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1oSemestre/2007 Meteorologia Agrícola 306 Pereira / Angelocci / Sentelhas 1 ZONEAMENTO AGROCLIMATOLÓGICO 21.1. Introdução Nesta terra em se plantando tudo dá! Esta foi a primeira avaliação do potencial agrícola do Brasil e foi feita imediatamente após a chegada de Cabral em nossas terras. Embora essa afirmativa seja uma realidade, sabe-se que não se pode plantar indiscriminadamente qualquer espécie em qualquer lugar. Algumas regiões têm potencial maior que outras. Escassez de energia e alimentos continua sendo um dos principais problemas contemporâneos. Com o aumento da demanda por energia, alimento, e fibras, cada vez mais é prioritário a utilização eficiente dos recursos naturais. A agricultura é o segmento mais importante da cadeia produtiva e é aquele mais dependente das condições ambientais. O ambiente, basicamente clima e solo, controla o crescimento e o desenvolvimento das plantas. Conseqüentemente, as condições ambientais devem ser adequadamente avaliadas antes de se implantar uma atividade agrícola. O primeiro e mais decisivo passo em qualquer planejamento deve ser a identificação de áreas com alto potencial de produção, isto é, áreas onde o clima e o solo sejam adequados para a cultura. O conhecimento do ambiente é decisivo para o desenvolvimento da agricultura produtiva, rentável, e socio- economicamente viável. Das condições do ambiente depende a distribuição da vegetação natural, das culturas e das diferentes atividades agrícolas. Quanto melhor for o conhecimento que se tem das condições ambientais prevalecentes numa região, mais apto se estará para a seleção das culturas mais adequadas, das melhores épocas de plantio/semeadura, das melhores variedades, dos sistemas de cultivo mais racionais, objetivando uma agricultura mais produtiva. Portanto, as condições ambientais devem ser adequadamente levantadas antes de se implantar uma atividade agrícola. Com relação ao clima, para se alcançar produtividade econômica cada cultura necessita de condições favoráveis durante todo o seu ciclo vegetativo, isto é, exigem determinados limites de temperatura nas várias fases do ciclo, de uma quantidade mínima de água, e de um período seco nas fases de maturação e colheita. O atendimento dessas exigências é que fará de uma determinada região ser considerada apta para uma dada cultura. A determinação da aptidão climática de áreas para o cultivo de espécies de interesse agrícola é um dos objetivos mais aplicados da Agrometeorologia, constituindo o zoneamento agroclimático. Como o solo é o outro componente do meio físico que é mais utilizado na agricultura, pode-se fazer a delimitação da aptidão de áreas sob o aspecto edáfico e juntá-la à climática, formando o zoneamento edafoclimático ou zoneamento ecológico das culturas. O denominado zoneamento agrícola envolve o zoneamento ecológico e o levantamento das condições sócio-econômicas das regiões, para delimitar a vocação agrícola das terras. Seria ideal que um zoneamento agroclimático produzisse mapas não somente da aptidão climática das regiões, mas também das épocas mais adequadas de semeadura das espécies anuais. Esse tipo de enfoque já vem sendo utilizado no Brasil, embora a maioria dos zoneamentos agroclimáticos realizados no país tenham se restringido ao mapeamento de aptidão climática, trabalhando com valores médios dos elementos e de índices climáticos, sem levarem em consideração estudos probabilísticos dos mesmos. Outro aspecto é a elaboração do zoneamento, na maioria das vezes, ao nível de espécie, muito mais do que de cultivar/variedade. Apesar dessas restrições, os zoneamentos constituem-se em ferramenta de grande utilidade no planejamento de uso das terras, principalmente em escala regional. 21.2. Metodologias para a elaboração do zoneamento agroclimático O zoneamento climatológico, numa primeira aproximação, se preocupa com o macroclima, isto é, com o clima do município, que é determinado pelas observações obtidas em postos meteorológicos padronizados. Tais observações, por serem feitas em condições padronizadas, permitem a comparação de climas de diferentes regiões. Obviamente, a cultura cria seu próprio microclima, que resulta da interação das plantas com o macroclima. Mesma cultivar plantada em espaçamentos diferentes cria microclimas diferentes, que resultarão em problemas e manejos diferentes. O macroclima não pode ser mudado para se adequar às necessidades do cultivo. No entanto, dentro do clima regional o agricultor pode escolher as nuances do relevo (topoclima) que melhor acomoda uma dada cultura. Isto envolve planejamento da propriedade agrícola e deve ser feito localmente, por especialista daquela cultura. O zoneamento macroclimático não entra em detalhes topoclimáticos; pois esta é uma função do agrônomo regional e do produtor rural, e depende de análise das condições de cada fazenda. O zoneamento climatológico é, em geral, o primeiro a se considerar. O clima talvez