Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 1 – O QUE É ÉTICA? A ética, desde sua formulação na Grécia Antiga, é uma área do saber que diz respeito ao conceito de boa vida. O que é viver uma boa vida? Como viver uma boa vida em sociedade? Como devemos nos tratar e como devemos decidir o que é certo e errado a partir de certos valores? É importante fazermos uma diferenciação básica entre ética e moralidade. A ética é um ramo da filosofia que lida com questões de comportamento humano, valores, moralidade, certo e errado. Ela envolve o estudo e a reflexão sobre o que é considerado bom, justo e correto em diferentes contextos e situações. A ética busca estabelecer princípios e diretrizes que orientem as ações e decisões das pessoas de maneira a promover o bem-estar geral e a justiça na sociedade. A moralidade refere-se às normas, valores e princípios que uma sociedade, cultura ou grupo específico considera adequados. Ela determina o que é certo ou errado dentro de um contexto social particular. A moralidade muitas vezes é influenciada pela ética, mas pode variar significativamente entre diferentes culturas e comunidades. A ética está intrinsecamente ligada à busca de uma boa vida. A ideia é que a ética fornece um conjunto de princípios e valores que podem guiar as pessoas em direção a uma vida que seja considerada valiosa, significativa e justa. Para muitos filósofos éticos, a boa vida envolve não apenas a busca da felicidade pessoal, mas também a consideração do bem-estar dos outros e a promoção do bem comum. Este é um ponto muito importante para as reflexões de ética para profissionais de segurança pública, considerando que as atividades policiais e de segurança pública voltam-se à promoção do bem-estar da comunidade e das pessoas. A obediência e a hierarquia não são os únicos valores em jogo quando se trata de uma ética da segurança pública. Essa preocupação com a comunidade, e a promoção de seu bem-estar, é um princípio ético de longa data das atividades policiais e de segurança pública. Por exemplo, em 1957, a Associação Internacional dos Chefes de Polícia, nos Estados Unidos da América, aprovou o seu primeiro Código de Ética para Agentes de Lei, que diz o seguinte no seu primeiro parágrafo: Como agente da lei, o meu dever fundamental é servir a comunidade; para salvaguardar vidas e propriedades; proteger os inocentes contra o engano, os fracos contra a opressão ou intimidação e os pacíficos contra a violência ou desordem; e respeitar os direitos constitucionais de todos à liberdade, igualdade e justiça. Acesse e confira o original: https://www.theiacp.org/resources/law-enforcement- code-of-ethics Possuir ética e estabelecer padrões éticos significa basicamente fazer a coisa certa, na hora certa e da maneira certa. Os cidadãos esperam que os responsáveis pela aplicação da lei tenham um conjunto de valores e normas pelos quais vivam. Consequentemente, sem um conjunto de âncoras para medir o comportamento, teríamos uma situação ética confusa. Em 1992, o Instituto Josephson de Ética propôs os “seis pilares” para decisões éticas, que são usados pela Indiana Law Enforcement Academy para formação de profissionais de policiamento nos EUA*. *Acesse e saiba mais: https://www.in.gov/ilea/files/Police_Ethics_I.pdf Os “seis pilares” éticos são: Confiabilidade – integridade, honestidade, cumprimento de promessas, lealdade https://www.theiacp.org/resources/law-enforcement-code-of-ethics https://www.theiacp.org/resources/law-enforcement-code-of-ethics https://www.in.gov/ilea/files/Police_Ethics_I.pdf Respeito – cortesia, autonomia, diversidade Responsabilidade – dever, prestação de contas, busca pela excelência Justiça/equidade – abertura, consistência, imparcialidade Cuidado – bondade, compaixão, empatia Virtudes cívicas/cidadania – licitude, bem comum, ambiente Em 1995, o “Comitê de Padrões para Vida Pública”, do Reino Unido, formulou um conjunto de princípios para um policiamento ético e para profissionais de segurança pública. O Código diz que toda pessoa trabalhando para a polícia deve desempenhar um trabalho honesto e ético. O público espera que a polícia faça a