (1209 – 1229) – 
Cruzada feita na própria Europa, 
promovida pelo Papa contra 
a seita dos cátaros, em Languedoc 
e Provença, na França. Foi o início 
da Inquisição.
{ Cruzada das Crianças (1212) – 
Um pastor francês de 12 anos teve 
uma visão do Cristo pedindo a 
libertação da Terra Santa; trinta mil 
adultos e crianças se reuniram em 
torno dele e partiram para o Oriente. 
A maioria dos peregrinos morreu 
ao longo do caminho de fome e de 
sede; os sobreviventes acabaram 
sendo escravizados.
{ Quinta Cruzada (1217 – 1229) – Inocêncio 
III usa a Cruzada das Crianças para 
lançar mais uma campanha militar. Os 
cruzados capturam Damieta, na foz do 
Nilo, em 1219, mas a perdem em 1221. 
Em seguida, o imperador germânico 
Frederico II, excomungado pelo papa 
GregórioIX, obtém domínio sobre 
Jerusalém, Belém e Nazaré através de 
meios diplomáticos. Gregório IX não 
aceita a ação do excomungado e invade 
seu reino da Sicília; Frederico retorna 
da Terra Santa e expulsa o exército do 
Papa; Jerusalém cai novamente nas 
mãos dos muçulmanos em 1244.
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Desde o final da Segunda Guerra, a imagem de 
misteriosos guerreiros japoneses coleando pelas 
sombras, os indefectíveis uniformes pretos, rostos 
cobertos, portando um arsenal de armas caracte-
rísticas, habita o imaginário ocidental. As lendas 
que se criaram a respeito desses mercenários, os 
ninjas, os projetam executando feitos dignos de 
deuses. Dizem que eram capazes de escalar mu-
ralhas com a facilidade dos insetos, de se tornar 
invisíveis para seus inimigos e de ter uma precisão 
assassina infalível.
Por conta da clandestinidade inerente aos nin-
jas, pouco se sabe sobre a história dessa misterio-
sa sociedade secreta criminosa. Na verdade, não 
se conhece a origem exata dos ninjas. Sabe-se 
que apareceram no Japão no século 14 e perma-
neceram ativos até o final do período Edo, em 
meados do século 19.
Embora os ninjas estejam invariavelmente asso-
ciados à cultura japonesa, sua origem, ao menos em 
termos de ideologia, começa na China. A filosofia 
ninja se baseia na obra A Arte da Guerra, escrito no 
NINJAS
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Ninja, segundo 
ilustração de 
Hokusai (1817)
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século 4 ou 5 a.C. pelo general Sun Tzu. Uma parte 
desse texto influenciou o modo de pensar de certos 
guerreiros japoneses, os quais criaram a ideologia 
ninja. Esses combatentes valorizaram artifícios des-
critos por Sun Tzu no capítulo 13 do seu tratado. 
Tais táticas incluíam divulgar informações erradas 
entre os inimigos e semear confusão em suas fileiras 
através de ciladas, sabotagem e espionagem. 
Apesar de essas estratégias serem consideradas 
desonrosas pelos japoneses, certos clãs as ado-
taram e as aperfeiçoaram, criando uma tradição 
guerreira passada de geração a geração. Esses 
mercenários, quase sempre empregados por um 
senhor feudal em guerra, eram especialmente 
treinados em diferentes técnicas de combate, de 
assassinato e de espionagem, além de serem espe-
cialistas em diversas artes marciais.
chinês
Outras fontes afirmam, porém, que esses clãs 
vieram da China, expulsos pelo imperador. Depois 
de vagarem pelas províncias do norte da Coreia, 
acabaram se instalando ao sul de Kyoto. Lá, no 
isolamento das montanhas da região de Iga, fun-
daram o clã Hattori – o detentor original dos se-
gredos dos ninjas.
A antiga lenda do príncipe Yamato é considerada 
o marco inicial dos ninjas. Na verdade, a história re-
vela muito a respeito das motivações – e dos méto-
dos – desses guerreiros. Conta a lenda que Yamato 
se vestiu de mulher para atrair dois líderes inimigos. 
Quando, porém, os oponentes, sem desconfiar de 
nada, sentiram-se seguros na sua presença, Yamato 
desembainhou a espada que trazia escondida e deu 
cabo dos dois. O disfarce, bem como a dissimula-
ção, eram marcas registradas dos ninjas. Yamato 
ao lançar mão desse recurso pela primeira vez foi 
considerado o precursor dos ninjas.
As regiões de Iga e Koga, no Japão, são ti-
das como o lugar de nascimento dos ninjas. Os 
membros dos clãs que dominavam a região se 
empregavam como mercenários, lutando ao lado 
de qualquer daimyo, ou senhor feudal, que lhes 
pagassem mais. Sempre em busca de vantagens, 
muitas vezes os ninjas se voltavam contra o senhor 
cuja causa tinham defendido no passado.
Os ninjas de Iga eram considerados especia-
listas em se infiltrar em castelos. Mestres na arte 
da camuflagem, penetravam silenciosamente no 
seio da fortaleza inimiga. Com essas ações podiam 
conseguir informações, sabotar os suprimentos do 
inimigo ou roubar suas armas.
Havia, porém, ninjas em outras regiões do Japão 
que desempenhavam outras funções. Ao contrário 
dos seus contratipos de Iga e Koga, esses ninjas ser-
viam como grupos de elite a algum daimyo, com a 
mesma lealdade dos samurais. Eram espiões, bate-
dores ou comandos avançados que realizavam ata-
ques aos castelos e acampamentos inimigos. 
Os ninjas eram especialmente úteis no sítio de 
um castelo ou fortaleza. Nessas circunstâncias, 
eram os únicos capazes de entrar e sair desses 
locais. Entretanto, uma das funções principais do 
ninja, aquela à qual são sempre associados, era a 
do assassino. Os antigos senhores feudais japo-
neses temiam sobremaneira serem assassinados 
pelos ninjas. Alguns deles chegavam a manter 
guardas postados dentro de seus quartos, en-
quanto dormiam.
Mas para ser capaz de adquirir essas incríveis 
habilidades, era preciso passar por um treinamen-
to longo e excruciante. Desde os cinco ou seis 
anos de idade, os meninos dos clãs ninjas eram 
submetidos a um exaustivo treinamento físico e 
psicológico. Exercitavam seus corpos para se tor-
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Região de Iga, Japão, um dos 
centros de treinamento de ninjas
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e os poucos que conservaram as tradições secre-
tas de seus clãs acabaram atuando como espiões e 
guarda-costas.
Os ninjas de Iga, porém, passaram a se dedicar 
ao banditismo, dominando completamente a re-
gião. Sua destreza militar era tão grande que foi 
necessário um exército de cerca de 46 mil homens 
para derrotar quatro mil ninjas.
Ainda hoje há sociedades secretas formadas 
com base nos ninjas. No Timor Leste, por exem-
plo, há esquadrões da morte que aterrorizam as 
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narem resistentes e flexíveis. Aprendiam a nadar 
com a respiração presa por longos minutos e a ser 
ágeis, rápidos e silenciosos. Treinavam arduamen-
te para serem capazes de enfrentar a dor, a fome e 
as temperaturas extremas.
Durante a era Edo, que se estendeu do início do 
século 17 até meados do 19, as guerras civis do 
Japão cessaram, e houve um período de mais de 
trezentos anos de paz. Essa nova situação forçou 
as classes guerreiras japonesas, como os ninjas e os 
samurais, a encontrar outra função na sociedade. 
Nesse período a influência dos ninjas se ofuscou, 
40
que usavam, jika tabi, tinham um formato que 
divida os dedos dos pés, o que facilitava escalar 
paredes e subir por cordas. Esses calçados eram 
tão macios que não faziam qualquer ruído. Os 
ninjas também colocavam cravos especiais na sola 
das botas chamados shuko. Esses mesmos cravos 
também podiam ser presos às mãos para ajudá-los 
a subir em árvores ou paredes.
As tarefas de assassinato, espionagem e infil-
tração dos ninjas levou ao desenvolvimento de 
uma tecnologia especial de fabricação de armas 
e de ferramentas de invasão. Além de usarem di-
ferentes armamentos, os ninjas também empre-
gavam a pólvora. Bombas de fumaça eram mui-
to usadas para ajudar na fuga ou para distrair a 
atenção dos inimigos durante um ataque. Às ve-
zes, usavam longos pavios para atrasar as explo-
sões, posicionando-se em um lugar oposto ao da 
detonação. Quando os inimigos iam averiguar o 
que havia acontecido, os ninjas atacavam a partir 
de uma posição inesperada. Além disso, os ninjas 
também construíam canhões, chamados ozutsu, 
para lançar projéteis. 
Pequenas bombas, as metsubushi , cheias de areia 
ou de limalha de ferro, eram usadas para cegar os 
inimigos. Quando essas bombas explodiam, a areia 
ou limalha cegava irremediavelmente o oponente. 
Até mesmo minas terrestres foram desenvolvidas 
pelos ninjas. Os segredos da fabricação de artefa-
tos que empregavam pólvora eram minuciosamen-
te guardados pelos diferentes clãs ninjas. 
Uma das principais armas dos ninjas era, claro, 
suas próprias mãos. Para aumentar o poder de ata-
que, os membros dessa sociedade secreta envol-
viam suas mãos com luvas de couro ou metal. 
Mas a arma mais conhecida dos ninjas, aquela a 
qual eles são sempre associados, é o shuriken.No 
entanto, ao contrário do que se pensa, essas es-
trelas de lâminas afiadas raramente eram atiradas 
contra os inimigos. Em vez disso eram fincadas nas 
paredes para atrair a atenção dos oponentes e dis-
traí-los. Outras vezes, o shuriken era mergulhado 
em veneno. Dessa forma a arma era usada contra 
outro combatente com maior eficiência.
Os ninjas não se valiam apenas de táticas e ar-
mas de ataque. Eram mestres na arte da fuga e da 
dissimulação. Um dos truques usados pelos ninjas 
eram as sandálias ashiar. Esses calçados tinham a 
sola de madeira esculpida na forma da pata de um 
animal. Dessa forma o ninja deixaria rastros que 
não seriam reconhecidos pelos seus oponentes.
Armas ninjas: acima, diversos tipos de 
shuriken
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populações que apoiam o movimento de indepen-
dência da Indonésia, que chamavam a si mesmos 
de “ninjas”.
Mas, apesar de diversas organizações contem-
porâneas afirmarem usar técnicas de combate, 
fuga e dissimulação dos antigos ninjas, a autenti-
cidade dessas instituições é duvidosa. Na verdade, 
de acordo com alguns observadores, nenhuma das 
escolas modernas representa os ninjas originais.
 
esteReótipO
Curiosamente, não há qualquer evidência de que 
os ninjas usassem as roupas inteiramente negras 
com as quais são invariavelmente retratados. Alguns 
deles provavelmente envergavam as mesmas arma-
duras, armas e roupas dos samurais. Outros, para 
ludibriar o inimigo, disfarçavam-se de camponeses 
e até mesmo de mulheres. As armas dos ninjas 
também eram camufladas, de modo a parecer ins-
trumentos agrícolas ou acessórios pessoais.
O estereótipo do ninja, sempre vestindo roupas 
negras, chamadas em japonês de shinobi shozoku, 
vem do teatro kabuki. Os ninjas retratados pelo 
teatro kabuki eram tipos suspeitos ou mal enca-
rados. Para melhor caracterizá-los, eram sempre 
representados vestindo-se totalmente de negro.
Mas os ninjas possuíam, sim, armamentos e ar-
tefatos de combate muito particulares. As botas 
41
GRAAL
A CAPELA DO
A Capela Rosslyn, que fica perto de Edimburgo, 
na Escócia, é apelidada de “Capela dos Códigos”, 
devido aos muitos segredos ainda não revelados 
que esconde. “A capela Rosslyn não é tanto um 
enigma dentro de uma charada, dentro de um 
mistério”, escreveu o historiador, escritor e docu-
mentarista escocês Andrew Sinclair, em seu livro 
O Pergaminho Secreto. “É uma criação, dentro de 
um templo, dentro de uma revelação”.
O problema é justamente essa “revelação”. O 
que tantos símbolos – projetando-se em relevos 
nas paredes e colunas, observando os visitantes 
através dos olhos das estátuas, escondido na geo-
metria da capela – querem dizer? Ninguém sabe.
No teto da capela, há centenas de blocos de pe-
dra salientes, formando um estranho efeito. Cada 
bloco é gravado com um signo, disposto, ao que 
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A bela capela de Rosslyn
parece, aleatoriamente. O resultado é uma cifra 
incrível, de proporções imensuráveis.
Criptógrafos modernos nunca foram capazes de 
decifrar o código. A curadoria da capela ofereceu 
uma generosa recompensa para qualquer um que 
decifrasse a mensagem.
Mas não é só o teto que é coberto por sinais 
misteriosos. As paredes internas são decoradas 
com símbolos da maçonaria, dos templários, do 
judaísmo, do cristianismo, juntamente com alguns 
motivos islâmicos. Essa verdadeira cacofonia de 
elementos, à primeira vista discordantes, aparen-
temente se relacionam entre si.
A planta baixa da capela é praticamente idên-
tica à do Templo de Salomão. As colunas de Boaz 
e Jaquim, que ficavam na entrada do Templo de 
42
desconexos, continha o graal em seu interior, mas 
foi provado que não. Pesquisadores sondaram a 
coluna com um radar groundscan e não encontra-
ram nada. O que permaneceu foram os boatos. A 
partir de então, começaram a correr rumores de 
que as imagens em relevo no pilar formariam um 
código que revelaria os segredos do graal.
O cOnde saint claiR
O projetista de Rosslyn também é quase tão 
misterioso quanto a própria capela. O conde das 
Orcadas, William Saint Clair, era um estudioso do 
conhecimento hermético da Idade Média. Andrew 
Sinclair sustenta que o Rito Escocês da maçonaria 
nasceu sob a patronagem dos Saint Clair, que se 
tornaram seus patronos hereditários e grão-mestres 
até o século 18. A família Saint Clair, uma das mais 
influentes da Europa desde o século 10, tinha se 
estabelecido na Escócia vinda da Normandia.
Ao que parece, os mistérios que a capela guar-
da continuarão imperturbados por mais algum 
tempo. Recentemente, Andrew Sinclair empre-
endeu sondagens no subsolo da capela através 
do radar groundsacan. Debaixo da construção, o 
sensível equipamento revelou a presença de uma 
enorme cripta subterrânea. A catacumba, selada 
há muitos anos, só poderia ser acessada por meio 
de escavação, o que a curadoria da capela ainda 
não autorizou.
Salomão, também estão presentes em Rosslyn e 
exatamente na mesma posição que as originais. 
Além disso, uma imensa cruz entalhada no teto 
aponta exatamente para o ponto, na planta baixa, 
onde o Santo dos Santos – o altar mais reservado e 
central – era mantido no Templo de Salomão.
a cOluna dO apRendiz
O detalhe mais importante da capela é a 
Coluna do Aprendiz. Seu nome vem de uma len-
da da época da construção de Rosslyn. A história 
diz que o mestre pedreiro encarregado da obra 
viajou a Roma em busca de inspiração para escul-
pir a coluna. Quando voltou, descobriu que seu 
aprendiz já tinha feito o trabalho. E não foi só 
isso: os relevos que ele havia entalhado no pilar 
eram obras-primas. A coluna tinha ficado belís-
sima. Mas em vez de se regozijar com o feito, o 
mestre foi tomado de uma raiva incontrolável e 
surrou seu aprendiz até a morte.
Há uma estátua de um jovem, no interior da ca-
pela, que alguns acreditam ser o aprendiz injustiça-
do. A estátua tem, de fato, um ferimento no rosto, 
mas isso pode ter sido em consequência de algum 
dano que ela sofreu. Rosslyn serviu de estábulo para 
as tropas de Oliver Cromwell durante seu ataque 
ao castelo Rosslyn, em 1650, e foi atacada por uma 
multidão enfurecida, em 1658. A estátua poderia 
ter sido danificada numa dessas ocasiões.
De acordo com a lenda que envolve a Coluna 
do Aprendiz, depois de assassinar seu aprendiz, o 
mestre também esculpiu uma coluna, A Coluna do 
Mestre. Lendas à parte, essa coluna também en-
feita a capela.
Alguns acreditavam que A Coluna do Aprendiz, 
com sua infinidade de símbolos aparentemente 
O Homem Verde, escultura no interior da 
capela de Rosslyn
Além de ser inteira esculpida, a capela 
possui belos vitrais
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Em 1930, um pilar de pedra descrevendo as via-
gens do almirante chinês Zheng He (1371 – 1433) 
foi descoberto na província de Fujian, China. O 
marco tinha sido erigido no início do século XV 
em agradecimento à Esposa Celestial, uma deusa 
taoista, por salvar a tripulação de um furacão, e 
listava os 37 países visitados pela frota de Zheng 
He. Curiosamente, entre eles constavam Portugal, 
França e Holanda, um indício de que os chineses já 
tinham contornado o Cabo da Boa Esperança mais 
de meio século antes de Vasco da Gama.
