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1 Disciplina: Ética e sustentabilidade Autores: M.e Willyans Maciel Revisão de Conteúdos: Esp. Murillo Hochuli Castex Designer Instrucional: Esp. Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Willyans Maciel Ética e sustentabilidade 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.ra Diana Cristina de Abreu / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.ra Gilian Cristina Barros / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Cibéli Moreira Duarte Designer Instrucional Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica Alexandre Kramer Morgenterm Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA MACIEL, Willyans. Ética e sustentabilidade / Willyans Maciel. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 109 p. ISBN: 978-65-86092-28-8 1.Ética. 2. Sociedade. 3. Sustentabilidade. Material didático da disciplina de Ética e sustentabilidade – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ................................................................................................................. 08 Aula 1 – Conceito de Ética ..................................................................................... 09 Apresentação da aula 1 ......................................................................................... 09 1.1 Uma definição operacional de ética .......................................................... 09 1.2 O papel do comportamento e os ramos da ética ....................................... 10 1.3 Moral, Ética e Direito ................................................................................. 12 1.4 Teorias éticas ........................................................................................... 15 1.4.1 A ética finalista ....................................................................................... 16 1.4.2 Deontologia e a ética da convicção ........................................................ 17 1.4.3 Imperativo ou como escolher a ação ...................................................... 18 1.4.4 No comportamento cotidiano ................................................................. 19 Conclusão da aula 1 .............................................................................................. 20 Aula 2 – Tipos de Éticas ......................................................................................... 21 Apresentação da aula 2 ......................................................................................... 21 2.1 A cidadania e suas várias faces ................................................................ 21 2.1.1 Conceitos de base: padrões, imperativo e Direitos Naturais .................. 22 2.1.2 Consequencialismo (finalista) ................................................................ 23 2.1.3 Deontológicas ........................................................................................ 25 2.1.4 Jusnaturalismo ...................................................................................... 27 2.1.5 Direitos e deveres de cidadão ................................................................ 28 2.2 Direitos Humanos e a dignidade do ser humano ....................................... 28 2.3 Os direitos humanos como fenômeno histórico-cultural ............................ 30 2.3.1 Relativismo e seus problemas ............................................................... 31 Conclusão da aula 2 .............................................................................................. 34 Aula 3 – A responsabilidade social e sustentabilidade empresarial ....................... 35 Apresentação da aula 3 ......................................................................................... 35 3.1 Ética Social e Ética Empresarial ................................................................ 36 3.2 Desenvolvimento e sustentabilidade ........................................................ 36 3.3 O que é preciso fazer para alcançar o desenvolvimento sustentável ........ 42 3.4 O consumidor consciente como novo ator social ...................................... 44 Conclusão da aula 3 .............................................................................................. 46 Aula 4 – Educação ambiental como caminho para a sustentabilidade ................... 46 Apresentação da aula 4 ......................................................................................... 46 4.1 Produção (tecnologias limpas) e consumo sustentáveis ........................... 47 4.1.1 Conceitos de base e legislação .............................................................. 47 4.1.2 Importância e aplicação dos conceitos de base ..................................... 50 4.1.3 Educação ambiental pela convicção ...................................................... 54 6 4.2 Sustentabilidade, consumo e publicidade ................................................. 54 Conclusão da aula 4 .............................................................................................. 57 Aula 5 – Conferências internacionais ..................................................................... 58 Apresentação da aula 5 ......................................................................................... 58 5.1 Gestão ambiental ...................................................................................... 58 5.1.1 Gestão ambiental e eficiência ................................................................ 59 5.2 Aspecto legal e estatal .............................................................................. 63 5.3 Gestor ambiental ...................................................................................... 67 Conclusão da aula 5 ..............................................................................................68 Aula 6 – Trajetória legal e das políticas públicas brasileiras ....................................... 69 Apresentação da aula 6 ......................................................................................... 69 6.1 Instrumentos para fins de gestão .............................................................. 69 6.1.1 Legislação no Direito Constitucional ...................................................... 70 6.1.2 Aspecto deontológico ............................................................................ 71 6.2 Principais instrumentos normativos .......................................................... 71 6.2.1 Lei 9.605/1998 ....................................................................................... 72 6.2.2 Lei 12.305/2010 ..................................................................................... 72 6.2.3 Outros instrumentos relevantes ............................................................. 74 6.3 Sistema Nacional de Meio Ambiente ......................................................... 74 6.3.1 Instrumentos de Gestão Ambiental nos diferentes níveis ....................... 76 Conclusão da aula 6 .............................................................................................. 78 Aula 7 – Balanços sociais e DVA (Demonstração do Valor Adicional) .................... 78 Apresentação da aula 7 ......................................................................................... 78 7.1 Balanços sociais ...................................................................................... 79 7.1.1 Balanço ambiental ................................................................................ 80 7.1.2 Balanço de Recursos Humanos ............................................................ 83 7.1.3 Demonstração de valor adicionado ....................................................... 84 7.1.4 Benefícios e contribuições à sociedade em geral .................................. 86 7.2 Integração de sistemas de gestão ........................................................... 87 7.2.1 Contexto do mercado ............................................................................ 89 7.2.2 Sistema de gestão integrada: auditoria e desafios ................................ 89 7.2.3 Integração de gestão: SGA, SGQ e SGI ............................................... 90 Conclusão da aula 7 .............................................................................................. 92 Aula 8 – Gaia (Gerenciamento de Aspectos e Impactos Ambientais) .................... 93 Apresentação da aula 8 ......................................................................................... 93 8.1 O que é o método Gaia ........................................................................... 94 8.2 Sicogea - Sistema Contábil Gerencial Ambiental: aplicação do SICOGEA .............................................................................................................. 97 8.3 Benchmarking, normas e políticas ambientais ........................................ 100 8.4 Saúde e Segurança Ocupacional ........................................................... 102 7 Conclusão da aula 8 .............................................................................................. 103 Índice Remissivo ................................................................................................... 105 Referências ........................................................................................................... 