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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE CIENCIAS DA EDUCAÇÃO - CED CURSO DE PEDAGOGIA KETLYN AYARA DA SILVA COELHO BRINCADEIRA TRADICIONAL E NOVAS GERAÇÕES: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO BOI - DE – MAMÃO Florianópolis 2015 2 KETLYN AYARA DA SILVA COELHO BRINCADEIRA TRADICIONAL E NOVAS GERAÇÕES: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO BOI - DE – MAMÃO Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Orientado pela Profª. Drª. Ilana Laterman. Florianópolis 2015 3 Dedico este trabalho especialmente ao filho que estou esperando, ao meu marido e a minha mãe. Que acompanharam de perto este processo. 4 COELHO, KETLYN AYARA DA S. BRINCADEIRA TRADICIONAL E NOVAS GERAÇÕES: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO BOI - DE – MAMÃO. UFSC, 2015. 5 TERMO DE APROVAÇÃO KETLYN AYARA DA SILVA COELHO BRINCADEIRA TRADICIONAL E NOVAS GERAÇÕES: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO BOI - DE – MAMÃO. Este trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de Graduação em Pedagogia, e aprovado em sua forma final. Florianópolis, 25 de Junho de 2015. ________________________________________ Profª. Drª Ilana Laterman Orientadora ________________________________________ Ma. Márcia Agostinho da Silva Membro da Banca ________________________________________ Profª. Drª. Maristela Fantin Membro da Banca 6 “Por meio das brincadeiras e jogos podemos compreender a cultura de um povo, e é brincando que a criança começa a ter contato com o mundo a sua volta” (KISHIMOTO, 2006) 7 AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente a Deus, por quem tenho muita fé, me dando forças para escrever e me proporcionar estudar em uma Universidade Pública. Agradeço á minha mãe Valéria, que sempre batalhou para me criar, e para que eu tivesse uma boa educação, por me incentivar a estudar para que pudesse concluir a graduação. Ao meu marido e companheiro Johnny que sempre esteve ao meu lado me dando conselhos e por não ter me deixado desistir mesmo nas horas mais difíceis. Especialmente neste último semestre, onde cuidou de mim e da casa sempre sendo meu ombro amigo. Obrigada aos meus dois amores por terem sido mais paciente comigo, do que de costume. Obrigada também ao filho que estou esperando. Por aguentar e sentir junto á mim, o estresse, a ansiedade e dores da gestação. Emoções de extrema intensidade vivida para a conclusão do curso. Agradeço aos meus familiares que sempre me apoiaram. As AMIGAS que conquistei aqui e que levarei para toda a vida, pois com elas vivemos momentos inesquecíveis os quais servirão para sempre. Obrigada meninas por participarem deste momento tão especial e significativo de minha vida, por sempre me darem força para continuar e não abandonar os meus sonhos. Pelas risadas que me propuseram nas horas boas e ruins. Não posso deixar de agradecer, a professora Ilana Laterman que me orientou para a elaboração deste trabalho. E a todos os professores que contribuíram de forma positiva ou negativa para a minha formação. Desde o Ensino Infantil até a minha Graduação. 8 RESUMO Durante a minha graduação, foi discutido ao longo do curso a importância da brincadeira no desenvolvimento das crianças e jovens. Este desenvolvimento facilita no processo de ensino aprendizagem e a relação do educador com o educando, sempre respeitando cada sujeito. Através da pesquisa exploratória e de alguns textos selecionados que fundamentaram o meu trabalho, trago indagações e reflexões sobre a brincadeira tradicional (Boi-de-Mamão), presente em nossa cultura vivenciada por crianças, jovens e adultos, sendo problematizado ao longo do texto. Palavras-chaves: Boi-de-Mamão, Brincadeira Tradicional, Cultura. 9 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................................................10 1. A BRINCADEIRA E A CRIANÇA........................................................................11 1.2 BRINCADEIRAS PASSADAS OU NÃO, DE GERAÇÃO Á GERAÇÃO.........16 2. ESTUDO EXPLORATÓRIO..................................................................................18 3. ANÁLISES...............................................................................................................22 3.1 RELAÇÃO ENTRE BRINCADEIRA TRADICIONAL E A ESCOLA...............30 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................34 REFERÊNCIAS............................................................................................................37 10 APRESENTAÇÃO Este trabalho de conclusão de curso de pedagogia surgiu como tema a partir da inserção na educação infantil. Na ocasião, trabalhava com crianças da faixa etária de 5 e 6 anos, que nas suas curiosidades infantis, fizeram as seguintes perguntas ao ser proposto à ela a brincadeira de pata cega: O que é brincar de pata-cega? Como que se brinca? Tem que imitar um pato? Percebi neste momento, que as brincadeiras que fizeram parte da minha infância, não faziam mais parte desta geração, onde a maioria das crianças tem mais interesse nas tecnologias eletrônicas, limitando a possibilidade de se relacionar com o outro e com a natureza. Nesse contexto, citamos o entendimento de geração, a luz do que nos coloca Sarmento (2005), ao mencionar que a geração da infância está, por consequência, num processo contínuo de mudança, não apenas pela entrada e saída dos seus atores que a constituem, as crianças, mas, pelas mudanças contextuais, internos e externos, que a constroem. Sendo assim, para discutir sobre este tema decidi focar em um tipo de brincadeira tradicional e procurar conhecer os elementos intervenientes nas e das relações entre as diferentes gerações mediadas por esta tradição. Perguntas como a tradição pode ser renovada? Haveria interesse de crianças em brincadeiras antigas? Para apresentar estas reflexões este texto está organizado em 4 capítulos. No primeiro recorro às teorias que tratam de brincadeira, cultura, criança, partindo da visão de Benjamin, Vygotsky, Kishimoto entre outros. No segundo são apresentados questões no qual serviram como base para minha pesquisa exploratória. No terceiro faço as analises de todas as fontes encontradas, sobre a brincadeira do Boi-de-Mamão. Para finalizar trago as considerações finais, apresentando as diferentes questões á serem trabalhadas e/ou discutidas sobre o tema pesquisado. 11 1. A BRINCADEIRA E A CRIANÇA De acordo com o entendimento Psicológico, o brincar é um aspecto considerado importante no desenvolvimento infantil. Para afirmar esta questão baseei-me nos conceitos ampliados de Vygotsky e Benjamim. Vygotsky (1998) acentua a brincadeira dentro de uma perspectiva biológica, considerando-a como um elemento constituído sócio-históricamente pelo individuo e que se modifica, em função do meio cultural e da época em que o sujeito está inserido. Walter Benjamin (1984) analisa os processos o brinquedo e do brincar a partir da natureza sociológica, enquanto um fenômeno cultural. Ambos o autores evidenciam que a brincadeira é importante, por meio dela que a criança se proporciona a novas experiências, novas aprendizagens que serão muitas vezes levadas para experiências de sua vida como adulto. Seguindo a linha de pensamento de Vygotsky e de Benjamim, sabe-se o quanto é importante brincar, e o quanto o brinquedo é essencial para que o desenvolvimento infantil,facilitando o processo de aprendizagens por meios sociais e cognitivos. Segundo Vygotsky (1998), para que se entenda o desenvolvimento da criança, é importante ter um olhar atento aos incentivos que lhe são apresentadas, assim analisando suas necessidades conforme cada ação em seu progresso. Sendo assim, os brinquedos possibilitam que as crianças expressem suas emoções, construindo o seu mundo, tomando como referência o universo dos