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Psicologia Clínica e Cultura Contemporanea-89

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441Casamento e família: uma reflexão sobre desafios da conjugalidade contemporânea
(4,2%) seguido dos estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, ambos com 4,1%. O 
Maranhão foi o estado brasileiro com menor percentual de pessoas divorciadas – 1,2%. 
O percentual de pessoas separadas também aumentou – foi de 11,9% em 2000 para 
14,6% em 2010. O Rio de Janeiro foi o estado brasileiro que apresentou o maior percen-
tual de separações – 17,5%. 
Mais pessoas estão vivendo sozinhas no país. De acordo com o IBGE (2012) as denomi-
nadas unidades domésticas unipessoais, ou seja, domicílios com apenas um morador/a, 
passaram de 9,2% em 2000 para 12,1% em 2010. Fatores como a centralidade do 
trabalho, o estresse, a falta de tempo, a presença de maior sentimento de liberdade, a 
necessidade de experimentar múltiplos relacionamentos podem explicar o crescimento 
desse tipo experiência “familiar”. 
A constatação do aumento da chefia feminina foi outro resultado marcante do Censo de 
2010 (IBGE, 2012). A proporção de famílias sob a responsabilidade de mulheres passou 
de 22,2% no ano 2000 para 37,3% em 2010. Um dado interessante é que mesmo em 
lares que contam com a presença de cônjuge, a chefia feminina cresceu de 19,5% para 
46,4% nessa década. O IBGE (2012) aponta que processos como o ingresso maciço de 
mulheres no mercado de trabalho, o aumento da escolaridade superior entre o con-
tingente feminino da população e a mudança de postura em relação ao papel social de 
mulheres estão relacionados com essa mudança. 
Famílias reconstituídas, formadas em função de separação ou morte dos cônjuges re-
presentam hoje 16,3% entre os casais. Wagner e Féres-Carneiro (2000) chamam aten-
ção para a importância de se conhecer as características e dinâmicas das famílias re-
constituídas. O luto pela perda da família intacta precisa ser feito. As autoras apontam 
que o movimento de saída e de entrada dc novos membros no grupo familiar afeta a 
dinâmica de funcionamento da família. Ocorre alteração nas figuras e nos padrões de 
autoridade; no uso de estratégias educativas; no exercício de papéis; nos processos de 
comunicação e de trocas afetivas. 
As relações homoafetivas constituem uma nova configuração conjugal e familiar. A pro-
porção de uniões entre pessoas do mesmo sexo também foi objeto de análise. Os dados 
mostraram que mais da metade de casais do mesmo sexo - 52,6% residem na região 
Sudeste. Algumas características das pessoas envolvidas nesse modelo de relação cha-
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maram atenção: 25,8% possuem nível educacional superior completo; 81,6% declara-
ram como estado civil “solteiro/a”. 
A informalidade marca também as uniões homoafetivas - 99,6% declararam que vivem 
em união consensual. Tal fato pode parecer paradoxal, se for levado em conta outro 
dado relativo à filiação religiosa: 47,4% dos/as respondentes se disseram católicos en-
quanto 20,4% afirmaram não ter religião. Essa situação revela o lugar de exclusão e 
preconceito com que essas uniões ainda são vistas e a falta de legislação pertinente por 
parte do estado brasileiro.
Os dados do Censo 20010 (IBGE, 2012) revelam as transformações e as tendências 
que estão produzindo novas configurações de família e de vivência da conjugalidade. 
Deixam antever também os fatores históricos e sociais que estão levando a essas trans-
formações. Féres-Carneiro (1998) aponta a importância desse tipo de dado ser objeto de 
estudos aprofundados: 
“As transformações sociais que vêm afetando a vivência da conjugalidade 
tanto em casais heterossexuais como em casais homossexuais têm relevante 
influência na formulação das teorias psicológicas e, conseqüentemente, na 
prática clínica. É importante, portanto, verificar a extensão e a natureza das 
diferenças que se estabelecem nos diversos tipos de conjugalidade para, a 
partir daí, podermos construir modelos mais adequados de atendimento ao 
casal, seja ele heterossexual, gay, ou de lésbicas” (p. 393).
É nosso entendimento que a diversidade de modelos de vida conjugal e familiar aponta-
dos pelo Censo 2010 (IBGE, 2012) revela a força dos processos de transformação social 
e de seus impactos sobre as relações interpessoais. A complexidade desses processos 
e suas implicações na vida pessoal, conjugal, familiar e social merecem atenção e pes-
quisa.