109 8 Prefácio Seja bem-vindo à disciplina de Ética e Sustentabilidade. Espera-se que esta disciplina seja interessante para seu aprendizado, porém, não é possível afirmar que ela seja simples. Ética é um processo complexo de estabelecimento de deveres em uma sociedade que se torna mais complexa aceleradamente e exige uma postura firme daqueles que pretendem ter impacto positivo, especialmente na gestão, que é uma das áreas mais relevantes no mercado atual. Por esta razão, diversos conceitos irão aparecer mais de uma vez e frequentemente serão relacionados a outros conceitos e ferramentas, isso porque os conceitos de ética e sustentabilidade são por si mesmos interdisciplinares e multiprofissionais, não podendo se restringir e dificilmente sendo explicados em sua totalidade com poucas palavras. Assim, conceitos como a responsabilidade ambiental e financeira irão aparecer tanto na parte conceitual, que ocupa as primeiras aulas, quanto na aplicação de relatórios e ferramentas, a partir da metade da disciplina. As ideias de educação ambiental e de consumo consciente irão aparecer não apenas nas aulas direcionadas especificamente para esses conceitos, mas em quase todas as aulas, por serem ferramentas úteis à indústria e aos consumidores. Com determinação e paciência, todos os conceitos e ferramentas se tornaram aos poucos evidentes e você será capaz de aplicá-los todos em seu trabalho como gestor para uma carreira produtiva e bem-sucedida. Bons estudos. 9 Aula 1 – Conceito de Ética Apresentação da aula 1 Olá, estudante! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina de Ética e sustentabilidade, em que será realizado um esforço para formar uma base teórica sólida a partir da qual se possa melhor compreender os desafios da sustentabilidade de um ponto de vista ético. Para isso, será abordada a definição operacional de ética, as implicações do conceito, a diferença e as inter-relações entre o conceito de ética e o conceito de moral. A partir desta distinção, será abordado também o conceito de Direito como sistema de leis, na medida em que os resultados da moral e da ética afetam a forma como se formulam as leis. Por fim, serão apresentadas as abordagens éticas mais influentes e que moldam a forma como a sociedade atual funciona, no sentido do comportamento esperado (conduta), tanto individual quanto de grupos e da formulação das leis. 1.1 Uma definição operacional de ética Oferecer uma definição para uma área de aplicação tão ampla e de riqueza conceitual sofisticada como a ética não é tarefa fácil. De fato, uma definição precisa e consensual nunca foi atingida, de modo que se utiliza uma definição operacional que pretende conter os elementos relevantes, mesmo que não seja completa. Curiosidade O termo “definição operacional” foi utilizado pela primeira vez pelo físico Percy Bridgman, para se referir a fenômenos que poderiam ser definidos pelos processos que permitiam a sua detecção ou medição, mesmo que não pudessem ser descritos diretamente. O termo entrou para o conjunto de ferramentas teóricas da ética, ciência cognitiva e filosofia da ciência referindo-se a uma descrição, não necessariamente consenso entre todos os especialistas, mas que é capaz de oferecer uma orientação adequada sobre o papel do conceito, na aplicação ou na análise teórica. Pode-se, por exemplo, definir 10 operacionalmente o papel da seleção de comportamentos adequados para a moral saudável, mesmo antes de se saber que o lóbulo frontal era responsável por parte desta seleção. Uma tentativa de oferecer uma definição padrão de ética normalmente procura incluir afirmações do tipo “é a ciência do ideal de caráter para indivíduos humanos” ou “ciência da moral e do dever”, ou ainda “dever moral”. Estas descrições seguem uma forma intuitiva, mas não definem de forma precisa a ética, o trabalho do eticista ou aquilo que os indivíduos devem fazer de acordo com a ética. Assim, definições operacionais de ética têm seguido a linha de informarqual o propósito e como chega-se até este propósito, pelo estudo e análise dos comportamentos mais ou menos adequados em nosso meio. Nesse sentido, uma definição operacional adequada do campo de estudo da ética como um todo é como segue: ética é o estudo do comportamento relativo ao que pode ser classificado como bom ou mal e a ciência do estabelecimento de normas a partir deste estudo. 1.2 O papel do comportamento e os ramos da ética A ética afeta todas as áreas da vida humana, por ser um esforço para compreender o comportamento moral dos seres humanos, ou seja, como os seres humanos decidem por uma ou outra ação, por um ou outro comportamento e se seria possível estabelecer um padrão de conduta para situações particulares, que fosse sempre adequado. Importante O comportamento moral (conduta humana) é o objeto de estudo da ética. Ao consultar a literatura de ética, o estudante deve ter em mente que há ramos diferentes da investigação que são próprios de áreas de pesquisa com aplicação prática. 11 Estes ramos podem ser mais ou menos relevantes, dependendo do interesse que o estudante tem e do que pretende aperfeiçoar ao realizar seus estudos em ética. Em ética é preciso distinguir três ramos; são eles: ➢ Metaética; ➢ Ética normativa; ➢ Ética aplicada. A metaética é especificamente teórica e voltada para o aperfeiçoamento das estruturas conceituais que permitem ao pesquisador compreender os padrões de funcionamento da ética. Em outras palavras, as obras na literatura especializada que tratam de questões metaéticas têm pouca relevância para o profissional prático dedicado a, por exemplo, uma atuação na gestão. Não significa que o profissional de gestão não possa se interessar e pesquisar este tema, mas é preciso ter a consciência de que se trata de um ramo especulativo, ou seja, um ramo da pesquisa em filosofia que procura oferecer interpretações ou realizar descobertas em um campo teórico, não necessariamente com aplicação prática imediata. Por exemplo, a tentativa filosófica de definir a liberdade de pensamento é uma importante questão metaética, mas não tem aplicação prática direta na atividade do profissional, diferente da questão de ética normativa do Direito Natural à Liberdade, que é a base das leis que protegem a livre associação, a liberdade religiosa, a liberdade de ir e vir, entre outras. A ética normativa e a ética aplicada são ramos mais focados na conduta cotidiana, são, portanto, ramos mais práticos da ética, no sentido de que suas formulações permitem melhor compreensão dos comportamentos presenciados no cotidiano e respostas mais específicas. A ética normativa, como o nome sugere, procura estabelecer os padrões segundo os quais as decisões são tomadas e as normas postas em vigor. Já a ética aplicada procura regular situações ou ambientes específicos, como exemplos de ética aplicada, pode-se destacar: 12 ➢ Ética profissional; ➢ Ética empresarial; ➢ Bioética; ➢ Ética médica; ➢ Ética da administração pública. 1.3 Moral, Ética e Direito No estudo do comportamento humano em sociedade, especialmente focando na ética normativa e na ética aplicada, o esforço para compreensão e estabelecimento de regras se divide em três âmbitos, inter-relacionados, mas diferentes entre si. São chamados na pesquisa de três âmbitos da filosofia moral, sendo “filosofia moral” uma outra forma de se chamar a disciplina de ética em seu aspecto teórico e acadêmico. Estes três âmbitos precisam ser compreendidos em suas particularidades, a fim de melhor organizar a tomada de decisão individual e o comportamento em relação aos diferentes grupos da sociedade. São eles: ➢ Moral; ➢ Ética; ➢ Direito. A moral (latim "mos“, "mores“) é um conceito da ética que trata do conjunto de normas e princípios que afetam a forma como os indivíduos julgam e como decidem agir. Os seres humanos julgam as suas próprias ações e as ações dos outros como boas ou más e, a partir deste julgamento, decidem como deverão agir no futuro. Trata-se de um esforço, nem sempre consciente, de tentar compreender qual o comportamento adequado e qual o comportamento inadequado em cada situação. Este processo de juízos morais acontece a cada instante em cada indivíduo, mas existem certos padrões entre os seres humano, especialmente, algumas condições que são universais devido a terem evoluído com a espécie. 