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PEED1667-T

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO 
 
 
 
João Vicente Alfaya dos Santos 
 
 
 
 
 
Do inorgânico ao social: uma crítica ontológica à filosofia de Humberto Maturana 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2022 
João Vicente Alfaya dos Santos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Do inorgânico ao social: uma crítica ontológica à filosofia de Humberto Maturana 
 
 
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em 
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina 
como requisito parcial para a obtenção do título de 
Doutor em Educação. 
 
Orientadora: Prof.ª Patricia Laura Torriglia, Dr.ª 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2022
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
João Vicente Alfaya dos Santos 
 
Do inorgânico ao social: uma crítica ontológica à filosofia de Humberto Maturana 
 
O presente trabalho em nível de Doutorado foi avaliado e aprovado, em12 de setembro de2022, pela 
banca examinadora composta pelos seguintes membros: 
 
Prof. Charbel Niño El-Hani, Dr. 
Universidade Federal da Bahia 
 
Prof. Mauricio Vieira Martins, Dr. 
Universidade Federal Fluminense 
 
Prof. Sérgio Lessa Dr. 
Universidade Federal de Alagoas 
 
Prof. Maurício José Siewerdt, Dr. 
Universidade Federal da Fronteira Sul 
 
Prof. Vidalcir Ortigara, Dr. 
Universidade do Extremo Sul Catarinense 
 
Prof.ª Mariana Brasil Ramos, Dr.ª 
Universidade Federal de Santa Catarina 
 
Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado 
para obtenção do título de Doutor em Educação. 
 
 
___________________________ 
Coordenação do Programa de Pós-Graduação 
 
 
____________________________ 
Prof.ª Patricia Laura Torriglia, Dr.ª 
Orientadora 
 
 
 
Florianópolis, 2022.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Na dedicatória também transparece a contradição como 
princípio de automovimento do ser. Dedico este trabalho, com 
todo o amor que possuo, aos meus pais. Dedico também este 
trabalho, com toda minha indignação e revolta, às mais de 680 
mil pessoas assassinadas na pandemia pelo capital e pela gestão 
do presidente da república em exercício no Brasil entre 2018 e 
2022, em especial ao professor Mario Duayer. 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à professora Patricia Laura Torriglia pela orientação e ensinamentos. Aos 
membros da banca e qualificação pelas valiosas contribuições. Ao Grupo de Estudos e 
Pesquisa em Ontologia Crítica (GEPOC – UFSC) pelos encontros e aprendizados. Um grupo 
especial, que se dedica ao estudo da ontologia crítica e ao campo de produção de 
conhecimento na educação há quase 20 anos. Além do espaço formativo para graduados, 
mestres e doutores, é também um projeto de extensão, que busca levar o pensamento crítico a 
todos aqueles que desejam a construção de uma sociedade emancipada. 
Aos muitos professores que tive durante este doutorado, destacando aqueles que se 
fizeram presenças virtuais durante o período mais difícil da pandemia. São muitos: A 
professora Mariana Gouvea, da UFRJ, que ministrou o curso Lendo o capital na quarentena; 
ao professor Nildo Ouriques pelos cursos O que ler para entender a América Latina e Leitura 
sistemática da Fenomenologia do Espírito de Hegel; ao professor Rodrigo Bischoff Belli, 
pelos vários cursos ministrados no projeto As armas da crítica; aos professores Davi Perez, 
Marlon Garcia da Silva e Claus Akira Horodynski-Matsushigue pelo grupo de estudos da 
Ontologia do ser social; ao professor Matheus Guarino Sant’Anna pelo curso Para ler os 
odiados: Freire; ao professor Natan Oliveira pelos cursos Para ler os odiados: Marx e 
Dialética da Natureza; ao professor Pedro Mandagará Ribeiro pelos diversos cursos de Marx 
em suas fontes; ao professor Fernando Marcondes pelo grupo de estudos Ontologia do ser 
social; ao professor Jean Menezes pelo curso O método em Marx; ao professor Paulo Tumolo, 
simplesmente porque sim. 
Agradecimento especial aos professores Gabriel Martins, Daniela Garcia e Matheus 
Garcia por todos os cursos do projeto de extensão da UFSC Estudos Marxistas. Vocês são 
maravilhosos! 
Aos queridos e excelentes professores da Educação de Jovens e Adultos, Unidade 
Centro 1, de Florianópolis, que me proporcionaram uma experiência incrível no primeiro 
semestre de 2022. José, Regina, Thais, Alexandre, André, Fernando, Gabriela, Gilberto, 
Luciene, Marilucia, Mauricio, Mychelle, Renata, Samantha e Maristela. Meu muito obrigado. 
Aos meus amigos especiais, cujas presenças foram extremamente importantes para 
mim, principalmente durante o isolamento da pandemia: Marcelo D’Aquino Rosa, Manoela 
Sezerino, Priscilla Stuart, Marcela Possato e Athenais Trindade. Amo vocês. 
Aos amigos que fiz durante o doutorado: André Oliveira, Vagner Luiz, Renata Flores, 
Bruno Dandolini, Fernanda, Elaine Eliane, Marcia Donzelli, Ismael Bernardes e Cláudia 
Telles. 
Aos meus pais, Elizabeth Alfaya dos Santos e Valdecir Avila dos Santos. A vocês, 
toda a minha vida. 
Aos trabalhadores que descobriram o princípio ativo do Donaren retard®, 
antidepressivo, ansiolítico e indutor do sono, fármaco sem o qual a finalização da tese não 
seria possível. 
Certamente há mais pessoas para agradecer e sei que cometi injustiças ao não 
mencionar todos que deveriam e que, de alguma forma, compuseram esta tese comigo. Peço 
que me perdoem. Exauri minhas capacidades de lembrança e de escrita ao finalizar a tese. 
Sintam-se abraçados. 
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo 
apoio financeiro concedido com bolsa. 
 
 
 
 
 
O real resiste 
Autoritarismo não existe 
Sectarismo não existe 
Xenofobia não existe 
Fanatismo não existe 
Bruxa fantasma bicho papão 
O real resiste 
É só pesadelo, depois passa 
Na fumaça de um rojão 
É só ilusão, não, não 
Deve ser ilusão, não não 
É só ilusão, não, não 
Só pode ser ilusão 
Miliciano não existe 
Torturador não existe 
Fundamentalista não existe 
Terraplanista não existe 
Monstro vampiro assombração 
O real resiste 
É só pesadelo, depois passa 
Múmia zumbi medo depressão 
Não, não, não, não 
Não, não, não, não 
Não, não, não, não 
Trabalho escravo não existe 
Desmatamento não existe 
Homofobia não existe 
Extermínio não existe 
Mula sem cabeça demônio dragão 
O real resiste 
É só pesadelo, depois passa 
Como o estrondo de um trovão 
É só ilusão, não, não 
Deve ser ilusão, não não 
É só ilusão, não, não 
Só pode ser ilusão 
Esquadrão da morte não existe 
Ku Klux Klan não existe 
Neonazismo não existe 
O inferno não existe 
Tirania eleita pela multidão 
O real resiste 
É só pesadelo, depois passa 
Lobisomem horror opressão 
Não, não, não, não 
Não, não, não, não 
Não, não, não, não 
(ANTUNES, Arnaldo, 2020) 
https://www.youtube.com/watch?v=wx_Pd-rpEhc 
 
https://www.youtube.com/watch?v=wx_Pd-rpEhc
Bluebird 
there's a bluebird in my heart that 
wants to get out 
but I'm too tough for him, 
I say, stay in there, I'm not going 
to let anybody see 
you. 
there's a bluebird in my heart that 
wants to get out 
but I pour whiskey on him and inhale 
cigarette smoke 
and the whores and the bartenders 
and the grocery clerks 
never know that 
he's 
in there. 
 
there's a bluebird in my heart that 
wants to get out 
but I'm too tough for him, 
I say, 
stay down, do you want to mess 
me up? 
you want to screw up the 
works? 
you want to blow my book sales in 
Europe? 
there's a bluebird in my heart that 
wants to get out 
but I'm too clever, I only let him out 
at night sometimes 
when everybody's asleep. 
I say, I know that you're there, 
so don't be 
sad. 
then I put him back, 
but he's singing a little 
in there, I haven't quite let him 
die 
and we sleep together like 
that 
with oursecret pact 
and it's nice enough to 
make a man 
weep, but I don't 
weep, do 
you? 
(BUKOWSKI, Charles) 
https://www.youtube.com/watch?v=UEcyz0Q6bs8
https://www.youtube.com/watch?v=UEcyz0Q6bs8
RESUMO 
 
A tese tem por objetivo realizar um estudo detalhado e crítico da filosofia do biólogo chileno 
Humberto Maturana. Tendo em vista a grande penetração que as ideias de Maturana têm na 
produção de conhecimento, sobretudo no campo da educação, propomo-nos a fazer uma 
análise imanente do pensamento do autor, que, embora tenha elaborado sua teoria 
inicialmente para caracterizar o ser vivo (autopoiese), afirmamos que as teses de Maturana 
não só permitem, como ele mesmo faz uso dessas formulações, para extrair conclusões 
ontológicas e explicar esferas da realidade para além do ser orgânico. Também pretendemos 
demonstrar como para a elaboração de uma teoria sobre o ser vivo, Maturana se guiou, desde 
o começo de suas investigações empíricas, de pressupostos epistemológicos que, conduzidos 
de forma consequente, restauram o idealismo subjetivo solipsista. Para realizar a crítica a 
essas ideias, temos como orientação filosófica a ontologia de György Lukács. Dividimos a 
tese em quatro capítulos. No primeiro expomos o arcabouço teórico de Maturana, destacando 
a teoria da autopoiese, a deriva natural e a biologia do conhecer. No segundo capítulo, 
apresentamos a caracterização do ser orgânico a partir de pressupostos materialistas, valendo-
nos das contribuições de Alexandr Oparin e de Charles Darwin. Fazemos também uma breve 
discussão acerca da teleologia na biologia, em especial para a questão das funções biológicas. 
Apresentamos também a gênese do psiquismo e a propriedade do reflexo como constitutiva 
dos seres orgânicos. No terceiro capítulo expomos a concepção de ser humano, elaborada por 
Marx e Engels e refinada categorialmente por Lukács. Discorremos sobre o trabalho e os 
diferentes pores teleológicos, assim como a reprodução do ser social e o papel da educação 
nesse processo. No quarto capítulo, servindo-nos das contribuições dos dois capítulos 
precedentes, demonstramos o quão problemática são as teses de Maturana, não só para a 
caracterização do ser vivo, mas, principalmente, os desdobramentos para a prática humana, 
em especial, para a educação. Para tanto, fazemos uma crítica dos experimentos conduzidos 
por Maturana e uma defesa do trabalho como fundamento ontológico do ser social e a teoria 
do reflexo como a teoria do conhecimento correspondente e embasada para fundamentar a 
práxis. 
 
