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O padrão-ouro
Prof. Livio Ribeiro
Descrição
Apresentação do sistema monetário internacional que vigorou do final do século XIX até meados do século XX – o padrão-ouro – suas principais características e mecanismos de ajuste, bem como os contextos históricos que possibilitaram o advento desse sistema e seu posterior abandono.
Propósito
Aprender sobre um dos principais sistemas monetários da história é essencial para a formação básica de qualquer profissional interessado em economia, finanças e história.
Objetivos
Módulo 1
Características do advento e funcionamento do padrão-ouro
Identificar as principais características do advento e funcionamento do padrão-ouro.
Módulo 2
Período entre guerras e as dificuldades para a manutenção do sistema
Reconhecer os pontos fundamentais do período entre guerras e as dificuldades para a manutenção do sistema.
Introdução
Desde antes da Revolução Industrial, durante os séculos XVII e XVIII, as trocas comerciais estão presentes na vida econômica das pessoas e dos países. Se um indivíduo não é capaz de produzir todos os bens necessários à sua sobrevivência – alimentos, roupas e outros itens básicos – ele depende de trocas mercantis para satisfazer sua demanda.
Em uma economia de escambo, as pessoas trocam os bens que possuem em excesso por bens dos quais necessitam, mas que não possuem. Para que esse tipo de troca ocorra, no entanto, é preciso que exista simultaneidade na demanda de cada um dos envolvidos na troca. Suponha que um indivíduo A possua o bem X em excesso e demande o bem Y para sua sobrevivência. Suponha também que o indivíduo B possua o bem Y em excesso. Em uma economia de escambo, a troca entre indivíduos A e B somente ocorrerá se o indivíduo B demandar o bem X que o indivíduo A possui. Caso contrário, B não estará interessado em comercializar e A não suprirá essa demanda.
Em uma economia monetária, na qual existe uma moeda que funciona como meio de troca, é possível que os indivíduos A e B comercializem mesmo que não haja a dupla coincidência de interesses descrita anteriormente. O indivíduo A poderia pagar pelo bem Y com uma moeda que fosse aceita pelo indivíduo B. Este, por sua vez, usando essa moeda, teria poder de compra para efetuar transações futuras de acordo com a sua demanda. Assim, a moeda desempenha um papel fundamental para facilitar tais trocas. Esse é apenas um exemplo do papel da moeda em uma troca entre dois indivíduos. No entanto, o exemplo mostra com facilidade como a existência de uma moeda (ou mercadoria) comumente aceita pelos países permitiria a expansão do volume de comércio entre eles. A grande questão é: qual moeda (ou mercadoria) melhor exerceria esse papel?
Historicamente, as sociedades atribuíram valor a diferentes metais preciosos, em especial prata e ouro. A partir do valor intrínseco atribuído a esses metais, eles passaram a ser utilizados para efetuar suas transações comerciais. Isso porque, pelo fato de esses metais preciosos terem seu valor amplamente reconhecido, e por serem commodities homogêneas em diversas regiões do globo, eles são amplamente aceitos por diferentes agentes.
Transportar grandes quantidades de metais preciosos, no entanto, não é uma forma prática, tampouco trivial, de comercializar. Nesse sentido, diversos sistemas monetários vigoraram ao longo do tempo, de modo a estabelecer determinadas regras que fossem aceitas por todos os participantes do sistema. Assim, os sistemas monetários internacionais são um conjunto de regras e convenções que visam facilitar as transações comerciais, por meio de um processo de troca que seja comum a todos. As convenções de distintos sistemas monetários definem seus próprios mecanismos para estabelecer o valor relativo que esse meio de troca teria para os indivíduos de cada país.
Para Barry Eichengreen, em seu livro A globalização do capital, é possível descrever o sistema monetário internacional como “a cola que mantém ligadas as economias de diferentes países. Seu papel é dar ordem e estabilidade aos mercados cambiais, promover a eliminação de problemas de balanço de pagamentos e proporcionar acesso a créditos internacionais [...]” (EICHENGREEN, 2000).
É importante ressaltar que, apesar de tratarem de um conjunto de regras e convenções, os principais sistemas monetários internacionais que vigoraram ao longo do tempo nem sempre foram resultados de acordos de cooperação firmados entre países, mas sim consequências acidentais de contextos históricos. Na realidade, historicamente, acordos de cooperação que regem o sistema monetário internacional têm sido a exceção, não a regra.
Neste conteúdo, será apresentado o sistema monetário internacional que vigorou durante as primeiras décadas do século XX: o padrão-ouro. Esse padrão é um exemplo de sistema monetário internacional que não foi oriundo de cooperação entre países e negociações oficiais, mas sim resultado do contexto histórico e econômico de sua época e da dinâmica de poder entre países.
No módulo 1 serão apresentadas as origens do padrão-ouro, bem como suas principais características de funcionamento, destacando suas vantagens e desvantagens. No módulo 2, a ênfase da análise será o período entre guerras. A Primeira Guerra Mundial expôs algumas das fragilidades do padrão-ouro e minou várias das condições econômicas que permitiam o funcionamento desse sistema. Assim, esse período foi em parte marcado por diversas tentativas de que tais condições voltassem a vigorar.
1 - Características do advento e funcionamento do padrão-ouro
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar as principais características do advento e funcionamento do padrão-ouro.
Bimetalismo: o início do padrão-ouro
O uso de moedas cunhadas a partir de metais preciosos é uma prática que existe há séculos. Desde tempos antigos, metais preciosos são vistos como bens que detêm um alto valor intrínseco cuja estabilidade é relativamente preservada ao longo do tempo.
Sociedades antigas utilizavam moedas, cunhadas principalmente em ouro e prata, para transacionar mercadorias entre seus membros. Já nos tempos modernos, a partir do século XVIII, diversos países estabeleceram, por meio de estatutos monetários oficiais, a cunhagem de moedas de ouro e prata e a sua circulação como meio de troca oficial.
Tais estatutos monetários, no entanto, não estabeleciam diretrizes homogêneas entre os países. Cada um deles adotava o padrão que mais condizia com suas economias e a facilidade de encontrar tais metais no mercado:
Padrão prata
Alguns territórios, como os Estados alemães antes da unificação da Alemanha, o Império Austro-Húngaro e a Rússia permitiam apenas a cunhagem e circulação de moedas de prata.
close
Padrão ouro
Outros países, como o Reino Unido, permitiram apenas a circulação de moedas de ouro, embora inicialmente também fosse comum o uso de moedas de prata.
Havia ainda países que operavam oficialmente sob um sistema monetário bimetálico – ou padrão bimetálico.
Dentre os países que operavam sob esse sistema, destacam-se:
Suécia
É um exemplo curioso, uma vez que o sistema bimetálico adotado não utilizava os dois metais preciosos mais usados em outros países – prata e ouro –, mas sim uma combinação de moedas cunhadas em prata e moedas cunhadas em cobre.
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França
Era o principal país no qual vigorava o sistema bimetálico, não apenas pela relevância de sua economia e seu poderio militar, mas pelo fato de que permitia a cunhagem e circulação das moedas mais utilizadas mundialmente, cunhadas em prata e ouro.
Nesse sentido, a França exercia um papel fundamental de intermediário entre os países nos quais vigorava o padrão prata e naqueles nos quais prevalecia o padrão ouro. O uso de diferentes moedas em cada país gerava certa desorganização que dificultava transações diretas entre países que utilizassem padrões monetários diferentes.
A manutenção do sistema monetário bimetálico, contudo, não é fácil e apresenta inúmeras pressões desestabilizadoras. Isso ocorre porque a circulação simultânea de duas ou mais moedas permite a prática de arbitragem, casoo preço de mercado seja diferente do preço de cunhagem.
Exemplo
Vejamos o caso da França: inicialmente, a relação de cunhagem e de mercado entre moedas de prata e moedas de ouro era de 15,5 para 1,0. Isso significa que 15,5 onças de prata podiam ser trocadas por 1,0 onça de ouro. O ouro era considerado um metal mais valioso que a prata. Essa relação mostra que o mercado considerava determinada quantidade de ouro 15,5 vezes mais valiosa que a mesma quantidade em prata.
O problema é que o preço de cunhagem era fixado pelo governo, enquanto o preço de mercado é dado pela oferta e demanda dos metais em questão. Suponha que o preço do ouro no mercado tenha subido mais que o preço da prata.
Ou seja, o ouro se tornou ainda mais valioso em relação à prata. Imagine que o preço do ouro no mercado subiu a ponto de 16,0 onças de prata equivalerem a 1,0 onça de ouro. Se o preço de cunhagem continua fixo em 15,5 onças de prata para 1,0 onça de ouro, então é possível efetuar operações de arbitragem a fim de obter lucros com essa diferença.
A operação de arbitragem se daria da seguinte forma:
1. arrow_downward
Qualquer indivíduo poderia importar 15,5 onças de prata de países que utilizavam o padrão prata e levá-la à casa da moeda para ser cunhada.
2. arrow_downward
Tendo em vista que a relação de cunhagem oficial seria de 15,5 onças de prata para 1,0 onça de ouro, o interessado poderia trocar a moeda cunhada de 15,5 onças de prata por uma moeda cunhada com 1,0 onça de ouro.
3. arrow_downward
Em seguida, esse indivíduo poderia exportar esse ouro, trocando-o por 16,0 onças de prata no mercado externo, cujo preço segue mudanças na oferta e demanda.
4. arrow_downward
Nesse caso, a prática de arbitragem resultaria em um lucro de meia onça de prata.