coisa certa da forma certa. Os princípios auxiliam na tomada de decisão para profissionais de segurança pública. Em 2014, em reedição do Código de Ética para Policiamento, esses princípios foram reafirmados e eles dizem o seguinte: Princípios de Policiamento Ético (College of Policing, 2014) Responsabilidade: Você é responsável por suas decisões, ações e omissões. Justiça: você trata as pessoas de maneira justa. Honestidade: Você é verdadeiro e confiável. Integridade: Você sempre faz a coisa certa. Liderança: Você lidera pelo bom exemplo. Objetividade: Você faz escolhas com base em evidências e seu melhor julgamento profissional. Abertura: Você é aberto e transparente em suas ações e decisões. Respeito: Você trata a todos com respeito. Altruísmo: você age no interesse público. No Brasil, também possuímos Códigos de Ética que regulam atividades de profissionais da segurança pública e que abordam valores para a conduta ética. A Polícia Federal, por exemplo, aprovou em 2015 um Código de Ética que define o seguinte: São princípios e valores éticos que devem nortear a conduta profissional do agente público do Departamento de Polícia Federal: a dignidade, o decoro, o zelo, a probidade, o respeito à hierarquia, a dedicação, a cortesia, a assiduidade, a presteza e a disciplina; e a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade, a eficiência e o interesse público*. * Resolução n. 004 CSP/DPF, 2015, Código de Ética da Polícia Federal. Este Código de Ética também diz que é dever do agente público zelar pela utilização adequada dos recursos de tecnologia da informação. Esse compromisso ético tem uma profunda conexão com o dever de respeito à dignidade da pessoa humana, que é um dos valores do ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. https://www.college.police.uk/ethics/code-of-ethics Até o momento, analisamos o que é ética e quais os princípios que ajudam a compreender ações motivadas por valores éticos no campo da segurança pública. A seguir, vamos analisar o problema específico da ética no uso das tecnologias, considerando as grandes transformações que estamos passando nos últimos anos com a sociedade da informação, da expansão dos computadores e tecnologias da informação e a facilidade de uso de dispositivos tecnológicos com capacidade de captação, tratamento e armazenamento de dados. A discussão sobre ética e transformação tecnológica é bastante rica, pois remonta ao período de início do surgimento da computação e das primeiras pesquisas sobre Inteligência Artificial nas décadas de 1950 e 1960. As décadas de 1950 e 1960 foram um período crucial para os debates sobre ética e tecnologia, especialmente com o surgimento da cibernética e os trabalhos de Norbert Wiener e Joseph Weizenbaum, dois importantes filósofos da ética no uso de novas tecnologias. A cibernética, um campo interdisciplinar que estudava sistemas de controle e comunicação, trouxe à tona questões éticas relacionadas ao controle e à automação. O matemático Norbert Wiener, professor de cibernética do MIT, explorou como as máquinas poderiam ser usadas para controlar processos naturais e artificiais, o que levantou preocupações sobre o uso responsável dessa tecnologia. Figura 6: Professor Norbert Wiener, conhecido como o pai da cibernética. Fonte: Alfred Eisenstaedt, 1949 Wiener estava preocupado com o aumento da automação e da tecnologia, especialmente em contextos industriais e militares. Ele via a automação como uma força potencialmente desumanizadora e argumentava que a tecnologia poderia ser usada para ampliar o controle sobre as pessoas, levando à alienação e à perda de autonomia. Uma das soluções que Wiener propôs para suas preocupações foi a ideia de um “controle ético” da tecnologia. Ele argumentouque as decisões sobre o desenvolvimento e o uso de tecnologias avançadas deveriam ser influenciadas por considerações éticas e morais, e que deveria haver uma supervisão adequada para garantir que os avanços tecnológicos fossem compatíveis com valores humanos. Wiener também promoveu a ideia de uma abordagem interdisciplinar para abordar as questões éticas relacionadas à tecnologia. Ele