13 Isso significa que existem algumas ações que, como espécie ou como comunidade, já se descobriu serem boas ou más em absoluto, mas ainda assim, cada indivíduo julga estas ações para decidir se irá agir de acordo com o bem ou de acordo com o mal, baseado em seus interesses ou em sua adesão a princípios de comportamento. A formação moral é em parte evolutiva (relacionada à nossa sobrevivência e prosperidade), mas influenciada pela criação (educação familiar nos primeiros anos de vida), genética humana (aquilo que é semelhante em todos os seres humanos) e as experiências de um indivíduo ao longo da vida. Então, um indivíduo pode, por exemplo, saber que a mentira é má, mas, ainda assim, estar mais interessado nos resultados aparentemente benéficos da mentira e por isto decidir mentir. Outro indivíduo, sabendo a mesma coisa, que a mentira é má, pode considerar que sua adesão à virtude da honestidade como princípio é um comportamento mais adequado a longo prazo e assim decidirá não mentir. No exemplo acima, vê-se que existe um padrão, a mentira é má, mas os indivíduos podem decidir de modo diferente. Como julgá-los em sociedade? A resposta para esta pergunta é o trabalho da ética. Importante A ética procura estabelecer padrões para julgar o comportamento individual como certo ou errado. A ética só existe em sociedade, enquanto a moral existe em qualquer situação, mesmo que um ser humano esteja isolado, isso acontece porque a moral é a análise de cada indivíduo a partir dos padrões humanos, mas ainda assim uma análise individual. Quando é preciso analisar os comportamentos dos indivíduos em relação uns aos outros e estabelecer padrões de comportamento e conduta (normas) para vários seres humanos é que a ética se torna relevante. Por isso, na definição operacional, a ética é tratada como um estudo. Não é necessariamente um estudo acadêmico, mas uma análise constante dos 14 padrões, buscando encontrar os consensos que podem ser estabelecidos na sociedade a partir dos conceitos de bem e mal. Voltando ao exemplo da mentira, diferentes teorias éticas irão tentar explicar a razão pela qual a mentira é má, mas todas elas concordam, por princípio, que a mentira fere a honestidade que, por sua vez, impede as pessoas de agirem livremente, porque estão sendo enganadas pela mentira. Assim, a ética definirá que mentir é errado e que o certo é não mentir. Enquanto a moral descreve os comportamentos adequados e inadequados como bons ou maus, a ética os descreve como certos ou errados, para que exista uma distinção. Um indivíduo pode, por exemplo, saber que a mentira é má, mas considerar que mentir naquele momento é bom. Mesmo assim, a ética descreve a mentira como errada, pois ela faz referência ao princípio e não ao julgamento particular de cada indivíduo. Em outras palavras, a ética procura eliminar a análise subjetiva e oferecer padrões objetivos pelos quais os seres humanos possam guiar seus comportamentos. Por fim, é preciso ter e mente que, mesmo que a maioria dos indivíduos conheça as normas éticas e pratique-as, é possível que um grupo de indivíduos não respeite tais normas. Assim, para organizar a sociedade e garantir o cumprimento das normas é que surge o Direito, ou sistema de leis. As leis nem sempre estão de acordo com a ética, mas teoricamente é isso que deveria acontecer. O Direito define as ações como legais ou ilegais, deacordo com padrões estudados e estabelecidos anteriormente. Uma vez que há indivíduos que irão se comportar de modo contrário à ética, o Direito apresenta a figura da punição como motivador para que estes indivíduos cooperem com os outros e estejam dispostos a seguir os padrões universais estabelecidos. 15 Ética, moral e direito Fonte: elaborado pelo autor (2020). A ética analisa a moral e ajuda a definir as bases para o sistema de leis. Dessa forma, quando uma lei for contrária à ética, os indivíduos deveriam ser capazes de analisá-la e compreender a razão pela qual ela contraria a ética, podendo assim exigir a sua alteração. 1.4 Teorias éticas Como dito anteriormente, a explicação sobre as razões para algo ser bom ou mau e a forma como se define qual o comportamento ético adequado varia entre as diferentes teorias éticas. Estas teorias éticas dividem-se em dois ramos consagrados ao longo dos séculos por serem os mais eficientes em descrever o comportamento humano e oferecer soluções para a organização das sociedades. As duas categorias são: ➢ Consequencialismo; ➢ Deontologia. Na próxima aula será dada a descrição detalhada de cada um dos tipos de teoria ética presentes nas duas categorias e como eles afetam as questões 16 de sustentabilidade, cidadania e direitos humanos, mas antes é preciso ter uma visão geral das categorias nas quais estas teorias colocam-se para compreender os fundamentos de decisão. 1.4.1 A ética finalista Nas áreas de administração e gestão, se tem usado o termo "ética finalista" para se referir ao conjunto de proposições do consequencialismo, pois estas teorias éticas preocupam-se com a finalidade última das ações dos indivíduos e grupos. Em termos práticos, se o indivíduo X agir do modo Y, deve-se analisar as consequências da ação para saber se Y é um comportamento adequado e se X é um indivíduo bom. É importante saber que a finalidade não é apenas um objetivo de curto prazo. Uma das formas de se pensar a finalidade é supor que a ação boa é aquela que gera mais prazer e menos dor para os indivíduos envolvidos. Nesse caso, por exemplo, conseguir uma promoção traria prazer, mas nem sempre se trata de um objetivo de curto prazo como este, trata-se dos objetivos maiores, objetivos finais e com propósito. Na situação acima, um indivíduo poderia ser condizente com a proposta de mais prazer e menos dor ao recursar a promoção conquistada em detrimento de outras pessoas ou pela trapaça, pois nem todo tipo de prazer é desejável. Isto acontece pois no longo prazo ou do ponto de vista de uma abordagem mais geral, a conquista do prazer imediato (promoção conseguida sem mérito) pode levar a problemas maiores no futuro que trarão “dor” ao indivíduo que age, seja diretamente ou pela “dor” causada aos outros. Pode-se utilizar ainda a abordagem de Stuart Mill, afirmando que a mentira ou a corrupção, mesmo que pareça benéfica no curto prazo, diminui a confiabilidade e consequentemente diminui a felicidade no longo prazo, o que não é uma finalidade desejável para qualquer ser humano. A questão da confiabilidade voltará a ser relevante na aula sobre Ética Empresarial, por ora, ela é importante para definir que a mentira e a corrupção são ambas classificadas como inadequadas, em qualquer situação, mesmo por uma ética finalista. 17 Reflita No longo prazo, como gestor, qual o papel da confiabilidade nas relações profissionais? O problema da ética finalista, ou consequencialismo, segundo o filósofo do direito e eticista Immanuel Kant, é que esta abordagem só funciona para os indivíduos que se importam com os outros. Uma sociedade que tentasse basear suas leis em um sistema ético consequencialista teria muita dificuldade em convencer os indivíduos a aderirem a uma lei quando ela exigir um sacrifício dos desejos momentâneos em nome da melhor organização da sociedade. Por que não subornar, trapacear ou mentir? A resposta é óbvia para a maioria das pessoas, mas para alguns grupos ela não é óbvia ou não é um impedimento para agir de forma má. Por isto existe a lei, mas a lei baseada no consequencialismo teria mais dificuldade de se impor para os indivíduos que não se importam com os outros do que uma lei baseada em deveres universais. Assim, surge a proposta da ética deontológica. 1.4.2 Deontologia e a ética da convicção “Deonto”, do grego, significa “dever” e “logia” vem de “logos”, o estudo ou ciência. Destarte, a deontologia é a ciência do dever, um ramo da ética preocupado em descobrir quais são os deveres universais pelos quais os indivíduos deveriam pautar seu comportamento para que não precisassem a todo momento calcular as consequências. O termo “ética da convicção” tem sido usado nas recentes décadas e trata de uma forma de se referir à deontologia que tem ganho espaço nos meios da administração e da psicologia. Na gestão pública, esta abordagem da ética tem papel fundamental na compreensão das convicções do indivíduo (a quais deveres e princípios o indivíduo adere), ajudando a lidar com as situações nas quais ele presencia 18 infrações ou corrupção, preservando sua força moral para resistir à aparente finalidade benéfica de tais situações. Neste modelo de ética, considera-se que o indivíduo que age tem convicção de que ao outro indivíduo cabe o direito à vida, por exemplo, e que a ele cabe o dever de não intervir neste direito. Assim, o indivíduo age de acordo com tal convicção, do direito do outro e do seu próprio dever, preservando e protegendo tanto quanto possível a vida dos outros indivíduos. O mesmo acontecerá com os outros direitos naturais e com as regras de conduta estabelecidas no ambiente específico, por exemplo, o país, a instituição, a empresa, a esfera política etc. O indivíduo que dá sua adesão ao dever tem a convicção de que esta é a ação mais adequada e, com isto, mantém-se fiel a seus deveres, não incorrendo em infrações ou em situações de corrupção. 1.4.3 Imperativo ou como escolher a ação Todas as ações humanas começam na mente, com juízos, seja de modo consciente ou inconsciente, por isso, foi um importante avanço para a ética descrever quais são os processos de pensamento que levam o indivíduo até a decisão consequencialista (ou finalista) ou à decisão deontológica (da convicção). A estes processos convencionou-se chamar “imperativos”, sendo que há dois tipos de imperativos: ➢ Imperativo hipotético; ➢ Imperativo categórico. O imperativo hipotético trata de estabelecer o comportamento adequado com base em uma hipótese sobre as consequências da ação. Assim, se as consequências da ação A são mais desejáveis do que as consequências da ação B, o comportamento adequado deveria ser A. 19 Já no imperativo categórico, as consequências são secundárias e o comportamento adequado é estabelecido a partir de deveres que fazem referência a princípios fundamentais. Vejamos como isto funciona por meio de um exemplo: Construir um túnel sem ventilação para passagem de um trem é mais barato e talvez mais rápido do que construir um túnel com ventilação, porém, os construtores da estrada de ferro ficarão em risco. Ainda, o túnel é necessário para abastecer uma população faminta, nesse sentido, quanto mais rápido melhor. O imperativo hipotético vai analisar as consequências dos dois casos (com e sem ventilação) e julgar qual a melhor opção. O imperativo categórico, por seu turno, irá analisar que colocar seres humanos em risco é mau e por isso deve ser considerado errado em todas as situações, mesmo quando se pretenda beneficiar outros seres humanos. 