adultos. Em meio a tantas regras e normas, elas adaptam isso ás suas brincadeiras. O mesmo autor evidencia ainda que, “ (...) é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos”. (VYGOTSKY 1998, p. 126). Desse modo, entendemos que o meio cultural em que o sujeito vive, é o que o define como sujeito, porém na maioria das vezes sendo modificado pelo mesmo sujeito de acordo com a cultura, ou seja, a criança “cria uma cultura” dentro da cultura que está 12 inserida. Essa cultura na qual ela criou, apresenta contexto da cultura que vivencia e contextos culturais dos sujeitos que se relaciona fora de sua cultura. Se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio de desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança mais acentuada nas motivações, tendências e incentivos. (VYGOTSKY,1999, p. 105). Para facilitar a interação do adulto com a criança e entre elas mesmas, o caminho mais indicado á seguir é o da ludicidade, criando e recriando novas formas de conhecimentos juntos. Vygotsky e Leontiev (1998, p. 23) "O jogo e a brincadeira permitem ao aluno criar, imaginar, fazer de conta, funciona como laboratório de aprendizagem, permitem ao aluno experimentar, medir, utilizar, equivocar-se e fundamentalmente aprender". Ainda no entendimento destes autores, a brincadeira nada mais é que a representação do funcionamento da criança favorecendo o seu desenvolvimento. Por isso, nem sempre proporcionará imediatamente a satisfação. Para Vygotsky , afirmar que “(...) o brinquedo como atividade que dá prazer a criança é incorreto” (p,105), pelo fato de existir outros meios de satisfação, outros prazeres que a criança pode ter sem ser necessariamente a da brincadeira. A brincadeira quando apresentada com a intenção de atividade, não se torna tão agradável e prazerosa como aquela brincadeira que acontece por acontecer, ou seja, sem nenhuma intenção de finalidade. É correto afirmar que o prazer está ligado á brincadeira, e não é algo que define a brincadeira. E esse prazeres e brincadeiras eles mudam de acordo com o desenvolvimento de cada sujeito. Pois uma brincadeira que pode está presente no dia a dia do bebe, não necessariamente estará presente quando ele for crescendo. A brincadeira acaba sendo uma maturidade de necessidade, sendo então, a criança desenvolve seu repertorio de brincadeiras conforme suas necessidades, havendo variação entre crianças e não por faixa etária. Sendo importante este “amadurecimento” de cada sujeito para o seu futuro. Para a maioria dos autores a brincadeira é desenvolvida pela criança para satisfazer seu prazer e recriação. Desta maneira vivenciam experiências com o meio ambiente, bem antes de se ingressar em uma instituição de ensino. 13 Pois “a brincadeira é uma atividade que a criança começa desde seu nascimento no âmbito familiar” (Kishimoto, 2002, p. 139), não tendo a finalidade educativa ou de aprendizagem. Porém sabemos que qualquer relação com o outro gera novas aprendizagens e conhecimentos. Sendo assim, se pode afirmar que por mais que a brincadeira não tenha uma intencionalidade educativa, ela acaba gerando aprendizagem. De acordo com Vygotsky (1999) a brincadeira na educação é muito importante, pois promove um avanço intelectual. Esse avanço acontece de forma gradativamente, por isso o papel do educador é proporcionar novas maneiras de aprendizagem, para que a crianças possa se desenvolver e assim conseguir se expressar, não só através das palavras, mais por meio de gestos, e expressões individuais. É de extrema importância à criança se relacionar com o outro, pois é através da brincadeira e do contato com seus pares, que irá estabelecer sua relação com o mundo, para se desenvolver e se apropriar de novos conhecimentos, ou seja, na brincadeira que a criança adquira e vivenciará novas experiências, de forma ativa, construindo regras de convivência e de escolha para a sua autonomia. É difícil definir o conceito de brincadeira, pois o que em um momento pode ser definido como brincadeira, o mesmo pode deixar de ser e passar a ter a classificação de atividade. Segundo Vygotsky (1998) o sujeito se fundamenta em relação com o outro, quebrando a visão tradicional de que a brincadeira é uma atividade natural. O brincar é apresentado pelo autor como algo construído, produzido originando significados para cada cultura. No entanto o faz-de-conta é considerado como gerador de conhecimento de acordo com o contexto vivido das crianças ou nos quais elas queiram está contextualizadas. O sujeito interioriza o que não é real, mas faz uma ligação com o que presencia na sua cultura. A brincadeira cria para as crianças uma “zona de desenvolvimento proximal” que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível atual de desenvolvimento potencial, determinado por meio da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro mais capaz (VYGOTSKY 1984, p. 97). 14 Segundo Benjamin (2009) a criança demonstra mais interesse pelo que ela mesma constrói, e pelo que é mais simples, possibilitando uma transformação do objeto em parte da brincadeira no qual irá inserir, conforme cada fantasia infantil. Ninguém é mais casto em relação aos materiais do que crianças: um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes figuras. (BENJAMIN, 2009, p.92). É por meio da brincadeira que a criança se expressa. Através de linguagens, por meio de gestos e muitas vezes atribuindo significados e atitudes que fazem parte da sua vida. O brinquedo por ser algo externo ele já vem com algum sentido do universo, já na brincadeira são diferentes, as crianças criam normas para que essa brincadeira se encaixe no seu contexto, diferente do brinquedo concreto que já vem com normas e regras definidos, não que elas não possam modificar, mais acabam sendo diferente das brincadeiras. As crianças acabam atribuindo novos sentidos ao brinquedo, como por exemplo, uma panela de plástico, ela pode ser transformada como tambor. Assim o brinquedo é repleto de significados. (...) se as necessidades não realizáveis imediatamente, não se desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam experimentar tendências irrealizáveis. (VYGOTSKY, 1998, p. 106) Com base nisto, a criança busca realizar seus desejos imediatamente, mesmo estando no espaço da sala, criando um mundo imaginário, onde seus desejos irrealizados passam a ser concretizados através da brincadeira. Vygotsky (1998) compreende a imaginação: (...) um processo psicológico novo para a criança em desenvolvimento; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, não está presente na consciência de crianças muito pequenas e está totalmente ausente em animais. Como todas as funções da consciência, ela surge originariamente da ação e na interação com o outro (p. 106). Então eledefine que a imaginação é uma característica da brincadeira e não do brinquedo, pelo fato de nem tudo e nem todos os desejos da criança será concretizado imediatamente saciando seu desejo. 