argumentava que a ética cibernética deveria ser uma disciplina que reunisse especialistas de diversas áreas para abordar os desafios éticos da tecnologia. As ideias de Wiener, formuladas na década de 1960, são bastante atuais ao pensarmos o uso ético de novas tecnologias na segurança pública. Vou fornecer um exemplo concreto de como o "controle ético" de tecnologias, conforme defendido por Norbert Wiener há décadas, poderia ser aplicado no campo do uso de novas tecnologias na segurança pública. Suponha que uma agência de segurança pública esteja considerando a implementação de sistemas de reconhecimento facial para auxiliar na identificação de suspeitos em áreas públicas. Para aplicar o controle ético nesse contexto, a agência pode seguir as seguintes diretrizes: Transparência e Escrutínio Público: Antes de implementar qualquer sistema de reconhecimento facial, a agência deve ser transparente sobre sua intenção de usá-lo e envolver o público em discussões sobre os riscos e benefícios. Isso inclui consultas públicas, debates abertos e avaliações independentes dos sistemas; Limitação de Uso: A agência deve definir claramente os casos de uso do reconhecimento facial e estabelecer limites para sua aplicação. Por exemplo, pode ser usado apenas em investigações criminais específicas, e não para monitorar rotineiramente cidadãos em espaços públicos; Proteção da Privacidade e dos Dados Pessoais: É necessário implementar salvaguardas rigorosas para proteger a privacidade das pessoas e para proteger o direito fundamental à proteção de dados pessoais. Isso inclui a identificação da base legal para tratamento dos dados pessoais, a identificação de finalidade específica, o respeito ao princípio da minimização, a anonimização de dados, o armazenamento seguro e o acesso restrito aos registros de reconhecimento facial; Prevenção de Viés e Discriminação: A agência deve garantir que os sistemas de reconhecimento facial sejam treinados e testados de maneira a minimizar viés e discriminação racial, étnica ou de gênero. É importante monitorar e ajustar constantemente os algoritmos para evitar resultados injustos; Acesso Legalmente Autorizado: O acesso aos dados de reconhecimento facial deve ser restrito e requerer autorização legal adequada, como mandados judiciais, para evitar o uso indevido; Supervisão e Responsabilidade Humana: Os sistemas de reconhecimento facial devem ser supervisionados por pessoal treinado em ética e direitos humanos, que possa intervir em caso de erros ou uso inadequado; Avaliação Ética Contínua: A agência deve realizar avaliações regulares da ética do uso da tecnologia, considerando as preocupações levantadas pela comunidade e atualizando suas políticas e práticas de acordo com as normas éticas estabelecidas; Alternativas e Mitigação de Riscos: A agência deve considerar alternativas ao reconhecimento facial, como métodos de identificação menos invasivos e implementar medidas de mitigação de riscos, como treinamento de pessoal e avaliação de impacto à privacidade e à proteção de dados pessoais. Essas diretrizes representam um exemplo de como o controle ético pode ser aplicado ao uso de tecnologia, como o reconhecimento facial, na segurança pública. A ideia-chave é que a tecnologia deve ser usada com responsabilidade, considerando os princípios éticos e respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos, com supervisão e transparência adequadas para garantir a confiança do público. Isso também significa que uma tecnologia pode não ser utilizada, se for julgado que as violações éticas são significativas. Abordaremos, a seguir, o que é uma “ética da precaução” no uso das novas tecnologias em segurança pública a partir do pensamento do filósofo Hans Jonas, um pensador bastante conhecido na filosofia da ciência e que nos ajuda a pensar por um viés precaucionário, que busca analisar e discutir os efeitos a longo prazo no uso de uma nova tecnologia. Como veremos, a ética da precaução também tem valores democráticos profundos, pois busca exercitar uma reflexão sobre incertezas e efeitos a longo prazo que afetam não só uma comunidade, mas também as gerações futuras. AULA 