A ascensão do poderio naval chinês remonta ao 
império mongol, época em que a China construiu 
a maior esquadra do seu tempo. Quando os chi-
neses depuseram os mongóis, apoderaram-se de 
uma força marítima grande o bastante para em-
palidecer as marinhas das principais nações euro-
peias somadas. 
a FROta dO tesOuRO
Em 1402, o príncipe Zhu Di liderou uma rebe-
lião que se instalou no país depois da morte do 
seu tio, o Imperador Ming Hong-wu, e tomou o 
trono. Sem o apoio da ordem confucionista do-
minante, Zhu Di se voltou para o mar a fim de 
afirmar seu poder. Planejou uma série de viagens 
para sua frota com o objetivo de visitar terras lon-
gínquas, alardeandoo poder chinês e cobrando 
tributos, numa clara demonstração de que a China 
reivindicava seu lugar de direito entre as potências 
da época. Para comandar a Frota do Tesouro, o im-
perador nomeou seu braço direito na rebelião que 
o levou ao poder, o eunuco Zheng He. A armada 
era formada por 1.622 barcos, entre gigantescos 
juncos de nove mastros e diversos navios-escolta, 
tripulados por mais de 27.000 marinheiros. A nau 
capitânia tinha 400 pés, fazendo a Santa Maria, o 
navio de Colombo, com seus meros 85 pés, pa-
recer uma casca de noz. A técnica de construção 
desses barcos era tão avançada que a Marinha 
Real Inglesa só veio a ter veleiros dessas dimen-
sões no século XIX. 
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Zheng He num selo emitido na 
China em 2005
Por sete vezes, entre 1405 e 1433, a Frota do 
Tesouro rumou para o desconhecido, expandido 
os elos do império chinês. Os poucos documentos 
oficiais que restaram das expedições atestam que 
Zheng He chegou na África e na Europa.
Mas as marcas deixadas na esteira das expedi-
ções de Zheng He sugerem que os chineses chega-
ram mais longe em suas viagens do que se poderia 
supor. Em 1999, um jornalista americano relatou 
um surpreendente encontro na minúscula ilha de 
Pate, nas costas do Quênia. Entre as cabanas de 
pedra construídas em meio à densa vegetação, 
ele encontrou homens que diziam ser descenden-
tes de marinheiros chineses da Frota do Tesouro, 
naufragados em Pate há séculos. Havia, de fato, 
ZHENG HE
AS VIAGENS DE
44
pistas que confirmavam a estranha história dos na-
tivos – como suas feições asiáticas e antigas peças 
de porcelana Ming, herdadas de seus ancestrais. 
Além disso, documentos oficiais da era Ming ates-
tam que Zheng He visitou “Franca”, como cha-
mou Portugal e França, e Holanda, descrevendo 
detalhadamente os habitantes desses países. Isto 
aponta para uma circunavegação da África ante-
rior à dos portugueses, e os habitantes de Pate po-
dem ser a prova disso. 
No entanto, a afirmação mais polêmica sobre 
até onde Zheng He teria chegado vem de um pes-
quisador britânico, Gavin Menzies, que declara 
ter provas de que a Frota do Tesouro chegou na 
América mais de meio século antes de Colombo. 
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Menzies e sua equipe sustentam que Zheng 
He passou por lugares como México, Flórida e 
Califórnia, tendo para isto que contornar o temível 
Cabo Horn. Em seu livro o pesquisador é categó-
rico ao afirmar que Zheng He fez uma viagem ao 
redor do globo quase cem anos antes de Fernão de 
Magalhães. Sua mais irrefutável prova, segundo 
diz, é a descoberta de juncos da Frota do Tesouro 
naufragados no Caribe.
Zheng He morreu no final da sua sétima via-
gem, aos 62 anos, e, acredita-se, foi sepultado no 
mar. Apesar de ter estendido o poder e a riqueza 
da China até os confins do mundo e ser conside-
rado ainda hoje um deus em algumas partes da 
Indonésia, a maré acabou virando contra a memó-
ria desse protegido da Esposa Celestial. Cortesões 
invejosos passaram a desdenhar seus feitos, o que 
resultou na destruição da maior parte dos docu-
mentos referentes às suas expedições. Além disso, 
a ameaça de uma nova invasão mongol aumen-
tou os gastos com o exército, secando os investi-
mentos para a manutenção da dispendiosa Frota 
do Tesouro. Por volta de 1503, a marinha tinha 
encolhido para um décimo do tamanho que tive-
ra no tempo de Zheng He. O golpe final veio em 
1525, com a destruição de todos os navios com 
mais de três mastros e a condenação à morte de 
quem construísse barcos com dimensões maiores 
que esta. Julgando ser a civilização mais perfeita 
jamais produzida, a China começava a se fechar 
no casulo de xenofobia que a levou a vários sécu-
los de isolamento.A Frota do Tesouro
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Estátua de dimensões 
gigantescas na praça central de 
Kunming, Yunnan, China
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RENASCIMENTO
Florença, um dos berços da 
Renascença
RENASCIMENTO
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Quando as cruzadas terminaram, começava o grande floresci-
mento cultural da Renascença. A arquitetura foi tremendamente 
influenciada pelas campanhas militares no Oriente Médio. O arco 
ogival introduzido na Europa é herança dos monumentos do Islã. 
A cúpula da Igreja Santa Maria del Fiori, em Florença, na Itália, um 
dos símbolos do renascimento italiano, jamais teria sido possível 
sem a influência dos muçulmanos. A capela de Rosslyn, construída 
no século 12 no norte da Escócia, também traz elementos nitida-
mente orientais. E não só nas técnicas de construção: seus símbo-
los evocam os mistérios do primeiro templo de Jerusalém, erigido 
pelo lendário arquiteto bíblico Hirão, a mando do rei Salomão.
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Leonardo da Vinci é, provavelmente, o maior 
exemplo de universalidade que conhecemos. Um 
dos maiores gênios que a humanidade produziu, 
era como se Leonardo tivesse acordado antes 
da hora, na madrugada dos tempos, enquanto 
os outros dormiam. E como era o único a estar 
desperto, ele anteviu o amanhã, muito antes dos 
seus contemporâneos. Gênio inquieto, símbo-
lo do espírito do Renascimento, um homem tão 
investigativo e curioso que se tornou arquétipo 
dessa característica humana.
Leonardo nasceu em 1452, em Vinci, uma pe-
quena localidade perto de Florença, centro inte-
lectual e científico da Itália. Era filho ilegítimo de 
Ser Piero, um bem-sucedido tabelião e proprie-
tário de terras de Florença, e de uma camponesa 
local. Mais tarde, a mãe de Leonardo se casou 
com um trabalhador da região, e Leonardo foi vi-
ver com Ser Piero. 
Logo, o menino demonstrou interesse por lei-
tura e aritmética. Seu talento artístico também se 
AutorretratoJak
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Leonardo numa gravura de Cosomo Colombini (+ 
1812), segundo um autorretrato de c. 1500
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DA VINCI
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revelou cedo, mostrando excepcional habilidade 
em geometria, música e desenho.
Reconhecendo esses talentos, Ser Piero mostrou 
os desenhos do filho a Andrea del Verrocchio. Um 
dos grandes mestres do Renascimento, Verrocchio 
ficou encantando com o talento de Leonardo e 
tomou o jovem como aprendiz em sua oficina. 
Um dos alunos de Verrocchio, colega, portanto, 
de Leonardo, foi Sandro Botticelli. Autor de qua-
dros como O Nascimento de Vênus e Primavera, 
Botticelli é outra figura de destaque no panteão 
dos mestres renascentistas.
Em 1472, com apenas 20 anos, Leonardo foi 
aceito na guilda de pintores de Florença. No en-
tanto, preferiu continuar trabalhando como apren-
diz até 1477.
Leonardo foi um pintor como poucos na história 
da arte. De acordo com George Vasari, o primei-
ro a traçar uma história da arte sistematizada, Le 
Vite, lançado em 1550, havia apenas quatro artistas 
que estão no patamar daquilo que ele chamava de 
“graça” – que ele entendia como plenitude, con-
ferida na obra através de uma leveza excepcional 
–: Leonardo, Rafael, Bramante e Michelangelo. 
Apesar disso, a produção de Leonardo foi peque-
na, e infelizmente, só sobreviveram meras 17 pin-
turas atribuídas a ele. Mesmo assim, o impulso que 
essas obras deram no desenvolvimento da arte é 
considerável. Com seu conhecimento de anatomia, 
ele conferia uma perfeição dramática às suas ima-
gens. Estudioso dos símbolos iniciáticos e de tradi-
ções heréticas, isto é, não em conformidade com 
o estabelecido pela Igreja, seus quadros estão re-
pletos de simbolismo e de mensagens ocultas. Com 
Leonardo, há sempre mais na imagem do que se 
pode perceber à primeira vista.
multimídia
Mas apesar da sua formação de artista – o que 
na época incluía o conhecimento da arquitetura –, 
Leonardo foi muito mais do que isso.
Além de pintor e arquiteto, foi engenheiro, in-
ventor, cartógrafo, projetista, engenheiro mecânico, 
cientista, anatomista, músico, astrônomo, geólogo, 
escultor (fez pelo menos um projeto em bronze, 
uma gigantesca estátua equestre quenão chegou a 
ser forjada), matemático, químico e escritor.
Fascinado por geometria, Leonardo também 
desenvolveu projetos de armas e outras máqui-
nas militares. Aliás, o gênio da Renascença não 
mostrou ser um pacifista. Numa carta onde ofe-
rece seus serviços a Ludovico Sforza, o duque de 
Milão, que viria a ser seu mecenas, Leonardo se 
gaba de seus conhecimentos de engenharia militar 
e da possibilidade de conceber uma grande diver-
sidade de armamentos para serem usados contra 
seus inimigos em terra e no mar. 
Quando Ludovico Sforza, também chamado 
de “o Mouro”, perdeu seu ducado para o rei da 
França, Leonardo mais uma vez demonstrou seu 
lado indiferente. Depois de servir ao duque por 
17 anos, o artista não se sentiu nem um pouco 
embaraçado em se colocar inteiramente à dispo-
sição do novo senhor de Milão. Na recepção que 
foi preparada em homenagem ao rei – vale men-
cionar que as festas das cortes renascentistas eram 
dignas de comparação ao luxo e às alegorias do 
carnaval carioca –, Leonardo preparou uma sur-
presa inusitada. Construiu um leão mecânico, do 
tamanho de um cachorro grande, movido à corda, 
que atravessou o salão ducal, caminhando até fi-
car em frente ao rei. Então, o leão parou, seu peito 
se abriu, deixando cair uma chuva de flores-de-lis, 
o símbolo da França.
Entre 1506 e 1513, Leonardo estudou e de-
senvolveu trabalhos de hidrodinâmica, anatomia, 
mecânica, matemática e ótica. Em 1513, foi para 
Roma, onde continuou seus estudos de matemá-
tica e a fazer experiências com tintas. Leonardo 
fazia suas próprias tintas e estava sempre experi-
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mentando inovações. Por conta disso, várias das 
suas pinturas se deterioram. 
michelanGelO
Leonardo, desenvolveu uma tremenda animosi-
dade com Michelangelo, o escultor que pintou o 
teto da Capela Sistina, no Vaticano.
Depois de três anos em Roma, Leonardo acei-
tou um convite de Francisco I, o rei da França, para 
ser Primeiro Pintor Arquiteto e Mecânico do Rei. 
Mas na França Leonardo pouco produziu. No fim 
da vida, era tratado mais como um hóspede ilus-
tre. Mesmo assim, ele continuou seus estudos até 
sua morte, em 1519, aos 67 anos.
Além de ser reconhecidamente um dos maiores 
gênios que a humanidade produziu, havia uma 
aura misteriosa ao redor de Leonardo. Seus muitos 
diários escritos da esquerda para a direita só po-
diam ser lidos quando postos em frente a um es-
pelho. Seu conteúdo é um verdadeiro portal para 
o futuro. Como uma espécie de Nostradamus da 
ciência, Leonardo concebeu máquinas e ideias – 
como o helicóptero e a asa-delta – que só viriam 
a acontecer quatro séculos depois. Seus diários 
dão direito à profecias , contos, alegorias, refle-
xões, anedotas e uma infinidade de temas – tão 
amplos quanto a própria imaginação e criativida-
de do seu autor.
O aspecto investigativo de Leonardo o levou à 
mórbida tarefa de dissecar cadáveres. A percepção 
que o público tem hoje da medicina legal como 
um ramo cientifico não tinha nada a ver com a 
aura que permeava a dissecação de corpos na 
época de Leonardo. Aquilo era magia negra, coisa 
de necromantes, isto é, de invocadores de mortos. 
E, ao que parece, Leonardo exumou, abriu e estu-
dou cerca de trinta cadáveres.
O lado misterioso de Leonardo inclui também 
uma possível participação em sociedades secre-
tas. Alguns historiadores citam a participação 
de Leonardo na Ordem dos Crescentes de René 
d’Anjou, uma retomada de uma antiga ordem das 
cruzadas, estabelecida pelo rei Luis IX. 
O hOmem VitRuVianO
A intenção de Leonardo ao conceber O Homem 
Vitruviano tem a ver com uma fascinação do pin-
tor: a proporção.
O artista baseou o desenho numa afirmação do 
arquiteto Vitrúvio, que ele menciona em seus diá-
rios. “Vitrúvio, o arquiteto, menciona em sua obra 
sobre arquitetura que as medidas do corpo huma-
no são as seguintes: (...) quatro côvados (66 cm) 
formam a altura do homem (...) o comprimento 
dos braços estendidos de um homem é igual a sua 
altura”, registrou Leonardo. “Das raízes de seus 
cabelos à ponta do seu queixo é a décima parte 
da altura de um homem (...) dos mamilos ao topo 
da cabeça será a quarta parte (...) a mão inteira 
será a décima parte (...) a distância da ponta do 
queixo até o nariz e das raízes dos cabelos até as 
sobrancelhas é um terço da face”. Dessa forma, 
Leonardo criou seu homem vitruviano, ou seja, de 
acordo com as proporções descritas por Vitruvio.
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Uma profecia: “Existirão muitos que se moverão 
uns contra os outros, segurando nas mãos um fer-
ro cortante. Esses não causarão nenhum ferimento 
aos outros além daquele provocado pela fadiga, 
pois enquanto um empurra para a frente, o outro 
puxa para trás. Mas ai daquele que ficar no meio 
deles, pois no fim será cortado em pedaços.”
“Ó natureza indiferente, por que és tão 
parcial?Para alguns dos teus filhos, és uma mãe 
carinhosa e benévola, mas para outros, uma 
madrasta cruel e impiedosa. Vejo teus filhos 
entregues à escravidão por outros, sem nenhum 
tipo de vantagem e, em vez de remuneração 
pelos serviços prestados, eles são pagos com os 
mais severos sofrimento e passam a vida toda em 
benefício do seu opressor.”
“Muitos dos que professam a fé do filho do 
homem (o Cristianismo) somente constroem 
templos em nome da mãe.”
“O amante é 
movido pela coisa 
amada, assim como 
o sentido é movi-
do por aquilo que 
percebe, unindo-se 
a ele e tornando-se 
uma única e mes-
mo coisa. A obra 
é a primeira coisa 
nascida da união; 
se a coisa amada 
for básica, o aman-
te torna-se básico. 
Quando o objeto le-
vado em união está 
em harmonia com 
aquilo que o recebe, 
seguem-se o deleite, 
prazer, satisfação. 
Quando o amante 
LEONARDO POR ELE MESMO: 
ANOTAÇÕES DO DIÁRIO DE DA VINCI
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está unido ao ser amado, encontra nele repouso; 
quando o fardo é lá depositado, vem o descanso.”
“O pintor deve sempre considerar, quando tiver 
uma parede sobre a qual quer representar uma 
história, a altura em que colocará suas 
figuras, e quando tirar da natureza 
essa composição, deve manter os olhos 
tão abaixo do objeto quanto o objeto 
inserido na composição estará abaixo 
dos olhos do observador. Do contrário, 
a obra será repreensível.”
“Existe uma diferença entre a represen-
tação do poeta e a do pintor da figura 
humana, que é a diferença entre corpos 
desmembrados. Porque o poeta, ao des-
crever a beleza ou a feiúra de qualquer 
figura, só pode nos mostrá-la consecu-
tivamente, pouco a pouco, enquanto o 
pintor a exibe de uma só vez... E o caminho do poeta 
pode ser comparado ao do músico que tenta cantar 
sozinho uma composição para quatro vozes e canta 
primeiramente a parte do soprano, depois a do tenor, 
depois a do contralto e finalmente a do barítono.”