Aparentemente, essa diferença entre o preço de cunhagem oficial e o preço de mercado não parece ser tão grave. Entretanto, enquanto essa diferença persistisse, especuladores em busca de lucros rápidos continuariam importando prata e exportando ouro. O resultado disso seria que o ouro eventualmente sairia de circulação. Processo contrário ocorreria caso fosse a prata que se valorizasse em relação ao ouro – especuladores importariam ouro e exportariam prata, o que faria com que a prata saísse de circulação.
É possível perceber que diferenças entre o preço de cunhagem oficial e o preço de mercado podem colocar em risco um sistema monetário bimetálico caso essas discrepâncias não sejam corrigidas.
Se tais desequilíbrios persistissem por muito tempo, seria impossível evitar que o sistema bimetálico entrasse em colapso e se tornasse apenas padrão-ouro ou padrão-prata.
Comentário
Vale ressaltar que pequenos desvios do preço de cunhagem oficial em relação ao preço de mercado não necessariamente provocavam um colapso do sistema bimetálico devido a algumas razões.
A primeira das razões está relacionada à taxa de cunhagem cobrada pelo governo. Dado que havia um custo para a cunhagem de moedas de prata e ouro, para que a operação de arbitragem fosse bem-sucedida e gerasse lucro era preciso que o diferencial entre os preços de cunhagem e de mercado fosse grande o suficiente para cobrir o custo da taxa de cunhagem. Caso esse diferencial fosse pequeno, a operação poderia não ser rentável e, consequentemente, não haveria arbitragem.
A segunda razão está relacionada aos custos de transação que eram inerentes à operação de arbitragem. No século XVIII, importar e exportar metais preciosos não era uma operação rápida. Nesse ínterim, os preços podiam oscilar a ponto de a arbitragem deixar de ser vantajosa. Além disso, outros custos como transporte e seguro também encareciam a operação. Dessa maneira, existiam alguns desincentivos para que especuladores efetuassem a operação de arbitragem.
É possível afirmar, portanto, que existia alguma margem de desvio do preço de cunhagem em relação ao preço de mercado que era aceitável e não prejudicava o sistema. Grandes desvios, no entanto, poderiam fazer com que o sistema bimetálico entrasse em colapso, uma vez que haveria escassez do metal que estivesse subvalorizado na casa da moeda – local de cunhagem oficial da época.
O movimento de colapso do bimetalismo descrito anteriormente foi observado na Inglaterra, durante o século XVIII. No início do século, a Inglaterra operava um sistema monetário bimetálico, no qual eram aceitas moedas de prata e ouro para o comércio interno.
Tendo em vista a forte relação econômica e comercial entre Inglaterra e Portugal, parte considerável do ouro extraído da colônia portuguesa no Brasil eventualmente entrava nos mercados ingleses. Ou seja, o ouro oriundo do Brasil ampliava a oferta desse metal. Um aumento da oferta fez com que o valor do ouro em relação à prata diminuísse no mercado.
Nesse caso, para manter o sistema bimetálico em funcionamento era necessário reduzir o preço do ouro na cunhagem, de forma a acompanhar o preço de mercado. Ou, ainda, aumentar o preço da prata na cunhagem, o que acarretaria o mesmo efeito. Diante desse desafio, as autoridades inglesas optaram por uma redução gradual do preço de cunhagem do ouro em relação à prata.
Essa redução, no entanto, não foi suficiente para impedir que o estoque de prata escoasse para o mercado externo. Por fim, depois de mais de meio século de desequilíbrios entre o preço de cunhagem e o preço de mercado, as moedas de prata, especialmente as mais pesadas (de maior valor), haviam desaparecido do mercado inglês e já não mais eram encontradas em circulação. Ao final do século XVIII, a Inglaterra adotou oficialmente o padrão-ouro. Operações de valor mais alto não podiam ser feitas por meio de moedas de prata, apenas ouro. A partir de 1821, mesmo operações de baixo valor já eram realizadas com moedas de ouro.
A França, por sua vez, conseguiu manter o funcionamento de seu sistema monetário bimetálico por muitos anos. As autoridades alteraram apenas uma vez os preços de cunhagem de forma a torná-los mais consistentes com os preços de mercado, permitindo a circulação simultânea de ouro e prata. No caso francês, no entanto, a oferta de ouro no mercado interno diminuiu. Devido a mudanças no preço de cunhagem nos Estados Unidos e na Holanda, esses países atraíram ouro que se encontrava em mercado francês. Dessa forma, ele não sumiu completamente do mercado, mas o grande meio de circulação na França era a prata.
Historiadores discutem os motivos pelos quais o abandono da prata em favor do ouro não ocorreu em todos os países, tendo em vista o aumento da oferta de ouro no mercado global (não apenas pela extração no Brasil, mas também pela descoberta de minas de ouro na Califórnia). Não há um consenso sobre essa questão, apenas teorias:
Primeira teoria
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Se refere à grande utilidade de moedas de prata. Por serem menos valiosas, as moedas de prata eram mais adequadas para compras e transações de baixo valor. Muitas vezes, uma pequena moeda de ouro detinha um poder de compra muito grande, podendo equivaler à remuneração de vários dias de trabalho. Assim, moedas de ouro não tinham grande utilidade para que trabalhadores realizassem suas compras do dia a dia.
Segunda teoria
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Está relacionada aos interesses do setor minerador. Em muitos países, a extração de prata tornou-se um negócio lucrativo, e os grupos desse setor pressionavam os governos para que a prata continuasse a exercer sua função de meio de troca.
O padrão bimetálico foi mantido por alguns países, pois estava acompanhado de algumas vantagens. Um padrão monetário bimetálico facilitava as transações comerciais com um maior número de países: aqueles que também utilizavam o padrão bimetálico, os que utilizavam apenas o padrão-prata e países que utilizavam apenas o padrão-ouro. Além disso, um sistema monetário que fosse comum a um maior número de países também facilitava operações de crédito e financiamento entre eles. Para exemplificar essas vantagens, Eichengreen cita a frase de um diplomata holandês da época, que dizia que enquanto a Holanda estivesse financeira e geograficamente entre a Alemanhae a Inglaterra, seria conveniente para ela adotar o bimetalismo, se adaptando aos sistemas monetários de ambos, de forma a transacionar de maneira rápida com seus dois principais parceiros.
Um padrão monetário bimetálico facilitava as transações comerciais com um maior número de países: aqueles que também utilizavam o padrão bimetálico, os que utilizavam apenas o padrão prata e países que utilizavam apenas o padrão ouro.
Para exemplificar essas vantagens, Eichengreen cita a frase de um diplomata holandês da época, que dizia que enquanto a Holanda estivesse financeira e geograficamente entre a Alemanha e a Inglaterra, seria conveniente para ela adotar o bimetalismo, se adaptando aos sistemas monetários de ambos, de forma a transacionar de maneira rápida com seus dois principais parceiros.
Barry Eichengreen.
Assim, apesar de não ser um sistema homogêneo, os países que adotavam o padrão bimetálico estavam adaptados de forma a aproveitar as externalidades positivas que podiam ser extraídas desse sistema. Durante muito tempo, não havia muitas desvantagens que fossem suficientes para fazer com que houvesse um abandono generalizado da prata como meio de troca e adoção do padrão-ouro, conforme já havia ocorrido na Inglaterra. De certa forma, o mundo havia se dividido em blocos com diferentes sistemas monetários: o padrão-ouro, o padrão-prata e o padrão bimetálico.
Ascensão do padrão-ouro
A partir da segunda metade do século XIX, a conjuntura internacional mudou em vários aspectos. Com o advento da Revolução Industrial e das máquinas a vapor, o Reino Unido, que, nesse período, já operava com um sistema monetário baseado no ouro, se tornou a maior potência industrial e comercial do mundo. No continente europeu, Portugal também já havia adotado o padrão-ouro, tendo em vista sua proximidade comercial com a Inglaterra. O restante dos países ainda operava sob um sistema bimetálico ou sob o padrão-prata.
Coalbrookdale by Night, Philip James de Loutherbourg, 1801. Coalbrookdale é uma cidade britânica considerada um dos berços da Revolução Industrial.
O sistema bimetálico, no entanto, encontrava crescentes dificuldades de manutenção. Com maior integração comercial, consequência de reduções tarifárias para importação e exportação de bens, a circulação de moedas de prata estrangeiras nos países continentais aumentou consideravelmente. Além disso, o forte aumento dessas transações internacionais provocava uma maior volatilidade da oferta e demanda de metais preciosos, o que gerava instabilidade ao sistema, uma vez que se tornava mais difícil controlar os desvios entre o preço de cunhagem e o preço de mercado.
Outro ponto bastante relevante para determinar parte dos fluxos especulativos entre os países foram os diferentes graus de pureza da prata utilizada para cunhagem de moedas em cada um deles.
Alguns países passaram a cunhar prata com menor grau de pureza, o que significava que essas moedas eram menos valiosas, apesar de apresentarem o mesmo valor legal. Assim, grandes quantidades de moeda estrangeira inundavam os países cujo grau de pureza das moedas internas era maior. Os indivíduos preferiam entesourar a moeda interna – que era intrinsecamente mais valiosa – e utilizar moeda estrangeira, menos valiosa, para efetuar suas transações. Para evitar escassez na circulação de moeda nacional nos países nos quais o grau de pureza da prata utilizada era maior, a Bélgica, a França, a Itália e a Suíça entraram em um acordo para padronizar o processo de cunhagem de moedas de prata e homogeneizar o grau de pureza do metal utilizado.
Bélgica
França
Itália
Suíça
A partir desse acordo, é possível perceber que havia uma preferência dos países da Europa Central em relação ao bimetalismo e ao padrão prata. Nesses países, o padrão-ouro ainda não era considerado uma alternativa vantajosa.