1.4.4 No comportamento cotidiano Os seres humanos têm potencial para utilizar os dois tipos de teorias, consequencialista e deontológica, baseando seu comportamento em uma ou outra, a depender dasituação. Porém, de forma geral, para que a ética influencie a legislação, para se ter leis éticas, é preciso utilizar a deontologia, pois o consequencialismo exigiria um cálculo de consequências impraticável para qualquer ser humano em todas as situações que ele enfrentasse. A deontologia, por outro lado, procura estabelecer padrões mínimos mais simples, que podem ser generalizados para diferentes situações, estabelecendo os deveres do indivíduo quanto àquele caso. Este modelo é mais eficiente para a criação de leis, permitindo que os indivíduos gozem de estabilidade na aplicação das regras e possam prever o resultado de seus comportamentos, bem como o comportamento das instituições. Vejamos abaixo como isto funciona em um exemplo prático: Na implantação de uma empresa em área que conta com vegetação nativa, a falta de licença para remover árvores já é uma infração, por descumprir 20 um dever (o dever de solicitar a licença), mesmo que a consequência (arvore ser derrubada) não tenha se realizado. Este exemplo, em um modelo consequencialista, tornaria a fiscalização impraticável, pois não se poderia intervir antecipadamente evitando a derrubada das árvores, servindo para punir o infrator e não para prevenir o dano. Ainda, o infrator sempre poderia alegar que, em um futuro longínquo, aquela ação (derrubar as árvores) traria mais benefício do que mantê-la, criando assim empecilhos para o julgamento dos infratores. No comportamento cotidiano, quando a ação não está prevista em lei ou não é uma questão que afete a lei, os indivíduos podem utilizar ambas as teorias (consequencialismo e deontologia), mas sempre aceitando as vantagens e desvantagens de cada uma. Saiba mais A definição de “Imperativo Categórico” no site educacional InfoEscola oferece explicações detalhadas e importantes pontos de reflexão sobre este conceito da ética e seu oposto, o imperativo hipotético. Disponível em: https://www.infoescola.com/filosofia/imperativo-categorico/ Conclusão da aula 1 Com isto, chegamos ao final da primeira aula, na qual você deve ter compreendido que uma base teórica sólida em ética permitirá ao gestor compreender melhor o comportamento humano e as implicações deste comportamento quando em sociedade, seja no setor, na empresa ou mesmo no país como um todo. Nesta base, se encontra a distinção entre moral, ética e direito, ou sistema de leis, bem como os tipos de abordagem ética mais relevantes, a deontologia e o consequencialismo, com suas implicações para o comportamento humano. A falta desta base, por seu turno, pode criar conflitos, tanto no diálogo quanto no estabelecimento de regras, pela discordância quanto ao significado dos termos e os padrões de comportamento. https://www.infoescola.com/filosofia/imperativo-categorico/ 21 Atividade de aprendizagem Com base nas distinções apresentadas nesta primeira aula, apresente as diferenças entre imperativo hipotético e imperativo categórico. Como fonte de pesquisa, pode-se começar pelo artigo “Imperativo Categórico” que consta no item “saiba mais”, ao final da aula. Aula 2 – Tipos de Éticas Apresentação da aula 2 Olá estudante, nesta segunda aula serão exploradas as variações nas teorias éticas, dentro das duas categorias principais, a deontologia e o consequencialismo. A partir da compreensão das diferentes teorias e de como os seres humanos se relacionam à elas será possível explorar a questão de como a ética influencia aspectos da vida em sociedade, a cidadania e a questão dos direitos humanos. Na questão da cidadania serão exploradas as suas diferentes facetas, no aspecto legal, social e de inter-relação das instituições. Na questão dos direitos humanos será apresentado o conceito de dignidade da vida humana, por vezes referido como dignidade do ser humano, que permite compreender a base universal dos direitos humanos, cuja formulação mais recente aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas que tem base nos direitos individuais e de natureza e como esses direitos devem ser interpretados e aplicados. 2.1 A cidadania e suas várias faces A cidadania é a expressão dos deveres descobertos por meio da análise dos direitos naturais aplicados ao convívio em sociedade do ponto de vista dos cidadãos, ou seja, dos membros de uma sociedade específica dentro de uma civilização que respeita os princípios de vida, liberdade e propriedade de si. 22 Para que se possa compreender como a cidadania é possível e quais as questões que ela envolve, será necessário explorar alguns padrões dentro da ética e a forma como as diferentes abordagens da ética, também chamadas de teorias éticas, lidam com estes padrões, seja para reforçá-los, criticá-los, endossá-los ou reformulá-los, a depender de cada questão analisada. Fato é que falar em cidadania sem conhecer suas bases éticas é perigoso, pois a cidadania envolve diversos aspectos legais que são, por sua vez, baseados em posicionamentos éticos que refletem avanços da sociedade no sentido de atender aos cidadãos. 2.1.1 Conceitos de base: padrões, imperativo e Direitos Naturais Uma vez compreendido que devem haver padrões, como discutido na aula anterior, para que os seres humanos possam relacionar-se adequadamente em sociedade, e que identificar estes padrões é um dos principais objetivos da ética, pode-se passar para a compreensão de quais são estes padrões e como a ética se reflete em questões como a cidadania e os direitos humanos. A partir da discussão entre deontologia e consequencialismo, explorada na aula anterior, se estabelece a contribuição sobre o processo de seleção dos deveres. A ideia de imperativo categórico foi seminal neste ponto. A partir do imperativo categórico, é possível analisar os direitos naturais e deles derivar deveres para a sociedade. Os Direitos Naturais são aqueles direitos que funcionam como princípios fundamentais para todos os indivíduos, independentemente de qualquer característica adicional. Estes direitos servem como base para os deveres e direitos que serão estabelecidos para os cidadãos de um país, nunca podendo ser infringidos, em outras palavras, são critérios para que os indivíduos sejam capazes de saber se uma lei é adequada ou inadequada do ponto de vista da ética. São eles: ➢ Direito à vida; ➢ Direito à liberdade; ➢ Direito à propriedade de si. 23 Como cada teoria ética vai utilizar estes direitos e os quais serão considerados princípios para cada teoria ética, é uma questão que deve ser avaliada observando as principais teorias éticas em particular, mas estes três Direitos Naturais estão na base de qualquer estudo relevante de ética e mesmo de direito. Assim, para se compreender as consequências da ética para a cidadania, é preciso conhecer os tipos de ética mais influentes. 2.1.2 Consequencialismo (finalista) Como discutido na aula anterior, o consequencialismo é uma categoria de teorias éticas de modelo finalista, ou seja, se ocupa de buscar a compreensão das finalidades ou das consequências, para definir se uma ação é adequada ou inadequada. Dentro desta categoria, as teorias éticas que mais se destacam são três: ➢ Utilitarismo; ➢ Hedonismo; ➢ Egoísmo racional. O utilitarismo, como proposto por John Stuart Mill, é uma das mais bem- sucedidas teorias éticas consequencialistas, contando com diversos defensores acadêmicos ainda hoje. Segundo esta teoria ética, para decidir se uma ação é adequada ou inadequada, deve-se observar o princípio da utilidade. Segundo o princípio da utilidade, uma ação é adequada eticamente se gera mais bem-estar para mais pessoas em relação a outra opção que se apresente, ou como John Stuart Mill afirmou, um dos principais teóricos do utilitarismo, a ação moral, a ação que maximiza a felicidade humana. O hedonismo(do grego hedone, significando “prazer” ou “vontade”) é uma das teorias éticas mais antigas, remontando à Grécia da tradição clássica. Proposto originalmente por Aristipo de Cirene e reformulado pelo iluminista Julien Offray de La Mettrie, esta teoria é baseada na ideia de maximizar o prazer e minimizar a dor como base para a definição de ações adequadas. 