15 Na brincadeira do faz de conta, promove as crianças situações de imaginação, onde não se tem uma regra a seguir diferente do brinquedo, que vem acompanhado de regras. Podendo ser ocultas ou não. No ato de brincar a interação com seus pares, faz um desenvolvimento infantil significativo, pois á troca de conhecimentos é importante para que as crianças ou jovens elas passem a dar vários sentidos a um mesmo objeto, ampliando a visão de se imaginar. A brincadeira, assim como as interações e as linguagens são os aspectos fundamentais da apropriação do conhecimento pelas crianças, é brincando, interagindo e se expressando pelas mais variadas formas que elas se apropriam do mundo, que elas aprendem. Quando brincam as crianças se manifestam e essas manifestações infantis, conforme Coutinho (2003, p. 3): “são provenientes de uma cultura própria das crianças. Suas expressões, nas variadas linguagens, decorrem da relação com a cultura que as cerca, ou seja, com os bens culturais que a sociedade disponibiliza para elas”. Compreendemos, a partir de Girardello (2011, p.76), que a imaginação consiste, para as crianças: (...) um espaço de liberdade e de decolagem em direção ao possível, quer realizável ou não. A imaginação da criança move-se junto — comove-se — com o novo que ela vê por todo o lado no mundo. Sensível ao novo, a imaginação é também uma dimensão em que a criança vislumbra coisas novas, pressente ou esboça futuros possíveis. Ela tem necessidade da emoção imaginativa que vive por meio da brincadeira, das histórias que a cultura lhe oferece, do contato com a arte e com a natureza, e da mediação adulta: o dedo que aponta a voz que conta ou escuta, o cotidiano que aceita. Nas brincadeiras as crianças encontram caminhos para a criação e produção das culturas infantis, processo não só de reprodução e apropriação da cultura adulta, mas de ressignificação do universo cultural que a rodeia. Benjamim (2002) faz critica em relação à sociedade no qual a criança vive, alegando que os brinquedos e a brincadeira vem sendo esquecida, sendo deixada de lado, para ter a ocupação de um divertimento passivo através de programas de tvs. Assim prejudicando a infância, deixando de ofertar diversão e oportunidade para fantasiar, transformando a brincadeira sem criatividade. Na solidão da tela, que sempre está acordada, a criança se transforma em seu eco infindável, desprovida de imagem própria – como Narciso -, pois seu destino convalida a impossibilidade de se reconhecer para continuar vivendo. 16 Portanto, ela não tem corpo. A criança zapping não escolhe parar numa imagem: na verdade, tanto faz ficar pulando de uma para outra indistintamente. (LEVIN, 2007, p.75). A brincadeira tem um papel muito fundamental no desenvolvimento do próprio pensamento da criança. É por meio dela que a criança aprende a operar com o significado das coisas e dá um passo importante em direção ao pensamento conceitual que se baseia nos significados das coisas e não dos objetos. A criança não realiza a transformação de significados de uma hora pra outra. (VYGOTSKY 1994, p. 54) E para finalizar este capitulo trago uma citação de Brougére (2008), sendo mais um autor que defende a importância da brincadeira para a criança se socializar se desenvolver: A brincadeira infantil produz deslocamentos, transformações por transposições, ou invenções. Adaptando-se o conceito de J. Piaget, encontramo-nos diante de um processo de apropriação cultural, de assimilação. A criança interioriza as formas imaginárias, o próprio processo da produção imaginária, apoiando suas próprias invenções em esquemas preexistentes que são encontrados na literatura tradicional dos contos de fadas. Por meio de tal brincadeira a criança manipula e se apropria dos códigos sociais da transposição imaginária, manipula valores (o bem e o mal), brinca com o medo e o monstruoso, em suma, preenche as pulsões e os comportamentos individuais (comportamentos motores, fantasias) com conteúdos sociais, socializados e socializadores, através da comunicação que estes desenvolvem entre as crianças. (BROUGÈRE, 2008, p.70) Sendo assim, é possível perceber que as crianças que se desenvolvem mais, são aquelas que brincam livremente, aprendendo a controlar suas emoções e medos. Facilitando também imaginação, proporcionando uma suas fantasias á escritas e leituras. Para Benjamin (2002) o brincar faz com que a criança desenvolva respeito á si própria e pelo o outro, respeitando regras de jogos. Mais do que a formação da criança o brincar tem uma importância como terapia. 1.2 Brincadeiras: passadas ou não, de geração á geração. Segundo Pontes e Magalhães (2003; pg 117), “Quando se faz alusão ao termo patrimônio cultural, geralmente se remete a aspectos da cultura adulta como prédios, danças, comidas típicas, vestuário e artefatos artesanais.” Ainda segundo os autores “Isso se deve, em parte, ao fato de ter perdurado por muito tempo, em algumas 17 abordagens, uma visão adultocêntrica e futurista em relação ao desenvolvimento infantil.” Os autores argumentam ainda que este tipo de perspectiva tem dificultado a visibilidade das interações entre as crianças, as trocas entre pares, como produções e interpretações culturais. Pontes e Magalhães, 2003, p.117: O elo entre "cultura" e "criança" é claramente percebido nos jogos e brincadeiras tradicionais e populares, especialmente aquelas desenvolvidas em rua. A modalidade "jogo tradicional infantil" possui características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade (Kishimoto, 1993). Na maioria das vezes são cadeiras tradicionais, aquelas que se desenvolve nas ruas, caracterizando uma determinada cultura. Porem esses jogos e brincadeiras populares e tradicionais pode estar presentes em outras culturas sofrendo variações de regras, formas de se brincar e até nome. De acordo com Dicionário de Conceitos Históricos (Silva e Silva, 2006), O significado mais simples desse termo afirma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica. A cultura está em uma mudança constante, sofrendo variação em tudo que se é passado de geração em geração, principalmente em jogos e brincadeiras ganhados novas formas de se brincar, regras novas e adaptações de acordo com as necessidades de cada ciclo de criança ou jovem que eram vivenciar essas brincadeiras. Segundo Pontes e Magalhães (2003), existem três tipos diferentes de aprendizagem cultural: a imitativa, o sujeito internaliza algo apresentado pelo outro sujeito, a instruída, acontece por meio de internalizações das instruções apresentadas ao sujeito e a mesma usada para regular á si mesmo em relação ao mundo. E por último é a aprendizagem colaborativa, como o próprio nome já diz, ela contribui com o que o aprendiz já tem para construir algo novo. A transmissão da cultura tem vários fatores importantes e um deles é a organização social do grupo, nesses grupos, acontecem trocas de vocabulários, 18 conceitos e habilidades de determinadas brincadeiras. A estrutura da brincadeira é definida pela variação de elementos que compõe a brincadeira. Troca de experiência entre o mais experiente e o aprendiz, sendo que o mais experiente acaba organizando a brincadeira, tendo uma atitudemais ativa perante o grupo. Essa transmissão da cultura é muito presente em brincadeiras de ruas, sendo sempre um fator novo de conhecimentos, aos indivíduos, que observam de forma passiva ou não passiva. De acordo com Benjamin (2002), a criança dá mais importância ao brinquedo quando são feitos por elas mesmas: Pois quanto mais atraentes, no sentido corrente, são os brinquedos, mais se distanciam dos instrumentos de brincar; quanto mais ilimitadamente a imitação se manifesta neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva. (BENJAMIN, 2002, p.93) De tal modo é possível, perceber que o brinquedo ganha mais sentido, se torna mais atraente, quando o mesmo pode receber diferentes significados, proporcionar novas experiência. Benjamim (1984) faz uma critica aos fabricantes que criam jogos ou brinquedo com suas definições já inclusas, pois os mesmos são produzidos por adultos que querem “determinar” o gosto das crianças, e não partindo dos interesses que elas demonstram. 