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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE GABRIEL ANADÃO ALIENDE RIBEIRO ATIVISMO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A DECISÃO DO STF NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6.341 São Paulo 2023 GABRIEL ANADÃO ALIENDE RIBEIRO ATIVISMO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A DECISÃO DO STF NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6.341 Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. ORIENTADOR(A): BRUNO CÉSAR LORENCINI São Paulo 2023 GABRIEL ANADÃO ALIENDE RIBEIRO ATIVISMO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A DECISÃO DO STF NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6.341 Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Aprovad(o)a em: ____/____/____ BANCA EXAMINADORA Examinador(a): Examinador(a): Examinador(a): AGRADECIMENTOS Na vida, nada se conquista sozinho. Portanto, expresso minha profunda gratidão a todos que contribuíram para a conclusão deste trabalho e para mais uma etapa em minha trajetória acadêmica. Gostaria de agradecer em especial ao meu orientador, Prof. Dr. Bruno César Lorencini, e sua equipe, bem como a todos os professores e funcionários do Mackenzie, que desempenharam um papel fundamental no meu desenvolvimento. Aos meus pais e familiares, sou imensamente grato por seu apoio e encorajamento ao longo desta segunda graduação. Também não posso deixar de mencionar os grandes amigos que fiz no Mackenzie, com os quais compartilhei inúmeras experiências e construí uma parceria que levo comigo para sempre. A todos vocês, minha sincera gratidão pelo suporte e pela dedicação em tornar possível essa conquista. “A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustentá-lo, onde quer que ele se encontre, contra o errado.” Theodore Roosevelt (1858 – 1919) 26º Presidente dos EUA RESUMO Este trabalho tem como objetivo oferecer um panorama sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), em razão da Medida Provisória 926/2020, que modificava a principal legislação sobre o enfrentamento ao Covid-19, a Lei 13.979/2020, que visava concentrar no Governo Federal o poder de decisão sobre medidas em combate à pandemia da COVID-19, como isolamento, quarentena, restrição de locomoção por rodovias, portos e aeroportos, interdição de atividades e serviços essenciais. Para tanto, será analisado o papel fundamental do Supremo Tribunal Federal como defensor da Constituição em momento de crise, apresentando breve histórico sobre o conceito de separação dos poderes, ativismo judicial e judicialização, tendo como objeto a análise da atuação do STF. Essa contextualização, em conjunto com os argumentos apresentados na ADI 6.341 e com os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, serão parâmetro para esclarecer se houve ativismo judicial por parte do STF ao declarar que a centralização do poder pelo Governo Federal possuía caráter inconstitucional, garantindo, assim, autonomia aos prefeitos e governadores para determinarem medidas para o enfrentamento ao coronavírus. Palavras-chave: Ação Direta de Inconstitucionalidade; Supremo Tribunal Federal; Separação dos Poderes; Ativismo Judicial; Judicialização. ABSTRACT This study aims to provide an overview of the Direct Action of Unconstitutionality (ADI) 6.341, filed by the Democratic Labor Party (PDT), due to Provisional Measure 926/2020, which modified the main legislation regarding the fight against Covid-19, Law 13.979/2020, aiming to centralize in the Federal Government the decision-making power regarding measures to combat the COVID-19 pandemic, such as isolation, quarantine, restriction of movement on highways, ports, and airports, closure of essential activities and services. To achieve this, the fundamental role of the Supreme Federal Court as a defender of the Constitution in times of crisis will be analyzed, presenting a brief historical background on the concept of separation of powers, judicial activism, and judicialization, focusing on the analysis of the Supreme Court's performance. This contextualization, together with the arguments presented in ADI 6.341 and the votes of the Justices of the Supreme Federal Court, will serve as parameters to clarify whether there was judicial activism on the part of the Court in declaring that the concentration of power by the Federal Government was unconstitutional, thus guaranteeing autonomy to mayors and governors to determine measures to address the coronavirus. Keywords: Direct Action of Unconstitutionality; Supreme Federal Court; Separation of Powers; Judicial Activism; Judicialization. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6 2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A SEPARAÇÃO DOS PODERES ............... 7 2.1. Definições Gerais .................................................................................................................. 7 2.2. O Modelo Tripartite ............................................................................................................. 9 3 O ATIVISMO JUDICIAL ................................................................................................. 13 3.1. Conceito ............................................................................................................................... 13 3.2. Ativismo Judicial e a Judicialização ................................................................................. 15 4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6341 ................................ 19 4.1. Contextualização ................................................................................................................ 19 4.2. A decisão do STF na (ADI) 6.341 ...................................................................................... 23 5 Conclusão ............................................................................................................................ 28 REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 30 6 1 Introdução O Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha um papel de extrema importância no sistema jurídico brasileiro. Como a mais alta corte do país, o STF é responsável por salvaguardar a Constituição e garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Ao longo do tempo, o STF tem evoluído e desempenhado um papel fundamental na interpretação das leis e na resolução de controvérsias constitucionais. O STF possui competências constitucionais que lhe conferem autoridade e responsabilidade na interpretação das leis. Suas decisões têm impacto direto na definição dos princípios constitucionais e na resolução de conflitos de natureza constitucional. Como guardião da Constituição, tem a função de assegurar que as leis e atos normativos estejam em conformidade com os princípios constitucionais. No sistema jurídico brasileiro, a separação dos poderesé um princípio fundamental. O modelo tripartite de separação dos poderes divide as funções estatais entre o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. É importante que haja independência e harmonia entre esses poderes para garantir o equilíbrio e o bom funcionamento do sistema democrático. Nesse contexto, o STF desempenha um papel relevante como o poder responsável pela interpretação e aplicação da Constituição. Cabe ressaltar, no entanto, que uma questão importante relacionada ao STF é o ativismo judicial, uma abordagem interpretativa em que os juízes têm um papel mais ativo na formulação de políticas públicas e na defesa de direitos fundamentais. O ativismo judicial, muitas vezes envolve uma interpretação mais ampla da lei, extrapolando os limites tradicionais da interpretação estritamente legal. No Brasil, esse fenômeno jurídico tem sido objeto de debates e discussões, especialmente em relação à sua relação com a judicialização da política, em que questões políticas são decididas pelo Judiciário em vez do Legislativo. A pandemia de COVID-19 trouxe desafios significativos para o sistema jurídico e para o Supremo Tribunal Federal, que precisou tomar decisões importantes relacionadas às medidas adotadas pelo governo durante a pandemia. Através da análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, o STF se pronunciou sobre a constitucionalidade de algumas dessas medidas e suas implicações para a sociedade e o sistema jurídico. 