Palavras-chave: ontologia; materialismo; marxismo; vida; autopoiese; Humberto Maturana. 
 
ABSTRACT 
 
The thesis aims to perform a detailed and critical study of the philosophy of Chilean biologist 
Humberto Maturana. Considering the great penetration that Maturana's ideas have in the 
production of knowledge, especially in the field of education, we propose to make an 
immanent analysis of the author's thought that, although he has developed his theory initially 
to characterize the living being (autopoiesis), we claim that Maturana's theses not only allow, 
but he himself makes use of these formulations to draw ontological conclusions and explain 
spheres of reality beyond the organic being. We also intend to demonstrate how, in order to 
elaborate a theory about the living being, Maturana was guided, from the beginning of his 
empirical investigations, by epistemological assumptions that, conducted consistently, restore 
the solipsistic subjective idealism. To carry out the critique of these ideas, we take György 
Lukács' ontology as our philosophical orientation. We divide the thesis into four chapters. In 
the first, we expose Maturana's theoretical framework, highlighting the theory of autopoiesis, 
natural drift, and the biology of knowing. In the second chapter, we present the 
characterization of the organic being based on materialist assumptions, using the contributions 
of Alexandr Oparin and Charles Darwin. We also make a brief discussion about teleology in 
biology, in special to the question of biological functions. We also present the genesis of the 
psychism and the reflex property as constitutive of organic beings. In the third chapter we 
expose the conception of the human being, elaborated by Marx and Engels and refined 
categorically by Lukács. We discuss labor and its different teleological positions, as well as 
the reproduction of the social being and the role of education in this process. In the fourth 
chapter, using the contributions of the two preceding chapters, we demonstrate how 
problematic Maturana's theses are, not only for the characterization of the living being, but, 
mainly, the unfoldings for human practice, especially for education. To do so, we criticize the 
experiments conducted by Maturana and defend work as the ontological foundation of social 
being and the theory of reflexion as the corresponding and well grounded theory of 
knowledge to support praxis. 
 
Keywords: Ontology. Materialism. Marxism. Life. Autopoiesis. Humberto Maturana. 
 
 
RESUMEN 
 
La tesis pretende realizar un estudio detallado y crítico de la filosofía del biólogo chileno 
Humberto Maturana. Considerando la gran penetración que tienen las ideas de Maturana en la 
producción de conocimiento, especialmente en el campo de la educación, nos proponemos 
hacer un análisis inmanente del pensamiento del autor, que, si bien ha elaborado su teoría 
inicialmente para caracterizar al ser vivo (autopoiesis), afirmamos que las tesis de Maturana 
no sólo permiten, sino que él se sirve de estas formulaciones para extraer conclusiones 
ontológicas y explicar esferas de la realidad más allá del ser orgánico. También pretendemos 
demostrar cómo para la elaboración de una teoría sobre el ser vivo, Maturana se guió, desde el 
inicio de sus investigaciones empíricas, por supuestos epistemológicos que, conducidos de 
manera consecuente, restauran el idealismo subjetivo solipsista. Para llevar a cabo la crítica de 
estas ideas, tomamos como orientación filosófica la ontología de György Lukács. Dividimos 
la tesis en cuatro capítulos. En la primera, exponemos el marco teórico de Maturana, 
destacando la teoría de la autopoiesis, la deriva natural y la biología del conocimiento. En el 
segundo capítulo, presentamos la caracterización del ser orgánico desde los supuestos 
materialistas, basándonos en las aportaciones de Alexandr Oparin y Charles Darwin. También 
hacemos una breve discusión sobre la teleología en la biología, en especial a la cuestión de las 
funciones biológicas. También presentamos la génesis del psiquismo y la propiedad refleja 
como constitutiva de los seres orgánicos. En el tercer capítulo se expone la concepción del ser 
humano, elaborada por Marx y Engels y perfeccionada categóricamente por Lukács. 
Discutimos el trabajo y sus diferentes poros teleológicos, así como la reproducción del ser 
social y el papel de la educación en este proceso. En el cuarto capítulo, utilizando los aportes 
de los dos capítulos anteriores, demostramos lo problemático de las tesis de Maturana, no sólo 
para la caracterización del ser vivo, sino, principalmente, los desdoblamientos para la práctica 
humana, especialmente para la educación. Para ello, hacemos una crítica a los experimentos 
realizados por Maturana y una defensa del trabajo como fundamento ontológico del ser social 
y de la teoría de la reflexión como teoría del conocimiento correspondiente y fundamentada 
para fundamentar la praxis. 
 
Palavras clave: Ontología. Materialismo. Marxismo. Vida. Autopoiesis. Humberto Maturana.
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 – As sombras coloridas............................................................................................... 62 
Figura 2 – A galeria de quadros ................................................................................................ 71 
Figura 3 – Bonecas russas........................................................................................................ 74 
Figura 4 – A odisseia epistemológica de Maturana e Varela: a teoria do conhecimento entre 
Caríbdes e Cila ......................................................................................................................... 75 
Figura 5 – A deriva natural dos seres vivos vista pela metáfora das gotas de água ................. 83 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
BCL - Biological Computer Laboratory 
BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações 
DNA - Ácido desoxirribonucleico 
MIT - Massachusetts Institute of Technology 
RNAm - Ácido ribonucleico mensageiro 
TEP - Trabalho, Educação e Política 
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais 
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina 
PPGECT - Programa de pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica 
ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências 
ENEBIO - Encontro Nacional de Ensino de Biologia 
SUMÁRIO 
 
PRÓLOGO .................................................................................................................. 18 
1 A VIDA E O PENSAMENTO DE HUMBERTO MATURANA ................................ 35 
1.1 A TRAJETÓRIA DE HUMBERTO MATURANA .................................................... 35 
1.2 AUTOPOIESE .............................................................................................................. 41 
1.3 A BIOLOGIA DO CONHECER .................................................................................. 57 
1.4 O SISTEMA NERVOSO ............................................................................................. 71 
1.5 DERIVA NATURAL ................................................................................................... 78 
1.6 O SER HUMANO ........................................................................................................ 90 
1.7 MATURANA E A EDUCAÇÃO ............................................................................... 101 
2 O PRIMEIRO SALTO ONTOLÓGICO: DO SER INORGÂNICO AO SER 
ORGÂNICO .............................................................................................................. 111 
2.1 UM LONGO CAMINHO ........................................................................................... 118 
2.2 AS CONTRIBUIÇÕES DE ALEKSANDR OPARIN ............................................... 122 
2.3 A EVOLUÇÃO DARWINISTA ................................................................................ 149 
2.4 TELEOLOGIA NATURALIZADA ........................................................................... 166 
2.4.1 Funções e teleologia em Biologia ............................................................................. 168 
2.5 O DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO ............................................................ 181 
3 O SEGUNDO SALTO ONTOLÓGICO: DO SER ORGÂNICO AO SER 
SOCIAL ..................................................................................................................... 194 
3.1 AS CONTRIBUIÇÕES DARWINISTAS .................................................................. 196 
3.2 O HOMEM NA PERSPECTIVA DE MARX E LUKÁCS ....................................... 211 
3.2.1 O trabalho e os pores-teleológicos ........................................................................... 214 
3.3 A REPRODUÇÃO SOCIAL ...................................................................................... 247 
3.4 SOBRE O COMPLEXO DA EDUCAÇÃO ............................................................... 254 
4 POR UMA CONCEPÇÃO MATERIALISTA DA VIDA E DO SER HUMANO
 .................................................................................................................................... 269 
4.1 POR UMA INTERPRETAÇÃO MATERIALISTA DOS EXPERIMENTOS DE 
MATURANA ............................................................................................................. 278 
4.2 SOBRE AUTOPOIESE E DERIVA NATURAL EM MATURANA ....................... 292 
4.3 A BIOLOGIA DO CONHECER ................................................................................ 308 
4.4 O SER SOCIAL E A TEORIA DO REFLEXO ......................................................... 319 
 EPÍLOGO .................................................................................................................. 332 
 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 341 
 APÊNDICE A – LISTA DE TESES E DISSERTAÇÕES .................................... 354 
 
18 
PRÓLOGO 
 
Em seu ensaio intitulado Marx e o problema da decadência ideológica, Lukács (2016) 
afirma que a burguesia não consegue levantar problemas fundamentalmente novos, e isso 
provém de uma necessidade social. Essa necessidade é caracterizada sobretudo, mas não 
apenas, por uma fuga da realidade. O período da decadência começa com a tomada do poder 
político pela burguesia, quando a luta de classes entre ela e o proletariado assume o proscênio 
da história, principalmente após 1848. De lá para cá, a burguesia se vê constantemente 
impelida a lançar “terceiros caminhos” teóricos (LUKÁCS, 1967), alternativas que procuram 
explicar a realidade, que não assumam, de um lado, o materialismo nem, de outro, o 
idealismo. 
A decadência ideológica não se limita apenas às ciências que tratam da história 
humana. Ela limita também o desenvolvimento das ciências naturais. Lukács (2016) constatou 
os efeitos ideológicos dessa decadência sobretudo no que se refere às apropriações das 
grandes conquistas sobre a ciência natural. Se no período de ascensão da burguesia, as 
descobertas de Copérnico a Darwin representaram progressos importantes em relação à 
consolidação da sociedade burguesa e para uma visão de mundo corretamente orientada para 
uma ontologia materialista, hoje os avanços das ciências dificilmente se validam sem passar 
por um filtro de filosofia reacionária. Uma das consequências é que 
 
Eles [os avanços das ciências naturais] são popularizados, penetram na 
consciência das massas, na medida em que sofrem uma distorção idealista-
relativista. Relativismo, combate ao pensamento causal, substituição da 
causalidade pela probabilidade estática, “desaparecimento” da matéria – tudo 
isso é usado em larguíssima escala para disseminar um relativismo niilista, 
uma mística obscurantista. (LUKÁCS, 2016, p. 124). 
 