24 A princípio, pode parecer uma posição que tende ao desinteresse pelos altos padrões morais, diferente de outras teorias éticas, por focar no prazer. É importante notar, no entanto, que a ideia de prazer colocada no hedonismo é a de um prazer pela vida serena e não o prazer da euforia. Uma situação de prazer que tenha como consequência a preocupação ou que prejudique os outros indivíduos não é uma situação desejável do ponto de vista hedonista, apenas o prazer da verdadeira vontade, ou seja, o prazer de longo prazo que leva à felicidade é que pode ser considerado adequado para definir as ações de um indivíduo. Segundo Moore (1903), uma visão inadequada e de curto prazo do prazer está na base da agressão ao bem-estar dos outros e no limite do próprio indivíduo que age, por sacrificar o longo prazo em favor de um benefício pontual e passageiro. Assim, pode-se extrapolar as afirmações de Moore e pensar que uma compreensão adequada da serenidade é importante para que a cidadania seja exercida. Já o egoísmo ético, também chamado de egoísmo racional, tem como base o princípio do autointeresse e como método a colaboração com os outros indivíduos da nossa sociedade, sempre que os interesses forem coincidentes, ou seja, se o interesse dos outros auxilia nos interesses do indivíduo que age de qualquer maneira, então é adequado que ele auxilie os outros. Diferentemente das outras duas teorias, o egoísmo ético não depende do altruísmo para evitar um egoísmo radical, mas conta com a racionalidade para fazer um equilíbrio adequado entre egoísmo e colaboração. Note-se que, do ponto de vista do indivíduo que age motivado pelo egoísmo ético, os Direitos Naturais fazem parte dos interesses de qualquer indivíduo, então, toda vez que um indivíduo estiver defendendo estes interesses, colaborar com ele será adequado. Por outro lado, toda vez que uma ação parece violar estes direitos para qualquer indivíduo, o egoísta ético irá considerar que a ação é inadequada. Assim, o egoísmo ético não é de fato uma forma de egoísmo, mas uma tentativa de racionalizar o autointeresse garantindo a colaboração e evitando que pessoas más se aproveitem do altruísmo dos outros. Por defender que existem direitos fundamentais como princípios, mesmo sendo baseado em uma ideia finalista, diversos autores consideram que o 25 egoísmo ético é, na verdade, uma combinação de deontologia e consequencialismo, pois o indivíduo julga pela finalidade, mas age por convicção. Segundo o filósofo e teórico da justiça John Rawls, um dos mais importantes pensadores da ética contemporânea, a ideia que permeia todas estas teorias é a de que o bem-estar dos outros deve ser considerado antes de um indivíduo decidir por suas ações, pois ao colaborar para o bem-estar geral da humanidade, ou de sua comunidade local, o próprio indivíduo irá viver em uma condição melhor. Embora Rawls defenda esta ideia, argumenta que a deontologia é mais eficiente em evidenciar e colocá-la em prática do que as diferentes formas de consequencialismo. 2.1.3 Deontológicas Tipos de teorias deontológicas: ➢ Orientada ao agente; ➢ Orientada ao paciente; ➢ Orientada aos contratos. A deontologia orientada ao agente trata das discussões sobre o que o indivíduo que age deve ou não deve fazer por ser seu dever diretamente, ou por ser o dever de qualquer ser humano. Nesta categoria, encontra-se, por exemplo, o chamado “Princípio da Não Agressão”, que determina que é um dever de todo ser humano nunca iniciar uma agressão injustificada contra inocente. É orientada ao agente pois não importa quem seja o paciente (pessoa afetada pela ação), é uma regra válida para todos e é a base para uma ética das virtudes, baseada na coragem, na honestidade e em outras virtudes básicas que orientam a conduta. A ética cristã, por exemplo, é um caso de ética das virtudes, uma forma de deontologia orientada ao agente, pois exige que os indivíduos que aderem a este modelo de ética comprometam-se com certas virtudes e vivam suas vidas 26 de acordo com elas, independente de quem são as pessoas com as quais se relacionam ou do que é devido a elas. Ao pensar-se na influência da deontologia orientada ao agente nas leis, pode-se considerar as regras profissionais, nas quais um indivíduo tem deveres universais, independentemente de quem seja o cliente. A deontologia orientada ao paciente, por seu turno, trata das normas de conduta que são estabelecidas em razão dos direitos que outro indivíduo possui ou lhe são garantidos pelo simples fato de ser um ser humano. É orientada ao paciente por se basear naquele que é afetado pela ação, então, por exemplo, as leis que proíbem o roubo e o furto são baseadas neste tipo de deontologia, uma vez que o roubo é proibido não por ser uma infração de certas virtudes, embora também o seja, mas porque a pessoa que é roubada é proprietária do item roubado e, por isso, o indivíduo que efetuou o roubo tem o dever de não violar esta propriedade. Em um nível mais amplo, esta orientação se aplica às questões de doação de órgãos, relações sexuais, adoção, casos de corrupção que afetam a saúde das pessoas, atuação de professores e profissionais da saúde, entre diversas outras situações, pois a primeira propriedade, a propriedade mais fundamental, é a propriedade de si mesmo (corpo e mente). Os Direitos Naturais, que são base da deontologia orientada ao paciente, são também chamados de direitos negativos, pois informam principalmente sobre o que não pode ser violado, aquilo que um indivíduo possui por natureza, pelo simples fato de ser um ser humano. Estes direitos entrarão na esfera da cidadania a partir do jusnaturalismo, que será estudado no próximo item desta mesma aula. Porém, além dos direitos negativos, há também os direitos positivos, que são uma forma de se referir às garantias legais, ou seja, aqueles direitos e deveres que as sociedades estabelecem de comum acordo ou por meio de suas tradições e que serão diferentes em cada país. Estes direitos positivos são objeto da deontologia orientada aos contratos ou deontologia contratualista. Por exemplo, é porque o contrato estabelece o valor do aluguel que um indivíduo tem o dever de pagar e o outro o direito de receber. É porque o código de trânsito estabelece as regras para semáforo que um indivíduo tem o direito de passar e o outro o dever de esperar, de acordo com a indicação do semáforo. 27 É porque a sociedade brasileira estabeleceu o voto como um direito que os indivíduos que possuem cidadania brasileira têm o direito de votar, mesmo quando estão no exterior, e as autoridades estatais têm a obrigação de oferecer os serviços para que este direito seja exercido. Uma proposição fundamental da deontologia orientada aos contratos e que está de acordo com as bases da cidadania é a de que ninguém tem direito ao que depende de outra pessoa, por isso, se um indivíduo precisa de algo que depende de outra pessoa, ele deve estabelecer um contrato. Este contrato pode tomar a forma de um contrato simples entre duas pessoas ou de uma lei, que na interpretação de Rawls (1971) pode ser descrita como um contrato entre todos os indivíduos de uma mesma sociedade intermediado pelo Estado. 2.1.4 Jusnaturalismo É a ideia de que as leis devem estar de acordo com o Direito Natural. A partir do jusnaturalismo, pode-se fazer a conexão entre a ética e o direito de forma mais rigorosa. Ética e direito conectados pelo jusnaturalismoFonte: elaborado pelo autor (2020). 28 Nem todas as teorias éticas e teorias do direito supõem que o jusnaturalismo deva ser seguido em todos os casos, mas todas elas levam este conceito em consideração para justificar suas recomendações de normas como uma forma de os indivíduos compreenderem as implicações de seu papel como cidadãos. Por esta razão, é relevante conhecer o conceito de jusnaturalismo e suas implicações ao adentrar à questão da cidadania e à questão dos direitos humanos. Deste ponto de vista, a grande questão da cidadania não é conhecer um conjunto de regras específicas que tornam o indivíduo um cidadão melhor, mas ser capaz de interpretar as regras e conhecer a forma pela qual elas são estabelecidas, a fim de melhor navegar por elas e participar das decisões que serão tomadas. 2.1.5 Direitos e deveres de cidadão É importante manter em mente que a cidadania se refere a algo restritivo, trata-se de um compromisso entre o cidadão e o Estado que gerencia a nação na qual este cidadão vive, estabelecendo direitos e deveres de cidadão. Os direitos humanos que tratam de todos os indivíduos serão discutidos na próxima sessão. Não obstante, isto não significa que o que for estabelecido pela cidadania deve ser diferente do que é estabelecido pelos direitos humanos, de fato, ambos os conceitos trabalham em conjunto, pois mesmo um indivíduo que não é cidadão de um país deve ter sua individualidade e direitos fundamentais protegidos. A cidadania apenas adiciona uma camada de organização dentro da estrutura de uma sociedade específica, para que os indivíduos saibam quais são seus direitos e deveres enquanto cidadãos daquela região específica e possam assim colaborar mais adequadamente. 