7 No entanto, a decisão que declarou a autonomia dos Estados e Municípios em relação a tomada de decisão durante a pandemia da Covid-19, em detrimento da centralização das ações sob a autonomia do Governo Federal, conforme proposto pela Medida Provisória nº 926/2020, foi alvo de questionamentos acerca da possibilidade de que tenha ocorrido ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal. O presente trabalho é importante para compreender o contexto jurídico brasileiro, e permite uma análise concreta do verdadeiro papel do STF no julgamento do feito, como garantidor do texto constitucional. 2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A SEPARAÇÃO DOS PODERES 2.1. Definições Gerais Preliminarmente, importante destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil, cuja principal atribuição é ser o Guardião da Constituição Federal, garantindo que leis e atos do poder público estejam em conformidade com a legislação constitucional, conforme observado pelo artigo 102 da própria Constituição Federal de 1988. O papel do STF na proteção da Constituição e na garantia dos direitos fundamentais é fundamental para o Estado de Direito brasileiro. O artigo 1º da Constituição Federal estabelece que a República Federativa do Brasil é um Estado democrático de direito, que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Esses princípios orientam a atuação do STF e de todo o sistema judiciário brasileiro na busca pela justiça e pela igualdade. A atuação do STF também é fundamental para a garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. O artigo 5º estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Além disso, a Constituição prevê direitos fundamentais relacionados à educação, saúde, trabalho, cultura e outros aspectos da vida em sociedade. O STF tem a responsabilidade de garantir que esses direitos sejam respeitados e aplicados em todas as esferas do poder público. 8 A história do Supremo Tribunal Federal tem suas raízes na chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil em 1808. Nesse contexto, foi estabelecida a Casa de Suplicação do Brasil, por meio de um alvará emitido por D. João, Príncipe Regente. A Casa de Suplicação assumiu o papel de órgão máximo do sistema judicial brasileiro da época. No ano de 1828, a Casa de Suplicação foi substituída pelo Supremo Tribunal de Justiça, por meio de uma lei imperial. O tribunal era composto por quinze ministros e desempenhava um papel essencial na administração da justiça no período do Império. Com a Proclamação da República em 1889, o Supremo Tribunal de Justiça foi renomeado como Supremo Tribunal da Justiça, de acordo com o Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. A composição do tribunal permaneceu a mesma, com quinze ministros. Entretanto, em 1931, após a Revolução de 1930, ocorreu uma mudança significativa. O Decreto nº 19.656, de 3 de fevereiro de 1931, estabeleceu uma redução no número de ministros para onze, configurando a formação atual do STF. De acordo com a Constituição Federal de 1988, os ministros do STF são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da maioria absoluta do Senado Federal. É requisito ser brasileiro nato, ter idade entre 35 e 65 anos e possuir reputação ilibada. Após a nomeação, os ministros são divididos em duas turmas, cada uma composta por cinco membros. O presidente do STF assume a presidência das turmas. O plenário é responsável por julgar casos que envolvem a declaração de inconstitucionalidade de leis, enquanto as turmas são encarregadas de processos como Recurso Extraordinário, Agravo de Instrumento, Habeas Corpus, Recurso em Habeas Corpus, Petição e Reclamação, exceto os casos de competência do plenário. Ao longo de sua história, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel fundamental na defesa da Constituição, na proteção dos direitos fundamentais e na interpretação da legislação brasileira. Suas decisões têm um impacto abrangente no sistema jurídico do país, contribuindo para a manutenção do Estado de Direito e da ordem constitucional. As competências do Supremo Tribunal Federal são definidas nos arts. 102 e 103 da Constituição Federal. Doutrinariamente, conforme mencionado por Alexandre de Moraes em sua obra "Direito Constitucional" (2015), o Supremo Tribunal Federal (STF) possui duas categorias de competência: a originária e a recursal. 9 A competência originária do STF refere-se à sua capacidade de atuar como uma Corte de Constitucionalidade, possuindo respaldo para julgar diretamente certos tipos de casos como, por exemplo, o habeas corpus1, sem que haja a necessidade de passar por instâncias inferiores. Esse controle concentrado de constitucionalidade, segue o modelo de justiça constitucional europeu, que se baseia na existência de um Tribunal Constitucional com competência específica para lidar com litígios constitucionais. Nesse sentido, em diversos ordenamentos jurídicos, a jurisdição constitucional desempenha quatro funções básicas: verificar a regularidade do regime democrático e do Estado de Direito, preservar o equilíbrio entre o Estado e a sociedade, especialmente em relação à proteção dos direitos fundamentais, garantir o bom funcionamento dos poderes públicos e preservar a separação dos poderes, e controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos (MORAES, 2015, p. 582). Em sua vertente originária, compete, também, ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de conflitos de competência, que ocorre quando dois ou mais juízes se declaram competentes ou incompetentes para julgar um processo ou quando juízes discordam quanto à reunião ou separação de processos e descumprimentos de preceitos constitucionais fundamentais, que possibilita ajuizamento de ação com o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público. Por sua vez, a competência recursal do STF está relacionada aos recursos que são apresentados ao tribunal após o julgamento em instâncias inferiores. Nesse contexto, o STF atua como a última instância recursal, responsável por revisar as decisões contestadas. São exemplos de competência os recursoordinários extraordinários, permitindo ao STF a análise de casos que já foram decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, nos quais se alega uma violação direta da Constituição Federal (MORAES, 2015, p. 592). 