É possível que muitos desses elementos que compõem e caracterizam a decadência 
ideológica estejam presentes no autor Humberto Maturana, cuja obra analisamos nesta tese. 
Por se tratar de uma expressão cujo sentido pode ser entendido de maneira pejorativa, é 
preciso deixar claro que a decadência ideológica não constitui ataques endereçados 
pessoalmente a qualquer pensador ou cientista, mas constitui, antes disso, uma necessidade 
histórica da burguesia de formular aparatos ideológicos que encubram, de forma cada vez 
mais sofisticada, a essência do mundo, e portanto de como ele funciona. Podemos dizer que o 
irracionalismo no qual se fundam as teorias elaboradas para justificar uma realidade de 
19 
exploração ou para encobri-la em seus fundamentos é uma expressão da própria 
irracionalidade dessa forma de sociabilidade. Como diz Engels (2010, p. 79-80): 
 
[...] toda sociedade baseada na produção de mercadorias tem por 
característica que os produtores, em lugar de dominar suas mútuas relações 
sociais, são por elas dominados. Cada um produz com os meios de produção 
acidentais que pode ter à mão para suas necessidades individuais de troca. 
Há anarquia na produção social. Mas a produção de mercadorias, como 
qualquer outra forma de produção, possui suas leis próprias, que lhe são 
inerentes, e essas leis se afirmam, apesar da anarquia, na anarquia e pela 
anarquia. Afetam a única forma persistente do laço social:a troca; levantam-
se diante dos produtores como leis coercitivas da concorrência. […] 
Impõem-se, pois, sem o concurso dos produtores e mesmo contra sua 
vontade; como a das leis da natureza, sua ação é cega e impiedosa. O 
produto domina o produtor. 
 
Engels, aliás, sem usar a expressão “decadência ideológica”, constatara esse fenômeno 
de limitação das ciências naturais em seu tempo. Pode-se dizer que, de forma geral, o projeto 
de escrever uma dialética da natureza se assentou sobre essa base. Era necessária uma 
reformulação teórica acerca das ciências naturais, primeiramente, para entender a natureza 
inteira como um processo histórico e, portanto, dinâmico; em segundo lugar, a insuficiência 
da divisão do estudo da natureza em disciplinas isoladas. Os avanços das ciências acabaram 
por mostrar que uma forma de energia se converte em outra, de modo que um quadro mais 
integrado da natureza se fazia necessário. A natureza seria a prova de que a dialética se impõe 
tanto como forma de conhecimento como uma legalidade constitutiva da própria natureza 
 
A natureza é a prova da dialética, e temos de afirmar a respeito da moderna 
ciência da natureza que ela forneceu para essa prova um material 
extremamente abundante e cada dia mais volumoso, comprovando, desse 
modo, que, na natureza, as coisas acontecem, em última instância, de 
maneira dialética, e não metafísica. (ENGELS, 2015, p. 51). 
 
 Essas considerações foram importantes para situarmos os leitores desta tese sobre 
alguns pontos dos quais partimos, e de como eles, com o devido andor, se articularão com o 
pensamento do autor, cujas ideias pretendemos analisar detidamente, Humberto Maturana. 
 O primeiro contato que tive1 com Maturana foi através do trabalho de Moreira (2004). 
Em um breve artigo, o autor afirma que Maturana, um cientista de formação, elaborou uma 
teoria do conhecimento tomando o sujeito cognoscente como um ser biológico e, portanto, 
 
1 Ao longo da tese, predomina a forma plural de primeira pessoa do discurso sem, no entanto, dispensar a forma 
singular, que tem aqui a função de registrar pessoalidade, autoria e, principalmente, a tomada assumida de certas 
decisões e pontos de vista. 
20 
assumindo que para explicar o conhecimento seria necessário, primeiramente, explicar a 
biologia do sujeito que conhece. Sem tal fundamentação biológica, o conhecimento não 
poderia ser explicado. Particularmente o que me chamou a atenção e foi importante para o 
caminho a ser seguido na tese foi a afirmação de que, se assumirmos que o conhecimento só 
pode ser fundamentado com base na biologia do sujeito cognoscente, a existência de uma 
realidade independente desse sujeito não pode ser sustentada. À primeira vista, sendo 
Maturana um cientista que fazia investigações empíricas, tal afirmação pareceu 
completamente carente de sentido, afinal, ela negaria a existência do que ele próprio 
investigou. 
 Diante dessa perplexidade e, confesso, um pouco cético quanto às afirmações de 
Moreira (2004) de que de fato Maturana estava defendendo tal posicionamento, propus-me a 
fazer uma investigação sobre o pensamento do cientista chileno. Visto que Moreira (2004) é 
um pesquisador com prestígio na área de Ensino de Ciências, não seria improvável que outros 
pesquisadores também estivessem valendo-se do pensamento de Maturana para suas 
investigações. 
 A leitura do artigo de Moreira (2004) foi o mote para a pesquisa. Uma busca na 
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) com os termos “Maturana e 
educação”, “Maturana e ensino de ciências”, “Maturana, ontologia e educação” revelou um 
número expressivo de mestres e doutores que se valeram das ideias desse autor no traçado de 
seus respectivos objetos de pesquisa. Mas, de todas as teses e dissertações disponibilizadas no 
acervo digital, nenhuma delas se propôs a fazer uma análise crítica sobre o pensamento do 
pensador chileno. Todas, sem exceção, partiam das afirmações de Maturana, sem nenhuma 
crítica prévia, e aplicavam-nas aos seus objetos de estudo. Essa constatação consolida a 
relevância da presente pesquisa, tanto para a área de Educação quanto para a área de Ensino 
de Ciências e de Biologia. As dissertações e teses levantadas até novembro de 2019 estão 
listadas no Apêndice A desta tese. 
 Algumas considerações prévias são importantes para o leitor desta tese. A primeira é 
de que ela se propõe a ser uma tese teórica que se debruçará sobre dois campos, a Filosofia e a 
Biologia. São os campos da minha formação inicial. Concluí a graduação em Ciências 
Biológicas em 2009 e a de Filosofia em 2017, ambas pela Universidade Federal de Santa 
Catarina (UFSC). 
 A segunda consideração é quanto às bases teóricas: partimos de alguns princípios e 
orientações teóricas pautados pelo materialismo histórico. Autores como Karl Marx, Friedrich 
Engels, Vladmir Lênin e György Lukács serão balizadores desta investigação, em especial 
21 
Lukács, por ser considerado um renovador do pensamento marxista, ao formular uma 
interpretação ontológica do pensamento de Marx — embora o próprio Marx não tenha 
organizado as suas reflexões e investigações pensando em elaborar uma ontologia sistemática. 
A abordagem ontológica se mostra essencial para esta pesquisa porque, como afirma Duayer 
(2016), é pela crítica ontológica que orientamos nossas crenças e ações sobre o mundo e, o 
que nos interessa mais diretamente, é pela ontologia que as polêmicas relativas à ciência e 
suas teorias são resolvidas. Afinal, a ciência busca investigar o que é a realidade, o que são os 
seres em si mesmos, de modo que as polêmicas que surgem entre diferentes teorias são 
sempre, cedo ou tarde, decididas pela ontologia, por aquilo que o ser efetivamente é. 
 A terceira consideração é sobre o que motiva uma tese teórica no campo da Educação, 
e da linha Trabalho, Educação e Política (TEP) em específico. Apesar de haver exímios 
defensores de uma proposta pedagógica orientada pela filosofia marxista, como Saviani 
(1986), Duarte (2008) e Saviani e Duarte (2012), em especial no que se refere ao trabalho 
como princípio educativo, há também muitas críticas em relação a uma pedagogia 
intencionada socialista sendo realizada em uma sociedade capitalista, como em Lessa (2011), 
Tonet (2012; 2013), Maceno (2019) e Tumolo (2005; 2011). Muitas dessas críticas assentam-
se em questões como: se o trabalho seria um princípio educativo, se o conhecimento seria 
meio de produção e se, para a transformação da sociedade, ou seja, para superação do modo 
de produção da vida pautado pelo capitalismo, a educação formal, universitária ou escolar 
teria a contribuir para a classe interessada na transformação, a classe trabalhadora. Admitindo 
que muitas das críticas feitas às propostas pedagógicas que visam uma transformação social 
são pertinentes, vemos que isso coloca certos contornos para a pesquisa em Educação e em 
Ensino de Ciências. Esses contornos dizem respeito à seguinte afirmação de Marx (2008, p. 
49): “O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e 
intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser 
social que determina sua consciência”. Propostas educacionais que não levem em conta os 
fundamentos ontológicos do ser social na forma capitalista, e esses fundamentos são dados 
pelas relações de trabalho, estarão fadadas ao fracasso, a despeito de toda boa 
intencionalidade de seus agentes. 
 Propostas assim são abundantes na pesquisa em Educação e em Ensino de Ciências. 
São propostas que visam construir uma sociedade mais humana, mais cidadã, democrática, 
com justiça social, crítica, e a lista de adjetivos pode ser estendida longamente. São pesquisas 
que variam da análise de materiais didáticos a políticas educacionais, passando por 
reformulação de currículos escolares e de propostas para a formação de professores. As 
22ressalvas que os autores críticos a uma pedagogia marxista dentro da sociedade capitalista 
fizeram a essas propostas pedagógicas não buscam encontrar o seu fundamento dentro da 
própria pedagogia (ou da formação de professores, ou do currículo, ou da política educacional 
etc.), mas sim em uma análise científica sobre como funciona a sociedade regida por esse 
modo de produção. Poderíamos construir uma imagem sobre a diferença dessas abordagens. 
Aqueles que sustentam a transformação da sociedade por meio do processo de educação 
formal podem ser vistos como um centro do qual irradiariam essas forças transformadoras. 
Seria, portanto, um processo centrífugo, do centro para a periferia. Os que fazem a crítica a 
essas concepções partem do fundamento ontológico da sociedade, o trabalho, para, a partir 
dele, acrescentarem mediações e determinações até se chegar à escola ou à universidade, ou 
seja, aos processos formais de educação. O processo seria, portanto, centrípeto, das 
determinações mais gerais que constituem a sociedade até as mais específicas na esfera da 
Educação. As considerações feitas são fundamentais para justificar a importância de uma 
pesquisa teórica. Ganha-se mais avançando pouco na direção certa do que percorrendo longas 
distâncias por caminhos equivocados. Principalmente quando se tem um interesse político 
claro, o da emancipação humana. 
 Com isso, apresento a quarta consideração sobre esta tese. Todo escrito é feito 
pensando em um público a quem se destina, e embora seja o movimento da história o que 
determinará quem serão os leitores desta tese, ela se dirige especialmente a pesquisadores das 
áreas da Educação, do Ensino de Ciências e da Filosofia e, nesse sentido, direciona-se 
principalmente, mas não unicamente, a pesquisadores e a futuros pesquisadores da área. 
 Assim, apresentamos a proposta da tese: tendo em vista o número expressivo de 
produções intelectuais que se orientaram pela filosofia de Humberto Maturana, proponho-me 
a fazer uma análise das contribuições teóricas desse autor. Não qualquer análise, mas uma 
análise crítica. Não qualquer análise crítica, mas uma análise crítica de cunho ontológico. 
Assim procedendo, creio que conseguirei atingir um segundo objetivo, a saber, um tratamento 
ontológico para a pesquisa em Educação que tenha a Biologia como objeto de análise. Isso é 
algo inaudito na área de Educação, assim como na área de Ensino de Ciências. Toda esta 
última área se constituiu com base em uma analogia entre a filosofia da ciência desenvolvida 
no século XX e o ensino das diferentes ciências naturais, sobretudo filosofias caracterizadas 
como pós-positivistas, como vemos pelo trabalho de Villani (2001). Todas essas vertentes, por 
mais diferentes que possam parecer à primeira vista, são de cunho epistemológico, ou seja, 
tomam o sujeito como o polo regente do conhecimento. São todas, em maior ou menor grau, 
tributárias de uma concepção kantiana de conhecimento, uma vez que este filósofo, como já é 
23 
sabido, estabeleceu uma cisão entre a realidade em si (noumeno) e o conhecimento acerca 
dessa realidade (fenômeno). 
 O que essas diferentes correntes da Filosofia da Ciência2 do século XX não levaram 
em consideração é que o conhecimento pode ser abordado de forma diferente. Ele pode ser 
abordado a partir de uma concepção ontológica. Nessa abordagem, o conhecimento tem o seu 
polo regente não no sujeito e nas suas faculdades cognitivas, mas no objeto. A abordagem 
ontológica busca apreender as determinações mais gerais e essenciais do ser de que trata. 
Assim, em uma abordagem ontológica, o que se pergunta primeiro não é o conhecer, mas o 
próprio ser. Kosik (1976, p. 43) enfatizou bem isso: 
 