2. ESTUDO EXPLORATÓRIO Este trabalho de conclusão de curso de pedagogia enquadra-se no tema das brincadeiras infantis, porém de maneira particular. Ao refletir sobre as mudanças nas formas de brincar entre crianças em diferentes gerações, surgiu ao pesquisador dúvidas sobre a importância na tradição de brincadeiras, o significado de brincadeiras antigas para as novas gerações, os desusos da memória quando se trata destas tradições. Neste sentido, compreendendo que as crianças brincam a partir do mundo em que elas vivem (Benjamim, Vygostky entre outros), teria sentido o ensino de brincadeiras criadas em tempos passados para a vida de crianças hoje? Mas se também o homem se 19 faz em sua humanidade a partir da cultura (Vygostky), a vivência cultural das gerações passadas não teriam também importância nesta constituição dos sujeitos crianças que estão apreendendo o mundo? E qual o debate cabível sobre este tema para os educadores? Seria a escola um lugar de reprodução de brincadeiras tradicionais (entre outras)? Para levantar alguns elementos que possibilitem problematizar e refletir sobre este problema da tradição e da espontaneidade nas brincadeiras das crianças, elegi uma brincadeira tradicional para procurar compreender melhor. Neste caso, na cultura açoriana, enfoquei a brincadeira de Boi-de-mamão. Tendo estabelecido este recorte, passei a procurar as produções acadêmicas relacionadas. Ao pesquisar no site de banco de teses da CAPES, encontrei 9 (nove) artigos com o descritor de cultura açoriana, sendo que dentre essas noves apenas 2(duas) eram no campo da educação e relacionada com o meu TCC. Quanto ao descritor de Boi de Mamão; e também o descritor Brincadeiras tradicionais, não foi encontrado nenhum registro. Os dois trabalhos encontrados nesta busca foram incorporados neste TCC: o trabalho de Pereira (2006) e o de Pontes e Magalhães (2003) auxiliam nas referências e nas análises e trazem importantes elementos para nossas reflexões. Para poder efetivamente conhecer mais sobre o meu tema, foi necessário então elaborar uma estratégia própria de busca de fontes. Para obter elementos sobre a referida brincadeira em um âmbito educativo com novas gerações, elaborei uma pesquisa do tipo exploratória, a partir de uma fonte primária (educador social) e duas fontes bibliográficas de registro de práticas de educadores sociais. Além destes relatos interpretativos de práticas sociais relacionadas à brincadeira tradicional, estudei outras referências teóricas que pudessem auxiliar nas análises dos dados, tais como Vygotsky, Benjamim, Kishimoto entre outros. Segundo Gil, 2002. p.41 Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições(...) Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato 20 estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que "estimulem a compreensão" (Selltiz et ai., 1967, p. 63). Apud Gil, 2002 A fonte primária utilizada é o coordenador do Grupo Arreda Boi, Prof. Reonaldo Manoel Gonçalves, que gentilmente participou deste estudo exploratório respondendo uma entrevista estruturada. As fontes bibliográficas são: o artigo Eloi Pereira, que trata do registro de uma experiência de Boi-de-Mamão com jovens em privação de liberdade no Paraná, artigo do ano 2006; e o livro “Arreda: é Boi-de-Mamão, vamos brincar?” de 2014, que apresenta com mais detalhes a experiência. Além disso como fonte complementar, de caráter mais ilustrativo, consultei o link www.arredaboi.org.br e o vídeo Aniversário Biblica 2014. Em todas estas fontes busquei indicadores que pudessem me dar pistas sobre os sentidos da brincadeira de Boi- de Mamão para os jovens e crianças envolvidos; os sentidos desta prática social para o coordenador (educador) da brincadeira; e os elementos que pudessem contribuir para uma reflexão do lugar da brincadeira tradicional na escola e no campo educacional de modo mais amplo. Assim, para cada uma das questões abaixo, procurei pistas que nutrissem o debate nos três textos. A partir deste levantamento, procurei analisar as respostas com base nos autores citados neste trabalho, e com minha perspectiva pessoal como futura professora. Seguem as questões, que se identificam com o roteiro da entrevista: 1. Tem sentido para as crianças e jovens uma brincadeira tradicional, hoje? Explique 2. Por que é importante (se for importante), as crianças e os jovens conhecerem esta brincadeira, e a vivenciarem? 3. Quais os recursos, as facilidades e as estratégias deste trabalho? 4. Quais as dificuldades e limites deste trabalho? 5. A cultura tradicional pode ser inovada pelas novas gerações? Explique. 21 6. Como avalia o trabalho que vem realizando com o Boi-de-mamão? Cabe destacar ainda que tanto o artigo de Pereira quanto o livro de Britto, consultados como fontes, trazem em seu texto falas das crianças e jovens participantes, além da descrição e interpretação das experiências vividas. O Boi de Mamão é uma divulgação cultural, que acontece principalmente em Santa Catarina e no Paraná. É formado por músicas, danças na qual contam á história da morte de um boi, os personagens são bonecos, Bernúncias entres outros animais. A brincadeira teatral que acontece no decorrer da contação da história retrata a questão da hierarquia, relação de poder. Os principais responsáveis por repassarem essa tradição, são pescadores e as rendeiras, e são os mesmos que ajudam a preservar essa cultura em nossas histórias. O cantador(narrador) chama o Vaqueirinho(pessoa que cuida do Boi) para entrar no salão e se apresentar. Logo em seguida o mesmo pede a ele que traga o Boi para o terreiro porque ele (cantador) quer vê-lo brincar. O Vaqueirinho, então vai lá fora e traz o Boi, que vem acompanhado do Matheus (o dono do Boi). Os dois dançam e cantam com o Boi, até a hora em que o Boi morre no meio do salão. Nesta hora, há um conflito de patrão e empregado, respectivamente Matheus e Vaqueiro, sobre o porquê da morte do Boi. É o momento em que há uma improvisação espetacular e imprevisível por parte dos atores. As causas podem ser diversas. Os dois chegam à conclusão de que devem chamar um médico e este entra em cena com sua mala cheia de instrumentos exagerados de grande. O médico não consegue curar o Boi. Então, é solicitada a presença de um curandeiro, que benze o Boi com galhos. Neste meio tempo, entram urubus para pinicar o Boi. Os urubus são espantados. Em seguida, o cantor começaa tocar uma música para o Boi se levantar. O Boi fica bravo e o cantor chama o Cavalinho para laçá-lo. Com o Boi laçado, o cavalinho (cavaleiro) tira o Boi de cena. O cantador pergunta, o que é que vem agora vaqueiro? E este responde, a Cabra cantadora! A cabra entra aos pulos e aos berros com sua música própria, assim como todos os personagens deste folguedo. O cantador chama novamente o Cavalinho para laçar a Cabra e tirá-la do salão. A Cabra sai de cena e o cantador pergunta, novamente ao vaqueiro, quem virá agora? E o vaqueiro responde, a Bernúncia. É hora do bicho grande, com uma enorme boca parecido com um jacaré, entrar em cena. O mesmo entra com o som de sua música e começa a comer as crianças da plateia, fazendo uma grande interação com o público. Após engolir as crianças, a Bernúncia é retirada de cena, sendo levada pelo vaqueiro. Então entra a Maricota! Uma moça de três metros de altura, para dançar. Ela é toda desengonçada, fica 22 girando o tempo todo, batendo com seus braços em todos que estão assistindo ao espetáculo. Para encerrar a brincadeira, o cantador pede para que todos os personagens entrem novamente na roda, para fazer um desfile, ao som de mais uma música. Sendo esquecido o motivo da morte do Boi. Como vem sendo apresentado o contexto da apresentação do Boi de Mamão pode sofrer variação de acordo com o local, plateia, entre outros. Sendo adaptado ao que melhor cabe em determinadas situações. Perreira (2006), discute em seu texto questões sobre o ator e o espectador, onde segundo ele não há essa diferença, para justificar esta pesquisa no qual ele produziu, realizado em um espaço com privação de liberdade com aproximadamente 19 jovens entre 14 a 18 anos. Na pesquisa realizada por ele é apresentado à história do Boi-de-Mamão (do grupo Arreda Boi), no qual foi adaptada a história para o grupo que se iria pesquisar. Os jovens presos que participavam da pesquisa foram incentivados a reproduzir, recria a mesma, partindo do contexto em que eles estavam inseridos. De forma que a apresentação fosse realizada para que todos pudessem entender do que se trata. São apresentados no livro de Britto (2014), relatos de pessoas que tem ou tiveram contato com o Boi-de-Mamão e o que o Boi é para elas. No decorrer do texto a autora vem discutindo e apresentando de como o grupo é formado, como surgiu, qual a importância deste para os sujeitos que participa dos projetos, confecções, apresentações, entre outros. No livro “Arreda: é Boi-de-Mamão, vamos brincar?” a autora apresenta como surgiu o grupo e da maneira que ele se constitui como um grupo, discutindo questões de grupo e não de individualidade. 