2.2. O Modelo Tripartite A separação de poderes é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, que estabelece a divisão das funções do Estado em três poderes independentes e autônomos: o 1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 134. “A Constituição Federal prevê no artigo 5.°, LXVIII, que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” 10 poder Executivo, o poder Legislativo e o poder Judiciário. Esse princípio foi teorizado por diversos filósofos e pensadores clássicos como Aristóteles, John Locke, Immanuel Kant e Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como Montesquieu, cujo pensamento analisaremos a seguir. O modelo tripartite, como ficou conhecido esse princípio de organização política, é em conjunto com a não interferência estatal na econômica e na vida dos indivíduos e da proteção dos direitos individuais, um dos pilares do Estado Liberal, que emergiu no final do século XVIII e início do século XIX. Através do liberalismo, pretendia-se romper com a ordem político-social medieval e o sistema jurídico-político do Estado que, na época, possuía como característica o absolutismo e o feudalismo, através da defesa dos direitos fundamentais e da liberdade dos indivíduos. Nesse sentido, para o filósofo grego Aristóteles, cuja ideia de tripartição de poderes é atribuída, em todo sistema governamental, são encontrados três elementos essenciais que o legislador sábio deve estruturar de forma adequada. Quando esses três componentes estão devidamente ajustados, o governo opera de maneira eficiente, sendo que as divergências entre eles são a fonte de sua força. O primeiro desses elementos é encarregado de deliberar sobre os assuntos do Estado. O segundo engloba todas as instituições ou poderes constituídos, ou seja, aqueles necessários para a execução das tarefas estatais, incluindo suas responsabilidades e o modo como são cumpridas. O terceiro elemento abrange as funções relacionadas à aplicação da justiça (ARISTÓTELES, 2000, p. 127). De acordo com Montesquieu, filósofo que foi responsável por aprofundar e difundir o tema, a separação de poderes é um mecanismo essencial para garantir a liberdade e a igualdade dos cidadãos. O filósofo acreditava que, para evitar a tirania e o abuso de poder, era necessário que as funções do Estado fossem divididas entre diferentes órgãos, cada um com sua própria esfera de competência e responsabilidade. Assim, o poder Executivo seria responsável pela administração do Estado e pela implementação das políticas públicas, enquanto o poder Legislativo seria responsável pela elaboração das leis e pelo controle das atividades do Executivo. Por sua vez, o poder Judiciário seria responsável pela aplicação das leis e pela solução de conflitos judiciais, sob o risco de desaparecimento da divisão dos poderes em caso de centralização: Montesquieu acreditava que, ao dividir as funções do Esta Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não 11 há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares (MONTESQUIEU, 2008, p. 67). Montesquieu acreditava que, ao dividir as funções do Estado dessa forma, cada poder seria capaz de limitar o poder dos outros, criando um sistema de freios e contrapesos que impediria a concentração de poder nas mãos de uma única autoridade. Isso garantiria a proteção dos direitos e das liberdades individuais, além de garantir a estabilidade e a harmonia do Estado. No entanto, para ele, a separação de poderes não significa que esses poderes atuem de forma isolada e independente. Pelo contrário, é fundamental que haja colaboração e interação entre eles, de forma a garantir o funcionamento adequado do Estado. Assim, é importante que o poder Executivo e o Legislativo respeitem as decisões do Judiciário e vice-versa, em um sistema de mútuo respeito e cooperação. Dessa forma, a separação dos poderes consolidou-se como princípio fundamental do Estado Liberal. Ainda que houvesse variações do texto constitucional de país para país, o modelo tripartite ganhou notoriedade, inclusive, configurando-se como condição da própria existência de uma Constituição, de acordo com o artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: Artigo 16º- Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Nos dizeres de Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal: A maior parte dos Estados democráticos do mundo se organizam em um modelo de separação de Poderes. As funções estatais de legislar (criar o direito positivo), administrar (concretizar o Direito e prestar serviços públicos) e julgar (aplicar o Direito nas hipóteses de conflito) são atribuídas a órgãos distintos, especializados e independentes. Nada obstante, Legislativo, Executivo e Judiciário exercem um controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas, capazes de oferecer riscos para a democracia e para os direitos fundamentais (BARROSO, 2019, p. 19). Estabelecida como forma de organização política a ser adotada por países democráticos, a tripartição dos poderes também foi fundamental para elaboração da Constituição Federal de 12 1988, prevista no artigo 2º do texto constitucional e configurada como cláusula pétrea, conforme artigo 60, § 4º, III, da Constituição Federal: Artigo 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: III - a separação dos Poderes. No contexto de separação dos poderes, cada poder atua de forma individualizada, de maneira que possua uma responsabilidade predominante e única. Sendo assim, nenhum dos poderes possui capacidade de se sobrepor aos demais e, inclusive, ocorre a necessidade de trabalharem de forma conjunta para harmonia do funcionamento estatal. A função individualizada de cada poder é objeto de estudo do Ministro Alexandre de Moraes, em sua obra Direito Constitucional. Vejamos. As funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo grau de importância e merecedoras de maior detalhamento. Dessa forma, se por um lado a Constituição prevê regras de processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore as normas jurídicas, de outro, determina que a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo. (MORAES, 2015, p. 432) Moraes define também o que configuraria função atípica do poder legislativo: As funções atípicas constituem-se em administrar e julgar. A primeira ocorre, exemplificativamente, quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalidade interna, provimento de cargos, promoções de seus servidores; enquanto a segunda ocorrerá, porexemplo, no processo e julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade. (MORAES, 2015, p. 432). O Poder Executivo constitui órgão constitucional cuja função precípua é a prática dos atos de chefia de estado, de governo e de administração. A Chefia do Poder Executivo foi confiada pela Constituição Federal ao Presidente da República, a quem compete seu exercício, auxiliado pelos Ministros do Estado, compreendendo, ainda, o braço civil da administração (burocracia) e o militar (Forças Armadas), consagrado mais uma vez o presidencialismo, concentrando na figura de uma única pessoa a chefia dos negócios do Estado e do Governo. (MORAES, 2015. p. 492) Quanto a atipicidade, é o pensamento do autor: O Executivo, portanto, além de administrar a coisa pública (função típica), de onde deriva o nome república (res pública), também legisla (artigo 62 – Medidas Provisórias) e julga (contencioso administrativo), no exercício de suas funções atípicas. (MORAES, 2015, p. 492). 