O conhecimento da realidade, o modo e a possibilidade de conhecer a 
realidade dependem, afinal, de uma concepção da realidade, explícita ou 
implícita. A questão: como se pode conhecer a realidade? é sempre precedida 
por uma questão mais fundamental: que é a realidade? 
 
A partir dessa compreensão, e lendo os livros de Humberto Maturana, percebe-
se que ele não economiza elogios ao falar de sua própria teoria. Em suas entrevistas 
feitas ao filósofo alemão Bernhard Pörksen e publicadas no livro Del ser al hacer 
(MATURANA; PÖRKSEN, 2008), o biólogo chileno afirma: 
 
De onde se quer saber que esta realidade absoluta existe, quando se parte 
precisamente da impossibilidade de conhecê-la? É um jogo intelectual sem 
sentido, justamente porque só se pode falar desta realidade supostamente 
independente em dependência da própria pessoa. Mas se enfatizo que todo o 
dito é dito por um observador, outra pergunta passa a ser chave e muda todo 
o sistema tradicional de fazer filosofia, da realidade, da verdade e da 
essência do ser […]. (MATURANA; PÖRKSEN, 2008, p. 36). 
 
 Se estamos efetivamente diante de uma proposta filosófica capaz de alterar as noções 
de realidade, verdade e de essência do ser, então estamos diante de algo realmente grandioso, 
uma verdadeira “ruptura de paradigmas”. Isso, claro, se as afirmações do biólogo chileno 
estiverem corretas. E o conteúdo desta tese envolve precisamente essa “nova” filosofia que 
Maturana diz defender. Como ele parte da biologia do conhecer, também partiremos da 
biologia, mas de uma abordagem ontológica. Seguiremos a distinção proposta por Lukács 
(2014), para quem o ser é unitário, mas que se manifesta de três formas diferentes, a saber, ser 
 
2 Pode parecer estranho, à primeira vista, que estejamos colocando juntas concepções que tradicionalmente 
receberam uma classificação e um tratamento muito diferentes, como, por exemplo, as visões de Popper, Kuhn, 
Feyerabend e Bachelard. Sem desprezar as diferenças existentes nessas filosofias, todas se assemelham pela 
ausência de tratamento ontológico. 
24 
inorgânico, ser orgânico e ser social. Entre cada forma do ser ocorre uma mudança qualitativa 
que o filósofo chamou de salto ontológico, de modo que o ser orgânico, a vida, se situa entre 
dois saltos, o salto do inorgânico para o orgânico, o qual corresponde ao surgimento da vida, e 
o salto do orgânico para o social, o aparecimento do ser humano. Essas distinções serão 
detalhadas ao longo da tese. 
 O estudo que apresento consiste, como já dito, em uma análise crítica do pensamento 
de Maturana. Tendo em vista o número expressivo de teses e dissertações que buscaram no 
seu pensamento subsídio teórico, principalmente, mas não apenas, para pensar a educação, é 
de se esperar que em suas obras, além de questões relativas à biologia, encontrem-se, também, 
considerações sobre o ser humano, visto que qualquer referencial para pensar a educação 
deve, necessariamente, abarcar uma compreensão sobre o ser humano e a sociedade. Ademais, 
professores e pesquisadores de biologia devem, de forma igualmente necessária, nutrir uma 
concepção de vida. Se a compreensão a respeito da base, dos fundamentos daquilo que 
ensinam e pesquisam for algo problemático ou mistificador, é bastante provável que o ensino 
ou a pesquisa sobre aquilo que estejam realizando resulte problemático. Assim, além de 
analisarmos os fundamentos de Maturana, apresentamos, também, os fundamentos do que 
consideramos uma abordagem correta, em bases materialistas, tanto para a vida quanto para o 
ser humano. 
Há motivações especiais para a escolha do presente tema. Creio que seja importante 
explicitá-las, uma vez que elas servem como justificativa, subjetiva e objetivamente, do 
presente trabalho. É uma motivação pessoal poder redigir uma tese cujos temas, por distintos 
que sejam, como indiquei, compõem a minha formação acadêmica. Em minha pesquisa de 
mestrado3, antes de iniciar minha trajetória acadêmica na Filosofia, já havia trazido elementos 
da Filosofia da Biologia para a discussão do ensino. Agora, na tese, consegui juntar esses 
elementos (das Ciências Biológicas e da Filosofia) com mais rigor, mas sempre com a 
regência no polofilosófico. E isso é importante ser dito, pois embora inevitavelmente o 
estudo dedique atenção a questões relativas ao desenvolvimento científico, pode-se observar 
que não tivemos como meta elencar uma bibliografia acerca das últimas descobertas e 
discussões dentro dos campos científicos mais discutidos, a saber, o da origem da vida ou da 
química pré-biótica, e o da paleontologia/antropologia, relativos à origem do ser social. Nossa 
 
3
 ALFAYA-SANTOS, João Vicente. Concepções de progresso biológico em livros didáticos de biologia 
aprovados pelo PNLD 2012. 2013. 168 f. Dissertação (mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – 
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, 
2013. 
25 
discussão é predominantemente filosófica, tomando como base descobertas/teorias científicas 
que consideramos inelimináveis para uma discussão aprofundada das questões relativas ao ser 
orgânico e ao ser social, para fazer o contraponto com as teses de Maturana. Por isso, por 
exemplo, na seção 2, autores como Charles Darwin e Aleksandr Oparin serão referências, não 
por tomarmos de maneira ingênua as suas teorias, sem as devidas mediações e sem ver os 
limites. A despeito, porém, dos limites do conhecimento científico da época dos autores, eles 
se tornam referências porque sem os elementos matriciais de suas teorias, consideramos que 
toda discussão acerca do tema origem da vida, por exemplo, perde o seu eixo explicativo de 
forma materialista. Com essa ressalva, esperamos estar protegidos contra possíveis críticas de 
que, ao discutir o assunto, pautamo-nos por autores “desatualizados”. 
 Objetivamente, temos motivações bastante variadas. Não fosse suficiente a quantidade 
de teses e dissertações que se pautam pela teoria de Maturana na Educação, em outros campos 
também muitos autores não dispensam elogios às formulações do biólogo chileno. Por 
exemplo, Rabelo (1998), ao prefaciar o livro de Maturana Emoções e linguagem na educação 
e na política, diz que o século XXI poderá ser o século de Humberto Maturana, uma vez que 
 
A Biologia do Conhecimento, como o próprio Maturana costuma chamar o 
conjunto de suas ideias, parece-me ser a grande novidade científica da 
atualidade, pois permitiu a ultrapassagem da premissa básica do pensamento 
ocidental, aquele que sempre opôs o biológico ao não-biológico ou social, ou 
cultural. Essa mesma premissa dualista que reaparece sob formas várias e 
com vários nomes – corpo x mente, espírito x matéria, natureza x história, 
indivíduo x sociedade – foi uma pedra no caminho do pensamento crítico. A 
importância da reflexão de Humberto Maturana tem a ver, portanto, com a 
possibilidade já antevista por Lévi-Strauss e desejada por Jacques Derrida, 
dentro outros, de se estabelecer uma continuidade entre o biológico e o 
social ou cultural. (RABELO, 1998 p. 7). 
 