29 2.2 Direitos Humanos e a dignidade do ser humano A dignidade humana ou dignidade da vida humana é um conceito derivado dos direitos naturais que permite estabelecer a forma como deve-se relacionar com outros seres humanos, independentemente de sua posição, condição ou dos benefícios que se espera atingir. De um ponto de vista consequencialista, especialmente no utilitarismo, a dignidade humana só pode ser estabelecida quando se conhecem as consequências de cada ação. Esta seria uma abordagem muito eficiente, se os seres humanos fossem oniscientes, capazes de antecipar todas as consequências de suas ações, porém, como os seres humanos são naturalmente falhos em antecipar o futuro de longo prazo em todos os seus detalhes, a dignidade humana, para fins de estabelecimento dos direitos humanos, é definida a partir de padrões mais rigorosos. De um ponto de vista deontológico, diferente do consequencialista, a dignidade humana é fundamental e devida a todos os indivíduos humanos, estabelecendo, assim, a base para o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Chefe da Comissão para os Direitos Humanos, Eleanor Roosevelt (direita), com Hansa Mehta, representante da Índia, em 1º de junho de 1949 Fonte: https://c1.staticflickr.com/1/673/31145727960_513e335155_b.jpg 30 Enquanto a cidadania é restritiva aos cidadãos de determinada nação, a dignidade humana é parte integrante do que significa ser humano, dessa forma, um indivíduo que viaja a outro país pode não ter direitos de cidadão, como votar ou usar o sistema de saúde local, mas mantém seus direitos humanos e, se cair em uma situação que fere a sua dignidade, deverá ser resgatado ou auxiliado. É por esta razão que, por exemplo, tráfico de pessoas e tortura são considerados infrações aos direitos humanos, pois mesmo uma pessoa presa ou fora de seu país deve ter sua dignidade respeitada. Cidadania e Dignidade Humana são dois níveis diferentes dentro do sistema de normas da civilização humana (o sistema composto por moral, ética e direito), cada um com funções diferentes, mas a dignidade é mais fundamental, a cidadania pode ser negada a um indivíduo, mas a dignidade é inerente ao ser humano e jamais pode ser negada. 2.3 Os direitos humanos como fenômeno histórico-cultural Embora tenha raízes muito antigas, a questão dos direitos humanos na forma como é conhecida atualmente, começa a ser formulada já no período do Renascimento e ganha força no Iluminismo e empirismo britânico. Isso porque a ideia de que os indivíduos deveriam ser respeitados, independentemente de sua posição hierárquica, se mostrava como uma forma mais eficiente de gerir as sociedades. John Locke, Immanuel Kant, David Hume e outros autores clássicos defenderam que a partir da ideia de dignidade humana e da compreensão de que há Direitos Naturais, era preciso reconhecer que todos os seres humanos possuem alguns direitos, independentemente de qualquer distinção que possa haver entre eles; foi o começo da era da igualdade de direitos. Saiba mais Para saber um pouco mais sobre as origens desta discussão e sobre os autores do empirismo britânico e iluminismo, veja a entrada enciclopédica sobre John Locke. Disponível em: https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ 31 No começo do século XX, diversas atrocidades mostraram a importância de se retomar o diálogo sobre direitos humanos e dar atenção aos autores aqui citados que argumentaram em favor desta causa. A título de memória histórica, é preciso recordar que estas atrocidades incluíram o genocídio de judeus sob o comando do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, a fome generalizada causada pelo confisco da produção dos ucranianos por Joseph Stalin, líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, as experiências cruéis promovidas pelo doutor Joseph Mengele e suas equipes nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, o genocídio promovido pelas tropas japonesas em regiões agrárias da China e ilhas próximas, entre diversos outros casos. Estes casos levaram a discussões que culminaram em documentos importantes, como o Documento de Nuremberg e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também a criação de instituições de defesa e fiscalização em diversos países, bem como a reformulação da legislação dos países membros das Nações Unidas, a fim de evitar atrocidades sem sacrificar a soberania nacional. Em 1948, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos a partir de uma reunião em 1945, ocorrida na Rússia durante a Conferência de Yalta, da qual participaram líderes dos Estados Unidos da América, União Soviética e Reino Unido. Embora nenhum dos países que emergiram como potências após a Segunda Guerra Mundial fosse isento de responsabilidade por infrações durante a guerra, havia um compromisso de se estabelecer bases que possibilitassem a paz entre as nações e o respeito aos indivíduos dentro destas nações, mesmo que as formas de governo, organização do estado e ideologia dominante fossem diferentes. A declaração resultante procurou ser universal o bastante para estabelecer um critério mínimo que pudesse ser respeitado por todos os países e todas as culturas do mundo, caso contrário, não teria força suficiente para se impor e os outros países não poderiam criticar aqueles que a violassem. 32 2.3.1 Relativismo e seus problemas Na questão de se investigar os direitos humanos como um fenômeno histórico-cultural, sempre surge a discussão acerca do que é aceitável como uma mera diferença cultural e o que pode constituir um abuso aos indivíduos humanos que vivem em determinada sociedade ou região. No limite, trata-se de distinguir as questões de diversidade cultural e de diversidade moral, investigando se ambas existem e se são adequadas do ponto de vista de uma civilização comprometida com a ideia de que existem certos direitos fundamentais, sejam os Direitos Naturais ou os direitos humanos. Uma das principaisconclusões da ética contemporânea, independentemente da linha, é a de que, embora o relativismo cultural seja bem aceito e relevante, o relativismo moral é falso. Com esta distinção, antes de qualquer coisa, é preciso esclarecer os conceitos e, para isso, perguntar-se: Qual a diferença entre o relativismo cultural e o relativismo moral? ➢ O relativismo cultural estabelece apenas que existem diferentes culturas, com diferentes gostos e que estas variações da cultura humana devem ser respeitadas. Bem, para respeitá-las, é preciso compreendê-las e entrar em um consenso sobre o que é mais adequado fazer. Quando se fala em "consenso", entra-se no âmbito da ética. Se o consenso é possível, então existem padrões de compreensão que permitirão o diálogo, existe algo que é comum entre as diferentes culturas, de modo que uma cultura não pode classificar a outra como má imediatamente. ➢ O relativismo moral, por seu turno, leva esta ideia às últimas consequências, ao afirmar que nenhuma ação realizada por um indivíduo de outra cultura pode ser considerada má. Relativismo moral é a recusa de um aspecto quase óbvio da sociedade atual, a recusa da ideia de que há uma distância muito grande entre comer uma 33 comida diferente e cometer uma atrocidade, uma diferença entre cultura e moralidade. De fato, o relativismo cultural mostra que o relativismo moral é falso, pois, se existem padrões de racionalidade que permitem que duas culturas dialoguem a ponto de definir o que é aceitável em cada uma delas, é por existirem certos padrões mínimos que podem ser compreendidos por ambas as culturas. Tomemos como exemplo a seguinte proposição: Não agredirás um inocente sem causa justificável. Esta é uma proposição que funciona nesta forma genérica para qualquer cultura humana conhecida, pois os seres humanos, por natureza, abominam a agressão contra inocentes. Agredir um inocente seria uma infração grave aos direitos humanos e uma ofensa a qualquer cultura. Diferentes culturas podem discordar quanto aos critérios para estabelecer a inocência de uma pessoa específica ou de uma ação específica, mas concordarão que agredir um inocente é inadequado, portanto, imoral. Se uma sociedade permite a agressão de inocentes, esta sociedade será considerada uma aberração moral do ponto de vista das outras sociedades, não por serem elas parecidas neste aspecto, mas por serem compostas de seres humanos capazes de empatia e compaixão, portanto, trata-se de um caso de uma ação universalmente aceita como má. Saiba mais Adam Smith é conhecido por seus trabalhos em política e economia, mas o pensador britânico também escreveu importantes artigos sobre as relações humanas para além destes temas. O artigo “Da Empatia” é uma análise curta, mas profunda, da forma como nos relacionamos e como podemos sentir a dor dos outros, mesmo quando ela não nos afeta diretamente. Disponível em: https://criticanarede.com/filos_etica.html 34 Estas culturas estabelecerão padrões baseados na conclusão de que tal ação é imoral, padrões agora éticos, para garantir que exista um consenso sobre o que se deve ou não fazer (consenso sobre o dever). Por fim, se tudo correr bem, estas culturas estabelecerão leis, para evitar que aqueles indivíduos que não se importam com os outros realizem o ato imoral e antiético de agredir um inocente. Dessa forma, o relativismo moral tem o efeito contrário ao que se esperaria dele, ao invés de ser uma abordagem que vai permitir respeitar as diferenças, ele atrapalha os processos que permitem à sociedade se organizar para que todos saibam como respeitar as diferenças. Importante O relativismo moral tem efeito contrário ao esperado, ele impede o diálogo e o respeito às diferenças. Portanto, do ponto de vista do conceito de ética e das abordagens contemporâneas do tema, a única maneira de se pôr em harmonia a ética, a moral e o direito, estabelecendo um diálogo em sociedade, respeitando as diferenças culturais e individuais é negar o relativismo moral. Saiba mais Em seu artigo clássico "Relativismo: Algumas questões filosóficas" Anthony Weston esclarece as implicações do relativismo moral para a teoria da ética e, principalmente, para o comportamento humano cotidiano, incluindo discussões sobre cidadania e direitos humanos. Com tradução para o português de Luís Filipe Bettencourt, este é um artigo seminal para o estudo da ética. Disponível em: https://criticanarede.com/relativismo.html Conclusão da