13 Por fim, no que diz respeito ao Poder Judiciário, entende-se que o lado da função de legislar e administrar, o Estado exerce a função de julgar, ou seja, a função jurisprudencial, consistente na imposição da validade do ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez que houver necessidade. Dessa forma, a função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses. (MORAES, 2015. p. 527) No que diz respeito a atipicidade, Moraes explica: O Judiciário, porém, como os demais Poderes Judiciário possui outras funções, denominadas atípicas, de natureza administrativa e legislativa. São de natureza administrativa, por exemplo, concessão de férias aos seus membros e serventuários; prover, na forma prevista nessa Constituição, os cargos de juiz de carreira na respectiva jurisdição. São de natureza legislativa a edição de normas regimentais, pois compete ao Poder Judiciário elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. (MORAES, 2015, p. 528). 3 O ATIVISMO JUDICIAL 3.1. Conceito O ativismo judicial é um conceito controverso e complexo dentro do sistema jurídico brasileiro. Trata-se de uma ideia que sugere que os juízes devem assumir uma postura mais proativa na interpretação da lei e na proteção dos direitos fundamentais, mesmo quando isso signifique interferir nas funções dos outros poderes, afetando, diretamente, o modelo tripartite. Nesse sentido, o ativismo judicial rompe com a concepção tradicional de que o papel do Judiciário se limita à mera aplicação da lei de acordo com critérios estritamente formais. E ainda vai além, os juízes ativistas assumem um papel mais ativo na defesa dos direitos individuais e coletivos, configurando uma ampla participação do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. (BARROSO, 2009, p. 6) A definição de ativismo judicial é, também, idealizada por Ramos (2010), que propõe a mudança da natureza da atividade típica de um Poder Judiciário que, cada vez mais, passa a atuar em determinadas situações que não eram tipicamente previstas como objeto de sua função jurisdicional: 14 Por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Há como visto uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes. (RAMOS, 2010. p. 129) O fenômeno do ativismo judicial pode ser analisado através de muitas perspectivas e, ainda, não possui um conjunto de normas que o regularizem ou definam a maneira certa de sua manifestação. Portanto, a prática divide a opinião popular e dos doutrinadores. Defensores do ativismo judicial argumentam que a atividade é primordial para manutenção e proteção dos direitos fundamentais ao assegurar que a lei seja interpretada de forma apropriada. Afinal, seria compreensível que os juízes tivessem a liberdade de interpretar a lei de acordo com os princípios constitucionais e os valores democráticos, mesmo que isso implique em se colocar em conflito frente aos poderes Executivo e/ou Legislativo. Nesse sentido, Oliveira (2015) defende a ideia de que o ativismo judicial é uma importante ferramenta para suprir possíveis lacunas normativas: [...] o ativismo judicial é tomado no sentido de medida que existe para atenuar o hiato entre o ideal político e a realidade constitucional; ocorre para preencher o vácuo deixado pelo legislador em torno do seu papel político apropriado, visando aprimorar a democracia, para afirmar direitos fundamentais. (OLIVEIRA, 2015, p. 287). Esse entendimento também é adotado por Barroso (2009) que identificou a existência de uma crise normativa: Nos últimos anos, uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral. (BARROSO, 2009, p. 16). Por outro lado, os críticos do ativismo judicial argumentam que essa prática pode violar a separação dos poderes e enfraquecer a democracia. Eles defendem que os juízes devem limitar sua atuação à aplicação da lei, sem se envolver nas funções dos outros poderes. Segundo eles, essa é a única forma de garantir a harmonia e o equilíbrio entre os poderes. Nesse ponto, o lado negativo do ativismo judicial é apontado por Ronald Dworkin (1999): O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria 15 o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima. (DWORKIN, 1999, pg.451-452) Entretanto, ainda que a preocupação se justifique e existam diversas críticas pertinentes ao ativismo, é perceptível o direcionamento doutrinário em favor do fenômeno, conforme observado por Hélder Fábio Cabral Barbosa (2011): Pensadores do direito podem se mostrar contrários ao ativismo judicial, sob a alegação de que um acréscimo de poder ao judiciário seria um desvio de finalidade, desvio do fim do judiciário, entretanto inexiste tal afirmação, uma vez que os juízes estariam apenas aplicando o direito, os direitos fundamentais em especial, direitos estes que gozam de auto executoriedade. (BARBOSA, 2011, p.151) 3.2. Ativismo Judicial e a Judicialização A verdade é que o ativismo judicial está enraizado no próprio processo de judicialização, e que nada possui de atípico. Segundo Barroso (2009, p. 12), o ativismo judicial está enraizado em um processo mais amplo, chamado de judicialização. Esse fenômeno significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais, quer sejam o Congresso Nacional e o Poder Executivo. No entanto, essa situação não é característica do sistema judiciário brasileiro. Na verdade, já são notóriosos casos de judicialização da política ao redor do mundo, onde matérias de grande interesse coletivo foram objeto de ação por parte do sistema judiciário. Após o término da Segunda Guerra Mundial, observou-se em grande parte dos países ocidentais um aumento da influência da justiça constitucional em relação à política majoritária, que é exercida pelo Legislativo e pelo Executivo, com base no voto popular. Esse fenômeno é evidente em diversos exemplos que, inclusive, são citados por Barroso (2009, p. 11). a) No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense; b) Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore; 16 c) Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino; d) A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico; e) Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes, f) Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment. Barroso (2009) demonstra, ainda, que as origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-americana. É o que se verifica no trecho: Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973). (BARROSO, 2009, p. 14). Tendo em vista esses exemplos, é notório que a política e a justiça estão cada vez mais atuando de forma conjunta, sendo essa uma característica do mundo contemporâneo. Ainda, existe um crescente interesse da população em acompanhar os julgamentos e decisões. A visibilidade pública que advém do processo de judicialização, segundo Barroso (2009, p. 12) contribui para a transparência, para o controle social e, em última análise, para a democracia. No entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, o fenômeno da judicialização acontece em razão de múltiplas causas que, expressam tendência mundial, ou estão ligadas de forma intrínseca ao modelo institucional encontrado no Brasil. É o que se verifica a seguir. Na visão de Barroso, a primeira causa é a redemocratização do Brasil, marcada pela promulgação da Constituição de 1988, que desempenhou um papel