Sobre a famosa rixa com Michelangelo: “O escultor, 
ao criar seu trabalho, o faz pela força do braço e os 
golpes do martelo – um exercício totalmente mecâni-
co, frequentemente acompanhado de muita transpi-
ração que, misturando-se ao atrito, transforma-se em 
lama. O rosto fica todo coberto de pó de mármore, 
de modo que ele fica parecido com um padeiro, e 
sua casa é suja e cheia de poeira e pedaços de pedra. 
Como é diferente a sorte do pintor, pois ele se senta 
à vontade em frente da sua obra. É bem vestido 
e move um pincel muito leve embebido em cores 
delicadas. Ele se enfeita com as roupas que imaginar; 
a casa dele é limpa e cheia de maravilhosas pinturas, 
e ele é frequentemente acompanhado de musica ou 
da leitura de belas obras, as quais pode ouvir com 
grande prazer, sem a interferência de marteladas e 
outros barulhos.”
Lolloj / Shutterstock.com
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Essa preocupação com as proporções é vital na 
pintura e na arquitetura. No caso de Leonardo, isso 
tinha um peso ainda maior. Ele buscavacompreen-
der tudo, e tudo na natureza o fascinava. Mais que 
um criador, Leonardo sempre foi um estudante. E 
era da observação dos fenômenos naturais que ele 
aprendia. Suas ideias, projetos, concepções, con-
ceitos, são mais um transbordamento espontâneo 
do conhecimento que ele garimpava com suas 
investigações e experimentos do que um esforço 
para concebe-las. E a beleza da natureza vinha da 
proporção dos elementos que a compõe.
Em busca da proporção perfeita, Leonardo e 
outros artistas lançaram mão de um conhecimen-
to disponível desde os tempos do Egito antigo: a 
proporção áurea. Ennio Possebom, designer gráfi-
co, arquiteto, artista plástico e professor de dese-
nho arquitetônico e geometria nas faculdades de 
Arquitetura do UniFIAMFAAM, Uniban e de artes 
na Escola Waldorf, São Paulo, explica esse concei-
to: “Para um segmento dado existe um ponto que 
o divide em duas partes de modo que a razão do 
segmento menor AC para com o maior CB é igual 
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O famoso Homem Vitruviano
à do maior CB para com o inteiro AB; a relação 
entre os dois termos convencionou-se chamar 
pela letra grega phi ( Ø ) e é conhecida como pro-
porção áurea, número de ouro, segmento áureo, 
Divina Proporção, secção áurea, divisão áurea ou 
divisão em média e extrema razão”.
Os egípcios construíram suas seculares pirâ-
mides levando em conta a proporção áurea, e os 
antigos geômetras gregos também introduziram a 
proporção na sua geometria. A Mona Lisa é toda 
feita de acordo com a proporção áurea.
a mOna lisa
Esta é, talvez, a pintura mais famosa do mun-
do. A Mona Lisa, ou A Gioconda, como o retrato 
também é conhecido, era o quadro predileto de 
Leonardo, e o pintor levava a obra consigo em to-
das as suas viagens. Outra razão para isso pode 
ser porque a pintura estava inacabada. Dizem que 
Leonardo demorou dez anos apenas para pintar 
seus lábios. É claro que ele não se dedicou esse 
tempo todo somente a pintar a Mona Lisa, mas o 
longo período é um bom indicativo do quanto o 
mestre era perfeccionista. 
De acordo com a professora de sintaxe visual no 
curso de comunicação e muiltimeios da Pontifícia 
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, douto-
ra em comunicação e semiótica Laís Guaraldo, “há 
um lado de síntese no quadro, há muitos elemen-
tos misteriosos; não é uma obra narrativa mas sua 
força está na atmosfera de mistério – ela tem o 
poder de desencadear a imaginação”. Isso viria da 
técnica do Sfumato – o uso de diversas camadas 
muito tênues de tinta. “Na Mona Liza, Leonardo 
coloca o sombreado nos lugares do rosto que dão 
expressão, em volta da boca e do olho”, explica 
Laís Guaraldo. “Onde há a penumbra, o observa-
dor completa com a imaginação – esse é o efeito 
enigmático, a sutileza do sfumato”.
dípticO
Originalmente, a pintura era maior. Ela tinha dois 
painéis que mostravam a Mona Lisa estava senta-
da em um terraço. Apesar dos rumores de que a 
pintura seria um autorretrato de Leonardo como 
mulher, tudo indica que a obra tenha sido enco-
mendada como um retrato de Madonna Lisa, a es-
posa do rico burguês Francesco di Bartolomeo del 
Giocondo. Mas a identificação do pintor com sua 
modelo é clara. Leonardo a entretinha com música 
e com a companhia de um gato persa branco e um 
cão gaulês, enquanto a pintava – quase sempre de 
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manhã, sob sua luz preferida. Leonardo chegou a 
criar música a partir de uma fonte-escultura, onde 
a água caía em sinos produzindo sons agradáveis.
O quadro foi originalmente pintado em óleo so-
bre madeira de álamo e comprado originalmente 
pelo rei da França por quatro mil ducados – uma 
verdadeira fortuna. Para se ter uma ideia desse 
valor, durante os seis anos que Leonardo traba-
lhou sob Carlos d’Amboise, o governador do rei 
da França em Milão, Leonardo – um artista, enge-
nheiro, inventor e mecânico genial já consagrado 
em toda Europa – recebeu a nababesca quantia de 
2.400 ducados. 
Depois da Revolução Francesa, o quadro foi 
transferido para o Louvre. Napoleão usou-o para 
decorar seu quarto até o seu exilo, quando a Mona 
Lisa voltou para o Louvre.
Mona Lisa: a pintura mais famosa do mundo
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Depois de ter sido roubada, em 1911, quando 
ficou desaparecida por dois anos, e de ter sofri-
do, em 1956, um atentado de um visitante com 
problemas mentais que jogou ácido sobre a tela, 
a Mona Lisa só saiu do museu uma única vez, em 
1974, quando foi exibida no Japão. Hoje, está de-
terminado que a tela não sai do Louvre: os riscos 
são muito altos.
Dentro de uma caixa à prova de balas, atrás de 
um grosso vidro triplo, a Mona Lisa é mantida a 
uma temperatura constante de 20 º C, a um nível 
de umidade de 55%. A caixa, que tem ainda um 
ar condicionado e cerca de quatro quilos de gel de 
sílica – um poderoso agente de secagem –, só é 
aberta uma vez por ano para verificação da pintu-
ra e manutenção do sistema de ar condicionado. 
Ninguém ousa limpar a obra com mais frequência 
por medo de danifica-la.
54
a ViRGem das ROchas
Leonardo produziu duas versões sobre esse 
tema, uma no Louvre e a outra na Galeria 
Nacional de Londres. Aquela que está no museu 
francês é considerada, pelos especialistas, como 
uma obra executada inteiramente por Leonardo. 
A que está na Inglaterra, porém, é provavel-
mente uma obra começada por ele e acabada 
por outros pintores. A encomenda original da A 
Virgem das Rochas veio das freiras da capela da 
Imaculada, na Igreja de San Francesco Grande, 
em Milão. Foi, na verdade, encomendada por 
monges daquela organização.
A imagem retrata o primeiro encontro de Jesus 
e João Batista. As crianças e suas famílias estão 
tentando fugir do massacre dos inocentes, orde-
nado por Herodes. João Batista está sob proteção 
do anjo Uriel.
A pintura reflete o fato de que as lendas a respeito 
de São João Batista eram populares em Florença na-
quela época. Por outro lado, sabe-se que Leonardo 
tinha uma certa fascinação por João Batista. 
“A composição é extremamente organizada: o 
jogo dos olhares com as mãos cria um triangulo que 
eleva para o céu”. Observa a professora de sintaxe 
visual Laís Guaraldo. “É extremamente simbólico”. 
O quadro realmente causou um mal estar en-
tre os monges. O maior problema na composição 
da obra relaciona-se ao fato de que, no primeiro 
quadro, nenhum dos personagens sagrados tem 
auréola. Foi por isso que os monges consideraram 
o quadro inaceitável e exigiram outro. 
No entanto, a pose das crianças, uma em rela-
ção à outra, na segunda pintura não é muito dife-
rente da primeira.
A Virgem das Rochas: a versão de 1485 e a de 1505
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A Catedral de Chartres, na França, é um dos 
mais belos monumentos religiosos do planeta. Seus 
deslumbrantes vitrais são famosos. Mas a catedral 
também apresenta em sua construção caracterís-
ticas derivadas de antigos cultos e está repleta de 
símbolos contendo significados ocultos. Ao meio-
dia de cada solstício, por exemplo, tanto no verão 
como no inverno, um raio de sol atravessa um pe-
queno orifício no vitral de santo Apolinário, cujo 
nome remonta ao deus Sol dos gregos e romanos, 
Apolo, e indica um entalhe no solo em forma de 
pena. Trata-se de uma mensagem perdida no tem-
po, esperando para ter seu sentido descoberto.
Os símbolos deixados pelos construtores de 
Chartres e de outras catedrais e igrejas europeias 
revelam o conhecimento místico que suas orga-
nizações profissionais detinham e transmitiam. 
Muitas guildas de artes e ofícios nasceram em tor-
no das construções. 
A CAMARADARIA
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Chartres
a cOmpaGnOnnaGe
Na França, a Compagnonnage, ou “camarada-
ria” de construtores, surgiu em um primeiro mo-
mento para enfrentar o poder dos patrões, que 
controlavam todos os aspectos da profissão, da 
aprendizagem à promoção. Durante o período 
medieval, as condições dos operários eram – para 
dizer o mínimo – precárias. Submissos a um pa-trão, eram muitas vezes mal pagos e maltratados. 
Além disso, era quase impossível para eles obter o 
título de “mestre”, o que lhes permitia se estabe-
lecer por conta própria.
A compagnonnage surgiu nesse contexto como 
uma espécie de união sindical embrionária, que, 
além do trabalho, garantia a seus afiliados o recebi-
mento de ajuda de todo tipo: alojamento, alimen-
tação e roupas. Além disso, a camaradaria também 
visava dar a seus membros uma formação tanto téc-
56
nica como moral. Dessa forma, pertencer à organi-
zação significava ter uma vida mais digna e segura. 
Diminuindo a importância do título de “mestre”, 
valorizaram o de “companheiros” ou “camaradas”, 
destacando o aspecto fraternal da organização.
Há indícios de que esse tipo de sociedade exis-
tia desde a Antiguidade. As guildas de construto-
res romanos reunia-se em suas collegiae, como se 
chamavam sua organização. Acredita-se que os 
símbolos e as regras do ofício eram detidos pela 
misteriosa Magistri Comacini, uma guilda de arqui-
tetos sediada numa ilha fortificada no lago Como, 
após a desintegração do Império Romano. Através 
deles, os segredos da geometria sagrada e méto-
dos de construção para os construtores italianos de 
Ravena e Veneza e, por meio deles, às guildas das 
artes e comércio da Idade Média. Os lugares de 
encontro dos Comacini eram chamados loggia, de 
onde, supõe-se, a palavra “loja” deriva. Os sím-
bolos dos comacini incluíam o nó, o rei Salomão e 
a Infinita Corda da Eternidade entrelaçada.
Registros históricos indicam que a camaradaria 
francesa existia pelo menos desde o século 11. 
Tratava-se de uma sociedade iniciática, cujo segre-
do incomunicável era instilado em cada um de seus 
membros ao longo do percurso técnico e espiritual 
do seu trabalho. Essas duas correntes de conhe-
cimento – técnico e espiritual – estão expressas 
nas obras dos companheiros franceses, repletas de 
símbolos enigmáticos e erigidas para durar séculos, 
como as colossais catedrais de Chartres, Bayeaux, 
Reims, Amiens e de Évreux, um conjunto de igre-
jas dispostas conforme a constelação de Virgem, 
construídos entre os séculos 12 e 13.
Acredita-se que os conhecimentos iniciáticos 
detidos pelos companheiros foram adquiridos 
na época das Cruzadas. Durante as guerras san-
tas, os Cavaleiros Templários eram encarregados 
de defender o território conquista pelos cristãos. 
Para tanto, construíram diversas fortificações na 
Palestina. E para erigi-las, os templários empre-
garam a camaradaria francesa. No processo de 
construção, os templários acabaram passando aos 
membros da camaradaria conhecimentos científi-
cos e iniciáticos que amealharam na Terra Santa: a 
tradição dos construtores do Templo de Salomão.
apRendizes, cOmpanheiROs
e mestRes
Os operários da camaradaria francesa perten-
ciam a quatro ofícios distintos: talhadores de pe-
dra, carpinteiros, marceneiros e serralheiros. Os 
ofícios, por sua vez, se dividiam em graus de ex-
periência. Em geral, eram três graus: aprendizes, 
companheiros e mestres ou iluminados. O título 
“iluminado” se refere ao fato de que os mestres 
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Os construtores eram, também, artistas (Chartres, detalhe do Portal Real)
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não só eram profissionais especializados, mas ini-
ciados inspirados pela luz divina.
Esses graus representam igualmente a fonte 
de inspiração dos companheiros, a construção do 
Templo de Salomão. De acordo com a o Livro de 
Reis, na Bíblia, Salomão “escolheu operários em to-
das as nações de Israel (...) e [seu arquiteto] Hirão 
tinha a intendência sobre todos esses homens. 
Salomão tinha à disposição 70 mil serventes que 
carregavam o material e 80 mil que cortavam as pe-
dras na montanha; aqueles que tinham a intendên-
cia sobre cada obra, em número de três mil, davam 
ordens ao povo e àqueles que trabalhavam”.
maçOnaRia
A maçonaria moderna deriva seus ritos e sím-
bolos da camaradaria. O próprio termo “maçom”, 
derivado da palavra francesa “maçon”, significa 
pedreiro. Os “franc-maçon”, ou “pedreiros li-
vres”, eram aqueles profissionais que pertenciam 
à guilda dos construtores.
Durante a Idade Média, a camaradaria entrou 
em um movimento de declino. Alguns autores es-
peculam que a crise teria resultado da expansão 
da organização. Muitos operários que vieram a 
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rt O Pedreiro Ferido, 
de Francisco Goya (1787)
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se filiar à camaradaria buscavam se beneficiar do 
sistema, deixando de lado o conteúdo iniciático e 
as responsabilidades assumidas. Os camaradas en-
carregados de entalhar a pedra, porém, preserva-
ram a antiga tradição. Aumentando a união entre 
seus membros, reforçaram suas responsabilidades 
e conservaram o segredo. Dessa forma, consegui-
ram manter sua organização. 
Uma antiga lenda reflete essa divisão entre os 
membros da compagnonnage. Havia dois mes-
tres, Jacques e seu pai, Soubise, que trabalhavam 
como arquitetos sob as ordens de Hirão na cons-
trução do Templo de Salomão. Depois que a obra 
foi concluída, Jacques e Soubise foram à França. 
Durante a viagem, uma disputa os separou. A par-
tir da cisão, surgiram dois ramos da camaradaria: 
enquanto mestre Jacques se tornou protetor dos 
cortadores de pedra, Soubise se tornou patrono 
dos carpinteiros. Anos mais tarde, mestre Jacques 
é assassinado pelos discípulos de Soubise.
Numa variante dessa lenda, mestre Jacques 
não é outro senão o último grão-mestre templário 
Jacques de Molay. Foi ele um dos que levaram – 
e iniciaram – os companheiros a terra Santa para 
edificar suas poderosas fortalezas. Nessa versão da 
história, Soubise seria um monge beneditino que 
conservou os projetos do Templo, isto é, os segre-
dos dos templários.
O Poço da Iniciação, na Quinta da Regaleira, 
Sintra, Portugal, construída seguindo preceitos e 
conceitos maçônicos
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Ao longo de toda a Idade Média, a religião 
era um dos principais vínculos que unificavam a 
Europa. O cristianismo era um todo indivisível, 
mantido por uma fé comum e pela ação da Igreja, 
que estendia sua influência por todo o continente. 
A lei da Igreja agia em todos os reinos através de 
tribunais, de forma paralela e independente dos 
tribunais leigos. O sistema educacional também 
era monopólio do clero. Todas as universidades 
eram dirigidas por religiosos. De fato, a influên-
cia da Igreja dominava todos os níveis da vida na 
sociedade, estabelecendo os padrões de compor-
tamento e relacionamento e controlando-os do 
berço ao ataúde. Na maioria das aldeias não havia 
outra instalação pública além da igreja. A casa de 
oração era o local onde a comunidade se reunia 
para discutir seus assuntos e, também, para se di-
vertir em festas e reuniões.