Reflexões
Fala-se em crise nas relações homem- mulher, na família e no casamento. Como identi-
ficar essa crise? Pela alardeada perda de valores? Pelo aumento do número de divórcios 
ou pelo aumento da diversidade de formas de ser casal e família como apontam os 
dados do Censo 2010? O fato é que a estrutura das famílias brasileiras mudou. Hoje é 
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grande o número de casais sem filhos, de famílias monoparentais e de famílias recons-
tituídas. As uniões estão acontecendo mais tarde e o número de filhos está diminuindo. 
A aceitação do divórcio e do recasamento tem gerado novas experiências de vivência da 
afetividade e do parentesco. A união entre pessoas do mesmo sexo é um tema tratado 
cada vez mais com naturalidade (Diniz, 2009). 
Vimos que fatores econômicos, sociais e culturais contribuíram para essas mudanças. 
Bernardo Jablonski (1991/1998), já ao longo da última década do século XX chamava 
atenção com suas pesquisas para os impactos de distintos processos sobre o casamento 
e a família. O autor destacou o papel dos movimentos sociais, em especial os feminis-
mos, assim como das conseqüências de processos como a modernização, a urbaniza-
ção, a influência dos meios de comunicação de massa, as mudanças em relação à reli-
giosidade, o acirramento do individualismo e a diminuição dos vínculos com a família 
extensa na produção de uma demanda por novos modelos familiares.
Carter e Peters (1996) chamaram atenção, ao final da mesma década, para outro fator 
igualmente relevante - a velocidade das transformações na função do casamento. Na 
primeira metade do século, a função do casar era para ter filhos e constituir família. 
Para a mulher, o casamento significava a única forma de ter sexo. No rol das expectati-
vas contemporâneas para o casamento, as pessoas querem além de ter filhos, encontrar 
felicidade, realização pessoal, amor, o exercício de uma sexualidade satisfatória e com-
panheirismo. 
O movimento feminista trouxe para a mulher a possibilidade de questionar a materni-
dade como a única, ou a principal fonte de realização, ou o casamento como o local de 
exercício de sua sexualidade. Hoje uma mulher pode optar por viver plenamente sua 
sexualidade dentro ou fora de um relacionamento estável. Pode ter ou não ter filhos. E 
pode também optar por investir em sua própria carreira e não em ser uma potencializa-
dora da carreira e do sucesso do marido. Nesse contexto, homens estão sendo convida-
dos a rever seu papel no casamento, na família, no trabalho e na sociedade.
Fica evidente que homens e mulheres, seja em relacionamentos hetero ou homoafeti-
vos, estão sendo desafiados a lidar com vários dilemas. Questões de gênero, como a divi-
são de poder, a reorganização dos papéis e funções na família demandam flexibilidade e 
negociação. Casais precisam encontrar espaço para a individualidade e a conjugalidade. 
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As demandas decorrentes da vida familiar e da inserção no mundo do trabalho tornam 
o tempo um bem precioso. A interação família-trabalho acaba por gerar conflitos em 
torno de questões como a divisão do trabalho doméstico, o ter ou não ter filhos, e quem 
assume responsabilidade pelo cuidado dos filhos. Todos esses fatores carregam o poten-
cial de produzir estresse e de afetar a qualidade das relações. O desgaste pode resultar 
em conflitos que venham a por em risco a duração do casamento.
A efemeridade cada vez maior dos relacionamentos - namoros, casamentos - é uma 
característica da sociedade de hoje. Pesquisa de Féres-Carneiro, Ziviani e Magalhães 
(2011) apontapara o desafio que é compreender a diversidade de arranjos conjugais vi-
gentes na sociedade atual. A satisfação conjugal resulta da combinação complexa entre 
fatores internos e externos, e essa interação cria muitas possibilidades de relação. Clí-
nicos e pesquisadores enfrentam, portanto, o desafio de compreender dimensões que 
afetam a vida conjugal e familiar no mundo contemporâneo. 
Vivemos um momento de re-significação dos vínculos afetivos e sociais. Em tempos de 
transição, indivíduos, família e sociedade enfrentam desafios. Em texto de 1994, Brus-
chini e Ridenti já apontavam que um desafio fundamental está relacionado à capacidade 
de questionarmos a existência de um único modelo adequado de casamento e de família 
para que possamos considerar as novas formas de relações interpessoais e de estruturas 
familiares que estão surgindo como modelos possíveis. O importante é ficar claro que 
toda sociedade, em diferentes momentos históricos, é confrontada com novas constru-
ções identitárias e relacionais. 
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