Atenção
É importante destacar também que, com o advento de máquinas de cunhagem a vapor, o funcionamento dos sistemas monetários foi aos poucos se alterando. As máquinas a vapor permitiam que o processo de cunhagem fosse mais preciso, o que impedia falsificações dos meios de pagamentos. Isso permitiu a ascensão de moedas representativas, ou seja, moedas cujo valor legal era maior do que seu valor intrínseco. Assim, em vez de cunhar diretamente moedas de ouro e prata e colocá-las em circulação, era possível cunhar moedas feitas de metais menos valiosos que fossem lastreados no ouro e na prata que permaneciam guardados nos bancos.
A ampliação de moedas representativas e de papel-moeda lastreados em ouro ou prata se mostrou bastante útil. Muitas vezes, grandes quantias de ouro não precisavam ser deslocadas. Apenas as moedas e notas representativas trocavam de mãos. O portador desse papel-moeda poderia convertê-los em ouro ou prata quando bem entendesse.
A conjuntura favorável ao bimetalismo e ao padrão-prata rapidamente se reverteu com a eclosão da Guerra Franco-Prussiana. Haja vista o esforço de guerra, França, Rússia, Itália e Império Austro-Húngaro suspenderam a conversibilidade de suas moedas representativas em ouro e prata.
Colagem da Guerra Franco-Prussiana.
Essa quebra na conversibilidade foi o estopim para a Alemanha, recém-unificada, iniciar o processo de transição para um sistema monetário baseado no ouro:
Por um lado
Tanto na Rússia quanto no Império Austro-Húngaro, relevantes parceiros comerciais da Alemanha, não mais circulavam moedas de prata, mas sim papel-moeda não conversível, o que não interessava aos alemães.
close
Por outro lado
Parte relevante do comércio era financiada a partir da Inglaterra, por meio de operações realizadas em libra esterlina lastreada em ouro. Então, a Alemanha abandonou o padrão-prata e atrelou sua moeda, o marco alemão, ao ouro.
Esse movimento alemão foi um impulso para a criação de um sistema monetário internacional baseado no ouro.
Dado que as duas maiores potências industriais da Europa adotaram o padrão ouro, as externalidades positivas que antes sustentavam o padrão prata e o bimetalismo desapareceram e, na verdade, migraram em direção ao padrão ouro. Todos os demais países da Europa guardavam relações comerciais e financeiras estreitas ou com a Alemanha ou com o Reino Unido, e muitas vezes com ambos. Não fazia mais sentido minar essa relação adotando um sistema monetário que fosse diferente do adotado por eles (padrão ouro).
Nesse sentido, os demais países europeus converteram seus sistemas de forma a atrelar suas moedas ao ouro. Mesmo países que não adotaram diretamente o padrão ouro atrelaram suas moedas a outras moedas que fossem atreladas ao ouro, como foi o caso do Império Austro-Húngaro e da Itália. Processo semelhante ocorreu no restante do globo. Veja:
1. flag
Estados Unidos, Rússia e Japão adotaram o padrão-ouro.
2. flag
A Índia atrelou sua moeda à libra esterlina que, por sua vez, estava atrelada ao ouro.
3. flag
Até alguns países da América Latina, como México, Argentina e Peru, nos quais o setor de mineração de prata tinha forte influência, decidiram por adotar o padrão-ouro.
Ao final do século XIX e início do século XX, estava formado um sistema monetário, de fato internacional, baseado no ouro. A forma como esse sistema foi adotado, no entanto, difere de país para país. Essas diferenças foram vistas em dois aspectos principais: o meio de circulação em transações domésticas e as reservas internacionais. O meio de troca utilizado e as reservas internacionais podiam estar na forma de ouro, mas também na forma de outros ativos que estavam lastreados ao ouro e, portanto, eram conversíveis.
Nas principais economias, como Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha, tanto o meio de circulação quanto as reservas internacionais eram predominantemente denominadas em ouro. Em países como a Bélgica e a Suíça, as reservas estavam em ouro, mas os meios de pagamento consistiam em moedas representativas e papel-moeda conversível lastreados em ouro. Ou seja, a população não transacionava ouro diretamente, mas ativos que podiam ser convertidos em ouro a qualquer momento.
Rússia e Austrália utilizavammoedas de ouro como meio circulante, mas suas reservas internacionais estavam denominadas tanto em ouro quanto em moedas estrangeiras, tais como:
A libra esterlina
O franco francês
O marco alemão
Todos conversíveis em ouro. Outros países, como o Império Austro-Húngaro, o Japão e a Holanda, utilizavam moedas representativas e papel-moeda como meio de troca (e tinham suas reservas denominadas tanto em ouro quanto em moedas estrangeiras conversíveis). Por fim, havia ainda um grupo de países periféricos, como a Índia e os países da América Latina, cujas reservas internacionais estavam completamente denominadas em moeda estrangeira.
Comentário
Pode-se observar que diferentes países adaptaram suas economias para, de alguma forma, atrelarem seus meios de pagamento ao ouro. Percebe-se também que a maior quantidade desse metal ficava nas mãos das principais economias. Países periféricos operavam por meio de moedas representativas e divisas estrangeiras que estivessem, de alguma forma, atreladas ao ouro.
Tendo em vista que todas as principais economias mundiais atrelaram, direta ou indiretamente, o seu sistema de pagamentos e meios de troca ao ouro, é de se esperar que o sistema monetário internacional da época tivesse relação direta com a oferta global de ouro. Em outras palavras, a quantidade de ouro na economia apenas poderia aumentar a partir do aumento da oferta dele no mercado, o que, por sua vez, dependia da mineração desse metal e da descoberta de novas minas.
Assim, o sistema monetário do padrão-ouro não era considerado inflacionário, dado que a oferta de moeda não poderia ser aumentada de forma indiscriminada e irrestrita a qualquer momento. Fortes aumentos dessa oferta poderiam ocorrer e ocorreram em períodos específicos, com a descoberta de minas de ouro no Brasil, na Califórnia e, posteriormente, na África do Sul.
De qualquer forma, no longo prazo, a oferta de ouro na economia é limitada e, sendo assim, é considerada uma reserva de valor.
Apesar de um sistema monetário internacional baseado no ouro não ser inflacionário, isso não significa dizer que países participantes do sistema não apresentam oscilações de seus níveis de preço.
Na realidade, eram justamente as oscilações do nível de preços em diferentes países que permitiam o processo de ajuste do padrão-ouro. Para melhor entender esse processo, convém apresentar os mecanismos de funcionamento do sistema monetário internacional naquele momento.
Funcionamento teórico do padrão-ouro
Com o estabelecimento de um sistema monetário internacional baseado no ouro, todas as transações internacionais, fossem elas comerciais ou financeiras, eram feitas por meio da troca de reservas desse metal ou de ativos lastreados nele. Sendo assim, as reservas de ouro de cada país estavam diretamente relacionadas aos fluxos de capitais resultantes dessas transações internacionais. De outra maneira, as reservas de ouro de cada país e, portanto, sua oferta de moeda, estavam diretamente relacionadas ao seu balanço de pagamentos.
Dito isso, suponha uma nação cuja dinâmica do balanço de pagamentos é afetada apenas pela dinâmica de sua balança comercial. Veja:
Se um país apresenta superávit da balança comercial, isso significaria então que ele recebeu mais recursos (como forma de pagamento de suas exportações) do que enviou recursos para o estrangeiro (como forma de pagamento por suas importações). Nesse caso, assumindo que o pagamento foi feito em ouro, essa nação observa um aumento de suas reservas desse metal.
Por outro lado, no caso de um país cuja balança comercial é deficitária, isso quer dizer que saíram mais recursos (como forma de pagamento de suas importações) do que entraram (como forma de pagamento por suas exportações). Nesse caso, esse país observa uma redução nas suas reservas de ouro.
O cenário apresentado anteriormente é uma situação na qual há desequilíbrios na balança comercial e no balanço de pagamentos e que levam à seguinte pergunta: é possível que esses desequilíbrios permaneçam indefinidamente? Afinal, se esse for o caso, países cujas balanças comerciais fossem deficitárias eventualmente ficariam sem reservas de ouro. A resposta teórica para essa pergunta é: não. O sistema monetário internacional apresenta mecanismos automáticos de ajuste que tendem a corrigir tais desequilíbrios.
É possível que esses desequilíbrios permaneçam indefinidamente?
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Se esse for o caso, países cujas balanças comerciais fossem deficitárias eventualmente ficariam sem reservas de ouro. A resposta teórica para essa pergunta é: não. O sistema monetário internacional apresenta mecanismos automáticos de ajuste que tendem a corrigir tais desequilíbrios.
O funcionamento internacional do padrão ouro é mais bem entendido por meio do modelo de fluxo de moedas metálicas desenvolvido por David Hume, em 1752. Esse modelo apresenta hipóteses bastante simplificadoras, mas é útil para compreender os principais aspectos do mecanismo de ajuste do padrão-ouro.
Suponha dois países que tenham aderido ao padrão-ouro, país A e país B:
1. arrow_downward
Suponha, inicialmente, que não existe papel-moeda ou moedas representativas, apenas moedas de ouro como meio de pagamento. Assim, em todas as transações comerciais entre países, a moeda de troca seria o ouro.
2. arrow_downward
Nesse modelo, quando um bem é exportado, o país exportador recebe um pagamento em ouro. Quando um bem é importado, o país importador efetua o pagamento em ouro.