3. ANÁLISES Neste capítulo apresento os dados coletados nesta pesquisa exploratória, elaborando um diálogo entre as práticas realizadas por dois educadores, um como fonte primária e o outro a partir de artigo que registra a prática. Para analisar e discutir os 23 dados, recorro às referências do capítulo teórico, Vygostky, Benjamim, Kishimoto e outros. Para apresentar estas análises e sua discussão, organizei por itens que correspondem às questões do roteiro utilizado na entrevista. Para cada questão busco elementos explicativos na entrevista, no texto e na literatura; procurando problematizar e discutir a partir do campo da educação e da infância. 1. Tem sentido para as crianças e para os jovens uma brincadeira tradicional hoje? Explique Na brincadeira conseguimos demonstrar o que realmente somos, sentimos e pesamos. Geralmente por timidez ou inibição escondemos esse nosso lado infantil. Como apresentado no livro “Arreda: é Boi-de-Mamão, vamos brincar?”. Ianô de 10 anos relata: “tô perdendo muito mais a vergonha do que eu tinha antes, e tá sendo uma oportunidade pra conhecer mais gente, mais coisa sobre a cultura”. Através da brincadeira, ou melhor, dizendo do personagem passamos se desenvolver de uma maneira natural. Um dos sentidos que podemos explorar na brincadeira do boi de mamão, e que aparece apontado pela fala do Ianô refere-se ao espaço de socialização oportunizado por esta brincadeira. Segundo Belloni, (2009, p.69): A socialização é um conjunto de processos pelos quais o indivíduo é construído (segundo a visão de sociedade que se tem, pode-se dizer: formado, modelado, condicionado ou fabricado) pela sociedade global e local, processos durante os quais o indivíduo adquire (incorpora, integra, interioriza, apropria-se de) modo de pensar, fazer e de ser. (...), esses processos são especialmente importante na infância e na adolescência. Esses processos extremamente complexos e dinâmico, integra a influência de todos os elementos presentes no meio ambiente e exige a participação ativa da criança. (BELLONI, 2009, p.69) Mas o fato de ser um espaço privilegiado de socialização não significa apenas um processo de adaptação das crianças e dos jovens a uma ambientação tradicional. Segundo Pereira (2006) e Britto (2014), a brincadeira deve acontecer de acordo com o público que irá interagir, como o Boi-de-Mamão, que se adapta ao contexto dos 24 sujeitos que irão presenciar e participar, fazendo uma conversa paralela entre quem encena/apresenta e quem assiste, de forma passiva ou ativa. No relato de Pereira (2006), o boi de mamão realizado em um ambiente de jovens com privação de liberdade, ou seja, um presídio, sofreu adaptações de texto que incluíram naquela tradição aspectos da realidade vivida no presídio. De tal modo que, tanto os que apresentaram o boi, quanto os que assistiram a apresentação, compartilharam de dois sentidos simultâneos, paralelos e complementares da estória: um, o sentido da tradição e o outro o sentido da realidade atual vivida. Segue um trecho do texto tal com foi adaptado pelo grupo do presídio: M - Eu acho que o meu boizinho tá muito aprisionado ultimamente, pode ter sido isso. V - Muito tempo preso. M - Muito tempo. V - Bem cuidado (examina). Será que ele pegou alguma contenção? M - Não sei. V - Eu acho que não, o relatório dele tá indo bem, então. M - E agora? Que é que nós vai fazer? Será que nós paga um advogado? (PEREIRA, 2006, p.300) A Adaptação do contexto da brincadeira do Boi pode variar conforme o grupo que a interpreta, inovando essa brincadeira tradicional conforme local em que se insere, e oportunizando novos sentidos para o grupo participante, tanto na hora de elaborar este novo texto coletivo quanto na hora de apresentar e assistir. As brincadeiras tradicionais muitas vezes vivenciadas por nós quando crianças são esquecidas quando nos tornamos adultos. Já quando adultos ao brincar dessas brincadeiras tradicionais, ao observar alguém brincando é possível notar que esse adulto não se prende apenas nas novas maneiras de se brincar esta mesma brincadeira, mas sim remete aos sentimentos e as lembranças que foram significativas para o seu desenvolvimento enquanto sujeito. De acordo com Nado, na entrevista realizada, são as manifestações da cultura popular, que registram “uma época, desta época, de um povo, deste povo”, fazendo essa conexão entre crianças e jovens com brincadeiras tradicionais. 25 A importância da brincadeira tradicional não se remete apenas a conhecer nossa cultura. Mas em trabalhar valores, que significarão para uma vida inteira, valores das formas de viver no coletivo, em sociedade, aos quais sentimos e experimentamos convivendo em grupo. Nado ressalta, que “num tempo onde a individualidade impera isto por si só é de suma importância”. O Boi-de-mamão é a porta para somar os diferentes pensamentos, sendo construído em conjunto das gerações. Como já apresentado por Vygotsky a brincadeira é a forma mais interativa para o desenvolvimento, seja infantil ou juvenil. Será que uma brincadeira tradicional, com suas regras, modos prontos de fazer, cantigas estabelecidas, pode ser consideradauma brincadeira? Na brincadeira tradicional do Boi temos a oportunidade de vivenciar, experiências como a confecção dos bonecos dando mais importância aos brinquedos, que fazem parte do teatro. Quando se constrói o próprio brinquedo ou colabora para a construção, o mesmo ele passa a ter mais significado, mais importância aos olhos de quem está confeccionando. O grupo do Arreda Boi oferece oficinas para a construção de instrumentos musicais e os personagens. Na confecção dos diversos elementos usados no Boi-de-Mamão, se faz uma troca de conhecimento, ou seja, quem sabe mais ensina os que sabem menos, quem não conhece passa a conhecer. A experiência de um pode ser o incentivo para outro. Assim por diante vão se constituindo como sujeito. Na troca de conhecimentos e experiências, que podem ocorrer tanto na comunidade em que vive quanto, principalmente dentro do espaço escolar. Basta o educador se mobilizar e apresentar ao aluno a cultura que está inserido. Aceitando sugestões e ideias, mobilizando discussões provenientes de conhecimento, no qual cada um irá se apropriar do que lhe for mais significativo. Apesar de existirem personagens básicos da trama do Boi, confeccionar estes bonecos é como confeccionar brinquedo: a autoria com a técnica para produzir algo que está na imaginação e para o qual se dará vida na hora da apresentação. Assim, o objeto nasce da cultura, mediado pela fantasia do sujeito criador, e é animado pelo coletivo do brincantes em diálogo com a plateia. Isto também é brincar. 26 Segundo Benjamim (2002, p.93), como já apresentado no capítulo primeiro, o brinquedo construído se torna mais importante aos olhos de quem o constrói. Desta perspectiva, o Boi tem também este sentido na brincadeira. Portanto os sentidos da participação de novas gerações em uma brincadeira tradicional, tal como o boi de mamão, podem ser percebidos tanto a partir de sua forma ( a dinâmica da brincadeira que possibilita conhecer pessoas, ampliar cultura e encarar a vergonha como diz Ianô) quanto a partir de seu conteúdo (como no caso da adaptação do texto que conversa com a tradição e a realidade atual). 