3 – ÉTICA DA PRECAUÇÃO E SUA APLICABILIDADE PARA SEGURANÇA PÚBLICA Hans Jonas, um filósofo alemão, é conhecido por seu trabalho sobre ética e responsabilidade na era da tecnologia. Em seu livro "O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica", do final da década de 1970, ele apresenta argumentos fundamentais sobre como devemos abordar a ética em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia. Figura 7: Retrato do Professor Alemão Hans Jonas. Fonte: Effigie / Bridgeman Images Jonas argumenta que o avanço da tecnologia moderna concedeu à humanidade um poder sem precedentes sobre a natureza e a vida. Esse novo poder traz consigo a responsabilidade de considerar cuidadosamente as consequências de nossas ações tecnológicas. Existe um processo de “autonomização” das forças tecnológicas, que apresenta um novo grau de risco à humanidade. Podemos considerar aqui as junções das transformações das energias atômicas com as transformações na computação e nos sistemas de inteligência artificial. O conceito central de Jonas é o "Princípio da Responsabilidade", que exige que consideremos as implicações de longo prazo de nossas ações tecnológicas. Ele enfatiza que devemos tomar decisões que não prejudiquem as gerações futuras, a biosfera ou a humanidade como um todo. Por isso, precisamos de uma ética intergeracional, que considere também os efeitos para o futuro. Há uma necessidade de uma ética orientada para o futuro, em contraste com uma ética tradicional que se concentra principalmente nas relações humanas presentes. Jonas defendeu a adoção do princípio de precaução como parte integrante da tomada de decisões tecnológicas no campo da ética. Isso significa que, quando enfrentamos incertezas significativas sobre os resultados de uma ação, devemos adotar uma abordagem mais cautelosa e evitar riscos graves. A ética da precaução enfatiza a importância do dever de cuidado para com a natureza e a humanidade, o que também se relaciona com um valor ético básico de “cuidado”, como vimos anteriormente. Isso implica que devemos agir com prudência e responsabilidade ao usar tecnologias que possam afetar a vida na Terra. A ética da precaução nos coloca em situação semelhante a de um pai ou uma mãe que está cuidando de uma criança: há um dever de responsabilidade com o futuro de toda a humanidade. Por isso, o uso de novas tecnologias não deve estar relacionado a um efeito imediato e concreto. É preciso pensar: Vamos Refletir Essas tecnologias modificam nosso comportamento? Quais seus efeitos a longo prazo? Elas fazem com que sejamos menos autônomos e menos conectados com nossa natureza humana? As novas tecnologias não devem ser usadas para fins que ameacem a existência de outras espécies ou que prejudiquem o bem-estar humano de maneira irreversível. Na ética da precaução, reconhece-se a importância do diálogo ético e da conscientização pública sobre as questões tecnológicas. A sociedade como um todo deve estar envolvida na discussão e na tomada de decisões relacionadas às novas tecnologias, especialmente o uso de drones, sistemas de reconhecimento facial e softwares de análise preditiva de crimes com base em Inteligência Artificial. A ética da precaução sugere que, quando enfrentamos incertezas significativas sobre as consequências de uma tecnologia,devemos adotar uma abordagem mais cautelosa e tomar medidas para evitar possíveis danos. Vamos tomar como exemplo a decisão sobre uso de drones (veículos aéreos não tripulados) na segurança pública: Identificação do problema: • O problema é o potencial uso de drones (veículos aéreos não tripulados) na segurança pública, como para patrulhamento, vigilância e resposta a emergências. Avaliação das incertezas: • Identificar as incertezas significativas relacionadas ao uso de drones, como o impacto na privacidade das pessoas, riscos de segurança cibernética, possibilidade de uso indevido e riscos para a segurança aérea. Estabelecimento de cenários negativos: • Imaginar cenários negativos possíveis decorrentes do uso de drones, como abusos de poder, violações de privacidade em massa, acidentes aéreos ou ataques cibernéticos que