Prévia do material em texto
RELAÇÕES ENTRE A ATENÇÃO BÁSICA, DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE: DESAFIOS PARA A ORGANIZAÇÃO DO CUIDADO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE INTRODUÇÃO A implantação de redes regionalizadas e hierarquizadas de saúde, a montagem de sistemas de referência e contrarreferência, a conceção de redes alternativas, além do desenvolvimento de linhas de cuidado, representam iniciativas para fortalecer as relações entre a atenção básica e a atenção especia1izada e hospitalar. A atenção básica engloba um conjunto de ações de caráter individual ou coletivo nos níveis de promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É considerada o primeiro nível de atenção do sistema de saúde e, no caso da assistência médica, representaria a porta de entrada preferencial do sistema de saúde, contemplando as chamadas especialidades básicas: clínica medica. pediatria, obstetrícia e ginecologia. O acesso universal e igualitário às ações de saúde será ordenado pela atenção primária. A fragilidade na capacidade de gestão da rede de atenção básica, inclusive do poder municipal, pode comprometer sua governabilidade no ordenamento do acesso. Rede Nacional de Serviços de Saúde (RENASS), definindo como portas de entrada nas redes de atenção à saúde os serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial e os serviços “especiais de acesso aberto”. Política Nacional e Atenção Básica propõe a revisão de diretrizes e normas, a centralidade no usuário e a coordenação do cuidado, mediante o acompanhamento e a organização do fluxo dos usuários. ATENÇÃO SECUNDÁRIA OU AMBULATORIAL ESPECIALIZADA Conjunto de ações, conhecimentos e técnicas assistenciais com certa densidade tecnológica, envolvendo processos de trabalho e tecnologias especializadas; Os serviços mencionados desse nível de atenção são considerados de média e alta complexidade (MAC); Rede básica • Ações e serviços de saúde de maneira descentralizada, incluindo unidades de menor porte, mais próximas aos usuários, cabendo aos serviços alcançá-los e oferecer-lhes uma assistência quase todo o tempo; • Maioria dos usuários é continuamente alvo das ações e serviços prestados de maneira extensiva (menor contingente populacional); Na rede especializada • Serviços ofertados de modo hierarquizado e regionalizado, os usuários são dirigidos às unidades, com assistência não contínua, mas “pontual”; • Atenção dirigida apenas para uma parte da população que, em determinado momento, precisa de cuidados especializados; • Serviços concentrados em polos regionais (municípios de maior porte e referência para a oferta desses serviços) para dar cobertura a um conjunto mais amplo de população; • Deve receber pacientes referenciados a partir da atenção básica; Na atenção ambulatorial especializada, a chamada média complexidade envolve ações e serviços que visam atender problemas de saúde da população, cuja prática clínica demanda disponibilidade de profissionais especializados e o uso de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Envolve 52 especialidades médicas reconhecidas no Brasil. Contempla também o atendimento ambulatorial às situações de urgência e emergência. Exemplos de serviços: cirurgia ambulatoriais especializadas; anatomopatologia e citologia; próteses e órteses; anestesia; fisioterapia; patologia clínica. No âmbito da atenção especializada, a chamada média complexidade representa um grande espaço de produção de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) com menor valor financeiro na tabela do SUS. Em geral, suas ações são definidas por exclusão, correspondendo às que não são se enquadram na atenção básica nem na alta complexidade. Verificam-se dificuldade de acesso e baixa resolubilidade dos serviços, superposição de oferta nas redes ambulatorial e hospitalar, concentradas em locais de alta densidade populacional, além do baixo grau de integração entre as ações dos diferentes níveis de atenção ou graus de complexidade. No que concerne à alta complexidade, inclui procedimentos ambulatoriais de alto custo com crescente inclusão de novas tecnologias. Constata-se o predomínio do setor privado contratado e de serviços de hospitais universitários. Nesse âmbito, os valores de tabela praticados nos pagamentos realizados pelo SUS correspondem a preços mais próximos ou até mesmo, em alguns casos, equivalentes aos praticados no mercado privado. Assim como na média complexidade, a organização dos serviços está baseada na oferta e não na necessidade, de modo que o credenciamento de serviços pelo SUS tem sido realizado sem parâmetros de base populacional. No territorial nacional há extensas regiões sem cobertura, configurando vazios assistenciais. Densidade tecnológica – expressa o uso de equipamentos sofisticados e caros que concentram, na realidade, alta densidade de capital. Problemas de atenção na MAC: Excesso de pedidos de consultas com especialistas; solicitação de exames complementares desnecessários; utilização desses serviços para realização de procedimentos não cobertos pelos planos de saúde ou não autorizados pelas operadoras; rede privada organizada em uma lógica completamente diferenciada do SUS, com excesso de serviços especializados submetidos a intensa concorrência. Problemas de gestão na MAC: Inadequação da oferta ao perfil epidemiológico; financiamento atrelado às tabelas SIA e SIH, com teto financeiro rígido; processo de credenciamento, contratos e convênios sujeito a interferências extratécnicas, seja por pressão dos entes privados, seja por práticas clientelistas da política e da gestão; indefinição do papel das esferas de governo na organização e operação da rede; indefinição das relações entre rede básica e MAC. ATENÇÃO TERCIÁRIA No SUS, a atenção terciária inclui a assistência hospitalar. Os