3. arrow_downward
Por meio desse modelo de dois países, suponha que o país A tenha um superávit comercial em relação ao país B (e, evidentemente, o país B tenha um déficit comercial em relação ao país A). Ou seja, as exportações de A para B são maiores que as importações que A efetua de B.
4. arrow_downward
Nesse caso, se existe superávit comercial para A, então a quantidade de ouro que entra no país decorrente de pagamentos das exportações é maior que a quantidade de ouro que sai decorrente de pagamentos das importações.
5. arrow_downward
O superávit comercial resulta, portanto, em um aumento na oferta de ouro em A e em uma redução na oferta de ouro em B.
6. arrow_downward
Caso esse desequilíbrio comercial continue indefinidamente, o país B ficará sem reservas de ouro para utilizar como meio de pagamento ou lastrar seu meio circulante.
7. arrow_downward
O modelo do padrão-ouro, no entanto, apresentava um mecanismo autocorretivo que resultava em um retorno ao equilíbrio – o desequilíbrio comercial seria apenas temporário. Ocorre que o aumento da oferta de ouro no país A – que significa um aumento na oferta de moeda – fazia com que o nível de preços se elevasse no país superavitário.
8. arrow_downward
Por sua vez, a redução da oferta de ouro no país B – que significa uma redução na oferta de moeda – fazia com que o nível de preços no país deficitário caísse.
9. arrow_downward
Assim, os bens exportados de A para B ficavam mais caros, enquanto os bens importados por A e oriundos de B ficavam mais baratos. Esses movimentos alteravam os preços relativos entre os dois países.
10. arrow_downward
Como resultado, as exportações de A para B diminuíam e as importações de A (de bens oriundos de B) aumentavam. Isso reequilibraria o saldo comercial entre os dois países e, consequentemente, o fluxo monetário dessas transações.
O modelo de fluxo de moedas metálicas é uma forma simples e intuitiva de apresentar o mecanismo automático de ajuste de balanço de pagamentos (desequilíbrios externos) no padrão-ouro. Considerando o aumento dos fluxos internacionais de capital, decorrente da crescente integração comercial ocorrida no período pós-Revolução Industrial, bem como o aumento da circulação de papel-moeda e moedas representativas lastreadas em ouro, o modelo de fluxo de moedas metálicas passou a representar cada vez mais parcialmente o funcionamento do padrão-ouro.
Além disso, parte significativa e crescente dos fluxos de capital estava atrelada à concessão de financiamentos e empréstimos externos, e não necessariamente à dinâmica comercial, de forma que a dinâmicados balanços de pagamento não correspondia à dinâmica da balança comercial.
Assim, de maneira a aproximar ainda mais o modelo exposto anteriormente das características mais realistas do padrão-ouro, é conveniente incorporar os fluxos de capital que não são decorrentes do comércio, bem como o papel das taxas de juros e do papel-moeda representativo nesse processo.
Para isso, considere dois países reais: Reino Unido e França.
1. arrow_downward
Suponha que o Reino Unido incorre em déficit comercial em relação à França.
2. arrow_downward
Suponha, desta vez, que os pagamentos não sejam feitos em ouro, mas sim em papel-moeda lastreado em ouro.
3. arrow_downward
Nesse caso, os britânicos pagavam o excesso de importações por meio de cédulas de libra esterlina (moeda oficial do Reino Unido), que era lastreada em ouro.
4. arrow_downward
Esse papel-moeda de libra esterlina, no entanto, era inútil nas mãos de comerciantes franceses, uma vez que, internamente, a França utilizava o franco (moeda oficial da França na época). Mas, como ambas as moedas eram lastreadas em ouro, esses comerciantes trocavam a quantia em libra esterlina pela mesma quantia em ouro, por meio do Banco da Inglaterra.
5. arrow_downward
Esse ouro era, então, levado ao Banco da França e convertido em cédulas de franco francês.
6. arrow_downward
Percebe-se que o ouro fluiu do país deficitário para o país superavitário – nesse caso, reservas de ouro que estavam no Banco da Inglaterra foram para o Banco Francês.
À exceção de duas operações intermediárias junto aos bancos oficiais, a dinâmica que acabamos de apresentar em nada difere do modelo mais simples apresentado anteriormente: os mecanismos de ajuste via nível de preços reequilibrariam os desequilíbrios comerciais. Ao incorporar a participação de bancos centrais nas transações, no entanto, abre-se a oportunidade de interferências nos fluxos de ouro por meio de determinadas políticas econômicas. Quando um país deficitário começasse a ver suas reservas em ouro sendo reduzidas, seu banco oficial poderia atuar para impedir esse processo e agir de forma a acelerar o ajuste que já aconteceria de forma automática.
Atenção
A atuação de bancos oficiais no padrão ouro foi uma forma incipiente de política monetária, visto que a noção de banco central como instituição governamental garantidora da estabilidade do poder de compra da moeda, como conhecemos hoje, surgiu apenas algumas décadas mais tarde. Inicialmente, esses bancos poderiam até mesmo ser instituições privadas que detinham grande parte das reservas de ouro do país – esse era o caso do Banco da Inglaterra à época.
Com a participação de bancos oficiais e a utilização de papel-moeda como meio de circulação, os bancos poderiam acelerar o ajuste, alterando a quantidade de moeda na economia, sem necessariamente alterar as reservas de ouro. Considere o exemplo proposto anteriormente: o Reino Unido era o país cuja balança comercial era deficitária.
Banco da Inglaterra.
Em vez de esperar que as reservas de ouro inglesas diminuíssem, que a oferta de moeda caísse, e que isso levasse a uma queda do nível de preços capaz de baratear as exportações e reequilibrar a balança comercial, o Banco da Inglaterra poderia atuar reduzindo a oferta de libras esterlinas em circulação, reduzindo a oferta de moeda e o nível de preços, sem incorrer em redução das reservas de ouro.
O Banco da Inglaterra faria isso por meio de operações com títulos atrelados a uma taxa de redesconto.
Inicialmente, essas operações eram feitas com títulos de crédito emitidos por bancos. Mais tarde, os bancos centrais passaram a realizar essas operações por meio de títulos de dívida emitidos pelo governo, graças a um mecanismo semelhante ao que hoje é conhecido como operações de mercado aberto. O fato é que, mediante alterações nas taxas de redesconto desses títulos, os bancos centrais poderiam aumentar ou reduzir sua atratividade, manipulando, assim, o fluxo de compra e vendas de tais títulos e controlando a quantidade de oferta de moeda na economia.
Décadas mais tarde, estudos mostraram que, na prática, os bancos oficiais não se comportavam de acordo com a teoria a todo momento.
Em outras palavras, os bancos não aplicavam suas taxas, necessariamente, de acordo com desequilíbrios dos balanços de pagamentos. Outras variáveis eram também consideradas.
Por serem instituições privadas à época, a lucratividade desses bancos era uma dessas variáveis. No entanto, por terem forte impacto sobre a economia, esses bancos também estavam sujeitos a diversas pressões políticas para manutenção do padrão-ouro e da conversibilidade.
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Ajuste externo no padrão-ouro: teoria
O padrão-ouro é um sistema de taxas de câmbio fixas. Ajustes externos são promovidos por meio de alterações nos níveis de preços. Saiba mais assistindo ao vídeo.
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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar.
3:07 min.
Módulo 1 - Vem que eu te explico!
Bimetalismo: o início do padrão-ouro
2:52 min.
Módulo 1 - Vem que eu te explico!
Ascensão do padrão-ouro
2:42 min.
Módulo 1 - Vem que eu te explico!
Funcionamento teórico do padrão-ouro
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A respeito do que foi apresentado acerca do advento do padrão-ouro, é possível afirmar que seu caráter internacional foi
A
resultado de um acordo de cooperação, assinado em 1893, no qual as principais economias do mundo foram signatárias.
B
resultado de sanções comerciais e financeiras aplicadas sobre os países que se recusavam a aderir ao sistema.
C
resultado de imposições feitas pelo Reino Unido a outros países, por meio de guerras e invasões militares.
D
resultado não planejado de um contexto histórico específico favorável à adoção do ouro como meio de pagamento de referência.
E
resultado da escassez de metais alternativos, tendo em vista que o ouro era o único metal facilmente encontrado cujo valor era amplamente reconhecido.
Parabéns! A alternativa D está correta.
O padrão-ouro como sistema monetário internacional foi resultado de um contexto histórico específico. O advento do Reino Unido como principal potência industrial aumentou a relevância comercial desse metal, pois o país já adotava o padrão-ouro. Por outro lado, a eclosão da Guerra Franco-Prussiana enfraqueceu o padrão-prata, uma vez que diversos países suspenderam a sua conversibilidade. A partir do momento que Reino Unido e Alemanha, as duas principais economias da Europa, haviam adotado o padrão-ouro, os demais países optaram por esse caminho de forma a alinhar e facilitar seus laços econômicos com eles.
Questão 2
O padrão ouro se tratava de um sistema monetário internacional no qual as taxas de câmbio entre os países eram fixas. Sendo assim, o ajuste frente a desequilíbrios externos de balanço de pagamentos ocorria por meio de:
A
Ações coordenadas entre os países de forma que nenhum deles ficasse sem reservas de ouro.
B
Mudanças automáticas na taxa de conversão entre as moedas nacionais e uma dada quantidade de ouro.
C
Ajustes automáticos nos preços relativos (termos de troca), consequência de alterações na oferta de moeda e nos níveis de preço.
D
Mudanças forçadas na taxa de conversão entre as moedas nacionais e uma dada quantidade de ouro.
E
Suspensões temporárias e coordenadas da conversibilidade em ouro.
Parabéns! A alternativa C está correta.