aula 2 Chegamos ao final da segunda aula, na qual foram exploradas as diferentes teorias éticas, dentro das duas categorias mais importantes, a https://criticanarede.com/relativismo.html 35 deontologia e o consequencialismo. A partir da compreensão das diferentes teorias e de como os seres humanos se relacionam a elas, explorou-se a questão de como a ética influencia aspectos da vida humana em sociedade, em particular a cidadania e a questão dos direitos humanos. Na questão da cidadania, explorou-se as suas diferentes facetas, no aspecto legal, social e de inter-relação das instituições. Na questão dos direitos humanos, foi apresentado o conceito de dignidade da vida humana, por vezes referido como dignidade do ser humano, que permite compreender a base universal desses direitos, cuja formulação mais recente aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas que tem base nos direitos individuais e de natureza, assim como estes direitos devem ser interpretados e aplicados. Atividade de aprendizagem A Declaração Universal dos Direitos Humanos pretende se estabelecer como um compromisso solene de todas as nações civilizadas, mesmo que não tenha força de lei foi adotada pela maioria desses países. Descreva em no máximo 15 linhas como a existência de uma declaração deste porte auxilia a dar uma base estável para a cidadania. Para responder, você pode se basear na ideia de jusnaturalismo e na deontologia. Aula 3 – A responsabilidade social e sustentabilidade empresarial Apresentação da aula 3 Olá estudante, seja bem-vindo à terceira aula, nesta aula inicia-se uma fase de abordagem mais prática, será explorada uma questão de ética aplicada que avança sobre diversos campos das atividades humanas, mas que afeta em particular as atividades produtivas voltadas ao consumo, como a indústria e o comercio. Discutir-se-á a relação entre a responsabilidade e a sustentabilidade no âmbito empresarial a partir do conceito de ética empresarial, um ramo aplicado na ética, cujo principal conceito nas décadas recentes é o compliance. 36 Nestas discussões será dado tratamento ao papel do consumidor nas questões da sustentabilidade e as ferramentas que permitem conciliar desenvolvimento com sustentabilidade, tanto nas empresas públicas quanto privadas, do ponto de vista da gestão. 3.1 Ética Social e Ética Empresarial Ética empresarial é um ramo aplicado da ética que procura organizar as relações profissionais em uma empresa ou outro tipo de organização semelhante. Em geral, a literatura especializada analisa e apresenta a ética empresarial em conjunto com a ética profissional, pois, como ficará mais claro adiante, ambas são dois lados da mesma situação corporativa, uma organizando a relação do ponto de vista do conjunto de indivíduos que atuam em direção a um propósito, conjunto que chama-se "empresa" (ética empresarial), e a outra atuando do ponto de vista do profissional qualificado que irá exercer suas atividades nesta empresa (ética profissional), portanto, influenciar o andamento do todo. Não obstante, para que seja possível compreender o papel de cada uma delas e, especialmente, o papel dos agentes em relação às normas estabelecidas em cada uma delas, é preciso considerá-las individualmente. 3.2 Desenvolvimento e sustentabilidadeA ética empresarial é o ramo aplicado da ética que estuda as relações dentro de uma empresa e entre empresas, mas também a relação da empresa com a sociedade, incluindo o Estado. É neste ramo da ética que se insere a questão da relação entre o desenvolvimento e a sustentabilidade. Entre os principais conceitos que permitem compreender o fluxo de funcionamento e as obrigações da ética empresarial, bem como compreender a técnica necessária para conciliar desenvolvimento e sustentabilidade, é possível destacar cinco conceitos: ➢ Saber ético; 37 ➢ Ética das virtudes; ➢ Responsabilidades empresariais; ➢ Confiabilidade; ➢ Sustentabilidade. O saber ético é um conceito que se refere a certo conjunto de habilidades de um grupo, não é uma característica individual, mas coletiva. Os indivíduos possuem moral e os grupos possuem saber ético. Da mesma forma que há o saber técnico de um setor ou grupo de profissionais, que é o conjunto de conhecimentos e habilidades que os profissionais juntos possuem para resolver os problemas técnicos, também existe o saber ético, que pode ser descrito como o conjunto de conhecimentos ou habilidades que um grupo de profissionais de uma empresa ou setor possuem para lidar com as questões éticas e resolver conflitos morais. Importante O saber ético é a versão normativa do saber técnico, a soma das habilidades dos membros de um setor ou empresa para resolver problemas. E quando as pessoas não agem em direção à solução do problema? Neste caso, podem estar ocorrendo duas coisas. A primeira e menos grave é que os indivíduos podem desconhecer as normas ou a forma pela qual se pode resolver o problema, neste primeiro caso, falta saber ético. O segundo caso é mais grave; se os indivíduos possuem o conhecimento para resolver o problema, para dialogar adequadamente e entrar em consenso, mas decidem não fazê-lo, dando vazão excessiva às emoções e ignorando as soluções racionais, pode ser o caso de que há saber ético, mas há também uma decisão moral de não utilizá-lo. Em algumas situações, este tipo de comportamento tem origem em um ou mais indivíduos que perderam a confiança na empresa, em seus colegas ou no próprio trabalho, levando a uma indisposição geral do setor de se organizar para dialogar adequadamente. 38 Há ainda um terceiro caso, no qual os gestores tendem a não pensar, mas que pode acontecer. Eventualmente, pode-se ter um indivíduo que age de forma má, mesmo com conhecimento e mesmo com um ambiente empresarial saudável. Para os dois primeiros casos há solução e ela se dá pelo uso dos conceitos seguintes, para o terceiro caso, a solução é mais simples, embora mais dolorosa, a eliminação do membro problemático. Se depois de treinamentos e orientações o indivíduo não consegue se adequar, ele, por uma falha moral ou por falta de interesse, decidiu não contribuir para o saber ético e para sua concretização. Assim, passa-se para o âmbito do direito, pode-se afirmar que o indivíduo optou por aceitar tacitamente a punição, a demissão. O indivíduo é livre para não se adequar, mas deve aceitar as consequências desta inadequação. Importante O fato de que o saber ético está presente no setor não significa que todas as atitudes estarão de acordo com ele. A ética das virtudes, quando aplicada no âmbito empresarial, é uma ferramenta de análise e filtro das sugestões e atitudes dos colaboradores e gestores. Tradicionalmente, a ética das virtudes inclui várias virtudes relevantes para o indivíduo, mas, do ponto de vista da empresa, as virtudes fundamentais são apenas duas: ➢ Coragem; ➢ Honestidade. Porém, diferente do que acontece com os indivíduos, para a empresa não basta agir de modo corajoso e honesto, é preciso preocupar-se com a reputação, ou seja, é importante que os clientes, fornecedores, colaboradores e a sociedade 39 em geral percebam que a empresa, principalmente na figura de seus gestores, está agindo de modo honesto. Caso isso não aconteça, haverá uma perda de confiabilidade, ou seja, a empresa deixará de cumprir os critérios que permitem ao cliente confiar tranquilamente em seu trabalho e passa a perder reputação na sociedade, especialmente com seus clientes diretos. Pautar-se pela ética das virtudes significa treinar todos os colaboradores para que filtrem as sugestões oriundas do saber ético por meio destas duas virtudes fundamentais, a coragem e a honestidade. Na prática, significa que se uma sugestão que veio do setor X e caso aplicada irá dar a impressão de desonestidade para o cliente, então esta sugestão não é adequada e deve ser recusada. Mais que isto, o colaborador que deu a sugestão deve ser informado dos motivos pelos quais ela foi recusada, para que possa compreender o processo e ajudar a aperfeiçoar o saber ético do setor no qual atua. Vejamos um exemplo muito simples, mas prático e usual. Em uma empresa que fornece materiais para a montagem de máquinas pesadas, percebe-se que uma solda não foi realizada de modo limpo, ela está firme, mas a aparência não está de acordo com o padrão. Uma sugestão que pode surgir é a de que se mantenham as soldas que já foram feitas e que se tome mais cuidado com as próximas, afinal, não há risco para a integridade do maquinário e, por isto, não há risco para as pessoas, sendo que enviar as peças daquela forma não seria uma infração ética. Porém, é preciso considerar que o cliente pode não saber que a peça está em perfeito estado de uso e julgar a qualidade com base na aparência da peça, que foge ao padrão normalmente entregue pela empresa. A confiança humana é dependente de muitos fatores e nem sempre todos estes fatores estão sob o controle de quem age, por isso, a cautela é necessária ao se trabalhar com pessoas. A fim de evitar problemas, o gestor filtra a sugestão pelo critério da honestidade e percebe que enviar as peças daquela forma pode fazer com que o cliente desconfie de uma situação de desonestidade, assim, decide agir pela coragem, assumir o custo mais alto de produção e corrigir as peças antes de enviar ao cliente. 