hospitais dispõem de leitos para internações, ambulatórios e SADT. No SUS podem ser identificados diferentes tipos de hospitais: hospitais federais, psiquiátricos, de ensino, pequeno porte, filantrópicos e estratégicos. Diretrizes para a atenção hospitalar: • Modelo de atenção centrado no usuário; • Planejamento e gestão da rede; • Alocação global mista de recursos; • Contratualização com metas; • Fortalecimento da capacidade gerencial; • Relação com gestores (inserção no SUS); Assim, a proposta de reforma da assistência hospitalar no SUS está assentada nos seguintes eixos: melhoria do acesso, humanização, inserção na rede, democratização da gestão, descentralização e regionalização, adequação da oferta às necessidades, fortalecimento da regulação, implantação do orçamento global. EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA PELO SUS Mesmo com o expressivo aumento observado, a média complexidade é hoje um dos principais pontos de estrangulamento na oferta pelo SUS. A imensa ampliação da cobertura da atenção básica determinou grande aumento da demanda por SADT e procedimentos especializados. Ela também é a porta de entrada no sistema de saúde, e ainda por sofrer pressão permanente para incorporação de inovações tenológicas, termina por ter uma demanda que supera em muito a capacidade instalada do SUS. REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE COMO FORMA DE ORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE A ATENÇÃO BÁSICA E DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE A noção de redes traz a ideia da possibilidade de integração entre os serviços, evitando que fiquem dispostos de maneira isolada, autarquizada, sem comunicação. As redes regionalizadas e hierarquizadas propostas pela Constituição, Lei Orgânica da Saúde, NOAS e Pacto de Gestão ainda se encontram muito incipientes. As redes de atenção regionalizadas do SUS representam a articulação entre os gestores estaduais e municipais na implementação de políticas, ações e serviços de saúde qualificados e regionalizados para garantir acesso, integralidade e resolutividade na atenção à saúde da população, com uma escala adequada que estabilizeuma boa relação custo/beneficio e a devida qualidade dos serviços oferecidos. Os serviços mais complexos seriam organizados na seguinte sequência: unidades de saúde, município, município-polo e região. Seriam implantados centros de referência para graus de complexidade diferentes de serviços. O caráter hierarquizado da rede não deve ser entendido como se um serviço fosse mais importante ou mais poderoso do que outro. Não há hierarquia entre União, estados e municípios. A hierarquização prevista para a rede tem como intenção o uso dos recursos disponíveis de maneira mais racional para atender mais e melhor as pessoas. Portanto, os entes federados negociam e entram em acordo sobre ações, serviços, organização do atendimento e outras relações dentro do SUS. Um ponto de atenção secundária na Rede de Atenção à Saúde deve pautado pelo planejamento das necessidades; precisa ter comunicação em rede com os outros níveis de atenção, deve ser governado a partir da APS, com acesso regulado diretamente a partir desse nível de atenção à saúde; deve ser pautado pelo cuidado multiprofissional; suas decisões clínicas devem ser articuladas a partir de protocolos clínicos construídos com bases em evidências, acumula funções assistenciais, educacionais e de pesquisa. E deve ter seu pagamento efetivado por orçamento global ou por capitação ajustada. Obstáculos políticos para sua implantação, entre os quais os diferenciais de poder entre os integrantes, a falta de responsabilização de atores, a descontinuidade administrativa e a alta rotatividade de gestores devido a questões político-partidárias. LINHAS DE CUIDADO Relevante para o fortalecimento das relações entre a atenção básica e de média e alta complexidade, buscando atender aos desafios para a organização do cuidado no SUS. Visa à atenção especializada com o objetivo de assegurar cuidados integrais, com garantia de retaguarda técnica e responsabilidade pelos usuários. Desse modo, assegura-se o processo de diagnóstico e tratamento, mantendo um vínculo principal com a rede básica. Meio de superar o modelo hegemônico para a construção de um sistema “redebasicocêntrico”. Inverte-se, então, a lógica dos serviços especializados, modificando a escassa responsabilidade em relação ao processo saúde-doença, a falta de vínculo com o paciente e as relações burocráticas com os demais serviços. CONSIDERAÇÕES FINAIS A ainda incipiente integração dos serviços de saúde leva à fragmentação e superposição de ofertas, ao aumento dos custos com a atenção prestada, ao aumento nos diferenciais de acesso e perpetuação de vazios assistenciais e à queda na qualidade e resolutividade da rede, determinando a ineficiência do sistema. Apesar das dificuldades ainda persistentes, com o processo de municipalização do SUS, tem ganhado força a agenda da regulação e controle dos serviços de saúde, com muitos municípios viabilizando a implantação de processos importantes para a gestão do sistema de saúde, viabilizando capacidade regulatória, reordenando a rede de serviços, ampliando a oferta pública, implantando centrais informatizadas de marcação de consultas, procedimentos especializados e de regulação de leitos hospitalares, ampliando o acesso às ações e aos serviços de saúde e a produtividade dos serviços, e reduzindo procedimentos desnecessários, especialmente as internações. A organização, a gestão e a regulação do SUS sofrem influências de grupos de interesse e constrangimentos burocráticos, enquanto os mecanismos adotados não têm sido suficientes para promover mudanças significativas na organização e na gestão do SUS para integração da atenção básica, especializada e hospitalar.