Contudo, no século XVI, uma grande subleva-
ção no seio da Igreja ocidental marcou uma nova 
era na civilização europeia e teve destacada im-
portância na História mundial. De acordo com o 
historiador britânico J.M. Roberts, “a Reforma 
(como veio a se chamar essa sublevação) pode ser 
tomada como o fim da Idade Média”.
ReVOluciOnáRiOs
Os homens que promoveram a reforma rompe-
ram a tradição de respeito à autoridade religiosa, 
que remontava a cerca de mil anos, e fragmenta-
ram a unidade do cristianismo. Embora sua pre-
ocupação fosse de cunho espiritual, criaram con-
flitos políticos e inflamaram guerras religiosas por 
toda a Europa. Sua desobediência, porém, pode 
ser considerada como os primeiros passos em dire-
ção à maior liberdade individual, maior tolerância 
e maior separação entre as esferas seculares e reli-
giosas da vida individual e social. Esse movimento 
inicial, embora seus protagonistas não soubessem, 
levaria a civilização ocidental à Idade Moderna.
A REFORMA
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Ao longo da Idade Média, o clero era a autoridade 
máxima, nunca sendo desobedecido ou questionado 
(Busto de frade franciscano, Peter Paul Rubens - 1615)
Estátua de Martinho Lutero, 
o grande precursor da Reforma,em 
Dresden, Alemanha
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No final da Idade Média, já havia muitas críticas 
à Igreja. Embora a autoridade dos religiosos não ti-
vesse sido desafiada, muitos observadores haviam 
denunciado a ignorância dos clérigos, seu mau uso 
do poder em benefício pessoal e a vida munda-
na que muitos deles tinham. Essa consciência não 
levava, porém, as pessoas a desejar renunciar à 
Igreja, nem a duvidar do cristianismo. Setores do 
próprio clero, em geral padres pobres e piedosos, 
buscaram corrigir os desvios. 
No século 15, alguns críticos – entre os quais 
muitos religiosos – começaram a sugerir que era 
preciso recorrer aos textos sagrados em busca de 
orientação sobre como levar uma vida cristã, uma 
vez que grande parte do clero não agia confor-
me os preceitos bíblicos. O alto escalão da Igreja 
tendia a tratar esses críticos como hereges, conde-
nando muitos deles a morrer na fogueira. Alguns 
desses líderes religiosos, como o tcheco João Hus 
(c.1369 – 1415), eram amparados por seus segui-
dores; outros se apoiavam na inquietação social 
para chamar atenção sobre os desmandos das 
autoridades eclesiásticas. Buscando assegurar sua 
autoridade, a Igreja também perseguiu os segui-
dores desses hereges.
A pesada cobrança do dízimo nas paróquias para 
custear os encargos da Igreja também revoltava a 
população. Conforme a necessidade de dinheiro 
aumentava, os padres tornavam-se mais rigorosos 
na arrecadação do dízimo. Para assegurar que re-
ceberiam o pagamento, os homens da Igreja ame-
açavam recusar os sacramentos e excomungar as 
pessoas que não pagavam. Isso era muito sério, 
pois os fiéis acreditavam que, sem os sacramentos, 
poderiam arder no inferno.
uma escada paRa O céu
As doações para a construção de catedrais eram 
um passaporte para o céu. O historiador Geoffrey 
Blainey conta que, “quando a imponente igreja 
de Speyer, na Alemanha, estava sendo reconstru-
ída, em 1451, pelo menos cinquenta sacerdotes 
sentavam-se tranquilamente e, após ouvirem as 
confissões, davam seu perdão aos peregrinos que 
doassem dinheiro”. 
Em meio à crise moral que se expandia, o papa-
do resolveu erguer uma nova catedral em Roma. 
A magnífica construção, a basílica de São Pedro, 
demandou grandes recursos. “Para arrecadar di-
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Estúdio de Martinho Lutero no castelo de Wartburg, 
onde o monge agostiniano traduziu a Bíblia para o alemão
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nheiro, o clero pensou em novos meios, entre 
eles estava a venda de indulgências”, explica J.M. 
Roberts. Os vendedores de indulgência – agentes 
comissionados pelo papa – concediam, em troca 
de uma contribuição para a construção da basílica 
de São Pedro, a garantia papal de que seriam ali-
viados de um certo período de tempo do purga-
tório. Quanto maior a contribuição, menos tempo 
nesse local, onde os cristão creem que, depois da 
morte, a alma deve ficar para expiar suas fraque-
zas mundanas antes de passar para o céu.
O abuso foi a centelha que acendeu o estopim 
da maior revolução religiosa dentro do cristianismo. 
Em 1517, o monge agostiniano alemão Martinho 
Lutero, protestou contra a venda de indulgências 
e outras práticas papais. Lutero expôs, conforme o 
padrão acadêmico de então, seus argumentos em 
uma lista de 95 teses, que desenvolveria e deba-
teria à porta da igreja do castelo de Wittenberg, 
onde era professor. O monge afixou seus protes-
tos em latim em 31 de outubro de 1517, véspera 
do dia de Todos os Santos. A primeira das teses 
afirmava: “Nosso Senhor e Mestre quis que a vida 
dos fiéis fosse uma vida de penitências”. Segundo 
Geoffrey Blainey, essa afirmação implicava num 
questionamento: “Por que os crentes deviam ser 
penitentes, quando alguns vendedores ambulan-
tes tentavam isentar as pessoas da necessidade de 
arrependimento em troca de algumas moedas?”
 Lutero não imaginava a revolução que promo-
via, nem que se tornaria um importante agente da 
História. Conforme o historiador brasileiro Helio 
Jaguaribe, “a Reforma foi a revolução mais am-
pla e mais profunda ocorrida no cristianismo”. As 
teses de Lutero foram traduzidas do latim em que 
tinham sido escritas para o alemão e circularam 
pelos reinos de língua alemã, alcançando um pú-
blico maior que qualquer outro crítico ao papado. 
Em pouco tempo, Wittenberg tornou-se o centro 
da indústria tipográfica da Alemanha.
maRtinhO luteRO
Martinho Lutero (1483 - 1546) era filho de um 
bem sucedido fundidor de cobre da Saxônia. Aos 21 
anos tornou-se monge agostiniano, depois de um 
trauma emocional provocado por uma tempesta-
de que caiu sobre ele, quando o futuro reformador 
estava sozinho numa estrada. Tomado pelo terror, 
confrontou os próprios pecados e teve certeza de 
que sua vida era vã e que, daquela forma, queima-
ria no inferno se fosse atingido por um relâmpago e 
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Martinho Lutero, o reformador 
do cristianismo ocidental 
(gravura de C.E.Wagstaff , 
The gallery of portraits with memoirs 
encyclopedia, Reino Unido, 1833
A porta da igreja de Todos os Santos de Wittenberg, 
onde Martinho Lutero afixou suas teses
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morresse. Súbito, Lutero teve certeza de que Deus 
se importava com ele e o salvaria. Depois de ter 
sido ordenado pelos agostinianos, foi professor de 
teologia bíblica na pequena cidade de Wittenberg. 
Aos 33 anos, rebelou-se contra a venda de indul-
gências, e as ideias que expôs em defesa de sua 
posição iniciaram uma nova era na História.
Quando o arcebispo de Mainz, o primaz da 
Alemanha, tentou silenciá-lo, Lutero passou a es-
crever e a pregar com ainda mais determinação. 
Seus companheiros monges o abandonaram, mas 
tanto a universidade como o príncipe-eleitor do 
seu Estado natal, a Saxônia, ficaram ao seu lado. 
De fato, se Lutero não tivesse esse apoio, teria sido 
queimado como herege. Além de ser apoiado por 
setores do clero que desaprovavam os excessos dos 
líderes da Igreja, Lutero também tinha ao seu lado 
o povo humilde, ressentido contra os cobradores 
de dízimo e os tribunais da Igreja, e dos príncipes 
alemães, que cobiçavam a riqueza da Igreja. 
Em pouco tempo seus escritos dividiram os ale-
mães entre os seguidores de Lutero, chamados de 
“luteranos”, e aqueles que se mantiveram fiéis ao 
papa e ao imperador do Sacro Império Romano 
Germânico. Lutero desenvolveu suas teses na for-
ma de uma doutrina teológica, elaborando decla-
rações sobre as crenças que um cristão deveria ter 
para se assegurar de que era realmente cristão e 
de, depois da morte, sua alma seria salva. O re-
formador afirmou que nem a Igreja, nem a frequ-
ência dos sacramentos eram necessárias à salva-
ção. O que importava, dizia ele, era a fé em Jesus 
Cristo. Em última instância, Lutero ensinava que 
era possível ter esperança na salvação mesmo sem 
a Igreja, confiando no relacionamento particular 
de cada pessoa com Deus. Dessa forma, ele colo-
cou a Bíblia na frente da autoridade clerical, postu-
lando que a palavra de Deus podia ser consultada 
por todos sem a interposição da Igreja. Era uma 
visão revolucionária, que enfatizava a consciência 
e a responsabilidade individuais.
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Retrato de João Calvino, em gravura publicada no 
L’Illustration, Journal Universel, Paris, 1858
Igreja fortificada 
em Biertan, sede da 
Igreja Luterana na 
Transilvânia de 1572 
a 1867: memória dos 
tempos 
em que a Europa foi 
varrida por guerras 
religiosas
63
O pROtestantismO
Embora fosse excomungado, Lutero continuou 
pregando – e conquistando número cada vez maior 
de devotos. Contudo, a divisão entre os seguido-
res do papa e os que apoiavam Lutero deu origem 
a guerras e revoltas. Depois de quase meio século 
de turbulência, o tratado de paz de Augsburgo, de 
1555, dividia a Alemanha entre católicos e “protes-
tantes”, como ficaram conhecidos os descontentes 
com o papado, depois de assinar um “protesto” 
contra o altoclero, em 1529. O tratado determi-
nava que cada regente decidiria a religião de seu 
Estado. Assim, conforme observou Helio Jaguaribe 
com relação à expansão do protestantismo, “no re-
lativo à causas externas, as circunstâncias e os fato-
res políticos foram decisivos”, pois a nova corrente 
cristã “prevaleceu onde predominavam príncipes 
ou magistrados protestantes”.
No entanto, na medida em que mais pessoas 
passavam a decidir sobre as questões religiosas, 
o próprio protestantismo começava a se frag-
mentar. Dessa forma, surgiram outros grupos de 
protestantes que não concordavam com as inter-
pretações de Lutero. 
O mais importante desses grupos teve ori-
gem na Suíça, onde, desde a década de 1530, o 
advogado francês João Calvino rompera com o 
catolicismo e pregava sua interpretação dos en-
sinamentos de Cristo. Em Genebra, Calvino esta-
beleceu um Estado teocrático, isto é, governado 
pelos representantes de Deus. Enquanto o lutera-
nismo não se espalhou para muito além dos países 
de língua alemã e da Escandinávia, o calvinismo 
teve sucesso na França, na Bélgica, na Holanda 
e na Escócia, dividindo ainda mais a cristandade 
europeia. Em breve, o protestantismo viria a ter 
grande importância também na Inglaterra, quan-
do Henrique VIII (1491 - 1547) rompeu com o 
compromisso de fidelidade a Roma e confiscou as 
terras dos mosteiros ingleses.
As seitas anabatistas tiveram, igualmente, gran-
de peso no movimento da Reforma – especial-
mente entre a população pobre. Emergiram em 
centenas cidades do norte da Europa, e nutriam 
várias crenças consideradas heréticas. Seu nome, 
“anabatista” deriva de uma delas. Diziam ser os 
“rebatizados” (ou “anabatistas”), pois opunham-
se ao batismo das crianças, acreditando que uma 
dádiva valiosa como essa não podia ser conferida 
a seres incapazes de escolher conscientemente 
viver e morrer em Cristo. Os anabatistas tiveram 
grande influência entre os mais carentes. Foram 
denunciados como fanáticos por Lutero e Calvino 
e perseguidos. Somente na Holanda e em partes 
da Alemanha, trinta mil foram executados entre 
1535 e 1545.
a cOntRaRReFORma
O protestantismo forçou mudanças na Igreja 
de Roma. O catolicismo se tornou mais rígido 
e intransigente, num movimento que ficou co-
nhecido como Contrarreforma. Uma das conse-
quências foi o Concílio de Trento, no norte da 
Itália, que se reuniu intermitentemente duran-
te quase duas décadas, entre 1545 e 1563. O 
concílio redefiniu grande parte da doutrina da 
Igreja, estabeleceu novas regras para a forma-
ção dos sacerdotes e buscou assegurar a autori-
dade papal. Entre as decisões do concílio, a ven-
da de indulgências foi proibida, e os bispos não 
podiam mais se ausentar de suas dioceses por 
longos períodos. Juntamente com a inquisição, 
uma nova ordem clerical a serviço do papado, 
a Companhia de Jesus, também fazia parte de 
um novo conjunto de recursos do papado para 
garantir o poder da Igreja de Roma. Como fer-
ramenta de propaganda, a arte foi usada para 
promover a Igreja. Um novo estilo, o barroco, 
carregado de dramaticidade, evocava as virtu-
des espirituais dos santos e anjos.
A Itália e a Espanha foram os baluartes da 
Contrarreforma. A divisão entre os cristãos eu-
ropeus acirrou questões políticas, levando o 
continente a um século de guerras religiosas, 
entre 1550 e 1648. Na França, por exemplo, o 
que ocorria, de fato, era uma luta pelo poder 
entre as grandes famílias aristocráticas identi-
ficadas com diferentes partidos religiosos. Nos 
Países Baixos, à época sob o domínio espanhol, a 
questão religiosa acabou se tornando uma rebe-
lião iniciada pela nobreza local, que almejava a 
independência da Espanha. Dessa forma, depois 
da Guerra dos Oitenta Anos – o conflito armado 
que resultou entre os Países Baixos e a Espanha 
–, surgiu um novo Estado, as Províncias Unidas 
dos Países Baixos, pequena federação de repú-
blicas liderada pela Holanda, onde se praticava 
a tolerância religiosa. Na Alemanha, quando 
um imperador do século XVII tentou fomentar, 
de novo, o catolicismo, irrompeu a Guerra dos 
Trinta Anos, que se estendeu de 1618 a 1648, 
mergulhando os Estados alemães em miséria, 
peste e fome. A Paz de Vestfália, como se cha-
mou o tratado que pôs fim à Guerra dos Trinta 
Anos, colocou um fim nas guerras religiosas que 
fizeram sangrar a cristandade.
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Alegoria da Paz de Vestfália, em referência ao tratado que pôs um fim à Guerra dos Trinta 
Anos, pintado por Jacob Jordaens em 1654, seis anos depois da assinatura do documento
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IDADE MODERNA 
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 IDADE MODERNA
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Atualmente, poucas figuras fictícias ou mitológi-
cas exercem um poder de atração tão forte como 
o vampiro. Amaldiçoado em sua imortalidade, o 
vampiro habita o limiar entre a vida e a morte, cor-
rompendo a existência natural e trazendo destrui-
ção àqueles que amaram quando vivos. Paradoxal 
como todo anti-herói, a força e a vulnerabilidade 
do vampiro, seu embate entre a luz e as trevas, 
a necessidade de matar para sobreviver, refletem 
aspectos genuinamente humanos, como projeção 
de uma característica obscura da humanidade. 
Afinal, conforme afirmou o filósofo inglês Thomas 
Hobbes (1588 – 1679), o “Homem lobo é o lobo 
do homem”. Em outras palavras: como o vampiro, 
vivemos de explorar, de um jeito ou de outro, nos-
so semelhante. Daí a identificação.
Mas se o estilizado vampiro moderno atrai 
atenção cada vez maior do público – e consequen-
temente da mídia –, quando o mito surgiu, nos 
primórdios da humanidade, essa figura causava 
verdadeiro terror. A origem da lenda, a qual exis-
te entre praticamente todos os povos, está rela-
cionada a fantasmas que voltavam para visitar os 
parentes vivos em seus sonhos, os quais adoeciam 
e morriam. Acreditava-se que diversas doenças 
eram provocadas por vampiros, principalmente 
a tuberculose. Na verdade, acreditava-se que o 
tísico fosse um vampiro. Daí a associação com o 
consumo de sangue, uma vez que o tuberculoso 
frequentemente sangra pela boca ao tossir, dando 
a impressão de que bebeu sangue.
Fantasmas
A aparência dessa criatura também mudou. 
Nos contos folclóricos de diferentes lugares, os 
vampiros mais parecem fantasmas, envoltos em 
seus sudários. Também eram descritos com a tez 
escura e inchados, verdadeiramente gordos, mui-
to diferente dos pálidos e magros vampiros das 
ficções contemporâneas. 