fundamental no aumento da judicialização no país. Durante as últimas décadas, houve um fortalecimento das garantias da 17 magistratura, resultando em um Judiciário que se tornou um poder político capaz de garantir o cumprimento da Constituição e das leis, mesmo em situações de confronto com os demais poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma nova geração de ministros, não vinculada ao regime militar, assumiu cargos de destaque, trazendo uma perspectiva renovada para a interpretação e aplicação das leis. Paralelamente, o ambiente democrático incentivou uma maior consciência dos direitos e da cidadania por parte de diversos segmentos da população, levando-os a buscar proteção e defesa de seus interesses junto ao Judiciário. Essa demanda crescente por justiça também impulsionou a expansão do Ministério Público, que passou a atuar em áreas além da esfera penal, assim como o aumento da presença da Defensoria Pública em várias regiões do país. A segunda causa identificada por Barroso é a ampla constitucionalização, que incorporou diversas matérias à Constituição que anteriormente eram deixadas para o processo político majoritário e para legislação ordinária, é uma tendência mundial. Essa tendência teve início com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978) e foi fortalecida no Brasil com a Constituição de 1988. A Constituição brasileira é detalhada, ambiciosa e demonstra uma desconfiança em relação ao legislador. Constitucionalizar um assunto significa transformar uma questão política em uma questão jurídica. Quando uma questão - seja um direito individual, uma obrigação do Estado ou um objetivo público - é regulada por uma norma constitucional, ela se torna potencialmente uma pretensão jurídica que pode ser objeto de ação judicial. Por fim, a terceira causa se refere ao sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos mais abrangentes. É um sistema híbrido, que combina elementos dos sistemas americano e europeu. Desde o início da República, adotamos a abordagem americana de controle incidental e difuso, em que qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei considerada inconstitucional em um caso específico. Além disso, também incorporamos o modelo europeu de controle por ação direta, que permite que certas questões sejam levadas diretamente ao Supremo Tribunal Federal de forma abstrata. Essa combinação de abordagens permite que diversos órgãos e entidades, como associações profissionais e sindicatos, possam propor ações diretas. Essa ampla possibilidade 18 de propositura de ações faz com que praticamente qualquer questão política ou moralmente relevante possa ser levada ao STF para análise de sua constitucionalidade. Barroso demonstra ainda que, apesar de ser considerado um tema recente, a judicialização já acontece há muitos anos no sistema judiciários brasileiro, e aponta que o processo tem sido de grande importância para a jurisprudência, como no caso do mandado de injunção2: Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público. (BARROSO, 2009, p. 13). Diante do que foi demonstrado, conclui-se que o processo de judicialização nada possui de atípico. Muito pelo contrário, trata-se de um processo moderno, que acontece em alinhamento com os diversos países do mundo. A judicialização nada mais é do que uma ocorrência natural do progresso do sistema judiciário brasileiro, reunindoa evolução do corpo legislativo e as ramificações da Constituição Federal de 1988. Nesse ponto, uma vez já demonstrados os conceitos de ativismo judicial e do processo de judicialização, importante fazer um paralelo entre os dois fenômenos que, por muitas vezes, causam estranhamento ao sugerir se tratar de dois termos com o mesmo significado. Antes de tudo, cabe ressaltar, novamente, que o ativismo judicial é uma consequência da própria judicialização, ainda que não estejam diretamente relacionados. Conforme demonstrado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, a judicialização significa que, em síntese, questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário. O ativismo judicial, por sua vez, se comporta de maneira diferente: 2 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 181. “O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.” 19 A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. (BARROSO, 2009, p. 6) Dessa forma, o ativismo judicial é relacionado ao agente que realiza a interpretação constitucional e a maneira que o mesmo adota para decidir. Em contraste com uma interpretação estritamente literal ou restritiva, os juízes ativistas buscam ampliar o significado e o alcance das disposições constitucionais, visando proteger os direitos fundamentais e promover os valores essenciais. Assim, leva-se em conta o contexto social, histórico e os princípios constitucionais relevantes. A postura ativista, segundo Barroso (2009, p. 14), se manifesta por meio de diferentes condutas que incluem: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. 4 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6341 4.1. Contextualização Uma vez demonstrada a função constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como os conceitos de separação dos poderes, ativismo judicial e judicialização da justiça, para análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, é importante elucidar o cenário de pandemia e crise sanitária global predominante no momento em que foi editada a 20 Medida Provisória 926 pelo Governo Federal. Somente assim é possível compreender se a decisão do STF recai em ativismo judicial. A pandemia de COVID-19 teve um impacto sem precedentes em todo o mundo. Desde o seu surgimento, em dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, o vírus se espalhou rapidamente para outros países, instaurando uma crise sanitária que afetou profundamente a sociedade, impondo restrições e mudanças significativas em nossas vidas cotidianas. As medidas de isolamento social, distanciamento físico e uso de máscaras foram adotadas em grande parte dos países, gerando impactos econômicos, sociais e psicológicos. Nesse contexto, a pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo na tomada de decisão das autoridades, especialmente em relação às políticas de saúde pública e economia. A resposta à pandemia se tornou um grande desafio para os governos, que precisaram lidar com questões complexas, como o equilíbrio entre as medidas de saúde pública e os impactos econômicos, a distribuição de recursos, a coordenação entre os níveis de governo e a comunicação com a população. Em muitos países, como é o caso do Brasil, a pandemia gerou debates acerca da eficácia das medidas adotadas e a necessidade de mudanças nas políticas públicas. As decisões das autoridades foram questionadas por diferentes setores da sociedade e alvos de controvérsias. O que se verifica é que a pandemia levantou questões complexas em relação aos direitos e liberdades individuais, especialmente em relação às medidas de isolamento social e restrições de circulação. Em muitos países, foram apresentados recursos judiciais contestando a legalidade das medidas adotadas e a restrição de direitos fundamentais. Além disso, a pandemia também gerou debates acerca da atuação do sistema judiciário em relação às políticas públicas adotadas pelos governos para enfrentar a crise sanitária. Em alguns casos, decisões