2. Por que é importante (se for importante) as crianças e os jovens conhecerem esta brincadeira? E a vivenciarem? A brincadeira segundo Nado (na entrevista) é “uma das mais importantes estratégias de resistência politica do momento presente”. Como apresenta Vygostky (1999) em sua obra, ao brincar a criança não apenas apreende o mundo que a cerca como produz sua compreensão a respeito deste mundo, utilizando sua imaginação a criança foge das determinações do cotidiano, inventando cenários, ampliando possibilidades de ação e pensamento. Neste sentido, podemos compreender uma perspectiva do brincar também como resistência política de um sujeito que poderia estar alienado de si, e que, ao brincar, se coloca no mundo, se constitui como sujeito de direito. Pereira (p.297) O Boi-de-Mamão é apresentado para que as crianças e os jovens possam se expressar através do teatro, mostrando que não tem atores e espectadores, todos podem representar, protagonizar. Quebrando as supostas técnicas para representar ou dramatizar, mostrando que todos são capazes de atuar. Trata-se do princípio de transformação do cidadão em ator/atriz, a fim de realizar “a destruição das barreiras criadas pelas classes dominantes. Primeiro se destrói a barreira entre atores e espectadores: todos devem representar, todos devem protagonizar as necessárias transformações da sociedade”. (PEREIRA, 2006, p. 297) Ao analisar a organização das experiências de Boi aqui estudadas, é possível compreender que seu aspecto tradicional, não vem só apresentar uma brincadeira tradicional, ele oportuniza a trabalhar questões hierárquicas, politicas, ditaduras de tradições, entre outras problematizações que variam de acordo com o grupo que está sendo “trabalhado”. 27 Ainda segundo Pereira (2006), a brincadeira tradicional que aqui vem sendo apresentada, contextualiza para que os jovens possam sair de uma hierarquia, onde o proletário é oprimido. Tendo a possibilidade de se expressar através do teatro, manifestando suas necessidades, opiniões, problemas particulares, mas que ao mesmo tempo façam parte do grupo no qual presenciam sua atuação. Outro fator importante de crianças e jovens vivenciarem o Boi-de-Mamão, são as oportunidades de propor um “novo” caminho aos sujeitos, (...) se o Arreda Boi não tivesse entrado na minha vida eu ia estar sozinha, né? Em casa, daí fazendo nada. E como tem o Arreda Boi agora a gente pode conhecer muitas pessoas novas, pode trazer muita gente. A gente pode fazer uma turma, um grupo, e sermos amigos, né? (Amanda Gonçalves, 13 anos) Mais que um olhar de educadora sobre o brincar, os depoimentos presentes no livro do Arreda Boi, nos remete a refletir sobre a importância que um grupo compostos por diversas gerações, desperta desejos e vozes em cada sujeito que conhece a brincadeira do Boi, criando uma brincadeira em constante mudança, mudança feita por gerações que ali passam. Para Vygotsky (1998), nas interações sociais a criança humaniza-se, ou seja, nas mediações, nas trocas simbólicas com o meio social, a criança adquire uma compreensão de como é ser nesta sociedade neste tempo, identifica-se com a forma de viver dos humanos à sua volta, humaniza-se. Um espaço de pertencimento é, antes de tudo, uma oportunidade de humanização. “Vivenciar a brincadeira é se construir um sujeito que brinca, que ri, que se forma neste universo. A infância que vive estes momentos é uma infância feliz. Uma brincadeira que perpassa tempos, que constrói personagens, que rememora pessoas importante (memória), que vai ganhando adeptos.” (GONÇALVES,2015) 3. Quais os recursos, facilidades, estratégias deste trabalho? Segundo Pereira (2006), o Boi-de-Mamão possibilita trabalhos que envolvam questões sociais, o meio ambiente, diferentes culturas, oportuniza discutir também questões sobre ética. Assim abrangendo discussões que questionam as vivências das crianças e dos jovens. 28 É possível problematizar, por exemplo, de onde conheceram o Boi-de-mamão? Porque o Boi-de-Mamão muda de acordo com o local que se apresenta? Será que sempre foi da mesma forma a apresentação? Quem constrói os personagens? Do que é feito os personagens? Dentre muitas outras questões que podem ser levadas para a escola, ou comunidade. No entanto, este processo de debate e conscientização, só é possível, segundo GONÇALVES (2015) “Na medida em que a escola tenha bem claro no seu projeto político a arte, a educação e cultura popular”. A brincadeira que vem sido discutida pode, além de apresentar uma nova cultura, desenvolver o sujeito desde, Que o trabalho não seja entendido como entretenimento e sim como um ambiente de construção de conhecimento através de pesquisas, de sistematização do que foi coletado; das possibilidades de trabalhar com artes plásticas, música, literatura, dança. Que se faça intersecção entre o erudito e o popular. (GONÇALVES, 2015) FANTIN e GONÇALVES “Falar de brincadeira é falar de criança”, no Boi-de- Mamão todos têm espaço para brincar, crianças, jovens, idosos. Sempre levando alegria a muita gente independentemente, com a contribuição de todos assim gerando o Boi. 4. Quais as dificuldades e limites deste trabalho? Pereira (2006, p.293) faz critica ao Boi-de-Mamão, caso seja “transmitido apenas para recontar a narrativa tradicional de morte e ressureição, sem coloca-la em dialogo com a nossa história atual”. A brincadeira ajuda a desenvolver por variar em diferentes lugares e grupos. Há também um aspecto de integração se nos focarmos no adulto. O individuo adulto que teve por costume na sua infância brincar do Boi, quando presencia essa brincadeira pensa nas semelhanças e nas diferenças entre grupos que apresentam o Boi- de-Mamão.Este aspecto mnemônico também pode ser compreendido como uma forma de inclusão deste sujeito, que dialoga assim com as novas compreensões daquilo que ele mesmo um dia viveu. Britto (2014), afirma essa questão negativa de o Boi-de-mamão ser apresentado apenas para repassar a cultura, ele deve ser problematizado, questionado. Através da brincadeira tradicional, tanto crianças, jovens e adultos, todos se desenvolve, pois assim 29 como a cultura sofre modificações a brincadeira na qual faz parte de nossa cultura se modifica também. Às vezes essa mudança pode ser o mais discreta, como um instrumento, ou um elemento mais significativo como personagem, alguma cantiga. É fundamental essa mudança para que assim ela sempre se adequa a geração que á vivencia. 5. A cultura tradicional pode ser inovada pelas novas gerações? Explique. Segundo Vygotsky a cultura é o que define o sujeito, que, por sua vez, modifica essa cultura. Criando outro tipo de cultura e assim mostrando o quanto é importante essa troca entre as gerações, onde os mais experientes ensinam os menos experientes e vice- versa. Edmir Perrotti, discuti esse conflito entre a cultura que é apropriada pela criança, mas que não pode modificá-la: A forma de entender a cultura como um produto acabado a ser transmitido para a criança apenas reforça um processo onde as coisas passam a ter vida e as pessoas a serem vistas como coisas. O que não deve ser feito é reduzir a cultura aos produtos que realiza, deixando-se de lado o modo e as relações de produção como o próprio produtor (PERROTTI, 1990, p. 16). Segundo Gonçalves, o Boi-de-Mamão vive este dilema. Sempre do mesmo jeito, sendo que ele nunca foi do mesmo jeito. Ele (o boi de mamão) chega na escola e se petrifica num espaço que deveria ser o oposto. A criança por principio vem sempre oferecendo perguntas para nós. Quando trabalhamos com o boi nossas respostas são sempre “não” pode. A tradição não permite. Uma espécie de ditadura da tradição. Até o momento, foi possível perceber o quanto é importante vivenciar e apresentar a cultura ás novas gerações, porem a cultura deve ser adaptada de acordo com a geração que a vivencia. Segundo Pereira (2006, p.298) a re-elaboração da história do Boi-de-Mamão apresenta temas que predominam no ambiente dos sujeitos pesquisados (adolescentes privados de liberdade), como: a privação, desejo de liberdade, solidão e sonho de felicidade. 