 Nelson Vaz, reconhecido imunologista brasileiro, professor emérito da Universidade 
Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, afirma que a parceria entre Maturana e 
Varela gerou ideias capazes de “[...] mudar todo o compasso do pensamento biológico 
contemporâneo, além de mudar a relevância da biologia para as chamadas ciências sociais” 
(VAZ, 1987, p. 17). Esse autor, inclusive, faz uso das ideias de Maturana no campo da 
imunologia, em elaborações teóricas sobre o funcionamento do sistema imune (VAZ, 2011). 
 No campo da Biologia teórica não são poucos os autores que se valem da teoria de 
Maturana sobre autopoiese para explicar o que seja vida. Podemos destacar a renomada 
bióloga Lynn Margullis, em parceria com seu filho, Dorion Sagan (MARGULLIS; SAGAN, 
1986; MARGULLIS; SAGAN, 2002). 
26 
 No campo educacional, um dos focos desta tese, como era de se esperar, os elogios e 
exortações da teoria de Maturana não são menores. Moraes (2003), por exemplo, trata das 
mudanças que o mundo vem sofrendo e de como, diante de tais mudanças, ocasionadas pelas 
descobertas científicas, mas não apenas por elas, demandam uma teoria pedagógica engajada 
nesse “espírito do tempo”. Afirma a autora: 
 
Para poder navegar neste mundo de transição, necessitamos de novas 
ferramentas de aprendizagem, de novos instrumentos e de um 
posicionamento diferente do ser humano diante do mundo e da vida. 
Precisamos de novos referenciais, de um novo paradigma e de uma educação 
transformadora capaz de ajudar o sujeito a aprender a aprender, a conhecer 
como se aprende e a viver/conviver na mudança para que ele possa 
sobreviver às incertezas e ao inesperado, sem ficar à deriva em pleno mar. 
(MORAES, 2003, p. 26-27). 
 
 Essa teoria pedagógica engajada deve estar em conformidade com as novas 
descobertas científicas. No rol dessas descobertas, figuram, entre outras, a teoria da 
autopoiese de Maturana. Continua a autora: 
 
Em função das novas descobertas científicas, já não podemos mais 
desconhecer que a realidade ao nosso redor é um reflexo de nossos 
pensamentos e de nossas ações, de nossas formas de viver/conviver em 
sociedade e do paradigma que norteia a ciência cujos reflexos podem ser 
observados em nossas ações educacionais e atitudes pessoais. (MORAES, 
2003, p. 18). 
 
 Aparentemente, essas novas descobertas científicas operaram uma inversão daquilo 
que é padrão para o conhecimento científico, a saber, a descrição da realidade independente 
do observador. Veremos, ao longo da tese, como as teorias de Maturana operam essa inversão. 
 Outro fator que nos motiva e, ao mesmo tempo, é profundamente desafiador é a 
complexidade do tema, principalmente diante do engajamento filosófico do qual partimos, o 
marxismo. Como se sabe, as investigações sobre a natureza nunca foram o alvo principal de 
Marx, Engels e nem do autor marxista que serve como uma das principais referências desta 
tese, György Lukács. Engels, em especial, nos legou alguns escritos sobre o tema, sobretudo 
em A dialética da natureza (ENGELS, 1979) e no Anti-Dühring (ENGELS, 2015). Mas até 
mesmo Engels em seus grandes esforços cometeu equívocos ao interpretar a teoria da seleção 
de Darwin, como se vê a seguir: 
 
O erro de Darwin consiste precisamente em que confunde, como sendo uma 
só, duas coisas absolutamente diferentes: a seleção natural e a sobrevivência 
do mais apto: 1. Seleção devida à pressão da superpopulação; em que os 
27 
mais fortes sobrevivem, talvez em primeiro lugar, mas podendo sobreviver 
também os mais fracos em muitos sentidos. 2. Seleção devida a uma maior 
capacidade de adaptação a certas circunstâncias modificadas, em que os 
sobreviventes são mais apropriados a essas circunstâncias, mas em que essa 
adaptação pode significar, em conjunto, tanto um progresso como um 
retrocesso (por exemplo: a adaptação à vida parasitária é sempre um 
retrocesso). (ENGELS, 1979, p. 181, grifo nosso). 
 
Se Engels, no seu tempo, cometeu equívocos quanto à interpretação da teoria 
darwinista, equívocos de natureza ainda pior permanecem hoje entre autores marxistas, a 
exemplo de Nildo Viana, ao escrever o prefácio do livro de Anton Pannekoek intitulado 
Marxismo e Darwinismo (PANNEKOEK, 2019). Nesse prefácio, Viana (2019) afirma que a 
teoria darwinista tem uma imanência burguesa, pois as ideias do naturalista britânico foram 
elaboradas de acordo com uma episteme burguesa (VIANA, 2019, p. 19). Esse autor ainda 
impõe a Darwin a pecha de ter sido o primeiro darwinista social e afirma que “marxismo e 
darwinismo são como água e fogo” (VIANA, 2019, p. 20), o que tornaria errado distinguir 
entre darwinismo e darwinismo burguês, visto que o “[...] darwinismo burguês se aplica a 
Darwin em sua integralidade, tanto nos interesses de classe quanto no conteúdo de sua 
ideologia” (VIANA, 2019, p. 25). Para este autor, é necessária mesmo a transformação radical 
da sociedade para que uma teoria sobre a origem dos seres vivos possa se desenvolver: 
 
[…] seria necessária […] uma transformaçãoradical e total para se 
desenvolver a episteme marxista e pesquisas sobre a natureza livre das 
determinações da sociedade capitalista (episteme burguesa, ideologias, 
pressão social, financiamento etc.) para poder avançar efetivamente na 
compreensão da gênese da humanidade e na evolução das espécies. 
(VIANA, 2019, p. 30). 
 
 Trouxemos isso apenas a título de exemplo para ressaltar que, mesmo após quase dois 
séculos de publicação da teoria darwinista, ainda restam muitos problemas de compreensão 
dessa teoria, mesmo entre aqueles que se dizem materialistas, ou seja, que não apresentariam 
motivos de ordem moral ou “espiritual” para rechaçar a teoria evolutiva formulada por 
Darwin. 
 Outra motivação que nos leva a empreender essa pesquisa é a grande importância que 
Marx e Engels atribuíram às ciências naturais, em especial à biologia. No seu Ludwig 
Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, Engels (2016) afirma que o próprio 
desenvolvimento das ciências naturais contribuiu para consolidar, acrescentamos nós, ainda 
que não de forma consciente, o método dialético de pensar. Se as ciências naturais do século 
XIX eram ciências predominantemente colecionadoras de objetos acabados e fixos, as 
28 
ciências naturais do século XIX eram essencialmente coordenadoras, ciências que estudam 
processos e a concatenação desses processos (ENGELS, 2016, p. 56). Segundo Engels (2016), 
três foram as descobertas que deram um impulso gigantesco no conhecimento sobre os 
encadeamentos dos processos naturais, a saber: a descoberta da célula e o desenvolvimento 
consequente da teoria celular; a transformação das diferentes formas de energia e a conversão 
de uma forma em outra; e, por fim, a descoberta de Darwin sobre a diferenciação de todos os 
seres vivos, incluindo o ser humano, como resultado de um longo processo evolutivo. Das três 
grandes descobertas destacadas por Engels, duas são no campo biológico. Podemos afirmar 
que essas descobertas ajudaram a consolidar o que Engels afirmou em o Anti-Dühring: que a 
natureza é a prova da dialética (ENGELS, 2015, p. 51) e que a unidade real do mundo 
consiste em sua materialidade, comprovada por um longo desenvolvimento da filosofia e da 
ciência natural (ENGELS, 2015, p. 74-75). 
 Além da importância das ciências naturais em geral, a teoria evolutiva de Darwin teve 
destaque especial sobre a compreensão de mundo de Marx e Engels. Em suas trocas de 
correspondências, por exemplo, Engels afirma a Marx, em carta de dezembro de 1859: 
 
Permanecia ainda um aspecto em que a teleologia não havia sido demolida: 
agora já está. Ademais, nunca até o momento se havia empreendido uma 
tentativa de tamanha envergadura para demonstrar que na natureza há um 
desenvolvimento histórico, ao menos nunca com tanto êxito. (MARX; 
ENGELS, 1975, p. 21-22). 
 