judiciais questionaram as medidas adotadas pelos governos, levantando questões sobre o papel do judiciário em relação à tomada de decisão das autoridades. Diante desse cenário, o governo federal submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 23/2020, que posteriormente foi promulgado como a Lei n° 13.979/2020, cujo intuito era o estabelecimento de uma base legal para a implementação de medidas de combate à Covid- 19. Nesse sentido, prevê o documento assinado pelo ex-ministro da saúde, Henrique Mandetta: 21 Considerando a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus, consoante já reconhecido pela Organização Mundial de Saúde - OMS, o anteprojeto de lei visa adequar a legislação interna, coordenando as ações e os serviços do SUS em todas as esferas federativas para permitir uma atuação eficiente e eficaz, mediante a definição de instrumentos que possibilitem o enfrentamento ágil da situação de emergência sanitária internacional existente, objetivando a proteção da coletividade, com maior segurança jurídica”. (BRASIL, 2020) Em síntese, a Lei abordou os seguintes temas: Definição de Emergência de Saúde Pública: A lei estabelece que a emergência de saúde pública é uma situação de risco iminente à saúde coletiva, que requer ações rápidas para evitar sua disseminação e controle. Medidas Sanitárias: A lei permite a implementação de medidas sanitárias para responder à emergência, como o isolamento, a quarentena, a realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, tratamentos médicos e vacinação. Restrição de Direitos Individuais: Durante a emergência de saúde pública, a lei possibilita a restrição de direitos individuais e coletivos, desde que sejam essenciais para controlar a propagação da doença, como restrições de circulação, quarentena, isolamento, exames médicos e vacinação compulsória. Colaboração dos Cidadãos: A lei estabelece que todos devem colaborar com as autoridades sanitárias na identificação de pessoas com sintomas, fornecimento de informações e cumprimento das medidas determinadas. Regime de Teletrabalho: Durante a emergência, a lei permite a adoção do teletrabalho, quando possível, como forma de reduzir a circulação de pessoas. Dispensa de Licitação: A lei dispensa a necessidade de realizar licitação para aquisição de bens,serviços e insumos de saúde necessários para enfrentar a emergência, desde que seja comprovada a urgência e a necessidade da compra. Prazo de Vigência: A lei é válida durante toda a duração da emergência de saúde pública relacionada à COVID-19, podendo ser prorrogada, se necessário. Diante do crescimento alarmante de casos de Covid-19 no Brasil e da rápida propagação do vírus por todo o território nacional, o governo federal propôs a Medida Provisória 926/2020 em 20 de março de 2020. Essa medida teve como principal objetivo alterar a legislação existente, mais especificamente a lei mencionada anteriormente, cuja ação foi tomada em 22 resposta à preocupação com o iminente colapso do sistema de saúde, visando agilizar e simplificar as medidas necessárias para enfrentar a crise sanitária. Nesse contexto, confere o resumo das disposições no sumário executivo da Medida Provisória: 2. Diante do crescimento de casos no País de infecção pelo COVID-19 e a necessidade do Sistema único de Saúde (SUS) fazer frente a uma crescente demanda de leitos, equipamentos, medicamentos, estrutura física e serviços, em especial de saúde, faz-se necessário prever especificidades para a licitação de tais aquisições ou sua dispensa de modo a atender a urgência que a situação requer e a flexibilizar requisitos em face de possível restrição de fornecedores, otimizando, inclusive a contratação ou prestação de serviços internacionais” (BRASIL,2020) O texto original da Medida Provisória nº 926 previa alterações nos artigos 3º3, 4º4, 6º5 e 8º6 da Lei nº 13.979 Durante sua tramitação no Congresso Nacional foram propostas 126 emendas ao texto da Medida Provisória nº 926/2020, que também foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a saber, a ADI 6.341/DF. 3 Artigo 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: VI - restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos; VII - requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e VIII - autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que: a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e b) previstos em ato do Ministério da Saúde. 4 Artigo 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. § 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. § 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do artigo 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição. 5 Artigo 6º É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação. § 1º A obrigação a que se refere o caput deste artigo estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária. § 2º O Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais. 6 Artigo 8º Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência internacional pelo coronavírus responsável pelo surto de 2019. 23 4.2. A decisão do STF na (ADI) 6.341 Finalmente, passa-se à análise do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341, de julgamento em 15 de abril de 2020, ajuizada pelo Partido Democrata Trabalhista (PDT) em razão da Medida Provisória 926. Importante ressaltar que a iniciativa tomada pelo partido político foi feita dentro dos parâmetros estabelecidos no artigo 103 da Constituição Federal, que prevê como legitimados para proposição da ação o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado Federal, a Mesa de Assembleias Legislativas ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. A ação ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) visava ver declarada a incompatibilidade parcial, com a Constituição Federal, relativamente às alterações promovidas pela Medida Provisória nº 926 no artigo 3º, cabeça, incisos I, II e VI, e parágrafos 8º, 9º, 10 e 11, da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e, em medida cautelar, a suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados, abaixo transcritos: Artigo 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: I – isolamento; II – quarentena; ........................................................................................................................................ VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de: a) entrada e saída do País; e b) locomoção interestadual e intermunicipal; .......................................................................................................................... § 8º As medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais. § 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º. § 10. As medidas a que se referem os incisos I, II e VI do caput, quando afetarem a execução de serviços públicos e atividades essenciais, inclusive as reguladas, concedidas ou autorizadas, somente poderão ser adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão regulador ou o Poder concedente ou autorizador. § 11. É vedada a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais, definidas nos termos do disposto no § 9º, e cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros necessários à população. 