O conceito atual do vampiro vem, principal-
mente, das lendas eslavas. Suas raízes derivam 
das crenças e práticas espirituais dos povos pré-
cristãos daquela região. Algumas dessas crenças 
se referem ao culto dos ancestrais, aos espíritos 
domésticos e às crenças sobre o que acontece com 
a alma depois da morte. 
Os demônios e os espíritos eram muito comuns 
no imaginário das antigas sociedades eslavas. 
Considerava-se que esses espíritos malignos intera-
giam nas vidas e nos afazeres dos humanos. Alguns 
espíritos eram benéficos e ajudavam os Homens; 
outros eram perigosos e podiam ser destrutivos. 
Essas entidades eram, na verdade, ancestrais ou pa-
rentes mortos. Elas podiam aparecer de várias for-
mas, inclusive como animais ou assumir um aspecto 
humano bizarro ou até mesmo grotesco. Alguns 
desses espíritos também provocavam acidentes, 
prejudicavam a lavoura e sugavam o sangue de 
animais de criação – ou até mesmo de humanos. 
Os antigos eslavos também faziam distinção en-
tre a alma e o corpo. Eles não consideravam que 
a alma morre. Ao contrario, acreditam que a alma 
saía do corpo e vagava pela vizinhança do lugar 
onde viveu durante quarenta dias antes de partir 
para a vida eterna. Por conta disso, era conside-
Espectros, de Gustave Doré: os 
primeiros vampiros tinham aparência 
de fantasmas
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VAMPIROS
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Morphart Creation / Shutterstock.com
Morcego vampiro, em gravura de 1880: inspiração para o mito
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rado necessário deixar uma janela ou porta aber-
ta para que a alma entrasse e saísse da sua casa 
quandoquisesse. Durante esse período, o espírito 
também tinha a capacidade de entrar em cadáve-
res. O espectro poderia trazer tanto bênçãos como 
desgraças para a sua família e vizinhos ao longo 
dos quarenta dias em que vagava.
RitOs FuneRáRiOs
Os eslavos temiam muito a vingança das almas 
penadas. Para evitar desagradar a alma, dava-se 
muita atenção aos ritos funerários. Eles deviam as-
segurar a pureza da alma e apaziguá-la por ter se 
separado do corpo. A morte de uma criança não 
batizada, uma morte violenta ou de a um grande 
pecador, como, por exemplo, a de um assassino, 
podiam fazer a alma ligada àquele corpo se re-
voltar. Outra forma de provocar a corrupção de 
uma alma era não enterrar o corpo de maneira 
apropriada. Um cadáver que não tivesse tido um 
funeral correto seria suscetível a ser possuído por 
outras almas e espíritos. 
A partir dessas crenças fortemente presentes 
na cultura eslava, surgiu a ideia do vampir. O 
vampiro é a manifestação de uma alma penada 
ao possuir um corpo em decomposição. Essa cria-
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O Funeral Absurdo, Francisco Goya (c. 
1820)
O filósofo francês Voltaire escreveu 
sobre vampiros
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tura nem morta nem viva é considerada vingativa 
e cheia de inveja dos vivos e precisa de sangue 
para sustentar a existência do corpo que entrou. 
“Esses vampiros eram cadáveres que saiam de 
seus túmulos à noite para sugar o sangue dos vi-
vos, fosse nas suas gargantas ou estômagos, e 
depois voltavam aos seus cemitérios. A pessoa 
que era assim atacada, minguava, empalidecia e 
sentia-se consumida, ao mesmo tempo em que 
os cadáveres que se alimentavam delas ficavam 
gordos, rosados e tinham um apetite excelente. 
Foi na Polônia, Hungria, Silésia, Moravia, Áustria, 
que os mortos tinham este comportamento”, 
atestou o influente filósofo francês Voltaire (1694 
– 1778) no seu Dicionário Filosófico Voltaire.
deFuntOs ROsadOs
Muitas teorias tentam explicar a origem das 
lendas folclóricas dos vampiros. Uma série de coi-
sas – do enterro de vivos por engano à ignorância 
do ciclo da decomposição do corpo – é proposta 
como fonte das crenças nessas criaturas. 
Muitos estudiosos atribuíram o mito a relatos 
sobre a hidrofobia, ou raiva. Mas há outras ex-
plicações para a origem do mito do vampiro. Paul 
Barber, em seu livro Vampires, Burial and Death, 
afirma que a crença nos vampiros resulta da ten-
tativa dos povos das sociedades pré-industriais de 
explicar o processo natural, mas até então não 
compreendido, da morte e da decomposição. 
Para Barber, as pessoas nutriam suspeitas de 
vampirismo quando um cadáver não tinha a apa-
rência comum – isto é, desidratado e pálido – ao ser 
exumado. O ritmo da decomposição varia confor-
me as temperaturas e a composição do solo. Esse 
fato era desconhecido, o que teria levado à crença 
de que um cadáver que não havia se decomposto 
ainda apresentava sinais de vida. O escurecimen-
to da pele, característico dos vampiros das lendas 
folclóricas, pode acontecer durante o processo de 
decomposição. Em alguns casos, os corpos incham 
devido ao acúmulo dos gases da decomposição no 
torso. Além disso, o aumento da pressão força o 
sangue a sair pelo nariz e pela boca. Isso fazia com 
que o cadáver parecesse “alimentado” e “rosa-
do”, parecendo ter se alimentado do sangue que 
escorre de sua boca. Isso era ainda mais surpre-
endente em se tratando de pessoas que tivessem 
sido pálidas ou magras em vida. 
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O Sínodo do Cadáver (1870), de Jean-Paul Laures, 
reproduz o julgamento do cadáver do papa Formoso, 
em 897
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Um relato sobre uma investigação de ataque de 
vampiro do século 18 dá conta de que o corpo 
de uma velha senhora foi exumado, e seus vizi-
nhos testemunharam que ela estava mais gorda e 
com aparência mais saudável do que quando viva. 
O sangue no nariz e na boca indicava que aquele 
corpo era o de um vampiro. 
Quando encontravam um cadáver nessas con-
dições, os eslavos buscavam apaziguar esses es-
píritos para dissuadi-los do seu comportamento 
destrutivo. Na Sérvia, até o século 18, era co-
mum, por exemplo, exumar corpos para “matar 
o vampiro”. 
Para dar cabo do suposto vampiro era necessá-
rio perfurar o coração do cadáver com uma estaca 
ou cortar sua cabeça. Ao se perfurar o corpo in-
chado e em decomposição com uma estaca, os ga-
ses acumulados são forçados para fora, podendo 
produzir, ao passarem pelas cordas vocais, um som 
semelhante ao gemido. Era a comprovação de que 
o corpo era mesmo o de um vampiro.
enteRRadO ViVO
Também acredita-se que as lendas de vampiros 
foram influenciadas por pessoas que foram enter-
radas vivas. Às vezes, ouvia-se sons vindos de de-
terminado caixão. Quando, o corpo era exumado, 
frequentemente se encontrava marcas de unhas 
dentro de caixão, indicando que a vítima tentara 
escapar. Em outros casos pessoas que machuca-
ram suas cabeças, narizes ou rostos, davam a im-
pressão que tinham bebido sangue. 
Doenças ou mortes sem explicação também 
contribuíram para criar as lendas dos vampiros. 
Na Nova Inglaterra, região nordeste dos Estados 
Unidos, até o século 19 a tuberculose era associa-
da ao vampirismo. Em 1985, o bioquímico David 
Dolthin propôs uma relação entre uma rara do-
ença sanguínea, a porfiria, ao folclore dos vam-
piros. Percebendo que a doença é tratada com 
transfusão intravenosa, ele sugeriu que o consu-
mo de grandes quantidades de sangue pode ali-
viar os sintomas. De acordo com essa hipótese, 
os vampiros seriam apenas pacientes de porfiria 
que buscavam sangue humano para sentirem-se 
melhor. A hipótese foi, porém, rejeitada pela co-
munidade médica.
A raiva também já foi relacionada ao folclore dos 
vampiros. O neurologista espanhol Juan Gomez – 
Alonso afirmou que a suscetibilidade ao alho e à 
luz, tão comum nos vampiros, pode ser devido à 
hiper sensitividade, um sintoma da raiva. Uma an-
tiga lenda dizia que uma pessoa não tinha raiva se 
pudesse olhar para o seu reflexo no espelho. Com 
a hipersensibilidade à luz, muitos pacientes não 
conseguiam se ver. Isso deu origem à crença de 
que os vampiros não projetam reflexos no espelho. 
A doença também pode afetar partes do cérebro 
que provocam mudanças nos padrões normais do 
sono, tornando os pacientes sonâmbulos. Outro 
efeito colateral da doença pode ser a hiper sexua-
lidade. Lobos e morcegos, transmissores da raiva, 
também são associados aos vampiros. E a doença, 
claro, é transmitida por meio de mordidas.
a inVasãO de VampiROs
Embora entidades vampirescas apareçam em 
muitas culturas, o termo vampiro não se tornou 
popular antes do início do século 18. Foi nessa 
época que houve um afluxo do mito do vampiro 
na Europa Ocidental vindo de áreas onde as len-
das sobre essas criaturas eram frequentes, como 
os Bálcãs e a Europa Oriental. Uma verdadeira 
histeria coletiva provocou o aumento da supers-
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tição dos vampiros na Europa. Em diversos locais, 
cadáveres tiveram o peito perfurado por estacas, 
acusados de serem vampiros. Até mesmo funcio-
nários da corte austríaca participaram da caça e do 
estaqueamento dos vampiros. A histeria coletiva, 
conhecida como “Controvérsia dos Vampiros”, 
durou uma geração.
A disseminação da crença nos vampiros come-
çou na Europa Ocidental quando o império aus-
tríaco incorporou territórios do norte da Sérvia. 
A partir de então, relatos sobre essas criaturas 
começaram a receber enorme publicidade. Em 
1721, houve um alegado ataque de vampiros a 
um lugar remoto do norte da Sérvia. A notícia fez 
o pânico se alastrar para outros locais provocan-
do verdadeiro frenesi. Túmulos foram violados, 
corpos vandalizados por todo império austría-
co, partes da Prússia – que deu origem à atual 
Alemanha – e até na América.
Dois casos famosos foram documentados pe-
los investigadores da corte: o comportamen-
to pós-morte de Peter Plogojowitz e de Arnold 
Paole, ambos da Sérvia. Plogojowitz morreu aos 
62 anos, mas teria voltado da morte para pedir 
comida ao seu filho. Segundo relatos, o rapaz re-
cusoue foi encontrado morto no dia seguinte. 
Supostamente Plogojowitz também atacou al-
guns vizinhos, os quais teriam falecido por conta 
da perda de sangue. 
No segundo caso, Arnold Paole, um ex-soldado 
que se tornara fazendeiro, tinha sido atacado por 
um vampiro anos antes, morrendo enquanto tra-
balhava no campo. Depois da sua morte, pessoas 
começaram a falecer na vizinhança. Isso levou os 
camponeses a julgar que Paole voltara para atacar 
seus vizinhos.
O terror dos vampiros não se restringiu à 
Europa e cruzou o Atlântico. Durante o final do 
século 18 e ao longo de todo o 19, a crença de 
vampiros se espalhou pela Nova Inglaterra, nos 
Estados Unidos. Há registros de casos em que as 
famílias desenterraram seus entes queridos e re-
moveram seu coração, pois acreditavam que era 
um vampiro que estava causando doenças e mor-
tes na família. 
A controvérsia dos vampiros terminou apenas 
quando a imperatriz Maria Teresa da Áustria en-
viou seu médico pessoal, Gerard Van Swieten, 
para investigar. Ele escreveu um tratado e con-
cluiu que não existiam vampiros, e a imperatriz 
promulgou leis que proibiam a abertura de sepul-
turas e a violação de cadáveres, pondo um fim à 
“epidemia” de vampiros.
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Vampiro, de Evard Munch (1895)
73
Durante o final da Idade Média e o começo da 
Idade Moderna, até cerca de 1650, a civilização 
ocidental se baseava num núcleo amplamente 
compartilhado de fé, tradição e autoridade. Em 
contraste, depois de 1650, absolutamente tudo 
foi questionado sob a luz da razão filosófica. Os 
conceitos tradicionais foram revistos ou substituí-
dos por diferentes proposições gerados pela Nova 
Filosofia e por aquilo que podia ser classificado 
como Revolução Científica, iniciada por Copérnico, 
Galileu e Keppler cerca de um século antes.
As ideias e conceitos que resultaram desses 
avanços científicos e filosóficos iniciados a partir 
do século 15 acabaram gerando um dos momen-
tos mais importantes de toda a história da huma-
nidade: o movimento político e cultural conhecido 
como Iluminismo.
De acordo com Jonathan I. Israel, autor do 
imprescindível Radical Enlightenment (Oxford 
University Press, Oxford, 2001), “o Iluminismo foi 
o passo mais dramático rumo à secularização e à 
racionalização da história, não só da Europa, mas 
do mundo todo”. Antes do Iluminismo, a sociedade 
era concebida teologicamente e ordenada regional-
mente e se baseava em hierarquia e autoridade ecle-
siástica e não na universalidade e na igualdade. As 
mudanças que foram instaladas a partir do início do 
Iluminismo transformaram a face do mundo como 
nunca havia sido feito antes. O Iluminismo não só 
destruiu as bases tradicionais da cultura europeia 
com relação ao sagrado, à magia, e à hierarquia, 
mas também demoliu a legitimidade da monarquia, 
da aristocracia, da subordinação da mulher ao ho-
mem, da autoridade eclesiástica, da escravatura, e 
os substituiu pelos princípios da universalidade, da 
igualdade e da democracia. 
As implicações revolucionárias do pensamento 
radical iluminista nas instituições, governos mo-
nárquicos e ordem social aristocrática europeus 
podem apenas ser percebidas, e mesmo assim 
A EMANCIPAÇÃO
fracamente, nas décadas após meados do sécu-
lo 18. Politicamente, o sentido último das novas 
ideias radicais não ficou de todo evidente senão 
na década de 1790. Muito diferente, porém, foi 
o caso dos temas de sexualidade, erotismo e o 
lugar da mulher na sociedade. Aqui as ramifica-
ções do naturalismo filosófico e do espinosismo, 
bem como a separação radical de Bayle da moral 
da religião, se tornou aparente nos primeiros es-
tágios e foram elaborados por escritores radicais 
como Beverland, Leenhof, Radicati, Mandeville, 
Doria e d’Argens.
nOVas peRspectiVas
A mudança do debate intelectual na Europa do 
latim para o francês e da esfera acadêmica para 
as cortes, cafés, clubes e salões, permitiu algumas 
mulheres, em especial damas da nobreza suple-
mentadas por umas poucas freiras, atrizes, can-
toras, cortesãs e outras que eram relativamen-
te bem educadas, a descobrir a nova filosofia e 
ciência e, por meio da “iluminação” intelectual, 
transformar suas vidas e seus perfis. O ímpeto da 
filosofia nessas décadas foi tal que não apenas 
abalou a autoridade, a tradição e o sistema de 
crenças do passado, mas, pela primeira vez, de-
safiava e alterava de maneira fundamental os pa-
drões existentes de relação cultural e social entre 
os homens e mulheres.
Em termos intelectuais, as mulheres se tornaram 
uma plateia e uma presença ativa. Assim, obser-
va Fontenelle, no prefácio do seu Entretiens sur la 
plurité des mondes (1686) que ele escreve basi-
camente para as mulheres e para aqueles homens 
que conhecem pouco latim, explicando que ele 
estima a percepção e o julgamento nativo, o que 
A mulher do período iluminista, segundo o 
pintor James Tissot (1836 – 1902)
MULHERDA
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ele chama de “esprit”, homem ou mulher, bem 
mais elevado do que a mera erudição, que em-
bora grande, observa ele, pode às vezes estar de 
todo destituída de verdadeira compreensão. Mas 
ele não busca apenas educar as mulheres sobre ci-
ência, mas também “iluminá-las” e, ao fazer isso, 
ativa-las na sociedade. Seu objetivo, coloca ele, 
é trazer a sua ficcional marquesa para o “partido 
da filosofia”. Outros filósofos se viram igualmen-
te como popularizadores da nova filosofia e ciên-
cia fora do mundo da erudição profissional e da 
República das Letras.