30 No contexto do texto os adolescentes relacionaram a brincadeira aos seus cotidianos, fazendo menções de diálogos no qual são frequentemente usados naquele espaço. Um jovem que encena o papel de vaqueiro responde que o motivo da morte do boi é por falta de liberdade. Liberdade ao qual eles se referem não ter. Fica evidente á todo instante que estão representando a história do Boi-de-Mamão e não de outra brincadeira, mas que a mesma sofreu modificações de acordo o contexto vivido pelos adolescentes. Uma frase que marca esta questão é quando se diz “que a cultura humana está na cultura da criança de forma elementar, ou seja, a criança está em constante desenvolvimento, constante mudança, de tal modo a cultura na qual vive também está em constante mudança, pode não ser no mesmo ritmo, porem a cultura não está estagnada. Quando Gonçalves questiona que a “tradição não permite”, ele simplesmente se alinha ao que Paulo Freire (1996) diz, no livro Pedagogia da autonomia onde, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Que nem tudo que ensinamos será compreendido na mesma forma por todos, o mesmo acontece com a cultura. Que ao apresentar uma brincadeira tradicional as diferentes gerações elas vão “adaptar” de maneira que sejam significativas á elas. 3.1 Relação entre a brincadeira tradicional e a escola A criança se relaciona com a brincadeira bem antes de ter o primeiro contato com a escola, como afirma (Kishimoto, 2002, p.139) a brincadeira é uma atividade que começa desde seu nascimento, ou seja, em contato com a família. A brincadeira na instituição ela promove novos conhecimentos, diferentes dos que são presenciados no âmbito familiar. Assim a criança ou o jovem passa a conhecer novas experiências. E essa troca de conhecimento varia nos diferentes contextos culturais, como a música, a dança, o teatro, ou qualquer outra formar artística que sofre modificação em sua cultura tradicional. Na brincadeira do Boi-de-Mamão e no livro “Arreda: É Boi-de-Mamão, vamos brincar!?” é bem claro essa modificação feita pelas novas gerações. Como já mencionado por Benjamin e Vygotsky o sujeito se fundamenta em contato com o outro. 31 De acordo com o Britto a importância da brincadeira tradicional, o Boi-de-Mamão é: “resgatar, preservar e divulgar as manifestações culturais do Município de Florianópolis”, sem perder de vista os aspectos plural e dinâmico dessas manifestações. Em outras palavras, o Arreda atua para reavivar danças e cantigas populares; fazer com que elas permaneçam vivas no cotidiano da comunidade da Barra da Lagoa e da cidade de Florianópolis; difundir e compartilhar estas práticas culturais/artísticas com indivíduos e coletivos de outros contextos.(2014, p.14) Quando se constrói o próprio brinquedo ou colabora para a construção, o mesmo ele passa a ter mais significado, mais importância aos olhos de quem está confeccionando. O grupo do Arreda Boi oferece oficinas para a construção de instrumentos musicais e os personagens. Na confecção dos diversos elementos usados no Boi-de-Mamão, se faz uma troca de conhecimento, ou seja, quem sabe mais ensina os que sabem menos, quem não conhece passa a conhecer. A experiência de um pode ser o incentivo para outro. Assim por diante vão se constituindo como sujeito. Na troca de conhecimentos e experiências, que podem ocorrer tanto na comunidade em que vive quanto, principalmente dentro do espaço escolar. Basta o educador se mobilizar e apresentar ao aluno a cultura que está inserido. Aceitando sugestões e ideias, mobilizando discussões provenientes de conhecimento, no qual cada um irá se apropriar do que lhe for mais significativo. Por tal modo é importante que se tenhamos a possibilidade de criar o nosso próprio brinquedo, de re-significar essa brincadeira tradicional. Para que se brinque por brincar e não por ser obrigatório em determinados momentos. O Boi-de-mamão é o exemplo mais concreto presente em nossa cultura, pois ele é um trabalho coletivo, sendo um (Gonçalves, 2015) “mosaico de coisas”, construído, modificado, inovado, pesquisado nas mais diferentes gerações. Ao mesmo tempo se torna um trabalho frágil, por não ser considerada algo fundamental na vida do homem como a educação. Mas não tem como viver em sociedade sem que façamos parte da cultura, seja ela qual for. É através da cultura que a educação acontece de forma facilitada, pois estão presentes diversos elementos fundamentais para que nós como educadores possibilitássemos uma educação mais prazerosa e desenvolvendo a criança ou jovens, para um pensamento mais autônomo e questionador, saindo da visão tradicional de se 32 educar, uma educação passiva. A brincadeira proporciona uma ampliação de criatividade Apesar do Boi de Mamão fazer parte de uma cultura popular desta cidade, sua inserção no âmbito escolar público, ou seja, onde está a camada da população que mais se identifica com esta manifestação cultural, é bastante pequena. Entre tantos motivos, destaco a falta de conhecimento que os profissionais destas instituições têm sobre o tema Boi de Mamão e, consequentemente, as poucas e muitas vezes equivocadas possibilidades de inclusão deste na escola. (GONÇALVES, 2014, p. 67) Porém uma critica a se fazer, que na maioria das escolas só se trabalham com o Boi-de-Mamão em épocas festivas, principalmente nos mesesde junho e julho. Conforme apresentado por Paim (2010) é de extrema importância os alunos manterem contato com os mais diversos patrimônios, cabendo ao professor/educador em fazer essa ligação entre as crianças ou jovens. Utilizando de diversos recursos e materiais para facilitar este contato com os diferentes patrimônios que nossa cidade pode oferecer. Geralmente em nossas cidades, bairros, vilas, comunidades rurais, tribos, quilombos, enfim onde tiver grupo de pessoas temos alguns marcos da memória coletiva desses, que podem ser expressos de forma material em monumentos construções, praças, igrejas, terreiros, casas de moradia, fotografias, imagens de santos, objetos de cerâmicas, madeira, pedra, tecido ou ferro. Ou de forma imaterial em danças, rezas, cantigas, adivinhas, benzimentos, histórias orais, receitas, diferentes modo de fazer [...] Todas essas e muitas outras formas de expressão da memória e patrimônio podem e precisam ser valorizadas [...] (PAIM, 2010, p.97). Quando possibilitamos ao aluno o acesso a patrimônios de nossa cidade juntamente com brincadeiras populares, facilitamos a oportunidade de experimentar tornando prazeroso esse contato com a cultura no qual vive ou passa a conhecer. “Fui aprendendo muita coisa. Fui sabendo mais o que era essa cultura”. Amanda, 13 anos É de extrema responsabilidade á nós educadores, propor aos estudantes a ampliação de repertórios. Mediando e orientando os sujeitos a novos desafios, aumentando sua imaginação, criatividade em relação à cultura e ao seu desenvolvimento 33 em diversos fatores. Levando em consideração aspectos de afetividade, cuidados e necessidades de cada sujeito. Outro aspecto importante é o de compreender a apropriação dos conhecimentos que contribuíram e contribuem para a nossa história cultural, praticas de valores que se perpassam em experiência com o outro, aqui apresentado através do brincar. Lima (2009) destaca que: Podemos perceber que o brincar oferece situações de desenvolvimento para a criança que dão suporte para as aprendizagens de conhecimentos sistematizados. O brincar envolve várias capacidades que podemos considerar como suporte ao currículo. As aprendizagens escolares dependem não somente das atividades de ensino