Frente a um desequilíbrio do balanço de pagamento, o sistema tende a se ajustar de forma automática. A entrada (no caso de superávit comercial) ou saída (no caso de déficit comercial) de moeda faz com que a oferta desta última na economia se altere, o que impacta diretamente os níveis de preços e, consequentemente, os termos de troca. As mudanças nos termos de troca reequilibram a balança comercial.
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2 - Período entre guerras e as dificuldades para a manutenção do sistema
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer os pontos fundamentais do período entre guerrase as dificuldades para manutenção do sistema.
Padrão-ouro como instituição social
Com base no que foi apresentado ao longo do módulo 1, podemos perceber que o padrão-ouro não foi apenas uma alternativa de sistema monetário escolhida dentre várias possíveis, mas sim um sistema construído econômica, política e socialmente, moldado pelos diferentes contextos e acontecimentos históricos de sua época.
Ao final do século XIX e início do século XX, o padrão-ouro já estava estabelecido como sistema monetário internacional e sua manutenção era considerada prioridade por parte dos governos.
O aspecto fundamental do padrão-ouro era a garantia da conversibilidade.
Existia um consenso de que as autoridades de todos os países que aderiram ao padrão-ouro, especialmente as economias centrais – Reino Unido, Alemanha e França – fariam de tudo que fosse necessário para manter suas reservas de ouro em um nível seguro, capaz de garantir a conversibilidade de suas moedas em relação ao ouro.
A prioridade de manutenção da conversibilidade da moeda dificilmente era um assunto passível de contestação ou oposição. Se fosse necessário, os bancos oficiais alterariam suas taxas de redesconto e suas operações de forma a possibilitar a manutenção de suas reservas de ouro.
Se um país experimentasse uma fuga de capital, por exemplo, suas reservas de ouro ficariam pressionadas. Nesse caso, o banco tenderia a aumentar a taxa de redesconto das operações de título, de forma a enxugar a liquidez do mercado e diminuir a oferta de moeda, reduzindo o nível de preços e reequilibrando o sistema.
Na época, eram pouco considerados os efeitos negativos que tais medidas teriam sobre a atividade econômica. A teoria macroeconômica ainda era pouco fundamentada. O aumento na taxa de redesconto retiraria liquidez do mercado, o que encareceria o crédito e afastaria consumo e investimento, muitas vezes gerando recessões e desemprego.
Tendo em vista esses aspectos negativos do processo de ajuste, por que o sistema funcionou de forma estável e com credibilidade durante tantos anos?
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A resposta para essa pergunta está relacionada ao fato de que os indivíduos mais prejudicados por tais ajustes não tinham participação política, uma vez que o conceito de democracia ainda não estava bem estabelecido como entende-se atualmente e a maioria das pessoas não tinham direito ao voto, em geral restrito aos homens, proprietários de terra e capital. Assim, não havia pressão para que as autoridades se preocupassem com desemprego e nível de renda de toda a população. Em outras palavras, o ajuste econômico necessário para o funcionamento do sistema ocorria sem grandes contestações. Além disso, o padrão ouro operava em uma época na qual não havia qualquer burocracia nas relações trabalhistas. Do ponto de vista macroeconômico, isso tornava o mercado de trabalho mais flexível e permitia que a queda de preços necessária para o ajuste fosse alcançada com menor sacrifício social.
A manutenção incondicional da conversibilidade e, por assim dizer, do padrão-ouro, era de interesse das classes políticas e sociais de maior influência. Os detentores de terras e capital lucravam com um comércio que prosperava sob a estabilidade de um sistema internacional, aliado à segurança de que esses lucros poderiam ser convertidos em ouro quando desejado.
As pressões políticas para manutenção do sistema eram o que proporcionava aos bancos oficiais a credibilidade de que, caso fosse necessário, fariam de tudo para preservar suas reservas e garantir a conversibilidade. Essa credibilidade oferecia aos bancos, muitos deles privados à época, oportunidades de lucro. Também permitia que eles ignorassem, no curto prazo, as necessidades de ajuste do balanço de pagamentos para manipular suas taxas de redesconto de forma a aumentar sua lucratividade.
Nesse sentido, é possível afirmar que a credibilidade da qual os bancos gozavam possibilitava que eles operassem contra as “regras” do padrão-ouro, no curto prazo, e visando lucros rápidos, pois as pressões políticas fariam com que suas operações de longo prazo salvaguardassem o sistema.
Embora o sistema do padrão-ouro não tenha origem em acordos oficiais de cooperação internacional, sua manutenção exigia algum grau de harmonia entre países. De certa forma, essa harmonia também derivava de interesses e pressões políticas para manter o sistema em funcionamento, caso contrário, poderia entrar em colapso. Tal colapso seria resultado de manipulações desorganizadas nas taxas de redesconto que os bancos operavam.
Suponha que um banco elevasse as taxas de redesconto nas suas operações de títulos. Isso faria com que os fluxos de saída fossem interrompidos e incentivaria, até mesmo, fluxos de entrada de capital. O fato de as reservas de ouro serem limitadas tornava o padrão ouro um sistema de soma zero, no sentido de que, se um país ampliasse suas reservas, isso significava que outro país via suas reservas sendo reduzidas.
Assim, em um sistema sem harmonia, a elevação das taxas de redesconto por parte do banco oficial faria com que outros países, com medo de uma fuga de suas reservas, respondessem também com uma elevação nas taxas de redesconto.
O resultado desse sistema sem harmonia seria uma “guerra” de taxas de redesconto, da qual nenhum país sairia beneficiado do ponto de vista das reservas, mas todos sairiam prejudicados do ponto de vista da atividade econômica.
Empréstimos entre bancos já eram uma prática realizada mesmo antes do padrão ouro se estabelecer como sistema monetário internacional. A partir da última década do século XIX, a necessidade de harmonia entre eles se mostrou ainda mais clara quando crises bancárias colocaram em risco a estabilidade do sistema e a manutenção da conversibilidade:
1890
O próprio Banco da Inglaterra precisou da ajuda do Banco da França e do Banco Estatal Russo, que enviaram quantias de ouro para ele.
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1898
Foi a vez do Banco da Alemanha obter ajuda do Banco da França e do Banco da Inglaterra.
Esse tipo de cooperação não ocorria de forma constante, mas era observado em momentos de crise. A classe política das principais economias europeias tinha seus interesses atrelados ao padrão-ouro e via esses momentos de “solidariedade” internacional como necessários para a manutenção do sistema.
A prioridade política atribuída à manutenção do padrão-ouro permitiu um funcionamento estável do sistema durante os primeiros anos do século XX. A libra esterlina e o Banco da Inglaterra se consolidaram como ponto central da harmonização de políticas durante esse período, considerando a credibilidade que desfrutavam quanto à conversibilidade da moeda e à posição hegemônica do Reino Unido no cenário global. Durante muito tempo, nada parecia colocar em risco o funcionamento do sistema. Até mesmo episódios de pânico bancário eram eventualmente superados sem colocar em risco sua credibilidade.
Em 1914, no entanto, o cenário mudou. Apesar de sua solidez, o padrão-ouro ainda não tinha experimentado uma guerra de proporções globais, especialmente entre os próprios países que haviam adotado o sistema. A crescente rivalidade e tensão militar entre Reino Unido, Alemanha e França após a partilha do continente africano eliminaram qualquer possibilidade de cooperação internacional para continuidade do sistema.
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, os países europeus abandonaram a conversibilidade e passaram a emitir moeda não conversível para financiar os seus gastos de guerra. Durante os quatro anos de esforços de guerra que seguiram, o padrão ouro e a conversibilidade estavam longe da lista de prioridades dos principais governos europeus. Isso, no entanto, não significou um abandono definitivo.
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Padrão-ouro e emprestador de última instância
No início do século XX, estava cada vez mais clara a responsabilidade dos bancos oficiais em atuar como emprestadores de última instância. Essa função, no entanto, ia contra as regras do padrão-ouro. Veja:
Período entre guerras
Com a Primeira Guerra Mundial, recursos que já eramescassos se tornaram cada vez mais essenciais. Mudanças tributárias para maior arrecadação por parte do governo e emissão de títulos de dívida não foram suficientes para financiar os esforços de guerra. A solução encontrada para financiar o déficit orçamentário do governo foi abandonar a conversibilidade em ouro e emitir moeda fiduciária. Ou seja, papel-moeda que não apresentava nenhum lastro e, nesse sentido, cujo valor advinha apenas da credibilidade do governo em garantir sua estabilidade. Nesse período, apenas os Estados Unidos mantiveram a conversibilidade de sua moeda em ouro.
Primeira Guerra Mundial.
A Primeira Guerra Mundial acabou em 1918. Do ponto de vista monetário, o período imediatamente posterior ao fim da guerra foi marcado por tentativas de retorno ao sistema do padrão ouro, tal qual funcionava anteriormente. Esse retorno, no entanto, não era tarefa fácil.
A emissão de moeda sem lastro durante a guerra aumentou muito sua oferta, resultando em desvalorização e elevadas taxas de inflação em quase todos os países.
Alguns países, como a Alemanha, a Áustria e a Hungria, se tornaram casos famosos de hiperinflação. Nesse sentido, as taxas de câmbio se alteraram significativamente em relação ao pré-guerra. O retorno à conversibilidade e ao padrão-ouro nas mesmas condições anteriores à guerra, assumindo que isso seria possível, exigiria um esforço para recuperar o valor das moedas de cada um desses países.
Castelo Neuschwanstein, Alemanha.
Fortaleza de Hohensalzburg, Áustria.
Parlamento de Budapeste, Hungria.