comprometem a segurança dos drones. Identificação de medidas de precaução: • Com base nas incertezas e nos cenários negativos, identificar medidas de precaução que possam ser implementadas para mitigar ou evitar esses riscos. Isso pode incluir: • Limitar estritamente as situações em que os drones podem ser usados, garantindo que seja apenas para fins legítimos e bem definidos, como busca e salvamento em desastres naturais. • Estabelecer regulamentos rígidos para a privacidade e a coleta de dados, com salvaguardas para proteger informações pessoais. • Exigir treinamento adequado para operadores de drones para evitar acidentes e garantir a segurança. • Desenvolver protocolos de segurança cibernética para proteger os sistemas de drones contra-ataques. • Implementar supervisão e fiscalização rigorosas do uso de drones para evitar abusos. Responsabilidade e supervisão: • Definir claramente quem é responsável pela supervisão e fiscalização do uso de drones na segurança pública. Garantir que haja responsabilidade e prestar contas em caso de uso indevido ou acidentes. Acompanhamento e avaliação constante: • Implementar um sistema de monitoramento e avaliação contínua para revisar regularmente o uso de drones, avaliar os resultados e ajustar as medidas de precaução conforme necessário. Envolvimento público e debate ético: • Envolver o público, incluindo especialistas em ética, defensores da privacidade e comunidades afetadas, em um debate ético contínuo sobre o uso de drones na segurança pública. Incorporar comentários e preocupações do público nas políticas e regulamentações. Essa abordagem exemplifica como a ética da precaução pode ser aplicada para analisar os efeitos ao longo prazo do uso de drones na segurança pública, destacando a importância de tomar medidas cuidadosas e responsáveis para evitar possíveis danos antes que eles ocorram. A ética da precaução pode auxiliar profissionais da segurança pública a estabelecer rotinas e processos que auxiliam nas definições de cenários de mitigação de riscos, diante de novas decisões que precisam ser tomadas diante da possibilidade sociotécnico de uso de novos dispositivos. Um segundo exemplo que podemos mencionar de como aplicar a ética da precaução neste setor é o debate sobre câmeras corporais usadas em segurança pública, explorando cenários negativos de usos secundários de dados obtidos por essas câmeras. https://www.dataprivacybr.org/documentos/cameras-corporais-nota-tecnica-audiencia-publica-e-a-contribuicao-da-data-privacy-brasil/?idProject=2481 Identificação do problema: • O problema é o uso de câmeras corporais por policiais para documentar interações com o público, visando a transparência e a prestação de contas. No entanto, há preocupações sobre os usos secundários dos dados pessoais capturados por essas câmeras, que são armazenados e podem ser reutilizados de forma secundária. Avaliação das incertezas: • Identificar as incertezas significativas relacionadas ao uso de câmeras corporais, como quem terá acesso aos dados, como eles serão armazenados e por quanto tempo e como podem ser usados posteriormente. Identificar possibilidades de ataques cibernéticos e grau de incerteza de invasão de sistemas informáticos que podem habilitar a reutilização das imagens ou corromper os arquivos armazenados. Estabelecimento de cenários negativos: • Imaginar cenários negativos possíveis decorrentes dos usos secundários dos dados das câmeras corporais, como: • Uso indevido de imagens e áudio capturados para chantagem ou assédio. • Vazamento de dados sensíveis para terceiros, incluindo informações de vítimas, testemunhas ou suspeitos. • Monitoramento indiscriminado ou vigilância em massa de grupos específicos. • Discriminação racial ou étnica baseada na análise dos dados das câmeras. • Pressões políticas para uso dos dados em processos seletivos ou promoções de policiais. Identificação de medidas de precaução: Com base nas incertezas e nos cenários negativos, identificar medidas de precaução que possam ser implementadas para mitigar ou evitar esses riscos. Isso pode incluir: • Limitar estritamente o acesso aos dados das câmeras corporais