de conteúdos escolares como também das atividades que promovem o desenvolvimento infantil. (p,10) Sendo assim a brincadeira é uma pratica cultural, onde a criança se desenvolve e á modifica de acordo com suas necessidades. A cultura sofre variação constante e o mesmo acontecem com as brincadeiras, ambas vão se modificando conforme os indivíduos que as vivenciam. “Quando eu sair daqui, vou formar um grupo de Boi na minha comunidade.” Essa disposição já indica a emancipação (...) este jovem claramente transcendeu o papel de espectador para tornar-se um ator social, apropriando-se de uma linguagem não para repeti-la, mas para colocá-la em diálogo com o seu meio e recriá-la. (Pereira, 2006, p.301) Assim por diante a brincadeira tradicional vai sendo modificada e conhecida. Na brincadeira do Boi cada um tem personagem, e será que é natural para a criança lidar com essas “regras” já estabelecidas? É possível se pensar que desde pequeno ás crianças estão acostumadas a “encarnar em personagem”, quando se referimos á brincadeira de casinha a criança imita o adulto no qual convive. Vygotsky (1994, p.54) “a criança não realiza a transformação de significados de uma hora para outra”. É através da brincadeira que principalmente a criança aprende a dar significados as coisas. Por isto que não a transformação não ocorre imediatamente, e sim conforme brinca da mesma brincadeira. 34 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Passar ou repassar a cultura de geração á geração não quer dizer que essa cultura não pode ser modificada pelas crianças e jovens. Nós como educadores sabemos que através da brincadeira a criança é estimulada a vários desenvolvimentos e estimulações, tudo de uma forma mais prazerosas. Porém como já mencionado no primeiro capítulo, Kishimoto, diz que essas brincadeiras podem ou não ser prazerosas, varia da intencionalidade da brincadeira. Quando se torna obrigação deixa de ser satisfatória. Já na área escolar o Boi-de-Mamão pode ser apresentado para diferenciar do que sempre vem sendo trabalhado nas escolas de forma fragmentada, como se as disciplinas estivessem em caixas isoladas umas das outras e fechadas. Incentivando as crianças a fazerem releituras das historias tradicionais do Boi-de-Mamão, é possível integrar conteúdos da vida das crianças, considerando as diversas áreas do conhecimento. Proporcionando aos alunos o privilegio de experimentar, criar, vivenciar, valores de uma manifestação cultural. Como a confecção dos personagens, as novas musicas que podem ser criadas pelos estudantes entre outros tipos que proporcione a imaginação e desinibe o aluno. Ao trabalhar com o Boi-de-Mamão, se tem a oportunidade de trabalhar com os mais variados materiais, do reciclável ao que podem ser produzidos pelo grupo. Proporcionando aos estudantes o contato com objetos presentes em nossa cultura dando a oportunidade de tocar, criar, conhecer, imaginar essas experiências que lhe são apresentadas. Abrangido as dimensões artísticas, lúdicas e criativa, enquanto sujeito. Neste sentido, as características desta brincadeira tradicional são também as características da brincadeira, do ato de brincar. O brinquedo ganha mais importância e sentido quando nós mesmo o criamos (vide Benjamim, já citado). No Boi-de-Mamão o gostoso é essa confecção e toda a trajetória para que a magia da brincadeira aconteça e não só o processo final. Nada se torna mais prazeroso do que aprender brincando. Neste momento criativo a brincadeira tradicional ganha a imagem de quem a produz, sendo então recriada e, mesmo sendo tradicional, torna-se viva, espontânea e original. 35 Neste sentido é possível levantar a hipótese de que mesmo para as crianças de uma nova geração, este ato criador e lúdico ganha sentidos para a criança em seu desenvolvimento, em seu prazer de experimentar com liberdade ao brincar, aprendendo a lidar com suas emoções e medos. Facilitando também imaginação, proporcionando fantasias, lendo e escrevendo o mundo no sentido que nos propõe Paulo Freire. Ao ver uma apresentação de Boi-de mamão, quem não sente vontade de brincar, tocar, se socializar com os personagens? Saber como eles foram feitos? Todo esse contexto pode ser levado para dentro de uma instituição de ensino, e confeccionar com os estudantes, problematizar, atuar, brincar e o mais importante deixar que eles sejam autônomos de sua brincadeira e mostrar aos mais velhos a mudança que ocorreu na brincadeira passada a nova geração. O Boi-de-Mamão pode sofrer variações de lugar para lugar e entre grupos, mas ao presenciar uma apresentação sabemos que se refere a mesma brincadeira, a história retrata a morte e a ressureição do Boi não varia, o que muda são as diferentes formas que o boi morre e o que acontece no decorrer da contação. Alguma vez você já parou pra pensar o por que sempre é desta forma? Por que a história da morte e ressureição do boi não muda? Por que o personagem principal não é um pato ao invés do boi? Certamente nunca paramos para pensar, refletir sobre esta modificação. Apenas nos acostumamos com o que está imposto á nós. Nas análises nos deparamos com importantes elementos para a reflexão sobre as brincadeiras tradicionais e novas gerações. A dimensão política, a dimensão da resistência, da hierarquia, o coletivo e o indivíduo, competição e solidariedade, aspectos da socialiação do jovem e da criança, as formas que permitem sentir-se pertencente; os conteúdos que são conversados na elaboração do boi a ser apresentado, a autonomia da criança, a criança como sujeito de direito e que se apropria da cultura de forma ativa Naescola porém fica claro também que as inúmeras possibilidades para o processo de humanização das crianças e dos jovens por meio da brincadeira tradicional não se revelam espontaneamente apenas pela presença desta brincadeira. A forma de coordenar, os valores que colocam em evidência os aspectos mais coletivos das gerações, faz toda a diferença. Ter uma brincadeira tradicional na escola exige uma atitude consciente e intencional para que esta prática social de fato possa alcançar todas estas dimensões citadas. 36 Quando comecei esta pesquisa meu entendimento e minha dúvidas sobre a brincadeira tradicional estavam apenas colocadas na ideia de que a brincadeira refere-se ao desenvolvimento da criança, e um certo incômodo com a ideia de que as brincadeiras antigas fossem esquecidas. Agora, depois de realizar este estudo, meu campo de visão ampliou, de acordo com outros aspectos mais relacionados aos fatores políticos, filosóficos, sociais da socialização e da vida em sociedade, do diálogo mesmo entre o novo e o velho. Percebo a troca de experiências como algo de valor, e a renovação do antigo como um ganho de qualidade tanto para os mais velhos quanto para os mais jovens. Talvez hoje estejamos percebendo as gerações de forma muito separadas, cada um com sua faixa etária, e a realização deste trabalho me faz pensar no que estamos perdendo nesta polarização entre novo e velho. Seria a escola um lugar só das crianças? Estaria faltando mais presença destas tradições? Talvez não se trate apenas de saírem os antigos e chegarem os novos, mas das possibilidades de efetivamente termos situações que oportunizem trocas de conhecimentos e de convivência. Se esta já era uma desconfiança minha, agora com muito mais argumentos e fundamentos para discutir a educação neste âmbito. 37 REFERÊNCIAS BENJAMIN, W. (1984). Reflexões: a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Summus. BENJAMIN, W. (2002). Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense. BENJAMIN, W. Infância em Berlim por volta de 1900. In: Obras escolhidas vol.: 2 - São Paulo: Brasiliense, 1987. BARBOSA, Rogério Andrade. O Boi-de-Mamão. Ilustr.: Regina Yolanda. São Paulo: FTD, 2005. P.6. BENJAMIN, W. 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