 Marx responde, em 1860, que em Darwin se encontra o “fundamento histórico social 
de nossa ideia” (MARX; ENGELS, 1975, p. 22). Até mesmo em sua obra principal, O 
Capital, Marx não deixou de estabelecer analogias entre o processo de divisão do trabalho e 
da adaptação das ferramentas a atividades específicas, correspondendo ao trabalho dos 
trabalhadores parciais na manufatura, e o processo biológico pelo qual um órgão pode se 
especializar e realizar uma função específica, fazendo mesmo uma citação literal do quinto 
capítulo de A origem das espécies, sobre órgãos que ainda não sofreram um alto grau de 
especialização e que, em virtude dessa não tão desenvolvida especialização, podem ser 
cooptados para funções diferentes das que exercem no tempo presente (MARX, 2017, p. 416). 
 Por fim, mas não menos importante, acreditamos que esta tese, dentro dos 
modestíssimos objetivos a que se destina, cumpre um papel importante, não apenas 
academicamente, mas dentro de uma das direções da luta de classes, a saber, a luta teórica, 
como foi destacada por Engels (2010) e Lênin (2015). Não é de se estranhar que um teórico 
revolucionário como Trostky abordasse em seus Escritos filosóficos temas referentes às 
29 
ciências naturais, especialmente sobre o darwinismo, considerado por ele “a maior vitória da 
dialética em todo o terreno da matéria orgânica” (TROTSKY, 2015, p. 283). Cremos que com 
isso justificamos a relevância da tese, para além do ineditismo de um texto que faça uma 
crítica ontológica às teorias desenvolvidas por Maturana. 
 Importa, ainda, destacar que quando se fala da pesquisa no campo das ciências 
naturais realizada por marxistas, em especial no caso da Biologia, apesar de exemplos 
notáveis como de Richard Lewontin (1929-2021) e Richard Levins (1930-2016), algumas 
dúvidas podem pairar e causar certo estranhamento. Brevemente pretendemos dissipar 
algumas que pensamos ser as mais recorrentes. 
 É sabido pelo público leigo que o marxismo, como ciência e filosofia, sofreu 
deformações no período estalinista. Pode-se afirmar mesmo que boa parte do trabalho 
filosófico de Lukács se voltou para a superação da vulgata marxista do período estalinista, 
para aquilo que ele chamou de renascimento do marxismo. A deformação do marxismo em si 
já seria um problema enorme, o que infelizmente se tornou maior ainda pois tal deformação 
não se limitou à filosofia, atingindo parte das ciências naturais, e o exemplo da Biologia 
talvez seja o mais emblemático nesse caso. Referimo-nos aqui às teorias de Trofim Lysenko 
(1898-1976), biólogo e agrônomo soviético. 
 Lysenko reconhecia o mérito de Darwin, mas atribuía a sua teoria da evolução por 
seleção natural, apesar do caráter indiscutivelmente materialista desta, o grave erro de conter 
componentes de uma filosofia reacionária, como a teoria malthusiana4. Em oposição ao que 
chamou de neodarwinismo, Lysenko sustentava uma teoria chamada de darwinismo soviético 
criador, a qual, entre outras coisas, defendia a ideia de que as características biológicas 
adquiridas por um ser vivo em virtude das condições ambientais nas quais ele se insere 
poderiam ser transmitidas geracionalmente. Tal concepção levou Lysenko a rejeitar grande 
parte da ainda incipiente ciência da genética. Maiores detalhamentos sobre o caso Lysenko 
podem ser encontrados em Sheehan (1993, p. 217-228). 
 O exemplo de Lysenko é importante de ser mencionado porque o tema da tese com o 
qual estamos lidando é delicado. Em virtude da repercussão do caso Lysenko, quando um 
marxista resolve falar sobre ciências naturais é como se o espectro do lysenkoismo sempre 
estivesse rondando, como se as considerações acerca da realidade, no caso a realidade natural, 
 
4 O malthusianismo, grosseiramente falando, consiste na doutrina demográfica de que o crescimento 
populacional é sempre superior ao crescimento de alimentos e outros recursos, de modo que uma parte da 
população, inevitavelmente ficará sem esses recursos, do que resulta, necessariamente, a morte de certa parcela 
da população. 
30 
tivessem de ser submetidas e validadas por considerações políticas, nos casos mais graves, ou 
se submeter a algumas leis eternas da dialética, como a lei da negação da negação5, nos casos 
menos graves. 
 Felizmente, houve também cientistas marxistas cônscios desses problemas e se 
opuseram a essas interpretações simplificadoras, como Fataliev (1966) e Havemann (1967). 
 
Os problemas das Ciências Naturais não podem ser resolvidos pela citação 
de alguns princípios filosóficos gerais seguidos de uma afirmação, por 
exemplo, como a seguinte: “Bem, vejamos como o princípio da 
transformação da quantidade em qualidade se aplica ao meu problema”. Tal 
é uma concepção ingênua e inteiramente absurda da maneira pela qual a 
Filosofia pode ajudar na solução dos problemas das Ciências Naturais. É 
preciso partir da própria coisa, é preciso estudar a própria natureza, é preciso 
descobrir concretamente a sua dialética em sua singularidade, e não em sua 
generalidade […]. É preciso entrar diretamente no problema da colocação 
científicadas questões, mas não a partir da Filosofia. Somente a partir da 
ciência empírica é que se pode chegar à dialética que se encontra dentro das 
próprias coisas e que pode ser reproduzida na teoria. (HAVEMANN, 1967, 
p. 20, grifos no original). 
 
 Trouxemos essas considerações porque a abordagem ontológica da qual partimos 
recusa toda e qualquer violência do real em nome de supostas categorias ou leis eternas. 
Como afirmou Marx (2009, p. 126), as categorias usadas para descrever o real são produtos 
históricos e transitórios. De imutável, há apenas a abstração do movimento. A abordagem 
ontológica, desenvolvida por Marx mas que ganha contornos muito maiores em Lukács, não 
procura justificar o real a partir do conhecimento ou do entendimento sobre ele, como se 
houvesse um plano preestabelecido de categorias que necessariamente vão esculpindo a 
realidade até que esta passe a caber naquelas. Pelo contrário. Como afirma categoricamente 
Lukács: “Nenhuma ontologia filosófica terá legitimidade para dominar a ciência e obrigá-la a 
deitar na cama de Procusto6 cognitiva de um sistema” (LUKÁCS, 2012, p. 138). E mais 
adiante na mesma obra: 
 
Uma das questões metodológicas mais importantes da ontologia é manter 
suas categorias afastadas de todas as determinações que brotam de tentativas 
do pensamento humano de dar conta do mundo. Porque a pergunta central da 
 
5 Engels teve muitos méritos em suas formulações teóricas sobre a ciência natural, mas também erros 
consideráveis. Um desses erros consiste na afirmação de existência de leis dialéticas, formuladas por Hegel, que, 
embora sejam extraídas da natureza e da história humana, seriam leis universais, eternas, às quais todos os seres, 
sejam seres sociais ou naturais, estariam sujeitos. 
6 Procusto também foi conhecido como o Esticador. “Ele tinha uma cama de ferro à qual costumava amarrar 
todos os viajantes que lhe caíssem nas mãos. Se fossem menores que a cama, esticava seus membros; se fossem 
mais compridos que a cama, cortava o que sobrava”. (BULFINCH, 2013, p. 237). 
31 
ontologia consiste justamente em afastar do acervo de categorias, da 
estrutura categorial etc., tudo que estiver vinculado, por mais solta que seja 
essa ligação, com os posicionamentos formulados sobre os objetos em 
conformidade com o pensamento, ou seja, tudo o que puder empanar a pura 
essência do ente-em-si, que é totalmente indiferente a todo e qualquer 
espelhamento, não sendo tangido por ele. (LUKÁCS, 2012, p. 142). 
 