seja o fator mais importante na determinação do potencial agrícola de uma região. O macroclima de uma região pode ser considerado praticamente invariável e característico no decorrer de algumas décadas. Uma determinada espécie encontra aptidão climática, para cultura comercial, em uma região, em função das condições normais do clima. O agricultor, eventualmente, pode corrigir certas deficiências, como a falta de água, ou se utilizar de recursos para reduzir os efeitos de elementos adversos (geadas, granizos, ventos fortes), mas não consegue cultivar economicamente espécies não adaptadas ao clima. Os passos para a elaboração do zoneamento agroclimático de uma grande região envolvem a definição dos objetivos, a escala geográfica do estudo, a caracterização das exigências climáticas das culturas a serem zoneadas, o 1oSemestre/2007 Meteorologia Agrícola 306 Pereira / Angelocci / Sentelhas 2 levantamento climático da região estudada com confecção de cartas climáticas básicas e o preparo das cartas finais do zoneamento. Os três últimos passos são discutidos a seguir. 21.2.1. Caracterização das Exigências Climáticas das Culturas Disponibilidade energética e de água são os dois fatores físicos de ordem edafoclimática a determinar o crescimento e o desenvolvimento das plantas, e portanto a sua produtividade. O estudo das relações entre esses fatores e os processos biofísicos que ocorrem no sistema solo-planta, e entre esses processos e os de crescimento/desenvolvimento vegetal é o objetivo de inúmeras pesquisas em microclimatologia e de modelagem matemática e fisiológica do crescimento de plantas. Entretanto, a aplicação desses resultados no zoneamento agroclimático não é feita por esse não tratar da escala microclimática. Torna-se mais prático caracterizar as exigências climáticas a partir de índices que utilizam os elementos meteorológicos como a temperatura do ar, a insolação e a precipitação, ou por variáveis obtidas do balanço hídrico no solo. Na caracterização através de índices biometeorológicos, pode-se utilizar o índice térmico (graus-dia), o índice biofototérmico de Robertson (1968), que emprega temperatura do ar e fotoperíodo, o índice de Primault (1969), que utiliza graus-dia, insolação e precipitação, o número de horas de frio para as frutíferas de clima temperado, entre outros. Esses índices têm sido empregados para a delimitação de áreas climaticamente aptas às culturas. Por exemplo, o uso de grau-dia para determinar as áreas mais adaptadas para o cultivo do milho assim como para determinar as épocas de semeadura mais adequadas foi utilizado no Canadá (Robertson, 1968). O índice de Primault foi usado na Suíça para regionalizar as áreas aptas à cultura do trigo (Primault, 1969), e o índice fototérmico para regionalizar áreas mais indicadas às culturas de soja na Argentina (Pascale et al., 1973). Os zoneamentos agroclimáticos realizados no Brasil têm utilizado principalmente a temperatura do are as variáveis resultantes do balanço hídrico climatológico normal (evapotranspiração potencial e real, deficiência hídrica, excedente hídrico), embora índices bioclimáticos às vezes tenham sido usados, como número de horas de frio para o zoneamento de frutíferas de clima temperado em Santa Catarina (Ide et al., 1978). No estabelecimento dessas exigências, consulta-se a bibliografia referente às relações do crescimento/desenvolvimento da cultura e essas variáveis. O conhecimento da fenologia e características da cultura, como época de crescimento , duração do ciclo e das fases fenológicas e os períodos críticas, mais susceptíveis às condições adversas do clima, são muito importante. Outra providência é verificar as condições climáticas da região de origem da cultura, que indicam as suas exigências, assim como das regiões onde a cultura encontra-se adaptada. Informações pessoais de especialistas na cultura são importantes, pois podem indicar a resposta da mesma frente a situações extremas de temperatura e de deficiência hídrica. Com esse levantamento, é possível estabelecer critérios que definem os limites de exigência climática da cultura. Tomar-se-á como exemplo os critérios de exigências quanto a temperatura do ar e variáveis do balanço hídrico utilizados no zoneamento agroclimático da cana-de-açúcar por Camargo et al. (1977). Essa cultura é originária da Ásia, mas tem cultivo comercial em regiões dos Estados Unidos e da Argentina, nas Antilhas e no Brasil. O caso dos dois primeiros países é interessante, porque o cultivo é feito em áreas características que talvez apresentem condições climáticas limitantes ao crescimento satisfatório da cultura. Análises do balanço hídrico e das condições térmicas dessas regiões indicaram que a cana-de-açúcar exige temperaturas elevadas e período sem restrição hídrica durante o crescimento vegetativo, enquanto que no período de maturação o repouso fisiológico, causado por seca e temperatura amena, favorece o aumento de teor de sacarose. Em função