Pode-se admitir que a maioria dos contempo-
râneos, homens e mulheres, viam tal infiltração 
de ideias filosóficas e cientificas entre as mulhe-
res, e ainda mais o envolvimento das mulheres no 
debate intelectual de uma forma desconfortável 
que beirava o alarme. Havia muita resistência – e 
condenação – a tais desenvolvimentos. Essa rea-
ção também não foi, de um ponto de vista conser-
vador, destituída de embasamento. Isso porque a 
mudança intelectual sem dúvida erodiu as noções 
tradicionais de virtude, família e papéis sociais, 
desafiando crucialmente o status subordinado da 
mulher então existente. Além do mais, provocou 
discussões sobre sexualidade, masculina e femini-
na, de uma forma que perturbou não apenas os 
tradicionalistas, mas também aqueles comprome-
tidos com a forma moderada de Iluminismo, pois, 
em geral, quanto mais radical o ponto de vista filo-
sófico, mais enfático o nivelamento das tendências 
igualitárias implícitas nas ideias as quais, por sua 
vez, geravam um impulso crescente não apenas 
em direção à emancipação da mulher, mas tam-
bém da libido humana.
patROnas
Os homens e mulheres deveriam ter os mesmos 
pensamentos e embasamento? Fontenelle, defen-
dendo incansavelmente uma visão de mundo me-
canicista, professava querer libertar as senhores lite-
ratas e educadas do “obscurantismo” de imaginar 
o mundo físico ao nosso redor sendo movido por 
um caos invisível de forças mágicas sobrenaturais e 
espíritos. Mas isso significava persuadir as mulheres 
a descartar as fantasias do passado e pensar meca-
nística e matematicamente. Pode-se supor que as 
mulheres são naturalmente mais inclinadas à “ima-
ginação” do que ao pensamento preciso, troçava 
Montesquieu, mas parecia a ele inegavelmente que 
Descartes e os cartesianos tinham poderosamente 
desmistificado a mente feminina , impulsionando-a 
da esfera da “poesia” em direção à filosofia. Se a 
filosofia moderna destrói ideias anteriores sobre a 
natureza e o universo, também provocou o mesmo 
nas mulheres, tanto quanto nos homens, ao menos 
em potencial, criando um mundo intelectual co-
mum. Se, até então, ainda permanecia algo da tra-
dição e da subordinação da mulher, foi talvez posi-
tivo, acrescenta Montesquieu, que o cartesianismo 
e suas variantes que dominaram a cena filosófica, 
pois, se o debate continuasse, nada mais restaria da 
imaginação, da tradição e da “poesia” ou, insistia 
ele, da deferência feminina ao homem.
O primeiro e mais óbvio resultado da chegada 
dasmulheres na arena da filosofia foi o advento 
das bem-nascidas patronas de novas ideias. Dessas 
nenhuma foi mais amplamente do que a duquesa 
– depois eleitora – Sophie von der Pfalz (1630 – 
1714), esposa de Ernst August (reinou de 1679 
a 98) de Braunschweig-Lüneburg, um principa-
do conhecido a partir da década de 1690 como 
o eleitorado de Hanover. Esposa de um eleitor e 
irmã de outro (o em termos filosóficos inclinado 
Karl Ludwig do Palatinado), seu filho mais velho se 
tornou – logo após sua morte em 1715 – George 
I da Inglaterra, Escócia e Irlanda. Originalmente 
devota do cartesianismo, Sophie tinha uma mente 
arguta e inquisitiva e sempre deu grande ênfase 
na importância da “filosofia”. Tendo sido cria-
da em um meio calvinista liberal na Holanda por 
sua mãe Stuart – a amiga de Descartes princesa 
Elizabeth –, mas casada com um príncipe lutera-
no, ela nunca suprimiu inteiramente sua aversão 
pelos pastores luteranos. Com seus horizontes 
alargados pelas viagens à Itália Alemanha e Países 
Baixos, ela gostava de mostrar sua independência 
mental e durante os primeiros anos da sua vida 
de casada provocou rumores de que folheava li-
teratura profana durante os sermões. Escrevendo 
ao seu irmão após receber uma carta do grande 
sacerdote-cientista dinamarquês Nicholas Steno, 
então em pleno esforço para arregimentar recru-
tas bem-nascidos para a contrarreforma católica 
no norte da Alemanha, carta essa datada de 1678 
e cheia de sentimentos devotos, ela troçou irreve-
rentemente da piedade do sacerdote. Na verda-
de, ela chegou até mesmo a confidenciar a Karl 
Ludwig que, de acordo com seu ponto de vista, 
havia tanta coisa na religião cristã que conflita com 
a mais óbvia razão.
Mary Wollstonecraft (1759 – 1797), 
mãe de Mary Shelley, autora 
de Frankenstein, foi uma das 
fundadoras do feminismo
77
O Brasil causou uma impressão ambígua em 
Darwin. Por um lado, ele se deslumbrou com a for-
ça exuberante da floresta tropical e com sua fau-
na. A enorme diversidade assumida pela vida nos 
biomas que visitou foi importante para acender o 
lampejo intuitivo que originou a teoria da evolução 
pela seleção natural. Por outro lado, Darwin teve 
uma má impressão dos brasileiros. O naturalista os 
julgou “ignorantes, covardes e indolentes ao ex-
tremo; hospitaleiros e bem-humorados enquanto 
isso não lhes causar problemas”.
No livro em que detalhou a expedição do Beagle, 
Viagens de um naturalista ao redor do mundo, 
Darwin dedica menos de dez páginas a Salvador, 
na Bahia, onde passou pouco tempo, embora já 
pudesse ter tido um vislumbre da exuberância 
tropical. No Rio de Janeiro, porém, aonde che-
gou em 4 de abril de 1832, Darwin participou de 
uma expedição de alguns dias pelo interior, onde 
pôde testemunhar a diversidade da natureza. E 
ficou assombrado. No Rio, igualmente, Darwin 
tornou-se oficialmente o naturalista de bordo, e 
Robert McCormick voltou à Inglaterra. Conforme 
registrou, o cirurgião de bordo ficou “muito desa-
pontado em minhas expectativas de realizar meus 
estudos de História Natural, pois todos os tipos de 
obstáculos têm sido colocados em meu caminho 
no sentido de desembarcar nas praias e fazer cole-
ta de material”. McCormick escreveu ao almiran-
tado e recebeu permissão para voltar à Inglaterra.
No dia 20 de fevereiro, quando o Beagle anco-
rou em Fernando de Noronha, Darwin teve seu 
primeiro contato com a floresta tropical, testemu-
nhando “grandes magnólias, louros e árvores co-
bertas de delicadas flores”. Estava ciente de que 
via apenas uma amostra: “tenho certeza de que 
toda a grandiosidade dos trópicos ainda não foi 
vista por mim”.
No dia 28, ao redor das 9 horas, a tripulação avis-
tou a costa da Bahia. A grandiosidade dos trópicos 
surgia diante dos olhos do naturalista, prenuncian-
do a satisfação que ele encontraria nessas terras: 
“seria difícil de imaginar, antes de ver o panorama, 
O BRASIL DE
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Charles Darwin, na época da 
expedição do Beagle
algo tão magnífico”, escreveu. Desembarcou exta-
siado: “o deleite que se experimenta em momentos 
como esse confunde a mente”.
caRnaVal
Darwin chegou a Salvador em pleno carnaval. 
No sábado, 4 de março, o naturalista saiu com 
dois oficiais do Beagle pelas ruas da capital baia-
na, estranhando o comportamento pouco con-
vencional dos foliões. Ele registrou sua impressão 
sobre o passeio: “Wickham, Sullivan e eu, nada 
destemidos, estávamos determinados a encarar 
seus perigos [da cidade de Salvador]. Esses peri-
gos consistem em ser alvejado sem misericórdia 
por bolas de cera cheias de água e ser encharca-
CHARLES DARWIN
78
dos por grandes seringas de lata. Achamos muito 
difícil manter nossa dignidade enquanto cami-
nhávamos pelas ruas”.
Mas a estadia em Salvador foi breve. O navio zar-
pou em 30 de março, rumo ao Rio de Janeiro. Aqui, 
Darwin iria, de fato, estudar a floresta tropical e se 
deslumbrar com sua incrível diversidade – apesar do 
calor. Foi igualmente no Rio que ele travou contato 
com a população local, a qual o impressionou tanto 
que o fez abrir espaço em seu interesse de natura-
lista para exercitar sua veia de antropólogo.
céu e inFeRnO
O Beagle atracou no Rio de Janeiro em 4 de abril 
de 1832. Por ordem de FitzRoy, o navio entrou 
no porto executando manobras ousadas para de-
monstrar a habilidade da tripulação. Darwin ficaria 
baseado na cidade durante três meses. Enquanto 
isso, o brigue velejaria ao longo da costa brasileira 
para estudar o relevo e corrigir os mapas.
No entanto, logo nos primeiros dias, o cientis-
ta viria a se desencantar com o povo brasileiro. A 
começar pela burocracia. Para obter um passapor-
te que o habilitaria a viajar pelo interior, Darwin 
gastou o dia 6 de abril inteiro. Foi um tormento. 
“Nunca é muito agradável submeter-se à insolên-
cia de homens de escritório, mas aos brasileiros, 
que são tão desprezíveis mentalmente quanto são 
miseráveis, é quase intolerável. Contudo, a pers-
pectiva de florestas selvagens zeladas por lindas 
aves, macacos e preguiças, lagos, roedores e ali-
gátores faz um naturalista lamber o pó da sola dos 
pés de um brasileiro”.
De fato, nos três meses em que permaneceu no 
Rio de Janeiro, Darwin viveu dias maravilhosos, 
pontuados, porém, por atritos com os brasileiros. 
Fossem ricos ou pobres, gente supostamente fina, 
fosse na corte, nos teatros, restaurantes, cafés, ou 
no interior, Darwin se deparou com uma gente 
rústica regida por uma rude etiqueta – especial-
mente para um cavalheiro europeu como ele.
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O navio Beagle, por Conrad Martens
Entrudo familiar, de Augusto Earle (c. 1822)
79
O BRASIL
No século 19, o Brasil era – como ainda é 
hoje – um país mestiço e tinha ares orientais. Os 
Brasis – como os britânicos se referiam à jovem 
nação – possuíam, então, três milhões de habi-
tantes. Um terço dessa população era constituído 
de escravos, e um quarto de índios. Dos outros, 
considerados cidadãos, a maioria era de mulatos, 
mamelucos ou cafuzos, e a minoria de portugue-
ses. Menos de 3% da população era alfabetiza-
da – mesmo assim, a maioria destes sabia pouco 
mais que assinar e fazer contas.
A cultura brasileira de então era mestiça e místi-
ca, pesadamente católica. Os ritos religiosos mar-
cavam o passar do tempo. Tradição portuguesa, o 
dobre dos sinos anunciava os principais aconteci-
mentos do Rio de Janeiro: nascimentos, mortes, 
incêndios, invasões, festas religiosas, dias santos. 
O barulho era tanto que, em 1833, a Comissão 
de Salubridade da Sociedade de Medicina ela-
borou um relatório sobre o abuso dos toques de 
sinos e o mal que causava à saúde. Anos depois, 
Machado de Assis comentou o costume em uma 
das suas crônicas, publicada na Semana Ilustrada, 
de 20 de outubro de 1872. Nela, o Bruxo do 
Cosme Velho perguntava por que motivo os “fi-
lhos de Adão” tinham direito a mais uma bada-
lada do que as “filhas de Eva”, mencionando o 
costume de anunciar o nascimento dos meninos 
com um toque de sino a mais.Apesar de ser a capital do império, arrogando-
se ares de corte tropical, situada em meio a uma 
paisagem exuberante, o Rio era cercado de lixo 
e sujeira por todos os lados. O jornalista Luis 
Edmundo retratou em crônica o Rio de Janeiro 
no último quarto do século 19: “a cidade é um 
monstro onde as epidemias se albergam dançando 
sabats magníficos, aldeia melancólica de prédios 
velhos e acaçapados, a descascar pelos rebocos, 
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Entrada da baía do Rio de Janeiro, por Richard Parkes Bonington (c. 1828)
DO SÉCULO 19
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vielas sórdidas cheirando mal, exceção feita da que 
se chama rua do Ouvidor, onde (...) o homem do 
‘burro-sem-rabo’ cruza com o elegante da região 
tropical, que traz no mês de fevereiro sobrecasaca 
preta de lã inglesa, e (...) dilui-se em cachoeiras 
de suor”. O “burro-sem-rabo” a que Edmundo 
se refere era um vendedor ambulante que puxava 
um carrinho de mão. A cidade era infestada desses 
ambulantes – e também de carroças e charretes. 
O lixo se acumulava pelas ruas. O esgoto do-
méstico era retirado em vasos e baldes carregados 
por escravos e despejado em córregos e ribeirões. A 
bela Lagoa Rodrigo de Freitas era um desses lugares. 
Como esses escravos encarregados de transportar o 
esgoto doméstico viviam manchados com listras de 
sujeira que caia dos baldes e lhes escorria pelas cos-
tas, rosto, pernas, eram chamados de “tigres”.
O oficial da marinha britânica James Tuckey 
descreveu as habitações cariocas do início do sé-
culo 19, afirmando: “vistas de fora, as casas têm a 
mesma aparência de limpeza que observamos nas 
residências dos melhores vilarejos da Inglaterra. 
A boa impressão, contudo, desvanece à medida 
que nos aproximamos. Logo que se metem os pés 
para dentro, constata-se que a limpeza não passa 
de um efeito da cal que reveste as paredes exte-
riores e que, nos interiores, habitam a sujeira e a 
preguiça. As ruas, apesar de retas e regulares, são 
sujas e estreitas, ao ponto de o balcão de uma casa 
quase se encontrar com o da casa em frente”. O 
historiador Oliveira Lima confirma: “a limpeza da 
cidade [do Rio de Janeiro] estava toda confiada 
aos urubus”, escreveu ele. Já o viajante Alexander 
Caldcleugh, que visitou o Rio entre 1819 e 1821, 
ficou impressionado com a quantidade de ratos 
que infestavam a capital do império. “Muitas das 
melhores casas estão de tal forma repletas deles 
que durante um jantar não é incomum vê-los pas-
seando pela sala”, relatou.
Os cariocas de então estavam longe de corres-
ponder aos padrões de civilização. Sob o calor tro-
pical, imperava a deselegância no modo de se ves-
tir e de se comportar. James Tuckey escreveu, por 
exemplo, que. as mulheres brasileiras “tinham o 
péssimo hábito de escarrar em público, não im-
portando a hora, situação ou lugar. Tal hábito (...) 
forma um poderoso obstáculo ao império do char-
me feminino”.
À mesa, o comportamento era igualmente rude. 
O pintor Jean-Baptiste Debret (1768 – 1848), que 
chegou ao Brasil com a Missão Artística Francesa 
em 1816 – apenas uma década e meia antes da 
visita de Darwin, portanto – e que retratou a vida 
dos brasileiro, ficou escandalizado com a falta de 
educação dos ricos durante as refeições. “O dono 
da casa come com os cotovelos fincados na mesa; 
a mulher, com o prato sobre os joelhos, sentada 
na sua marquesa, à moda asiática; e as crianças, 
deitadas ou de cócoras nas esteiras, lambuzam-se 
à vontade com a pasta de comida nas mãos (...) As 
mulheres e crianças não usam colheres nem garfos; 
comem todos com os dedos”, registrou o pintor.
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Uma estalagem brasileira em 1816, num 
autorretrato de Jean-Baptiste Debret
Rio de Janeiro nos anos 1910
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IDADE CONTEMPORÂNEA
 IDADE CONTEMPORÂNEA
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Desde o seu início, nosso planeta vem sofren-
do constantes transformações. Seus mares têm 
congelado e derretido, revelando e submergin-
do extensas áreas de terra, ao longo de eras gla-
ciais. Formas de vida têm surgido e sido extin-
tas durante o processo de evolução planetário. 
O clima da Terra é um dos principais fatores a 
provocar essas mudanças. Frequentemente, ele 
sofre alterações, influenciando diretamente todos 
os seres vivos, provocando, muitas vezes, desas-
tres naturais. A diferença é que, no passado, os 
fenômenos climáticos mudavam devido a causas 
naturais. Hoje, porém, nada afeta mais o clima 
do planeta do que a ação do Homem, poluindo 
a atmosfera, destruindo habitats e contaminando 
mares e lençóis freáticos.
O EFEITO ESTUFA:
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A média de temperatura global aumentou 0,6º C 
nos últimos 140 anos – uma alteração que, apesar 
de parecer pequena, já traz consequências drásticas 
para a vida na Terra. Até o final de 2006, havia dú-
vidas sobre as causas da mudança climática que es-
tamos enfrentando. No início de 2007, porém, cien-
tistas do Painel Intergovernamental de Mudanças 
Climáticas, IPCC, na sigla em inglês, entidade criada 
em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial 
e pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente 
para avaliar as informações científicas e socioeco-
nômicas sobre o aquecimento global, concluíram 
que é a ação humana que está causando essa gran-
de mudança. A poluição e a devastação de flores-
tas estão entre os principais responsáveis pela atual 
mudança climática. No entanto, o que mais tem 
AMEAÇA MODERNA
84
preocupado os cientistas é um fenômeno conheci-
do como efeito estufa.