a pessoal autorizado, para fins legais. • Estabelecer políticas claras sobre a retenção e a eliminação segura de dados (política de ciclo de vida dos dados), incluindo prazos específicos. • Implementar medidas de segurança rigorosas, como criptografia, para proteger os dados contra vazamentos e criar mecanismos de auditorias para o princípio da segurança da informação conforme Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. • Realizar auditorias independentes regulares para garantir a conformidade com políticas e regulamentações. Responsabilidade e supervisão: • Definir claramente quem é responsável pela supervisão e fiscalização do uso secundário de dados das câmeras corporais. Garantir que haja responsabilidade e prestação de contas em caso de violações. Acompanhamento e avaliação constante: • Implementar um sistema de monitoramento e avaliação contínuo para revisar regularmente o uso secundário de dados das câmeras corporais, avaliar os resultados e ajustar as medidas de precaução conforme necessário. Envolvimento público e debate ético: • Envolver o público, incluindo organizações especializadas em proteção de dados pessoais, grupos de direitos civis e comunidades afetadas, em um debate ético contínuo sobre o uso secundário de dados das câmeras corporais. Incorporar comentários e preocupações do público nas políticas e regulamentações. Essa abordagem exemplifica como a ética da precaução pode ser aplicada para analisar os cenários negativos de usos secundários de dados obtidos por câmeras corporais na segurança pública, destacando a importância de tomar medidas cuidadosas e responsáveis para evitar possíveis danos decorrentes do uso inadequado desses dados. Como vimos até aqui, a adoção da ética da precaução ajuda a minimizar os riscos associados à implementação de novas tecnologias na segurança pública. Isso significa que as autoridades podem evitar tomar medidas que, mesmo que pareçam benéficas, possam ter consequências não previstas e potencialmente prejudiciais para a sociedade. A implementação cuidadosa de tecnologias com base na ética da precaução ajuda a construir e manter a confiança do público. Quando as pessoas veem que as autoridades estão tomando medidas para evitar danos potenciais, elas estão mais propensas a apoiar a adoção dessas tecnologias. A ética da precaução ajuda a evitar abusos de poder que podem ocorrer quando tecnologias são usadas de maneira inadequada ou excessiva. Ela incentiva a supervisão, a prestação de contas e a responsabilidade nas operações de segurança pública. Ao considerar cuidadosamente os riscos e os potenciais impactos negativos das novas tecnologias, as agências de segurança pública podem melhorar sua eficácia na prevenção e resposta a crimes e emergências. Isso ocorre porque as tecnologias são implementadas de formas maisinformativas e direcionadas. A ética da precaução é fundamentada no respeito pelos princípios éticos de justiça, dignidade humana e respeito pelos direitos fundamentais, que estão previstos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil. A adesão a esses princípios ajuda a manter a integridade e a legitimidade das operações de segurança pública. A ética é um ramo do saber que diz respeito a sistemas de valores e crenças sobre a condução de uma boa vida. A ética abrange não apenas valores para uma boa vida individual, mas também os valores para boa vida em comunidade. O surgimento de valores éticos para profissionais da segurança pública e o modo como eles são estruturados para garantir o bem-estar da comunidade, o respeito aos direitos fundamentais e uma conduta respeitosa, no sentido de fazer a coisa certa do jeito certo. O modo como a ética da precaução desenvolvida por Hans Jonas possui relação com a noção de controle ético da tecnologia de Norbert Wiener e o modo como ela atribui força aos valores humanos dos usos de novas tecnologias. Como uma ética da precaução leva a uma avaliação de longo prazo dos usos das tecnologias e como podemos utilizar de procedimentos de identificação de riscos e de mitigação como parte de nossa conduta ética na utilização de novas tecnologias.
Compartilhar