disso, Camargo et al. (1977) estabeleceram no zoneamento agroclimático da cana-de-açúcar para o Brasil (Figura 21.1) que as zonas aptas (A) são aquelas com temperatura média anual entre 20 e 24oC, com deficiência hídrica anual menor que 200 mm, pois essas condições nos meses mais quentes são satisfatórias para o crescimento vegetativo, sem ocorrência de temperaturas excessivamente baixas no período de repouso. Nas zonas com temperaturas médias anuais entre 18 e 20oC e do mês de julho menor que 18oC, com deficiência hídrica anual menor que 200 mm, foram consideradas marginais (B) por restrição térmica, o mesmo acontecendo com aquelas com deficiência hídrica anual entre 200 e 400 mm, por restrição hídrica (C). A região noroeste do Amazonas, com temperatura média anual acima de 24oC e sem deficiência hídrica foi considerada marginal a inapta, por falta de estação de repouso (D). As regiões com deficiência hídrica anual maior que 400 mm, e aquelas com temperaturas média anual menor que 18oC ou menor que 14oC no mês de julho, foram consideradas inaptas, respectivamente por deficiência hídrica excessiva (E) e por insuficiência térmicas e geadas severas (F). 21.2.2. Elaboração de Cartas Climáticas Básicas Com base em séries climáticas confiáveis, são elaboradas as cartas climáticas básicas das variáveis a serem empregadas, sejam de índices bioclimáticos, sejam de elementos como a temperatura do ar (cartas de isotermas anuais, mensais, etc.), de umidade relativa ou de variáveis do balanço hídrico (Figuras 21.2). Essas cartas podem ser confeccionadas por interpolação com auxílio de sistema de informações geográficas ou, no caso de temperatura do ar, pelo uso das equações que relacionam esse elemento com as coordenadas geográficas (ver Capítulo 6) e de uma carta hipsométrica (linhas de altitude). O refinamento final dessas cartas pelo climatologista é fundamental, pois a 1oSemestre/2007 Meteorologia Agrícola 306 Pereira / Angelocci / Sentelhas 3 interpolação é aproximada, muitas vezes necessitando de um ajuste que somente o especialista pode realizar em função dos seus conhecimentos. Figura 21.1. Zoneamento agroclimático da cultura da cana-de-açúcar. Fonte: Camargo et al. (1977) 21.2.3. Elaboração das Cartas de Zoneamento Com a sobreposição das cartas climáticas básicas e o conhecimento das exigências da cultura a ser zoneada, são elaboradas as cartas de aptidão climática, definindo-se: a) áreas aptas, sem restrição térmica ou hídrica; b) inaptas (sem atendimento das exigências térmicas ou hídricas); c) marginais, onde as restrições não são totalmente limitantes ao cultivo, podendo ser utilizadas se os solos forem profundos ou se a irrigação for economicamente viável, no caso de deficiência hídrica, ou se houver variedades resistentes ou adaptadas nos casos da limitação ser térmica ou hídrica. As cartas podem sofrer diferentes tratamentos gráficos. Mapas envolvendo restrições devido à ocorrência de condições ecológicas favoráveis às doenças também podem ser elaborados de forma suplementar; como, por exemplo, para o cancro cítrico no estado de São Paulo (Camargo et al., 1974) e para o mal-das-folhas da seringueira no Brasil (Ortolani et al., 1986). Outra possibilidade é o estudo probabilístico das melhores datas de semeadura obtidas a partir de modelos agrometeorológicos (ver Capítulo 20) para as áreas consideradas aptas, como mostra Figura 21.3 extraída de Wrege et al. (1997). 21.3. Considerações Finais As condições ambientais são fundamentais ao sucesso das atividades agrícolas e, portanto, devem ser adequadamente acessadas. 1oSemestre/2007 Meteorologia Agrícola 306 Pereira / Angelocci / Sentelhas 4 O zoneamento agroclimático se preocupa com o macroclima, isto é, com o clima do município, que é determinado pelas observações obtidas em postos meteorológicos padronizados. No entanto, dentro do clima regional estão os topoclimas e os microclimas, que são estabelecidos, pelo relevo local e pela cobertura do terreno. O zoneamento agroclimático feito a nível macroclimático não entra em detalhes topo e microclimáticos. Considerar essas duas escalas do clima é, nesse caso, função do agrônomo e do agricultor, pois depende da análise da condição da fazenda. O zoneamento agroecológico é um instrumento de orientação e suporte técnico, devendo ser simples e de fácil compreensão para ser de utilidade. Deve ficar claro quais são os impedimentos das áreas marginais e inaptas, pois, com o melhoramento genético podem surgir variedades resistentes/tolerantes, sendo possível a sua utilização em áreas marginais. Portanto, o zoneamento agroecológico não é definitivo, sendo passível de mudanças e revisões com o tempo. Figura 21.2. Isotermas do Estado de Santa Catarina. Fonte: Ide et al. (1978) Figura 21.3. Zoneamento por épocas de semeadura do milho no Estado do Paraná. (Fonte: Wrege et al., 1997). 16 16 17 19 20 18 17 16 15 16 15 19 19 18 17 20 13 16 15 14 15 17 19 18
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