Gases-estuFa
Os gases, chamados de gases-estufa, lançados 
pelo Homem na atmosfera através da queima de 
combustíveis fósseis, permitem que a radiação so-
lar penetre na atmosfera, mas retêm grande parte 
dela, gerando aumento de temperatura. Eles agem 
exatamente como o vidro de uma estufa de flores. 
É esse efeito que permite, por exemplo, que plan-
tas tropicais sejam cultivadas no Jardim Botânico 
de Kew, na Inglaterra, em pleno inverno. Os fra-
cos raios de sol que penetram através do vidro da 
estufa são lá retidos, aumentando incrivelmente a 
temperatura do interior da estufa. Mas, se o calor 
gerado pelo efeito estufa é positivo numa situação 
artificial para o cultivo de plantas, para o planeta 
Terra é um desastre capaz de extinguir um grande 
número de espécies.
Pesquisadores britânicos compararam recentes 
leituras de satélites com dados de 30 anos atrás 
e concluíram que menos radiação está escapando 
da Terra para o espaço. Isso sugere que o efeito 
estufa tem aumentado na mesma proporção em 
que cresceu a emissão dos gases-estufa. Ou seja, 
a Terra está ficando realmente mais quente.
A situação está chegando a um nível muito críti-
co. James Lovelock, um dos mais renomados cien-
tistas britânicos e inventor do detector de captura 
de elétrons, mais conhecido como ECD, instrumen-
to que levou à descoberta do acúmulo global de 
pesticidas, avisa: “é possível que nos reste pouco 
tempo para agir”. Segundo o cientista, se o nível de 
dióxido de carbono na atmosfera ultrapassar 500 
partes por milhão, o sistema da Terra ficará sujeito 
a um superaquecimento irreversível. Atualmente, 
já atingimos o nível de 380 partes por milhão.
cOnsequências
As implicações do aquecimento global são drás-
ticas. Em particular, o Brasil seria afetado grave-
mente. A mudança climática do planeta pode levar 
ao desaparecimento de 10% a 25% da floresta 
amazônica até 2080. Por conta de a mudança cli-
mática alterar o regime de chuvas, a floresta aca-
bará sendo eliminada mesmo sem ser desmatada 
– simplesmente por causa do clima. No seu lugar, 
surgiria um tipo de savana, como o cerrado brasi-
leiro. De acordo com Philip Fearnside, do Instituto 
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), se os 
estudos sobre o impacto das mudanças climáticas 
na Floresta Amazônica estiverem corretos, o Brasil 
seria um dos países mais prejudicados com o aque-
cimento global. A mudança climática da Amazônia 
irá afetar a água disponível, a biodiversidade, a 
agricultura e a saúdehumana. 
No Nordeste do Brasil, o maior problema será 
o aumento da seca e da falta de água. O IPCC 
prevê que 75% das fontes de água do Nordeste 
secarão até 2050. A região poderá passar de zona 
semi-árida a zona árida, e as consequências dessa 
mudança afetarão a alimentação, sanidade e saú-
de da população local. Os moradores dessa região 
enfrentarão grandes problemas, principalmente 
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com a diarreia. Não se trata de doença grave, mas 
nas condições de vida projetadas pelo IPCC, com 
falta de água potável, má alimentação e sanida-
de precária ou inexistente, muita gente poderá 
vir a morrer de diarreia. De fato, como em outras 
instâncias, a mudança climática irá afetar mais as 
populações que não têm meio de se adaptar às 
mudanças, isto é, as populações de baixa renda.
A mudança climática também terá impacto so-
bre a produção agrícola da região Sudeste. São 
Paulo perderá uma importante área de cultivo de 
café, inutilizada por causa do aquecimento.
Na América do Sul, a falta de água afetará com 
mais força as localidades do Nordeste brasileiro e 
dos Andes bolivianos. Por outro lado, deverá ha-
ver problemas de inundações na região do rio da 
Prata, ao sul do continente.
As mudanças climáticas também já afetam os 
africanos e irão anular os esforços de combate a 
pobreza a menos que sejam tomadas medidas ur-
gentes. As secas estão piorando e o clima, cada 
vez mais imprevisível, se transformando em uma 
ameaça de proporções inéditas para a segurança 
alimentar. Regiões áridas ou semiáridas (no norte, 
parte do sul, leste e oeste) estão cada vez mais 
secas e áreas equatoriais estão cada vez mais ala-
gadas. A grande ironia é que os africanos pouco 
ou nada contribuíram para o aquecimento global, 
resultado atividade econômica em países desen-
volvidos e industrializados.
OceanOs
Uma das consequências inevitáveis do aqueci-
mento provocado pelo efeito estufa é o aumento 
do nível dos oceanos. Nos últimos 100 anos, o ní-
vel do mar já subiu cerca de 20 cm, e os cientistas 
preveem que, na década de 2080, o nível do mar 
terá subido entre 16 e 69 cm. Algumas ilhas estão 
irremediavelmente afetadas e seu hábitat, tremen-
damente ameaçado. A ilha de Tuvalu, no Pacifico, 
já está passando por isso. Muitos ilhéus já abando-
naram o local por causa da invasão do mar. Num 
futuro próximo, Tuvalu deixará de ser habitável.
Também as geleiras retrocedem em muitos lu-
gares do mundo. Os cientistas estão preocupados 
com um lugar em particular: o Alaska, onde cer-
ca de 800 km3 de gelo sumiram nos últimos 50 
anos. Metade da água doce que flui para os mares 
do mundo vem do gelo que se derrete no Alaska. 
Esse aumento no volume de água doce pode cau-
sar outras mudanças na temperatura, salinidade e 
padrões de vento, fatores que influenciam direta-
mente as correntes marítimas. Isso afetaria ainda 
mais o clima, provocando, em vez de superaqueci-
mento, um grande resfriamento global. Na Europa, 
as correntes quentes que aquecem o continente 
poderiam desaparecer, fazendo a média de tempe-
ratura dessa região cair em até 20oC – o que daria 
início, no século 22, a uma nova era glacial. 
As preocupações são bem fundamentadas. Um 
satélite da Nasa registrou mudanças drásticas na 
camada de gelo do Oceano Ártico, região que 
compreende o Alaska, entre 2004 e 2005. A área 
de gelo permanente – a camada que fica conge-
lada durante todo o ano – foi reduzida em 14%, 
o equivalente a mais de 700 mil km². A média das 
últimas décadas é de redução de 0,7% da área 
congelada por ano. Estudos recentes mostraram 
que tanto a área quanto a densidade do gelo no 
Oceano Ártico estão diminuindo a cada verão. As 
áreas mais afetadas são o leste do Ártico, ao norte 
da Rússia e da Europa. No lado ocidental, ao norte 
do continente americano e do Oceano Atlântico, 
a camada de gelo teve um pequeno aumento em 
área. Os índices registrados em setembro de 2006 
foram os mais baixos desde 1978, quando se co-
meçou a medir o gelo do Ártico.
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Se essa tendência continuar, o gelo no Ártico 
pode sumir em 35 anos. De acordo com estudo 
realizado por uma equipe de cientistas do Centro 
Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR, si-
gla em inglês) e das universidades McGill e de 
Washington, todo o gelo perene do Ártico poderá 
desaparecer até 2040. Segundo os modelos proje-
tados por computador, por volta de 2040, somente 
uma pequena quantidade de gelo perene perma-
neceria nas costas da Groenlândia e do Canadá, 
com o resto da bacia do Ártico sem gelo no mês 
de setembro.
Além disso, desde 1850 o volume das geleiras 
dos Alpes europeus diminuiu cinquenta por cento 
e, até o final deste século, a metade do que sobrou 
deve sumir. Na Antártica, as temperaturas aumen-
taram muito mais do que a média global: 2,5o 
C em 50 anos. Se a calota de gelo da Antártica 
Ocidental derreter, o nível do mar aumentará de 5 
a 6 metros. As consequências para a humanidade 
serão drásticas: das 15 maiores cidades do mundo, 
13 estão no litoral. Não é à toa que o primeiro-
ministro britânico, Tony Blair, declarou que deixar 
de interferir no clima da Terra é o maior desafio 
ambiental do planeta.
desastRe de GRandes
pROpORções
Mas não é só o efeito estufa que vem alteran-
do os fenômenos climáticos da Terra. O desflores-
tamento, além de causar mudanças no relevo do 
planeta, tem um grande impacto sobre o clima. 
O aumento das enchentes no mundo todo é uma 
consequência direta. A poluição dos lençóis freá-
ticos e a contaminação dos mares também repre-
sentam uma grave ameaça à vida na Terra. A hu-
manidade produz, hoje, a inacreditável cifra de mil 
toneladas de lixo por segundo. Praticamente todos 
os recém-nascidos têm apresentado resíduos de 
produtos químicos nocivos nos seus corpos.
Um estudo realizado pela Universidade de 
Leeds, Grã-Bretanha, revelou que a poluição e, 
consequentemente, as alterações climáticas po-
dem levar à extinção, até 2050, de 15 a 37% das 
espécies do mundo. Chris Thomas, líder do time 
de pesquisadores, disse que “nossas análises mos-
tram que mais de um milhão de espécies poderão 
ser extintas”. Muitos cientistas acham, de fato, 
que a Terra está entrando na sua sétima fase de 
extinção, uma vez que houve seis ciclos anteriores 
de desaparecimento de espécies. O penúltimo ci-
clo foi o que acabou com os dinossauros. Só que 
desta vez, somos nós os responsáveis.
Para James Lovelock as mudanças pelas quais 
a Terra está passado nada mais são do que uma 
tentativa do planeta de recuperar seu equilíbrio. 
Lovelock é autor da Hipótese Gaia, a qual suge-
re que a Terra é um organismo vivo que procura 
manter as condições necessárias para sua sobre-
vivência. “O aumento na temperatura global é a 
resposta do nosso ultrajado planeta. Estamos em 
guerra com a Terra. Só que nós somos o alvo de 
Gaia”, disse ele. A solução, segundo o cientista, 
“é parar imediatamente a destruição dos habitats 
naturais”, a chave do equilíbrio do clima e da quí-
mica do planeta. Mas Lovelock é pessimista. Ele 
acredita que só um desastre de grandes propor-
ções fará a humanidade acordar para o problema.
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87
Se você perguntar a um americano, “quem foi 
o primeiro homem a voar num aparelho mais pe-
sado que o ar?”, a resposta virá imediatamente: 
“Orville e Wilbur Wright”. Faça a mesma indaga-
ção a um francês e você ouvirá: “foi Clément Ader 
quem inventou o Avion”. Um inglês mais ufanista 
poderia mencionar Eilmer, um monge do século 
11 que conseguiu planar numa espécie de asa del-
ta pulando de uma torre, e um russo certamente 
responderia que Aleksandr Mozhaisky, um oficial 
do Exército Imperial, foi o pioneiro, em 1884. No 
entanto, nós brasileiros não temos dúvidas: o pri-
meiro a voar num aeroplano de sua invenção foi 
Alberto Santos-Dumont.
A polêmica já se arrasta por quase um século. 
Depois do histórico voo do 14-Bis no campo de 
Bagatelleem 23 de outubro de 1906, Clément 
A INVENÇÃO
Orville...
... e Wilbur Wright, inventores do Kitty Hawk, 
em 1905
Ader, um engenheiro francês que em 1898 cons-
truiu um aparelho mais pesado que o ar, o Avion, 
afirmou ter sido ele o primeiro a voar num ae-
roplano. A outra reivindicação desse recorde da 
aviação, dos irmãos americanos Wilbur e Orvile 
Wright, só veio a público dois anos depois do voo 
de Santos-Dumont. Eles afirmavam ter voado 
com um aparelho de sua fabricação, em novem-
bro de 1903. Isto, claro, foi um golpe duro no 
brasileiro, cuja proeza foi atestada pela comissão 
científica do Aeroclube da França. “Que diriam 
Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que 
apresentaram em público a lâmpada elétrica, o 
telefone e o telégrafo sem fios, um outro inventor 
se apresentasse com uma lâmpada elétrica, tele-
fone ou aparelho de telegrafia sem fios dizendo 
que os tinha construído antes deles?”, perguntou 
na época um frustrado Santos-Dumont.
AVIÃODO
88
A disputa está longe de ser resolvida, ao menos 
nos Estados Unidos. Os americanos reagem com 
espanto à afirmação de que um brasileiro teria 
voado antes dos irmãos Wright. Santos-Dumont 
é praticamente um desconhecido na América do 
Norte, lembrado, se tanto, pelas suas conquistas 
com dirigíveis, os “mais leves que o ar”. Em 2003, 
com as comemorações do centenário do primeiro 
voo dos Wright, uma série de livros foi lançada 
sobre o assunto. Virtualmente todos atribuem o 
principal recorde da aviação aos dois irmãos, do-
nos de uma bicicletaria em Kytty Hawk, Carolina 
do Norte. O mais celebrado dessa safra é, prova-
velmente, To Conquer the Air: The Wright Brothers 
and the Great Race for Flight (A Conquista do Ar: 
Os Irmãos Wright e a Grande Corrida pelo Voo) 
do premiado James Tobin. O livro, nas palavras de 
um crítico local, “tece um retrato da família e o 
impacto da sua ética, que fez com que os Wright 
enfrentassem o mundo”. De fato, a atitude dos 
irmãos de manter suas experiências em segredo 
gerou uma série de desafetos, até mesmo nos 
Estados Unidos. Os inventores Samuel Langley, do 
Smithsonian Institute, e Glenn Curtis, outro pio-
neiro da aviação, não saiam dos seus calcanhares. 
Os Wright, porém, acabaram prevalecendo. 
santOs-dumOnt
A disputa com Santos-Dumont, claro, é men-
cionada no livro de Tobin. No entanto, o voo de 23 
de outubro de 1906 do 14-bis é descartado como 
tendo sido o primeiro realizado com um apare-
lho mais pesado que o ar. Tanto Tobin como a 
opinião geral americana entendem que os Wright 
fizeram suas experiências em segredo quase ab-
soluto, e, por isso, quando Santos-Dumont voou 
em público, foi aclamado como o primeiro. Ou 
como colocou o crítico literário canadense Steven 
Martinovich, “em 1903, os irmãos Wight fize-
ram seu voo de forma secreta – tão secreta que 
quando Santos-Dumont voou pela primeira vez, 
em 1906, pensaram que tinha sido ele a reali-
zar a proeza”. Jay Freeman da American Library 
Association faz coro à tese: “Santos-Dumont, três 
anos depois dos irmãos Wright, fez um voo pú-
blico em Paris e foi aclamado, temporariamente, 
como o pai da aviação. (Isso porque) enquanto os 
Wright fugiam da publicidade, Santos-Dumont 
ansiava por ela”. E para o Los Angeles Times, os 
feitos importantes do inventor brasileiro se resu-
mem a dois. “Seu invento mais revolucionário foi 
o que ele chamava ‘balão de passeio’ (o dirigível 
Wilbur voando em um dos planadores que ele e seu irmão inventaram, em 1902
89
Santos-Dumont nº 9); além disso, projetou a pri-
meira máquina de voo individual produzida em 
massa (o aeroplano Demoiselle, sua última inven-
ção)”, afirmou o jornal numa matéria assinada 
pelo escritor Jamie James.
Por causa da sua importância, a disputa sobre 
quem foi que realizou o sonho de Ícaro ultrapassa 
as fronteiras pessoais e acaba imbuída de senti-
mentalismo nacional – o que impede que se te-
nha um panorama claro do papel de cada inventor 
no desenvolvimento da aviação. Um quadro mais 
ponderado foi pintado por Paul Hoffman, ex-pre-
sidente da prestigiosa Encyclopaedia Britannica, 
em seu Wings of Madness: Santos-Dumon and 
the Invention of Fligh (Asas da Loucura: Santos-
Dumont e a Invenção do Voo). 
Embora o livro enfatize mais o lado excêntrico 
do milionário Santos-Dumont, que nunca se im-
portava em explorar os lucros que suas invenções 
poderiam lhe render, Hoffman também deixa cla-
ro seu aspecto de inventor brilhante. “O fato de 
Santos-Dumont não ter sido o primeiro a voar 
num aeroplano não faz dele uma figura menos vi-
tal para a história da aviação”, explica o escritor 
que também é autor do bestseller The Man Who 
Loved Only Numbers: The Story of Paul Erdos and 
the Search for Mathematical Truth (O Homem 
Que Só Amava Números: A História de Paul Erdos 
e da Busca Pela Verdade Matemática). 
Mencionei a disputa que envolve Santos-
Dumont e os irmãos Wright ao Sr. Hoffman e per-
guntei o papel de cada um deles na conquista do 
ar. Sua visão é abrangente. “Os Wright não fo-
ram, certamente, os primeiros a pilotar um apa-
relho mais pesado que o ar”, afirmou Hoffman. 