Nos primeiros anos após o fim da guerra, a grande maioria desses países operaram sob um regime de câmbio flexível pela primeira vez no século XX. Esse regime, à época, se mostrou bastante instável – fluxos especulativos tornavam as taxas de câmbio excessivamente voláteis. Isso atraiu muitas críticas que argumentavam que tais movimentos, ao invés de promover ajustes nos preços relativos e reequilibrar o balanço de pagamentos, acabavam por intensificar os desequilíbrios iniciais.
A breve experiência do câmbio flexível, acompanhada de um desejo da classe política de retornar à estabilidade anterior à guerra, criaram incentivos para que os governos, junto aos bancos oficiais, buscassem retomar a conversibilidade em ouro.
Havia duas possibilidades de retorno da conversibilidade:
Possibilidade 1
Os países aceitavam a perda de poder de compra e fixavam suas moedas ao valor da época, que estava desvalorizado em relação ao pré-guerra.
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Possibilidade 2
Os países promoviam políticas deflacionárias que recuperassem o valor anterior para, em seguida, fixarem suas moedas ao ouro às mesmas taxas do pré-guerra.
A primeira opção fazia com que as moedas perdessem influência no cenário global, uma vez que se tornariam mais fracas. Por outro lado, políticas deflacionárias impactariam negativamente a atividade econômica e resultariam em um sacrifício social enorme, com elevado desemprego e forte redução de salários.
No Reino Unido, economia central do padrão ouro antes da guerra, a segunda opção foi escolhida: deflacionar a economia até que fosse possível fixar a libra esterlina a taxas que eram praticadas antes da guerra. Para evitar fortes períodos de deflação e limitar o prejuízo à atividade econômica, a transição foi feita de forma gradual.
Apenas em 1925, sete anos após o fim da guerra, o Reino Unido retomou a conversibilidade da sua moeda.
Essa decisão, no entanto, não foi feita sem controvérsia. O nível de preços não havia caído o suficiente para retomar a conversibilidade a taxas pré-guerra. Mas adiar a volta da conversibilidade ou retomá-la a uma paridade diferente daquela vigente antes da guerra, implicaria uma perda de credibilidade que o governo não estava disposto a aceitar.
O Reino Unido optou por restaurar a conversibilidade à mesma paridade do pré-guerra, apesar de o nível de preços não suportar tal taxa – implicando em uma paridade supervalorizada. Essa supervalorização da libra esterlina prejudicou as exportações britânicas e impactou negativamente o crescimento econômico.
Outros países, como a Itália, Bélgica, Dinamarca, Portugal e França, optaram por restaurar a conversibilidade de suas moedas à paridade verificada após a guerra. Afinal, nesses países, o ajuste deflacionário para restaurar a paridade pré-guerra seria ainda maior que o realizado pelo Reino Unido, o que significaria um alto custo social (com o qual os países não estavam dispostos a arcar). Ao final de 1927, quase dez anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, o sistema monetário do padrão-ouro já havia sido restaurado quase que por completo.
Apesar da restauração do padrão-ouro, muitas das condições que permitiam o funcionamento estável do sistema antes da guerra já não estavam mais presentes. Praticamente todas as economias operavam por meio de moedas representativas e papel-moeda lastreados em ouro. Apenas os Estados Unidos, que ao final da Primeira Guerra Mundial havia se tornado o principal detentor de reservas e credor internacional, ainda utilizavam moedas de ouro como meio circulante e, mesmo assim, essas moedas em ouro representavam uma parcela pequena da oferta total de moeda.
Resumindo
Melhor dizendo, os países buscavam manter suas reservas de ouro nos bancos e não mais como meio circulante, de forma a limitar os fluxos de saída de ouro para outros países. Além disso, várias restrições foram implementadas para dificultar a conversão dessas moedas em ouro.
O movimento de concentração das reservas de ouro nos cofres dos bancos era resultado de uma crescente escassez do metal no mercado. Por um lado, conforme mencionado anteriormente, no sistema do padrão ouro a oferta de moeda estava diretamente relacionada à oferta de ouro. Se essa oferta estava estagnada, então havia claros limites para emissão de moeda.
Por outro lado, a década de 1920 foi um período de forte crescimento econômico. O aumento do comércio e de transações financeiras inerentes a esse crescimento provocava um aumento da demanda por moeda. Em outras palavras, oferta e demanda de moeda não estavam acompanhando uma mesma trajetória, o que colocava pressão sobre o sistema. De certa forma, verificava-se um trade-off entre manutenção da conversibilidade e incentivo ao crescimento econômico.
Diante de uma escassez de oferta de ouro monetário, o cenário ideal seria obtido por meio de acordos de cooperação entre os bancos, para que uma “guerra” de taxas de redesconto fosse evitada.
Apesar de conferências e reuniões terem ocorrido, um acordo oficial nunca chegou a ser realizado, especialmente pela ausência dos Estados Unidos que, à época, ainda adotavam uma política isolacionista em relação aos demais países.
Com o aumento da demanda por moeda e a estagnação na oferta de moeda, os bancos experimentaram um forte aumento de seus passivos em proporção aos ativos.
De outro modo, o volume de emissão de papel-moeda (passivo) representava uma proporção cada vez maior da reserva de ouro que possuíam (ativo).
Não havia problema que a quantidade de papel moeda emitido superasse o valor total das reservas de ouro, até certo limite, uma vez que nem todos os portadores desse papel-moeda converteriam esses valores em ouro ao mesmo tempo. No entanto, caso essa proporção atingisse níveis muito elevados, a conversibilidade em ouro estaria em risco. Se muitas pessoas decidissem converter seu papel-moeda em ouro ao mesmo tempo, os bancos não teriam reservas suficientes para honrar seus compromissos.
Esse problema era maximizado pelo fato de que apenas dois países atraíam a maior parte dos fluxos internacionais de ouro – França e Alemanha – enquanto um terceiro país – os Estados Unidos – detinha a maior parte dessas reservas e dificultava sua saída.
O fato de a França e a Alemanha serem os países de maior atração de capital estava diretamente relacionado às condições nas quais o padrão-ouro foi restaurado após a guerra.
A França restaurou a conversibilidade em ouro a uma nova taxa e não àquela praticada antes da guerra. Essa taxa, no entanto, estava subvalorizada,favorecendo as exportações e fazendo com que as reservas de ouro fluíssem para o mercado francês. A Alemanha, por sua vez, atraía essas reservas por causa de sua elevada taxa de redesconto, resultado da hiperinflação do período pós-guerra. Já os Estados Unidos, em 1927, quando o padrão ouro já havia sido restaurado na maior parte do mundo, detinha mais de 40% das reservas globais desse metal. Para colocar esse número em perspectiva, a França estava em segundo lugar, com cerca de 10% das reservas totais. Ou seja, apenas os bancos dos Estados Unidos e da França detinham metade de toda a oferta de ouro no mercado.
Enquanto os Estados Unidos, França e Alemanha apresentavam contínua entrada de recursos, o Reino Unido, ao restaurar a conversibilidade à paridade pré-guerra, manteve seu câmbio supervalorizado. Isso gerou uma crise de balanço de pagamentos e um fluxo de saída constante de reservas. A situação piorou em 1927, pois o boom econômico da década de 1920 estava criando um descompasso perigoso entre:
Oferta de moeda
Passivo, que estava aumentando.
close
Oferta de ouro
Ativo, que não aumentava na mesma proporção.
Para conter esse problema, o Federal Reserve (banco central dos EUA) elevou sua taxa de redesconto em uma tentativa de desestimular a bolha especulativa no mercado acionário, atraindo tais especuladores para títulos do governo. O movimento unilateral do Federal Reserve fez com que os demais bancos centrais tivessem que aumentar suas respectivas taxas de redesconto.
Federal Reserve.
A escassez de ouro no mercado e a falta de coordenação de política dos bancos centrais evidenciaram que o padrão ouro, após sua restauração internacional em 1927, não estava funcionando da forma como deveria. O mecanismo de ajuste inerente ao sistema não estava reequilibrando os balanços de pagamentos e o fluxo de reservas.
Enquanto alguns países incorriam em persistentes déficits, outros incorriam em persistentes superávits.
Essa dinâmica aumentava a concentração de ouro em poucos países e, o que ainda era mais grave, ameaçava a conversibilidade nos países deficitários.
Naturalmente, existia uma opção para os países deficitários garantirem a conversibilidade: aumentar ainda mais suas taxas de redesconto. Essa medida, no entanto, teria efeitos extremamente negativos. Já seria de se esperar que a elevação nas taxas de redesconto reduziria o crédito e abalaria a atividade econômica. O problema dessa medida é que:
Por um lado
A deflação de preços necessária para reequilibrar os preços relativos gerava um risco de a economia entrar em uma espiral deflacionária, o que não seria positivo.
close
Por outro lado
Não apenas o aumento da taxa de redesconto elevaria o serviço da dívida pública, como também o valor nominal da própria dívida iria aumentar em decorrência da deflação.
Comentário
Nesse sentido, o alto endividamento apenas fragilizaria a já abalada credibilidade de países deficitários.
A partir da crise de 1929 e o início da Grande Depressão, a conjuntura se tornou ainda mais difícil. Mesmo que os governos e bancos centrais estivessem dispostos a subir a taxa de redesconto até o patamar necessário para realizar o ajuste, esse ajuste estava diretamente ligado ao comércio internacional. Afinal, a taxa de redesconto era apenas um instrumento para alterar os preços relativos de forma a incentivar as exportações e inibir as importações, permitindo maior entrada de reservas de ouro.