24 Em síntese, ao ajuizar a ação, o PDT contestou a Medida Provisória (MP) 926 em aspecto formal e material: (i) questionou a inconstitucionalidade da medida provisória que disciplinou providências de polícia sanitária relacionadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública causada pelo coronavírus; (ii) alegou que tais providências deveriam ser reguladas por lei complementar, conforme previsto na Constituição; (iii) destacou que a competência para tratar da saúde é comum aos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e que a cooperação entre eles deve ser regulada por lei complementar, não por medida provisória; (iv) apontou o abusode poder na edição da medida provisória e a invalidade, por arrastamento, do Decreto que a regulamenta, no que se refere à definição de serviços públicos e atividades essenciais; (v) argumentou que a competência administrativa comum dos entes federados inclui a adoção de medidas de isolamento, quarentena, restrição de locomoção e interdição de atividades e serviços essenciais; (vi) ressaltou que a responsabilidade constitucional de cuidar da saúde e executar ações de vigilância sanitária e epidemiológica é compartilhada entre todos os entes federados, com base nos artigos 23, inciso II, 198, inciso I, e 200, inciso II, da Constituição, (vii) requereu a declaração de nulidade dos dispositivos atacados, tanto em relação ao vício formal quanto ao vício material, e a invalidade, por arrastamento, do Decreto que os regulamenta; e (viii) buscou, em caráter liminar, a confirmação da invalidade do Decreto nº 10.282/2020. Em julgamento preliminar, o ministro Marco Aurélio deferiu parcialmente a liminar, no sentido de reconhecer a competência concorrente dos entes federados a respeito de saúde e explicitou que a Medida Provisória não afastava essa competência concorrente de União, Estados e Municípios. Nesse sentido, é evidente que a decisão liminar do Relator não se deu no sentido de acolher os pedidos elaborados em sede de inicial pelo PDT, mas apenas reafirmar a norma que evidencia a competência concorrente dos entes federados no que tange a questões ligadas à saúde. Quanto à alegação de vício formal sustentada pelo PDT, o Relator não reconhece que a Medida Provisória nº 926/2020 disciplinou matéria reservada à lei complementar e, ainda, comenta que o presidente da República agiu de maneira correta e assertiva, no tempo e no modo, ao editar medida provisória sobre a matéria, tendo em vista a “urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional”. A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou Embargos de Declaração, onde, o então Advogado-Geral da União, André Mendonça, argumentou que a decisão do Ministro foi 25 confusa e permitiu a usurpação de competências legislativas e materiais da União. A AGU ressaltou que a União tem o poder exclusivo de estabelecer normas gerais de saúde pública, o que não foi devidamente considerado na decisão do Ministro, que reconheceu a competência compartilhada entre os entes federados. A AGU sustentou, também, que a decisão do Ministro não esclareceu como o pedido de liminar feito pelo PDT foi analisado, o que poderia gerar instabilidade no sistema federativo e causar problemas no fornecimento de insumos básicos. Argumentou-se que a decisão permitiria que outros entes federados, além da União, estabelecessem restrições de mobilidade. Além disso, afirmou que o objetivo do PDT com a ADI era validar decisões restritivas tomadas por autoridades locais em detrimento das normas federais. A AGU defendeu ainda que a própria decisão do Ministro Marco Aurélio reconheceu que não houve violação constitucional nas normas contestadas, o que justificaria a não concessão da liminar. Com a manifestação de ambas as partes, no que se refere ao julgamento do mérito, restou configurada a seguinte decisão, em alinhamento ao voto do ministro Marco Aurélio, relator do caso, cujo entendimento foi de que houve uma inobservância ao editar a Medida Provisória nº 926 daquilo que é disposto no artigo 23, II da Constituição Federal7: Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do artigo 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do artigo 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do artigo 3º, os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Falaram: pelo requerente, o Dr. Lucas de Castro 7 Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (Vide ADPF 672) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento 26 Rivas; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Telecomunicações – FEBRATEL, o Dr. Felipe Monnerat Solon de Pontes Rodrigues; pelo interessado, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 15.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). No acórdão que confirmou a Medida Cautelar, o Ministro Alexandre de Moraes destacou a importância do Federalismo, da separação de poderes e dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, enfatizando a necessidade de limitar o exercício do poder. Ele afirmou que no Brasil, a autonomia dos estados e municípios é a regra e, em momentos de crise, os líderes políticos devem seguir os princípios constitucionais. O Ministro explicou que a distribuição de competências no Federalismo, tanto em termos administrativos quanto legislativos, é baseada no princípio do interesse predominante, seja ele de natureza geral, regional ou local. Ressaltou, também, que a saúde pública é uma competência compartilhada por todos os entes federativos, de acordo com o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal8. Além disso, o Ministro trouxe à tona questões relacionadas ao federalismo cooperativo e sua aplicação na cooperação entre os entes federados. O Ministro Edson Fachin também deixou claro que o tema central da ADI nº 6341/DF é o Federalismo e a Federação. Afirmou que a questão está relacionada às competências concorrentes entre os entes federativos. Além disso, ressaltou que a Lei nº 13.979/2020, embora seja de competência exclusiva da União, não restringe ou diminui a autonomia dos demais entes federados. O Ministro enfatizou a importância de preservar a autonomia dos entes federativos por meio do exercício da competência legislativa da União. A Ministra Rosa Weber concordou com a abordagem, afirmando que o cerne da questão reside no federalismo e na divisão de competências entre os entes federados. Ela enfatizou que o modelo de Estado federal permite lidar com a crise de saúde levando em consideração as características regionais e implementar medidas adequadas e relevantes em cada localidade, a fim de evitar a desordem jurídica na federação. 