“Em 1849, Sir George Cayley, um físico britânico, 
construiu um planador de três asas que foi capaz 
de erguer uma criança de dez anos de idade. Os 
Wright também não foram os primeiros a conse-
guir o voo mecânico num balão. Isso é conquis-
ta de Santos-Dumont (quando circundou a Torre 
Eifel com seu dirigível Santos-Dumont nº 6). Nem 
foram os irmãos os primeiros a deixar o solo num 
avião a motor. A honra aparentemente pertence 
a um marinheiro francês, cujo nome se perdeu 
na História, que voou alguns metros, em 1874, 
num aparelho projetado por Félix du Temple, um 
oficial da marinha francesa. O crédito dos Wright 
consiste na conquista do voo controlado, o que 
habilmente demonstraram entre 1903 e 1906. 
Enquanto outros pioneiros da aviação se concen-
traram no uso do motor num avião, os Wright 
buscavam estabiliza-lo”.
De qualquer forma, o livro de Hoffman colabo-
ra para sanar a obscuridade que envolveu Santos-
Dumont depois que o Wright convenceram até 
mesmo os franceses de que tinham sido os primei-
ros a voar. O brasileiro, que havia sido o centro 
das atenções do mundo da aviação, foi repentina-
mente ofuscado e esquecido. No âmbito da histó-
ria da conquista do ar, os estudiosos dão crédito a 
Santos-Dumont pelo primeiro voo fora dos Estados 
Unidos e pelo primeiro voo público. Mas na verda-
de, exceto pelos brasileiros, quase ninguém se lem-
bra mais dos importantes avanços que o inventor 
trouxe para o desenvolvimento da aviação.
excêntRicO
Santos-Dumont não ficou notório apenas por 
suas conquistas aeronáuticas. Sua vida, envolvi-
da por uma aura de genialidade e sofisticação, 
é cheia de elementos romanescos. Fanático por 
motores e pela conquista do voo, o inventor era 
também um bon vivant radicado em Paris, capaz 
de influenciar a moda na Capital da Moda, e que 
apesar de todo o glamour da fase inicial da sua 
carreira, foi torturado pela depressão até acabar 
de maneira trágica.
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Santos-Dumont, em 1902
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Santos-Dumont contornando 
a Torre Eifel e vencendo o 
Prêmio Deutsch
91
Nascido em 1873, em Cabangu, Minas Gerais, 
hoje Santos-Dumont, em homenagem ao seu filho 
mais dileto, o pai de Alberto era um dos maiores 
plantadores de café da época, o milionário enge-
nheiro Henrique Santos-Dumont. Desde cedo, o 
menino demonstrou um interesse incrível por duas 
coisas: motores e o voo humano. Percebendo o 
gênio do filho, Henrique o emancipou e lhe adian-
tou a herança – algo em torno de meio milhão de 
dólares, uma verdadeira fortuna naquele tempo.
Alberto chegou em Paris aos dezoito anos, 
em 1891, onde começou uma carreira brilhante. 
Durante cinco anos, estudou física, química e me-
cânica com um preceptor espanhol, o Sr. Garcia. E 
depois de voar pela primeira vez num balão esféri-
co, Santos-Dumont passou a projetar e a construir 
seus próprios aeróstatos. Cada um deles represen-
tava uma inovaçãoem relação às tendências aero-
náuticas. Seu primeiro balão, o Brasil, era esférico, 
mas ele logo passou a desenhar aeróstatos em for-
ma de charuto, mais adequados à dirigibilidade. 
Quatro anos e seis projetos depois, conquistou de-
finitivamente o voo mecânico e a dirigibilidade, ao 
vencer o prêmio Deutsch, que oferecia 100.000 
francos para o primeiro aeronauta que contor-
nasse a Torrel Eifel e voltasse ao ponto de partida, 
em Saint Claude, em trinta minutos. Desprendido, 
Santos-Dumont doou o dinheiro aos seus mecâni-
cos e aos carentes de Paris.
Por essa época, esse brasileiro de 1,50 metro, 
que pesava pouco mais de cinquenta quilos, já era 
a sensação de Paris. Frequentador de personali-
dades como o barão de Rothschild, o príncipe de 
Mônaco e a condessa d’Eu – a nossa exilada prin-
cesa Isabel –, as aparições públicas de Petit Santôs, 
como os franceses o apelidaram, causavam fris-
son. Inovador da moda, seus ternos riscados, o 
chapéu panamá, o cravo vermelho na lapela logo 
começaram a ser usados por todos os “elegantes” 
da cidade. Santos-Dumont também ajudou a po-
pularizar o uso do relógio de pulso. Diferente do 
que muitos pensam, o relógio de pulso já tinha 
Teste do 14-bis no campo de Bagatelle, em Paris, em julho de 1906
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sido inventado por Patek Philippe, décadas antes, 
mas era um acessório feminino. Conta-se que en-
quanto Santos-Dumont comemorava a conquista 
do prêmio Deutsch, no seu restaurante preferido, 
o luxuoso Maxim, ele comentou com seu amigo 
Louis Cartier sobre a dificuldade de consultar seu 
relógio de bolso durante os voos. Alberto pediu, 
então, ao joalheiro que desenhasse um modelo 
que permitisse que ele pudesse fazer suas cro-
nometragens sem tirar as mãos dos controles. A 
solução de Cartier foi o relógio de pulso como o 
conhecemos hoje. Santos-Dumont jamais decolou 
sem seu Cartier e, claro, estabeleceu uma tendên-
cia que permanece em voga ainda hoje.
Embora na época do prêmio Deutsch vários pio-
neiros da aviação já experimentassem sem suces-
so com aeroplanos, Santos-Dumont não escondia 
sua preferência pelos dirigíveis. Depois do Santos-
Dumont nº 6, com o qual venceu o prêmio Deutsch, 
ele continuou a projetar e a construir aeróstatos. O 
mais famoso foi o Santos-Dumont nº 9, o primeiro 
veículo pessoal aéreo. O brasileiro costumava man-
ter o pequeno balão amarrado a um poste de luz 
em frente ao seu apartamento, em Champs-Elysées. 
De dia, ele voava às compras ou visitava amigos e 
quase todas as noites usava o nº 9 para jantar no 
elegante Maxim.
aViões
Pouco depois, porém, seguindo a tendência 
aeronáutica, Santos-Dumont também começou 
a projetar aviões. Com seu primeiro modelo, o 
14-bis, o brasileiro venceu a Taça Archdeacon, 
que oferecia um prêmio de três mil francos para 
o aeroplano que fizesse um percurso mínimo de 
vinte e cinco metros. Em 23 de outubro de 1906, 
competindo contra Louis Blériot – que mais tarde 
seria o primeiro a voar sobre o Canal da Mancha 
– Santos-Dumont voou 220 metros, quebrando 
recorde inicial da aviação.
Os anos seguintes foram duros. A competição 
entre os aviadores se tornava mais acirrada, na 
medida em que novos desenvolvimentos eram 
alcançados. Em 1909, Santos-Dumont apresen-
tou aquele que viria ser seu último projeto, o 
Demoiselle, ou “Libélula”. Foi o primeiro avião 
esportivo individual. Feito de bambu e seda, fácil 
de construir e de voar, era, segundo seu inventor, 
“bem mais barato que um automóvel”. Como fez 
com suas outras invenções, Santos-Dumont não 
registrou patente do Demoiselle. Ele não escondia 
seu desejo de “dar asas à humanidade”. Assim, 
logo os céus americanos e europeus estavam reple-
tos de dirigíveis Santos-Dumont e de Demoiselles.
No entanto, sua brilhante carreira foi interrom-
pida pela doença. Em 1910, Santos-Dumont se viu 
com o que foi, mais tarde, diagnosticado como es-
clerose múltipla e teve de abandonar a aeronáuti-
ca. Deprimido, dividiu seu tempo entre o Brasil e a 
Europa, buscando uma paz que nunca encontrava. 
Em Petrópolis, onde foi morar depois de voltar ao 
Brasil, Santos-Dumont se dedicou ao desenvolvi-
mento de asas artificiais, usando para isso penas 
de cisne, ligadas a fios que governariam o sistema 
através de um motor.
Cada vez mais doente – não suportava qual-
quer barulho – e vigiado de perto pela família, o 
inventor se sentia imensamente culpado por causa 
do uso do avião na guerra. Durante a Revolução 
Constitucionalista de 1932, Santos-Dumont estava 
no Guarujá, quando a vizinha Santos foi bombar-
deada pelos aviões de Getúlio Vargas. Perdido em 
sua depressão e torturado pelo barulho, ele se re-
colheu ao seu quarto, no Hotel de la Page, fechou-
se no banheiro e se enforcou. Tinha 59 anos.
93
A ditadura perpetrada pelas Forças Armadas 
argentinas está entre as mais sangrentas do he-
misfério ocidental. As perseguições, os métodos 
imorais, a covardia dos militares fez com que a 
repressão que eles protagonizaram contra o povo 
argentino no período de 1976 a 1984 fosse cha-
mada de Guerra Suja. Os militares pareciam ter 
enlouquecido, tomados por um frenesi sanguiná-
rio. A mínima oposição era punida com a mais 
severa punição. Histórias como a dos jovens mal 
saídos da infância que foram sequestrados, tortu-
A DITADURA MILITAR
Fachada do Centro Memorial Popular, em 
Rosario, antiga prisão clandestina
rados e assassinados por participarem de protes-
tos contra a tarifa de ônibus, ou os relatos sobre 
as milhares de mulheres e meninas que foram 
estupradas e estripadas simplesmente por serem 
suspeitas são manchas impossíveis de se remover, 
eternas marcas a depor contra a probidade das 
instituições que as promoveram.
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ARGENTINA
94
Os militares tomaram o poder na Argentina como 
resultado da instabilidade política que se seguiu à 
morte de Perón. Em 1973, Juan Perón voltou do 
exílio para encontrar uma Argentina dividida. A es-
querda e a direita rivalizavam. Nessa época, vários 
grupos guerrilheiros entraram em cena. O maior e 
mais ativo era o Exército Revolucionário do Povo. 
Perón morreu em 1974, deixando em seu lugar 
a viúva, Isabel Martinez Perón. Manobrada pelos 
militares, Isabel assinou uma série de decretos co-
locando mais poder nas mãos das Forças Armadas. 
Entre esses documentos estavam os “decretos de 
aniquilação”, através dos quais Isabel autorizava 
o extermínio dos grupos subversivos de esquerda. 
Sem saber, a viúva de Perón acendia o pavio de 
uma das piores repressões da história recente.
GOlpe
Em 1976, Isabel foi destituída do poder por um 
golpe de Estado consumado pelas Forças Armadas, 
e a Argentina passou a ser governada por uma 
junta militar. Num primeiro momento, de 1976 
a 1981, a junta foi comandada por Jorge Videla, 
seguido de Roberto Viola e Leopoldo Galtieri, res-
ponsável por lançar o país contra a Grã-Bretanha 
na desmiolada Guerra das Malvinas. Nesse perí-
odo, a ditadura da Argentina perseguiu injustifi-
cadamente o próprio povo argentino. Videla, sob 
cujo comando a repressão foi mais insana, chama-
va o inexplicável ataque aos cidadãos de “Processo 
de Reorganização Nacional”, através do qual os 
militares buscavam obediência incontestável e 
submissão absoluta da população.
Para justificar seus atos, os militares sustentavam 
que estava havendo uma guerra civil na Argentina. 
Por isso, métodos extremos, como o sequestro e a 
tortura, tinham de ser empregados para garantir 
a ordem. A própria junta se referia às suas ações 
como Guerra Suja. No entanto, apesar de diversos 
ataques de grupos insurgentes a alvos militares, 
as organizações rebeldes foram prontamente des-
manteladas. Não havia ameaça factual de guerra 
interna. E na falta de inimigos verdadeiros, o alvo 
das Forças Armadas foi a própria sociedade civil, 
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A Pirâmide de Maio, na Plaza de 
Mayo, Buenos Aires, com fotos dos 
desaparecidos
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a população em geral. Qualquer um que fizesse 
a menor oposição política, sindicalistas – os quais,aliás, constituíram metade das vítimas –, estudan-
tes – até os do ensino médio –, jornalistas e mesmo 
esposas, maridos e filhos das vítimas era detidos. 
Quando, depois de muito torturar – o que, no caso 
das mulheres, frequentemente incluía o estupro – 
descobriam que o suspeito não tinha qualquer li-
gação com o suposto movimento “terrorista”, as-
sassinavam a vítima, num processo de “queima de 
arquivo”. De acordo com Julio Strassera, promotor 
público no julgamento das juntas, em 1985, o ter-
mo “guerra” não passava de um “eufemismo para 
esconder atividades criminosas” dos militares.
Em 1981, Videla passou o poder ao general 
Roberto Eduardo Viola, que ficou poucos meses à 
testa da junta. Por motivos de saúde, foi substituído 
por Leopoldo Galtieri. Numa tentativa impensada 
de levantar o patriotismo da nação, Galtieri buscou 
desviar a insatisfação interna gerando um conflito 
externo e declarou guerra a uma das maiores po-
tências militares modernas, a Grã-Bretanha. Como 
resultado da insensatez, a junta perdeu a Guerra 
das Malvina, e a Argentina foi humilhada. Não res-
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Série de selos britânicos de 1983 celebra 
o primeiro aniversário da libertação das Malvinas
tou outra saída a não ser a renúncia. A ditadura 
saia da Argentina com o rabo entre as pernas.
nunca mais
Depois de ter sido eleito por meio de eleições 
democráticas, o presidente Raul Alfonsin criou, 
em dezembro de 1983, a Comissão Nacional de 
Pessoas Desaparecidas (CONADEP). A comissão, 
chefiada pelo escritor Ernesto Sabato, tinha como 
missão levantar evidências sobre a Guerra Suja. 
Os detalhes das investigações, que incluíam docu-
mentos sobre o desaparecimento de cerca de nove 
mil pessoas chocaram o mundo. No prólogo do 
relatório da CONADEP, adequadamente intitulado 
Nunca Más, Sabato escreveu que, “a partir do mo-
mento em que eram sequestradas, as vítimas per-
diam todos os seus direitos. Destituídas de toda a 
comunicação com o mundo exterior, mantidas em 
locais desconhecidos, submetidas a torturas bár-
baras, ignorando seu destino imediato ou futuro, 
corriam o risco de serem jogadas ao mar ou em al-
gum rio, presas a blocos de cimento ou cremadas. 
Não eram, porém, meros objetos e possuíam todos 
os atributos humanos: sentiam dor, lembravam de 
96
Raul Afonsín, em 1983, ao assumir a presidência da Argentina
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suas mães, filhos ou esposas ou sentiam a infinita 
humilhação de serem estupradas em público...”
O relatório produzido em 1984 concluía que 
cerca de nove mil pessoas “desapareceram” entre 
1976 e 1983. Esse número, porém, é subestima-
do. O próprio Serviço de Segurança da Argentina 
estimava que nesse período cerca de 22 mil pes-
soas sumiram. Algumas organizações de direitos 
humanos calculam em 30 mil o número de vítimas 
da ditadura militar argentina.
Frente aos fatos, o presidente Alfonsin determi-
nou que nove membros da junta militar fossem 
processados judicialmente. Entre eles estava Jorge 
Videla, o homem sob quem a junta cometeu os 
maiores abusos. Em 1985, Videla foi sentenciado 
à prisão perpétua. A pena começou a ser cumpri-
da na prisão militar de Magdalena. No entanto, 
em 29 de dezembro de 1990, temendo provocar 
os militares, o presidente Carlos Menem anistiou 
Videla e outros militares. Menem justificou o per-
dão afirmando a necessidade de superar os confli-
tos do passado.
Mas Videla ainda voltaria à prisão, acusado, 
dessa vez, de participar do sequestro de bebês 
das vítimas do regime. Essas crianças eram ado-
tadas por militares. Videla passou 38 dias na ca-
deia, mas teve sua pena comutada para prisão 
domiciliar por conta de problemas de saúde. 
Ironicamente, Videla ficou realmente incapaz de 
sair de sua casa, pois cada vez que saía era ofen-
dido e atacado. Uma vez, a rua onde morava o 
ex-ditador apareceu pichada com setas enormes 
apontando para a casa de Videla, com os dizeres: 
Trinta mil desaparecidos, assassino à solta. Os ar-
gentinos não esquecem.
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O ditador argentino Jorge Videla 
(à esquerda), em 1976
98
Da Antiguidade à Idade 
Contemporânea, da civilização 
egípcia à ditadura antiga, das 
armas de Arquimedes à invenções 
de Santos-Dumont, de Leonardo 
da Vinci à emancipação da mulher 
– além de muitos outros temas 
interessantes, este guia revela 
diversos fatos históricos curiosos e 
interessantes que, certamente, irão 
influenciar sua visão de mundo.

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