Como resposta à crise de 1929, vários países adotaram medidas protecionistas, em uma tentativa de salvar a produção industrial interna. Assim, o comércio internacional sofreu um duro golpe e os países observaram grandes quedas em suas exportações, o que impedia que o mecanismo de ajuste exercesse o seu papel.
Países mais periféricos, mas com importantes setores exportadores de commodities, foram os primeiros a sentir as consequências dessa conjuntura. Argentina, Austrália, Brasil e Canadá alteraram suas regras de conversibilidade de forma a permitir uma desvalorização de suas moedas. Na prática, a conversibilidade havia sido suspensa e o padrão ouro abandonado. Por sua vez, o abandono do padrão ouro nos países periféricos afetou a credibilidade das economias centrais.
A crise de 1929 teve impactos sem precedentes sobre a produção industrial e a atividade econômica de uma maneira geral.
Estímulos monetários como reduções da taxa de juros e ampliação do crédito aos agentes não eram medidas compatíveis com o padrão ouro, pois colocariam em risco o nível das reservas e a conversibilidade. Com isso, existia crescente especulação de que os países centrais eventualmente desvalorizariam suas paridades em relação ao ouro. Tais especulações acabavam por gerar fluxos desestabilizadores.
Curiosidade
Detentores de papel-moeda queriam trocar esses valores por ouro antes que a taxa de conversão fosse desvalorizada. Curiosamente, países que ainda operavam com a paridade vigente antes da guerra – principalmente Estados Unidos e Reino Unido – foram os mais afetados, uma vez que a necessidade de desvalorização de suas moedas era maior.
Dos desequilíbrios externos e dos fluxos especulativos surgiram crises bancárias em diversos países. Economistas e historiadores hoje concordam que a única saída para o dilema imposto pelo padrão-ouro no contexto econômico da época seria a cooperação internacional. Isso não se mostrou possível. Os países não concordavam a respeito dos principais problemas a serem enfrentados, muito menos concordavam a respeito de suas soluções.
É possível argumentar que todas as dificuldades descritas até aqui fazem parte do processo de desintegração do padrão-ouro. O estopim para que essa desintegração começasse a ser, de fato, visível, foi a crise bancária da Áustria, em 1931. A fragilidade bancária logo se espalhou para a Hungria e para a Alemanha. Em poucos meses, os três países optaram pelo abandono da conversibilidade e do padrão-ouro.
O Reino Unido, por sua vez, não foi atingido por crises bancárias, mas suas taxas de redesconto atingiram níveis insustentáveis, especialmente considerando a grave recessão e os altos níveis de desemprego, superiores a 20%. Em setembro de 1931, o Reino Unido abandonou a conversibilidade. Os mercados se voltaram então ao dólar, especulando uma possível desvalorização. Tal especulação obrigou os Estados Unidos a aumentarem ainda mais a sua taxa de juros.
Após o abandono do padrão-ouro pelo Reino Unido, outras economias suspenderam, uma a uma, a conversibilidade. A partir de 1932, o padrão-ouro ficou limitado aos Estados Unidos e a alguns países da Europa central, como:
França
Bélgica
Suíça
Holanda
A partir de 1933, o novo governo Roosevelt nos Estados Unidos suspendeu a conversibilidade do dólar após sucessivos episódios de corrida bancária. Medidas de recuperação da crise, que já se prolongavam por vários anos, eram simplesmente incompatíveis com a manutenção do padrão-ouro. Em 1936, o padrão-ouro já não era mais o sistema monetário internacional, que agora operava sob um regime de câmbio flutuante.
Apesar de algumas tentativas de cooperação internacional terem sido feitas para controlar as flutuações das moedas, especialmente entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, a eclosão da Segunda Guerra Mundial tornou, novamente, a discussão monetária um tópico secundário. Pela segunda vez, em menos de trinta anos, os esforços de guerra foram financiados por emissões de moeda fiduciária.
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Vem que eu te explico!
Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar.
2:39 min.
Módulo 2 - Vem que eu te explico!
O padrão-ouro como instituição social
3:26 min.
Módulo 2 - Vem que eu te explico!
Período entre guerras - parte 1
3:37 min.
Módulo 2 - Vem que eu te explico!
Período entre guerras - parte 2
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Nos primeiros anos do século XX, a defesa do padrão ouro era considerada uma prioridade da grande maioria dos governos. Isso ocorreu
A
por causa da pressão dos trabalhadorespor um sistema que garantisse estabilidade do poder de compra da moeda.
B
em decorrência da ameaça de sanções econômicas por parte de outros países caso o padrão-ouro fosse abandonado unilateralmente.
C
como resultado de um compromisso firmado entre todos os países do globo para garantir um sistema comercial estável e funcional.
D
devido a pressões da classe política cujos interesses estavam fortemente atrelados ao padrão-ouro, que possibilitava altos lucros comerciais e estabilidade da moeda.
E
devido a temores de que o padrão-ouro se tornasse mais um sistema monetário fracassado, como tantos outros tentados anteriormente.
Parabéns! A alternativa D está correta.
A classe política era a classe que mais se beneficiava do comércio proporcionado pelo padrão-ouro. Embora os trabalhadores se beneficiassem da estabilidade do poder de compra, eles também sofriam as consequências negativas do ajuste de preços relativos para manutenção do sistema.
Questão 2
A respeito do funcionamento do sistema monetário internacional durante a crise de 1929, é possível afirmar que
A
a crise de 1929 foi mais um período de recessão da atividade econômica dentre tantos outros, e não afetou diretamente o funcionamento do sistema monetário.
B
o padrão-ouro foi crucial para a resolução da crise de 1929, uma vez que ofereceu estabilidade ao sistema monetário.
C
a crise de 1929 contribuiu para o abandono do padrão-ouro alguns anos depois, uma vez que esse sistema não admitia políticas monetárias expansionistas.
D
a crise de 1929 teve como principal causa o sistema de câmbio fixo do padrão-ouro e, por isso, ficou também conhecida como a crise do ouro.
E
a crise de 1929 foi, principalmente, uma crise de balanço de pagamentos, e o regime de câmbio flexível inerente ao padrão ouro possibilitou um rápido ajuste das contas externas.
Parabéns! A alternativa C está correta.
O padrão ouro era um regime de câmbio fixo no qual a oferta de moeda estava limitada pelas reservas de ouro do banco central. Sendo assim, não era possível fazer políticas expansionistas para impulsionar a demanda.
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Considerações finais
O padrão-ouro foi um sistema monetário que marcou sua época e resultou diretamente da dinâmica econômica e política internacional. Por um lado, ele proporcionou estabilidade e reduziu custos cambiais, que permitiram maior integração comercial entre as diferentes economias em uma época de ascensão do processo industrial.
Por outro lado, o padrão-ouro se mostrou problemático para lidar com períodos prolongados de atividade econômica fragilizada. A essência do padrão-ouro não admitia políticas expansionistas que promovessem o barateamento do crédito e dessem suporte à demanda agregada.
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Podcast
Do ponto de vista monetário, o período entre guerras foi marcado por tentativas de retornar ao padrão ouro vigente antes da 1ª Guerra Mundial. As condições para tanto, contudo, já não estavam mais presentes. Ouça mais no podcast.
Bretton Woods
Prof. Livio Ribeiro
Descrição
Apresentação do Bretton Woods, sistema monetário internacional em vigor desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1970. Discussão sobre suas principais características e seus mecanismos de ajuste, bem como sobre os contextos históricos que possibilitaram seu advento e posterior abandono.
Propósito
Compreender um dos principais sistemas monetários já usados na história, parte básica da formação de economistas e historiadores.
Objetivos
Módulo 1
Acordos de Bretton Woods
Descrever o surgimento e o funcionamento do sistema de Bretton Woods.
Módulo 2
Sistema de Bretton Woods
Descrever as pressões e os desequilíbrios inerentes ao sistema e as dificuldades para sua manutenção.
Introdução
Iniciada em 1939, a Segunda Guerra Mundial durou cerca de seis anos e terminou apenas em 1945. A partir dos anos de 1943 e 1944, tornava-se cada vez mais claro que os países aliados (liderados por Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França) derrotariam os países do eixo (a Alemanha, a Itália e o Japão). Os países do eixo perdiam território, especialmente na Europa, e não tinham mais condições de enfrentar os Estados Unidos e a União Soviética, potências militares que haviam entrado mais tarde na guerra.
Diante da perspectiva de um cenário vitorioso para os aliados, os países ocidentais já planejavam como seria o sistema monetário internacional no pós-guerra. Dessa vez, os governos não pareciam dispostos a incorrer nos mesmos erros cometidos nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial, nos quais não houve uma coordenação para retorno da conversibilidade do ouro, tampouco uma organização de um sistema monetário internacional que fosse funcional para as condições econômicas da época.
A falta de cooperação para a adoção do padrão ouro no período entreguerras impossibilitou o funcionamento estável de um sistema que, em determinado momento, tornou-se insustentável. Estados Unidos e Reino Unido não queriam que isso ocorresse novamente.
Os acordos de Bretton Woods foram assinados justamente com a intenção de promover essa cooperação e garantir um funcionamento organizado do sistema monetário internacional após o fim da Segunda Guerra Mundial. Wood foi o primeiro sistema monetário internacional completamente negociado por seus principais participantes. Nesse sentido, é importante notar que, assim como qualquer negociação internacional, a distribuição de poder e a consequente capacidade de barganha de cada país signatário impactaram diretamente as diretrizes do acordo.
As três décadas que sucederam o fim da guerra (os anos de 1950, 1960 e 1970) foram marcadas por taxas de crescimento econômico bastante altas e poucas vezes vistas. Essa boa performance de crescimento da produção, no entanto, não estava livre de crises econômicas, desequilíbrios externos e novas pressões sobre a manutenção da conversibilidade das moedas.