 Com isso, queremos nos blindar de possíveis acusações de que o marxismo, em geral, 
e esta tese, em particular, esteja querendo sujeitar os resultados das investigações científicas 
sobre a natureza a considerações de ordem política ou filosófica. Não pretendemos afirmar 
quais são as determinações do ser orgânico a partir do marxismo; antes, assumindo a 
existência independente que o ser orgânico tem em relação ao ser social, dentro dos limites da 
tese expusemos as legalidades que são imanentes dessa forma de ser. Ao expor as legalidades, 
tanto do ser orgânico quanto do ser social, pretendemos mostrar como as teorias de Maturana, 
eivadas de preconceitos epistemológicos, violentam e mistificam a realidade. 
 O século XX, em termos de avanço das ciências, pode ser afirmado como o século da 
biologia. Os campos que se desenvolveram foram inúmeros, basta pensar na etologia, 
ecologia, genética, biologia molecular, biologia evolutiva, biologia do desenvolvimento, 
paleontologia. Assim como as técnicas em questões mais práticas envolvendo o estudo da 
vida, como transgenia, clonagem, desenvolvimento dos antibióticos e de técnicas de 
agricultura. Apesar desses grandes avanços, foram poucos os autores de viés marxista que se 
dedicaram a uma formulação teórica sistemática dos principais aspectos que envolvem a 
biologia. Dentre esses autores, podemos destacar Marcel Prenant (PRENANT, 1936) na 
França, J.B.S. Haldane (HALDANE, 1947) na Inglaterra, além das contribuições de Lewontin 
e Levins em disciplinas mais específicas. Espero que esta tese seja uma contribuição modesta 
para pensarmos a biologia e sua articulação com o marxismo em solo brasileiro. 
 Buscamos, dentro do possível, seguir a orientação lukácsciana sobre a crítica filosófica 
das teorias. Não basta apenas investigar as legalidades específicas do objeto do qual trata, 
seus aspectos essenciais. É preciso, também, buscar a sua gênese e a função social que o 
desenvolvimento teórico cumpre. Pois, como diz o filósofo magiar “[...] não existe visão de 
mundo inocente”. (LUKÁCS, 2020, p. 10). 
Nesse contexto, e partir do explicitado, esta tese se estrutura em quatro seções. Na 
primeira seção tratei sobre a trajetória intelectual de Maturana, um pouco sobre sua história e 
os principais elementos de sua teoria. A seção 1 foi dividida da seguinte forma: 1) exposição 
sobre a trajetória de Maturana como cientista; 2) o conceito de autopoiese (vida); 3) a teoria 
do conhecimento de Maturana, a Biologia do conhecer; 4) sobre como Maturana entende o 
32 
sistema nervoso; 5) sobre evolução biológica (deriva natural); 6) sobre o ser humano; 7) 
algumas reflexões de Maturana e de autores inspirados por Maturana sobre a Educação. É 
importante frisar que todos esses tópicos são abordados conforme a teoria de Maturana, pois a 
intenção foi expô-la com o máximo de justiça possível, de modo fidedigno ao que é o 
pensamento do autor. 
 Na segunda seção, apresento os aspectos relacionados ao primeiro salto ontológico, 
isto é, o surgimento da vida, tal como a conhecemos neste Planeta. São apresentadas a sua 
estrutura e principais propriedades. Autores fundamentais para a elaboração desse capítulo 
foram Aleksandr Oparin e Charles Darwin. Como um dos traços característicos da vida é a 
sua capacidade de transformação ao longo do tempo, em outros termos, a sua capacidade de 
evoluir, valemo-nos do pensamento de Charles Darwin para mostrar como a teoria evolutiva 
do naturalista britânico apresenta elementos e categorias decisivas para entender o ser 
orgânico em sua processualidade, o que, a meu ver, é ausente na teoria da Maturana sobre a 
evolução (deriva natural). Além das considerações sobre a teoria de Oparin, também 
apresento os aportes empíricos que enriqueceram sua proposta, sobretudo o experimento de 
Miller e Urey. Como forma também de enriquecer a caracterização do ser orgânico, exponho 
algumas considerações acerca da emergência, como um constituinte geral da matéria. 
 Apresentaremos também um breve excurso sobre teleologia e sobre como ela se 
manifesta no ser orgânico. Essa afirmação, para alguém que se diz orientar pelo pensamento 
luckácsciano, pode parecer estranha à primeira vista. Afinal, como é sabido pelos estudiosos 
desse filósofo, em diversas oportunidades ao longo de suas obras, sobretudo em Para uma 
ontologia do ser social, Lukács expressou que a teleologia é uma categoria exclusiva do ser 
social. Não pretendemos estabelecer uma ruptura com o pensamento de Lukács nesse aspecto, 
mas apenas mostrar alguns limites e contribuir com determinações específicas do ser orgânico 
que foram analisadas no campo da Filosofia da Biologia, algo a que o filósofo húngaro não 
pôde se deter, dada a especificidade do assunto. Afirmamos que nenhuma ruptura será 
estabelecida, pois consideramos que a teleologia é uma característica marcante do ser social. 
Mas veremos que ela pode se expressar, com sentido diverso e plenamente materialista, no 
domínio do ser orgânico, especialmente, mas não apenas no que se refere às funções 
biológicas. Também é objeto desta seção uma breve exposição sobre o desenvolvimento do 
psiquismo a partir de uma abordagem materialista, visto que a análise do sistema nervoso é 
algo central no pensamento de Maturana. 
 Na terceira seção, a transição do orgânico para o social, o surgimento do ser humano é 
descrito, tal como o entendemos pela filosofia de Marx e Lukács, comcontribuições de 
33 
estudos antropológicos, como os de Richard Leakey e Walter Neves, por exemplo. 
Destacaremos, em especial, as contribuições de Marx e Lukács para compreender o ser 
humano em seus fundamentos ontológicos, dando ênfase para o pôr teleológico e para a 
reprodução social, e o papel da educação na última. Nesta seção também apresentaremos uma 
abordagem genética do psiquismo humano, e para isso contaremos com as contribuições do 
psicólogo Alexis Leontiev. 
 Na quarta e última seção é realizado um cotejamento entre aquilo que foi apresentado 
da filosofia de Humberto Maturana, na primeira seção, com os elementos trazidos na segunda 
e terceira seções. Essas duas seções são essenciais para vermos se as afirmações de Maturana 
se sustentam diante das investigações empíricas sobre a vida, sobre o sistema nervoso, sobre o 
ser humano e sobre a evolução. Trazemos, também, alguns elementos da história da filosofia 
com os quais confrontamos a teoria de Maturana, a fim de constatar se, realmente, o seu 
pensamento é tão inovador como ele mesmo diz ser. 
 
 
34 
 
 
 
 
Hamlet 
- Então é o fim do mundo. Mas suas novidades não são verdadeiras. Deixem-me 
interrogá-los mais de perto. O que, meus bons amigos, mereceram das mãos da fortuna que 
ela os mandasse aqui para a prisão? 
 
Guildenstern 
- Prisão, senhor? 
 
Hamlet 
- Uma grande prisão, onde há clausuras, celas e calabouços, sendo a Dinamarca uma 
das piores. 
 
Rosencrantz 
- Não julgamos assim, senhor. 
 
Hamlet 
- Ora, não será assim então para vocês; pois não existe nada de bom ou de mau que 
não seja assim pelo nosso pensamento. Para mim, é uma prisão. 
 
Rosencratz 
- Ora, então é a sua ambição que a faz assim; é estreita demais para o seu espírito. 
 
Hamlet 
- Oh Deus, eu poderia viver preso numa casca de noz e me sentir um rei de espaços 
infinitos, se não fossem os maus sonhos que tenho. 
 
William Shakespeare7 
 
7 SHAKESPEARE, William. Hamlet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. 608 p. 
35 
1 A VIDA E O PENSAMENTO DE HUMBERTO MATURANA 
 
Começo esta seção apresentando alguns aspectos da trajetória de Humberto Maturana, 
com o fito único de contextualizar o leitor sobre o autor que é tema central desta tese. Essa 
contextualização tem caráter unicamente informativo e não tem pretensão alguma de sugerir 
uma possível associação mecânica e fatalista entre a trajetória de vida, os acontecimentos 
vivenciados e as ideias do autor. Aqui é sempre bom lembrar que a filosofia marxista, a partir 
da qual nos orientamos, desconhece qualquer fatalismo entre o desenvolvimento ideológico 
de indivíduos isolados e suas relações de classe etc. Em outras palavras, não queremos sugerir 
que, em virtude dos acontecimentos vivenciados por Maturana, se estabeleça uma relação 
causal com as ideias defendidas pelo autor. 
 
1.1 A TRAJETÓRIA DE HUMBERTO MATURANA 
 
Maturana é um biólogo chileno nascido em 1928. Sua família era pobre, seus pais se 
separaram quando Maturana ainda era muito novo, de modo que ele foi criado basicamente 
por sua mãe, que trabalhava como assistente social e a quem Maturana sempre gosta de se 
referir como sua primeira influência. Um episódio que recorda de sua infância é o de que certa 
vez, quando estava brincando com seu irmão mais velho, sua mãe lhes disse que nada em si é 
bom ou mau, uma conduta pode ser adequada ou inadequada, correta ou equivocada e caberia 
a eles (Maturana e seu irmão) decidir sobre o que corresponde a cada vez. Quando perguntado 
por que esse episódio o marcou, Maturana responde que: “Se uma conduta não pode ser 
catalogada como intrinsecamente boa ou má, então – foi o que me ficou claro – é necessário 
observar a rede relacional em que está inserida, e decidir autonomamente por uma maneira de 
atuar” (MATURANA; PÖRKSEN, 2008, p. 161). 
 Maturana contraiu tuberculose duas vezes em sua vida, a primeira vez quando tinha 
apenas onze anos de idade. Em 1948 começou a estudar medicina no Chile, mas depois de 
três meses de curso teve de ser internado por conta de uma segunda tuberculose. Permaneceu 
por dois anos acamado para seu restabelecimento, impedido de fazer qualquer esforço. 
Durante o período em que esteve internado, as leituras escondidas o acompanharam. Ele gosta 
de mencionar que Friedrich Nietzsche, com Assim falou Zaratustra, e Julian Huxley, com 
Evolução, uma síntese moderna, foram leituras que o marcaram naquele período 
(MATURANA, 1992, p. 19). 
36 
 Regressando à faculdade de medicina, conheceu sua primeira esposa e, três anos 
depois, mudaram-se para a Inglaterra e logo depois para os Estados Unidos, onde Maturana 
doutorou-se pela universidade de Harvard, em 1959, com uma tese que abordava a anatomia 
do nervo óptico e do centro visual no cérebro de rãs. Trabalhou um tempo também no 
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), fazendo aí seu pós-doutorado sob orientação 
do neurofisiologista Jerry Lettvin. 
 Em 1960, ainda no MIT, Maturana realiza um experimento no qual se assentam as 
primeiras raízes da teoria epistemológica que desenvolveria anos mais tarde, a biologia do 
conhecer. Tal experimento consistia na investigação sobre os diferentes tipos celulares das 
retinas de rãs e suas respectivas respostas fisiológicas. Em síntese, em suas investigações 
Maturana descobriu que havia dois tipos celulares distintos na retina de rãs: um tipo de cujo 
corpo celular saíam filamentos em todas as direções, e outro tipo e no qual os filamentos se 
estendiam em uma única direção. A hipótese de Maturana era de que a forma da célula retinal 
determinaria a reação do organismo. Ou seja, independentemente do estímulo que fosse dado, 
as células retinais reagiriam de maneira específica, conforme sua estrutura celular. Usemos as 
palavras de Maturana para descrever o experimento8: 
 
Limitei-me a mover minha mão diante dos olhos da rã e a registrar com um 
eletrodo os impulsos de uma célula isolada do nervo óptico. E de fato 
descobri uma célula que reagia independentemente da direção em que movia 
minha mão. Depois mudei um pouco a posição do eletrodo e descobri uma 
célula que reagia somente se movia minha mão em determinada direção. Ou 
seja, mostrava a reação unidirecional esperada. (MATURANA; PÖRKSEN, 
2008, p. 168, tradução nossa). 
 