8 Artigo 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadorasde deficiência; 27 O Ministro Luiz Fux concordou com a posição do Ministro Alexandre de Moraes, destacando que o artigo 21, XVIII da Constituição Federal, que atribui à União a responsabilidade de planejar ações de saúde pública em situações de calamidade, não exclui a competência dos demais entes federativos. Defendeu, também, que o Supremo Tribunal Federal reconhece a importância de valorizar a legislação local, pois esta pode oferecer medidas protetivas mais eficazes do que as normas federais. No entanto, o Ministro observou que o sistema federativo brasileiro tende a ser centralizador, com uma concentração de competências na União e uma interpretação ampla das competências normativas pelo STF, o que limita a descentralização política e administrativa para Estados e Municípios. Ele destacou que o federalismo no Brasil pode apresentar variações, alternando entre momentos de maior centralização e descentralização, desde que dentro dos limites estabelecidos pela Constituição. O Ministro Ricardo Lewandowski reconheceu que o federalismo no Brasil sempre teve uma característica centralizadora, com a União concentrando muitas competências. Ele ressaltou a ausência de uma hierarquia entre os entes federados e destacou o princípio da subsidiariedade. Segundo o Ministro, esse princípio significa que tudo aquilo que os entes federados menores podem fazer de maneira mais ágil, econômica e eficiente não deve ser realizado pelo ente federado maior. Em outras palavras, defendeu a importância de permitir que os entes federativos menores exerçam suas competências de forma efetiva, respeitando sua autonomia dentro do sistema federativo. No seu voto, a Ministra Carmen Lúcia destacou a relevância do federalismo como um pilar da democracia, permitindo a participação de todos os entes federativos. Ela ressaltou que a competência da União para estabelecer normas gerais não exclui a competência compartilhada dos Estados e Municípios. A Ministra enfatizou que, diante do sofrimento da população, são os prefeitos que estarão mais próximos e aptos a tomar decisões que atendam às necessidades específicas e contingências locais. Portanto, é fundamental preservar a autonomia dos Estados e Municípios na definição das medidas relacionadas aos serviços essenciais. O Ministro Gilmar Mendes reafirmou em seu voto a argumentação apresentada pelo Ministro Alexandre de Moraes sobre o princípio do federalismo cooperativo. Enfatizou que a 28 proteção da saúde, tanto no âmbito administrativo quanto legislativo, é uma responsabilidade compartilhada entre a União, os estados e os municípios. Mendes ressaltou, ainda, que essa competência é tripartite, ou seja, pertence de forma conjunta a esses três entes federativos. Isso destaca a necessidade de cooperação e coordenação entre eles para lidar efetivamente com questões relacionadas à saúde pública. Dessa maneira, confirmou-se, por maioria dos votos, a medida cautelar deferida pelo Relator, Ministro Marco Aurélio. Sendo assim, diante do que foi apresentado, a problemática é solucionada ao concluir que não há que se falar em ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal na decisão proferida, uma vez que não havia lacunas normativas a serem preenchidas. Ao interpretar o texto constitucional, o STF apenas cumpriu sua função típica como guardião da Constituição. Pertinente, portanto, a análise que faz Barroso (2009), no que diz respeito à função do Judiciário: Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia. Nas demais situações, o Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para com o exercício razoável de discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade, segurança jurídica, isonomia e eficiência do sistema. Por fim, suas decisões deverão respeitar sempre as fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionaliade, motivação, correção e justiça. (BARROSO, 2009, p. 21) 5 Conclusão É notório que o fenômeno do ativismo judicial já faz parte da organização político-jurídica brasileira. Não se trata de uma possibilidade teórica, mas de um caminho para que se tomem decisões considerando aspectos que não possuem previsão legislativa. Ao assumir uma postura ativista, cabe ao julgador ponderar diferentes aspectos. Seja para preencher uma lacuna normativa ou fomentar uma expansão às leis, é necessário agir com responsabilidade, uma vez que não se deve decidir para estabelecer seu próprio ponto de vista ou com o intuito de desconsiderar a legislação vigente. 29 Nesse sentido, o ativismo judicial se mostra uma evolução necessária para proteção dos direitos fundamentais, e encontra respaldo no mundo contemporâneo, uma vez que se multiplicam os casos em diversos países do mundo. Entretanto, ainda que sob a prerrogativa ativista, devem-se respeitar os princípios constitucionais e o modelo de tripartição dos poderes, visando a harmonia e manutenção dos princípios liberais. Portanto, é evidente que cabe ao Poder Judiciário se modernizar e estar atento às novas necessidades e tendências, não havendo nenhum benefício em permanecer com os antigos hábitos e costumes. Nesse sentido, o ativismo judiciário na pandemia trouxe à tona importantes reflexões sobre a atuação do Poder Judiciário em momentos de crise. A decisão do STF na ADI 6.341, ainda que não tenha configurado ativismo judicial, reforçou a importância do ajuizamento de medidas de inconstitucionalidade. No caso concreto, a decisão pela autonomia dos governantes locais na tomada de decisões em relação ao enfrentamento da pandemia, respeitando as competências e atribuições de cada ente federativo, foi de extrema importância para o contexto histórico- social do período. Assim, é essencial que o debate sobre o papel do Judiciário e a separação dos poderes seja cada vez mais aprofundado, visando aprimorar o funcionamento do sistema democrático e fortalecer as instituições brasileiras. Além disso, é preciso que seja resguardadas as funções exercidas pelo Supremo Tribunal Federal, cuja atuação é fundamental para preservação do texto legislativo. Dessa forma, poderemos enfrentar crises futuras com mais efetividade e respeito à Constituição e às leis. 30 REFERÊNCIAS BARBOSA, Hélder Fábio Cabral. A efetivação e o custo dos direitos sociais: a falácia da Reserva do possível. Estudos de direito constitucional. Recife: Edupe, 2011. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. 2009. Disponível em: https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/5498. Acesso em 07 mai. 2023. BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2012. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. 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Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 930 ⚫ Prédio 24 ⚫ 1º andar ⚫ Consolação ⚫ São Paulo - SP ⚫ CEP 01302-907 Tel. (11) 2114-8559 - 2766-7171 ⚫ www.mackenzie.br e-mail: fdir.direito@mackenzie.br TERMO DE AUTENTICIDADE DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Eu, Gabriel Anadão Aliende Ribeiro discente regularmente matriculado(a) na disciplina TCC II, da 10ª etapa do curso de Direito, matrícula nº (inserir TIA), período (inserir período), turma (inserir turma), tendo realizado o TCC com o título: ATIVISMO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA: UMA ANÁLISE SOBRE A DECISÃO DO STF NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) 6.341 sob a orientação do(a) Professor(a) Bruno César Lorencini declaro para os devidos fins que tenho pleno conhecimento das regras metodológicas para confecção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), informando que o realizei sem plágio de obras literárias ou a utilização de qualquer meio irregular. Declaro ainda que, estou ciente que caso sejam detectadas irregularidades referentes às citações das fontes e/ou desrespeito às normas técnicas próprias relativas aos direitos autorais de obras utilizadas na confecção do trabalho, serão aplicáveis as sanções legais de natureza civil, penal e administrativa, além da reprovação automática, impedindo a conclusão do curso. São Paulo, 12 de maio de 2023. . Assinatura do discente
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