Para muitos, a performance macroeconômica vivenciada no período está diretamente relacionada às diretrizes propostas em Bretton Woods. Aliada à cooperação para solucionar os problemas de balanço de pagamentos, a estabilidade cambial permitiu uma expansão sem precedentes do comércio internacional. A rápida integração comercial teria sido o principal vetor de crescimento econômico do período.
No entanto, outros especialistas argumentam que o sistema de Bretton Woods foi tão disfuncional quanto o do padrão ouro durante o período entreguerras. Para eles, a estabilidade econômica e a facilidade de ajuste de desequilíbrios no balanço de pagamentos foram apenas consequência de um período de robusto crescimento econômico cujo otimismo afastava temores e movimentos desestabilizadores. Além disso, argumentam que, tendo em vista os controles dos fluxos de capitais vigentes à época, o crescimento do investimento estrangeiro ocorreu apesar de o sistema de Bretton Woods estar em vigor - e não em decorrência dele.
Diante de visões tão opostas acerca de benefícios e custos de um sistema que marcou época, é conveniente apontar em detalhes sua ascensão, seu funcionamento e sua eventual derrocada. No módulo 1, apresentaremos o contexto no qual o sistema de Bretton Woods surgiu e as negociações que serviram de base para os acordos, bem como seu funcionamento. No módulo 2, abordaremos os principais vetores de desequilíbrio que levaram ao fim do sistema de Bretton Woods e as instituições, bem como as lições, que permaneceram mesmo após o seu abandono.
1 - Acordos de Bretton Woods
Ao final deste módulo, esperamos que você descreva o surgimento e o funcionamento do sistema de Bretton Woods.
Trilema de Mundell-Fleming: relembrando
Antes de apresentar em detalhes a ascensão e o funcionamento do sistema de Bretton Woods, é conveniente discutir as possibilidades de decisão e as limitações que formuladores de política econômica enfrentam na prática.
Para compreender melhor o funcionamento dos diferentes regimes monetários que podem ser adotados por um país (ou conjunto de países), é importante apresentar um conceitoconhecido como Trilema de Mundell-Fleming (ou trilema monetário da economia aberta). Ao entender esse trilema, torna-se mais fácil observar as diferenças entre os sistemas e as vantagens e desvantagens inerentes a cada um deles.
Três características principais definem e diferenciam os sistemas monetários:
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O regime cambial adotado
attach_money
A dinâmica de fluxos de capital
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A condução da política monetária
Existe um trilema monetário do qual os formuladores de política não podem escapar quando buscam escolher a melhor combinação de características para determinada moeda. O Trilema de Mundell-Fleming relaciona o regime de câmbio fixo, a livre mobilidade de capital e a autonomia da política monetária, demonstrando que essas três características não podem coexistir em um mesmo sistema monetário: apenas duas delas podem valer a cada momento.
Ou seja, se duas dessas características estão presentes, a característica restante não é alcançável.
Considere o triângulo de impossibilidades apresentado a seguir.
Veja de forma detalhada cada um dos regimes a seguir:
Regime monetário A
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Considere inicialmente um regime monetário A. Nesse regime, a taxa de câmbio entre diferentes moedas é fixa e existe livre circulação de capital entre os países, ou seja, não há controles sobre os fluxos de capital.
Um país que adota um sistema monetário desse tipo não tem autonomia sobre sua política monetária. Isso ocorre, porque, para conservar uma taxa de câmbio fixa, é necessário manter os fluxos de entrada e saída de capital relativamente constantes, ou seja, um balanço de pagamentos equilibrado.
Se o sistema apresenta livre mobilidade de capital, a única forma de controlar esses fluxos é modificar a taxa de juros a fim de atrair mais (ou menos) capital para manter o balanço de pagamentos equilibrado (e, consequentemente, uma taxa de câmbio fixa). Sendo assim, não é possível utilizar a taxa de juros como forma de política monetária para expandir ou contrair a demanda. A taxa de juros se torna apenas um instrumento de reequilíbrio das contas externas.
O padrão ouro é um exemplo real de um regime monetário que apresenta taxas de câmbio fixas e livre circulação de capital. Nos anos de padrão ouro, os países definiam suas taxas de juros de acordo com a necessidade de reequilíbrio do balanço de pagamentos, sem considerar o estado da atividade econômica.
Regime monetário B
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Um regime monetário do tipo B também é chamado de regime de câmbio flexível. Nesse sistema, os países operam com livre circulação de capitais e autonomia da política monetária, mas a taxa de câmbio é flutuante.
A livre circulação de capital tipicamente torna o câmbio uma variável volátil. Ao exercer autonomia sobre sua política monetária, utilizando a taxa de juros para controlar a atividade econômica em vez de usá-la para controlar o balanço de pagamentos, chega-se a uma taxa de câmbio flutuante. Nesse caso, é a própria flutuação da taxa de câmbio que reequilibra as contas externas em situações de desequilíbrio.
Regime monetário C
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Em um regime monetário do tipo C, a taxa de câmbio é fixa, mas sua manutenção não está associada à taxa de juros, e sim aos controles sobre os fluxos de capital. Nesse sistema, o governo mantém autonomia para utilizar a taxa de juros para fazer política monetária, porém defende a manutenção da paridade estabelecida, controlando a entrada e a saída de capital — restrições à importação, por exemplo, já foram frequentemente utilizadas como forma de controle dos fluxos de saída.
Uma vez apresentado o Trilema de Mundell-Fleming e a diferenciação das características de cada sistema possível, é conveniente destacar a conjuntura político-econômica que motivou a ascensão do sistema de Bretton Woods e que explica em qual tipo de regime monetário consistia esse sistema, assim como suas diferenças para o já conhecido padrão ouro.
Plano Keynes x Plano White
A nova ordem monetária a ser adotada após a Segunda Guerra Mundial começou a ser discutida e negociada anos antes do fim da guerra. Os países aliados não queriam reviver a desorganização monetária do período após a Primeira Guerra Mundial, tampouco a falta de cooperação vivenciada durante a Grande Depressão, que acabou prolongando ainda mais a crise de 1929.
Como qualquer negociação, o poder de barganha das partes é determinante para o resultado a ser alcançado, as concessões realizadas e os compromissos firmados. No caso dos acordos de Bretton Woods, isso não foi diferente.
Podemos perceber divisão de interesses entre duas nações:
1. public
Reino Unido
Por um lado, o Reino Unido tinha interesse em um novo sistema monetário organizado antecipadamente para evitar as sucessivas crises de balanço de pagamentos que enfrentou durante o período entreguerras. Nesse período, ao tentar restaurar a conversibilidade em ouro à paridade vigente antes da Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido acabou por fixar uma taxa de conversão supervalorizada em relação ao seu nível de preços. Isso afetou diretamente suas exportações e requereu constantes esforços deflacionários, os quais, por sua vez, estavam associados a um alto nível de desemprego.
2. public
Estados Unidos
Por outro lado, os Estados Unidos queriam liderar o processo de organização de um novo sistema de forma a promover crescimento econômico e expandir seus interesses. O país havia se tornado o maior credor internacional e o maior detentor de reservas de ouro. À exceção do ataque japonês ao Havaí na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos não sofreram a destruição material que os demais países industrializados da Europa sofreram. Esse fato, aliado aos esforços para oferecer os insumos básicos para a guerra, principalmente material bélico, o tornaram a maior potência industrial do mundo, bem como a economia mais próspera da época. Ao final da Segunda Guerra Mundial, estava clara a posição hegemônica exercida pelos Estados Unidos no mundo ocidental - não apenas econômica, mas também política e militar.
Tendo em vista o contexto da época, o Reino Unido, que até a Primeira Guerra Mundial detinha uma posição hegemônica no cenário global, agora se encontrava em uma situação de clara inferioridade. Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial, Eichengreen (2000) destacava que o Reino Unido e os Estados Unidos já haviam assinado a Carta do Atlântico, em 1941, e o Acordo de Ajuda Mútua de 1942.
Nos termos desses acordos, o Reino Unido assumiu o compromisso de restauração da conversibilidade da libra esterlina e aceitou o princípio de não discriminação comercial. Em troca, os Estados Unidos ofereceriam ajuda financeira em condições favoráveis e respeitariam a prioridade que os britânicos atribuíam ao pleno emprego.
Comentário
A dependência britânica de ajuda financeira americana já demonstrava, de forma clara, a distribuição de poder em favor dos Estados Unidos e consequentemente a posição enfraquecida do Reino Unido nas negociações que seguiriam.
Na esfera monetária, Reino Unido e Estados Unidos concordavam com algumas diretrizes básicas, porém discordavam em vários pontos cruciais. Considerando tais divergências, assessores econômicos de cada governo elaboraram planos para pautar a forma com que visualizavam o novo sistema monetário a ser implementado após a guerra.
O plano do governo britânico ficou conhecido como Plano Keynes, que, na época, era consultor não remunerado do Ministério das Finanças britânico. Já o do governo dos Estados Unidos ficou conhecido como Plano White, economista do Tesouro norte-americano. Diante de significativas divergências entre os planos, é conveniente mostrar os principais pontos de cada um deles.
Plano White
A principal diretriz estabelecida no Plano White foi a restauração da conversibilidade em ouro, estabelecendo o metal como principal forma de reserva internacional.
Para lidar com a escassez do metal em um cenário de aumento do comércio internacional após a guerra, foi proposto que toda moeda conversível em ouro poderia ser adotada como meio de pagamento

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