 Outra passagem digna de destaque durante o período em que Maturana trabalhou no 
MIT é que próximo ao laboratório em que fazia seus estudos em neurofisiologia havia um 
laboratório de inteligência artificial liderado por Marvin Minsky9. Mesmo sem ter trabalhado 
nesse laboratório, Maturana ouvia as conversas dos pesquisadores, os quais diziam que 
sempre estavam criando modelos biológicos. Para Maturana, tal afirmação parecia 
completamente absurda (MATURANA; PÖRKSEN, 2008, p. 166), porque o que eles faziam 
“[...] não era modelar nem imitar fenômenos biológicos, senão imitar ou modelar a aparência 
destes no âmbito de sua visão como observadores” (MATURANA; VARELA, 1997, p. 13). 
Ou seja, para Maturana, a falha dos pesquisadores em inteligência artificial era não conseguir 
 
8 Acredito ser importante o registro de certos experimentos na trajetória de Maturana, pois eles servirão de base 
quando tratarmos especificamente da teoria do conhecimento elaborada por ele. 
9 Cientista norte-americano que atuou principalmente no campo da inteligência artificial. 
37 
distinguir entre o ser vivo em si mesmo e aquilo que eles, como observadores, afirmavam ser 
o ser vivo. Para Maturana, havia uma crença entre os biólogos do MIT de que os fenômenos 
biológicos seriam revelados se fosse descrita a função que se lhes atribuía. 
 
Eu pensava que não era adequado falar assim, nem mesmo metaforicamente, 
porque acreditava que essa maneira de falar ocultava conceitualmente o 
operar que dava origem ao fenômeno biológico que se desejava 
compreender. Para evitar esse ocultamento, comecei a diferenciar entre o queeu dizia como observador, segundo como eu via em meu espaço de 
distinções o ser vivo, do que eu dizia que acontecia com ele em seu operar, 
ao estar já constituído como tal. Quer dizer, comecei a descrever os dois 
domínios nos quais se estabelece a existência de um ser vivo: a) o domínio 
de seu operar como totalidade em seu espaço de interações como tal 
totalidade; e b) o domínio do operar de seus componentes em sua 
composição, sem fazer referência à totalidade de que se constituem, e que é 
onde se constitui, de fato, o ser vivo como sistema vivente. (MATURANA, 
1997a, p. 13). 
 
 Isso terá implicações para a epistemologia elaborada por Maturana, que será detalhada 
na subseção 1.2. Como o leitor poderá acompanhar ao longo desta tese, a cisão do ser vivo e 
até mesmo da realidade em diferentes domínios é algo que aparece com certa frequência no 
pensamento de Maturana. 
 Maturana regressa ao Chile em 1960, após seis anos de estudos no exterior. Começa 
então a trabalhar como ajudante na cátedra de biologia do professor Gabriel Gasic, na 
Faculdade de Medicina da Universidade do Chile (MATURANA; VARELA, 1997, p. 10). 
Após uma longa conversa com o professor Gasic, Maturana convence-o a deixá-lo ministrar 
uma série de aulas a respeito da origem e da organização dos seres vivos, no final do ano 
letivo. Ao final da última aula, um aluno lhe fez uma pergunta que serviu como uma espécie 
de gatilho para diversas reflexões e investigações, as quais, de certo modo, acompanhariam 
Maturana ao longo de toda sua trajetória intelectual. Eis a pergunta: 
 
“Senhor, você diz que a vida se originou na Terra faz mais ou menos três mil 
e quinhentos milhões de anos. Que aconteceu quando se originou a vida? O 
que começou a iniciar a vida, de maneira que o senhor possa dizer agora que 
a vida começou nesse instante?” Ao escutar essa pergunta me dei conta que 
não tinha resposta; certamente tinha-me preparado para respondê-la, porém 
não podia, já que eu não a tinha formulado para mim nesses termos. O que se 
origina, e que se mantém, até agora, quando se originaram os seres vivos na 
Terra? foi a pergunta que escutei. (MATURANA; VARELA, 1997, p. 10). 
 
 Como o próprio estudioso afirma, nos anos de 1960 aquela era uma pergunta sem 
resposta. Embora reconheça os esforços de Oparin e Haldane em suas investigações a respeito 
da origem da vida (MATURANA; VARELA, 1997, p. 11), para Maturana o que esses 
38 
cientistas se propunham fazer era uma investigação empírica/teórica sobre a origem a vida, 
mas não algo que pudesse servir como categorização do ser vivo. ‘Categorização’ é 
empregada, neste contexto, com o significado de ‘definição’10. Ou seja, faltava uma definição 
que pudesse caracterizar o ser vivo. Maturana pensava que “[...] o principal para explicar e 
compreender os seres vivos era levar em conta sua condição de entes separados, autônomos, 
que existem como unidades independentes” (MATURANA; VARELA, 1997, p. 11). 
 Em 1968, Maturana sai do Chile novamente para trabalhar durante aproximadamente 
um ano com o cientista da cibernética Heinz von Foerster, no Biological Computer 
Laboratory (BCL), na universidade de Illinois. Enquanto trabalhava com Heinz von Foerster, 
Maturana participou de um congresso sobre cognição, Cognition: a multiple view. Nesse 
congresso estariam presentes cientistas de diferentes áreas, e Maturana gosta de destacar a 
participação de antropólogos no evento. A Maturana coube apresentar uma fala sobre 
neurofisiologia da cognição. Para tornar sua apresentação mais simples para um público não 
acostumado à terminologia específica da neurofisiologia, Maturana escreveu no quadro do 
congresso a seguinte frase: “Tudo o que é dito, é dito por um observador”. Vamos às palavras 
de Maturana: 
 
Já que havia decidido falar sobre o processo de conhecer, inevitavelmente 
aquele que conhece, como condição essencial do processo, passou ao 
primeiro plano. Queria enfatizar que é impossível separar o que se diz de 
quem o diz. Não há separação possível entre o falante e o falado. O 
observador necessariamente é a fonte de tudo. Foi uma evidência 
essencial para os antropólogos que participaram do congresso 
(MATURANA; PÖRKSEN, 2008, p. 182, tradução nossa, grifo nosso). 
 
 Tal fala de Maturana pode aparentar que o autor simplesmente fizera a opção por um 
relativismo epistemológico, bastante presente na história da filosofia. No caso de Maturana, 
porém, a defesa do relativismo estaria sustentada por argumentos científicos, sustentada pelos 
resultados empíricos das pesquisas que ele realizara com células neuronais de diferentes 
organismos. Descreveremos esses experimentos na subseção 1.3, ao abordarmos a biologia do 
conhecer. 
 Ainda tratando um pouco do percurso histórico de Maturana, é preciso ressaltar a 
parceria estabelecida com outro pesquisador chileno, Francisco Varela (1946–2001), que 
 
10 Entre os significados da palavra “definição”, segundo o dicionário virtual Aulete, podemos destacar os 
seguintes: “1. Ação ou resultado de definir(-se); 2. Explicação do significado de uma palavra, expressão, frase ou 
conceito; 3. Capacidade de descrever (algo ou alguém), destacando suas características; 4. Delimitação precisa, 
exata”. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/defini%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 07 jan. 2021. 
http://www.aulete.com.br/definição
39 
chegou ao laboratório de Maturana em 1966. Nas próprias palavras de Varela, assim teria sido 
o primeiro encontro entre os dois cientistas: “Ele [Maturana] me perguntou que área me 
interessava e, em meu entusiasmo dos vinte anos, lhe disse sem vacilo: ‘o psiquismo no 
universo!’ Humberto sorriu e disse: ‘Rapaz, chegaste ao lugar certo…’ (VARELA, 1997, p. 
38). A parceria com Maturana foi profícua, e juntos escreveram os livros que mais se 
disseminaram acerca da teoria da autopoiese e interpretações dela decorrentes: A árvore do 
conhecimento, publicado pela primeira vez em 1984, e De máquinas e seres vivos, pulicado 
pela primeira vez em 1973. Varela também fez o seu doutorado em Harvard, em Biologia. 
Apesar de ter recebido convite de colegas para o cargo de pesquisador em Harvard, Varela 
declinou do convite, retornou ao Chile e assumiu como pesquisador na Faculdade de Ciências 
pela qual se graduara. 
 Diferentemente de Maturana, Varela reconhece que, desde a sua graduação na 
Faculdade de Ciências, leituras filosóficas foram bastante marcantes em sua formação. Entre 
os autores que o cientista destaca estão Aristóteles, Ortega y Gasset, Sartre, Teilhard de 
Chardin, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, Canguilhem, Bachelard e Kuhn (VARELA, 
1997). É possível, e aqui apenas especulamos, que essa maior bagagem filosófica tenha feito 
com que Varela assumisse, ainda que de forma um tanto discreta, uma visão mais crítica em 
relação às apropriações da teoria da autopoiese em campos para os quais ela não fora pensada 
– exporemos isso quando falarmos sobre a autopoiese. Todavia, é importante frisar, mesmo 
com essa visão mais crítica e tendo seguido um caminho próprio e se distanciado de 
Maturana, Varela nunca abandonou a teoria da autopoiese, mas procurou ampliá-la e corrigi-la 
em alguns pontos, por meio de novos conceitos, como o de enacção11. 
 Não deixa de ser curioso que, no curso das investigações empíricas e teóricas de 
Maturana e Varela, o último tenha ressaltado que as novas interpretações teóricas sobre o ser 
vivo (autopoiese) e sobre o sistema nervoso (clausura operacional, que será explicada na 
subseção 1.4) que estavam surgindo constituíam uma tarefa conscientemente “revolucionária 
e anti-ortodoxa” (VARELA, 1997, p. 45) e que tais interpretações não poderiam ser 
desligadas do momento político que o Chile estava atravessando, com a eleição de Salvador 
Allende em 1970. A despeito dessa suposta conexão entre uma nova teoria e o ambiente 
político do Chile da época, em 1973 veio o golpe militar que culminou na

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