40 É dessa forma que a ética das virtudes funciona como um filtro das sugestões e ações que surgem dentro de uma empresa ou setor e este exemplo pode ser generalizado para qualquer empresa, seja pública ou privada. Éticas, virtudes e saber ético dão conta da parte mais focada na relação humana dentro e fora da empresa, mas é preciso considerar ainda aspectos legais que afetam a atividade da empresa e a sua reputação, estes aspectos são incorporados ao conceito de responsabilidades empresariais. As responsabilidades empresariais são três: ➢ Social; ➢ Ambiental; ➢ Financeira. A responsabilidade social trata de todos os aspectos da atividade da empresa que envolvem pessoas. Isso engloba prevenção de acidentes de trabalho, garantia de ambiente saudável, redução do estresse sempre que possível, evitar horas extras ou cobranças desnecessárias, entre diversas outras condições que irão variar de acordo com o setor no qual se atua. Por exemplo, na administração de empresas, as cobranças excessivas, as horas extras desnecessárias, que ocorrem geralmente por desorganização do setor, o estresse e os problemas ergonômicos são os principais alvos da responsabilidade social. Eventualmente se vê o uso do termo “responsabilidade social” para se referir às atividades filantrópicas de uma empresa, sendo que estas atividades são muitas vezes utilizadas para disfarçar problemas internos que demandam solução. Embora estas atividades filantrópicas sejam louváveis, em ética empresarial entende-se que tudo começa dentro da empresa e que o foco da responsabilidade social deve ser os indivíduos que atuam diretamente em contato com a atividade produtiva e apenas em segundo lugar o restante da sociedade. Da mesma formaque se diz que um indivíduo não pode querer mudar o mundo sem organizar a própria vida, uma empresa não deve gastar recursos 41 com atividades externas de filantropia se seus colaboradores estão em risco de acidentes ou trabalhando em condições inadequadas. Saiba mais É importante compreender como são classificadas legalmente as infrações, como dolo e culpa, pois na legislação brasileira estas categorias se aplicam tanto aos indivíduos quanto às empresas. Este é um conhecimento na interpretação dos deveres e infrações, por isso é recomendada a leitura do editorial "Dolo e culpa" do caderno "Para entender Direito", da Folha de São Paulo. Disponível em: https://goo.gl/0Y1kj9 A responsabilidade ambiental, como o nome indica, trata das normas que obrigam a empresa a prevenir impactos no ambiente natural de sua atividade ou daquelas normas que a empresa escolheu seguir voluntariamente para mostrar que se importa com esta questão ambiental. Por exemplo, uma empresa pode decidir buscar uma certificação ambiental, mesmo que não seja obrigada legalmente, para mostrar que está preocupada com essa questão e assim angariar a confiança dos clientes, colaboradores e da sociedade em geral. Para diversos autores, a responsabilidade financeira é a responsabilidade crucial de qualquer empresa, pois sem recursos nada pode ser melhorado em termos sociais e ambientais. De forma geral, a responsabilidade financeira inclui tudo o que se refere aos recursos financeiros da empresa, incluindo seus gastos com impostos e a responsabilidade de cumprir com as obrigações, pagando os fornecedores, colaboradores e outros credores da maneira mais eficaz possível, gerando lucros e evitando prejuízos. Uma empresa, seja pública ou privada, que não dê a devida atenção a este aspecto da responsabilidade irá acabar sem recursos para executar suas atividades e consequentemente terá de fechar. Se a sustentabilidade é o objetivo, é preciso lembrar que sem recursos não há sustento no longo prazo, que é a base da sustentabilidade. A confiabilidade, por seu turno, é o resultado de uma empresa que cumpre com todos os elementos até aqui abordados, uma empresa que oferece https://goo.gl/0Y1kj9 42 aos seus clientes, fornecedores e colaboradores motivos pelos quais eles devem confiar que ela executará sua atividade adequadamente, sem colocar pessoas em risco, sem afetar negativamente o meio ambiente natural e sem se expor a riscos financeiros que possam levá-la a fechar as portas. Por fim, a sustentabilidade é o resultado completo de todo este processo. Importante Sustentabilidade é a capacidade de uma empresa de se manter ativa e lucrativa a longo prazo. Para que isso ocorra, é preciso ter a confiança dos clientes, não esgotar os recursos, sejam naturais ou financeiros, e não colocar em risco as pessoas, mas também é preciso tomar decisões estratégicas com base no conhecimento técnico e ético e filtrar este conhecimento por meio de uma atitude corajosa e honesta. Assim, a sustentabilidade é o resultado de um processo de construção da imagem e da estrutura da empresa e não apenas um objetivo de curto ou médio prazo relativo às questões ambientais, como muitas vezes é abordado. 3.3 O que é preciso fazer para alcançar o desenvolvimento sustentável Para atingir o desenvolvimento sustentável, é preciso combinar as ferramentas éticas e de gestão e organizar empresas, profissionais e sociedade para que se possa utilizar as tecnologias em prol deste objetivo. Não é tarefa fácil e, por isso, nesta aula será estudada a ética empresarial, para que profissionais (indivíduos que fazem parte da sociedade) e empresas (grupos organizados em torno de um objetivo) possam colaborar entre si para o desenvolvimento de novas estratégias. Uma das estratégias mais populares na atualidade é o compliance, que permite compreender um plano básico de aplicação dos conceitos da ética e combiná-los às regras locais, sem restringir-se excessivamente quanto às possíveis mudanças futuras, tanto culturais quanto legislativas. 43 O compliance, também chamado de “conformidade normativa”, pode ser considerado como uma ferramenta que une a ética empresarial e as ferramentas de gestão, embora seja normalmente abordado dentro do contexto da ética empresarial. Desenvolvimento sustentável Fonte: https://www.playgrama.com.br/wp-content/uploads/2016/07/desenvolvimento- sustentavel.jpg Em sua forma mais simples, o compliance trata de seguir as regras adequadamente, ajustando os processos para que estas regras sejam cumpridas. Não obstante, apenas seguir as regras não é o bastante, especialmente em um país com regras tão complexas e com tantas possibilidades de atuação quanto o Brasil. É preciso pensar as regras estrategicamente. Importante Compliance não é apenas seguir as regras, mas conformar-se voluntariamente às regras adequadas para os objetivos propostos. Assim, existem duas formas de apresentar o compliance: 44 ➢ Modo formal; ➢ Modo prático. No modo formal, o compliance é apresentado como: cumprir e fazer com que se cumpram as normas de maneira que se produza um aperfeiçoamento dos processos levando ao desenvolvimento sustentável da empresa pelo envolvimento de todos. Já no modo prático, o enfoque é na maneira como se visualizará as regras no dia a dia da empresa, por isso, há um retorno aos conceitos da ética empresarial. O compliance, no modo prático de apresentação, pode ser descrito como uma busca em equilibrar as responsabilidades empresariais (social, ambiental e financeira) de maneira que o saber ético e a ética das virtudes possam juntos oferecer sugestões de aperfeiçoamento que não afetem negativamente as responsabilidades, angariando, com isso, a participação e a confiança de todos os stakeholders, colaboradores, clientes, fornecedores etc., que com isso irão contribuir para a sustentabilidade empresarial. Existem diversos treinamentos e programas de compliance diferentes, todos úteis, a depender do setor no qual a empresa atua, porém, os conceitos da ética empresarial são o fundamento de todos os treinamentos e programas de compliance e compreendê-los adequadamente permitirá ao gestor adaptar- se a qualquer treinamento ou programa que venha a ser implantado em sua empresa e, inclusive, propor a implantação de um programa que tenha avaliado como adequado para o setor. 3.4 O consumidor consciente como novo ator social Os conceitos da ética empresarial e o compliance como ferramenta não se limitam a empresas de maior ou menor porte, nem se limitam ao âmbito público ou ao âmbito privado. Se os indivíduos agirem conforme os padrões estabelecidos na ética empresarial, os resultados de confiabilidade serão percebidos em qualquer setor em que atuem. 45 De fato, só há desenvolvimento empresarial e progressão, tanto financeira quanto de organização corporativa, quando as condutas estão alinhadas com a ética empresarial. Isso leva à questão do desenvolvimento, mais precisamente do conceito de desenvolvimento sustentável, que é uma aplicação da questão geral da sustentabilidade, presente na ética empresarial. Quando se tratou da ética empresarial, um dos itens que mais se destacam é a confiabilidade. A empresa que perde a capacidade de despertar a confiança de seus clientes perde a capacidade de ser sustentável. Este é, em grande medida, o papel do consumidor consciente na sustentabilidade tanto empresarial quanto em seu sentido ambiental ou mesmo social. Sam Walton, fundador do Wal Mart, fazendo uma referência a um conceito clássico da Teoria Geral da Administração em sua vertente comportamental, costumava dizer que o cliente, ao levar seu dinheiro para gastar em outro lugar, na verdade está conceitualmente demitindo todos os membros de uma empresa. Esta ideia
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