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UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO FAKE NEWS E O SUPORTE SOCIAL AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CAROLINE CORADASSI ALMEIDA SANTOS Orientador: Prof. Dr. Edson Ronaldo Guarido Filho Tese de Doutorado CURITIBA – PR 2023 UNIVERSIDADE POSITIVO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO FAKE NEWS E O SUPORTE SOCIAL AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CAROLINE CORADASSI ALMEIDA SANTOS Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Positivo como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em Administração. Aprovada pela seguinte comissão examinadora: ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Edson Ronaldo Guarido Filho, Universidade Positivo - UP, Orientador. ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Tomas de Aquino Guimarães, Universidade de Brasília - UNB, Examinador Externo. ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Samir Adamoglu de Oliveira, Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Examinador Externo. ______________________________________________________________________ Prof. Dra. Maria Tereza Uilie Gomes, Universidade Positivo - UP, Examinador Interno. ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Gustavo Alves de Lara, Universidade Positivo - UP, Examinador Interno. CURITIBA – PR, 23 de março de 2023. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Central - Universidade Positivo - Curitiba - PR S237 Santos, Caroline Coradassi Almeida. Fake news e o suporte social ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal / Caroline Coradassi Almeida Santos. ― Curitiba : Universidade Positivo, 2023. 176 f. ; il. Tese (Doutorado) – Universidade Positivo, Programa de Pós-Graduação em Administração, 2023. Orientador: Prof. Dr. Edson Ronaldo Guarido Filho. 1. Legitimidade. 2. Reputação. 3. Confiança. 4. Tribunais. 5. Administração da justiça. I. Guarido Filho, Edson Ronaldo. II. Título. CDU 65:34 Dedico este trabalho aos meus pais. AGRADECIMENTOS A Deus. À minha família, por me dar o suporte emocional necessário durante a jornada de aprendizado, de crescimento, mas também de dificuldades. Agradeço especialmente ao meu esposo e aos meus pais. Ao PPGA/UP, por permitirem meu ingresso e a vivência de todo esse processo. Foram dias enriquecedores e momentos compartilhados com um grupo de docentes dedicados e atenciosos. Ao meu orientador, Prof. Dr. Edson Ronaldo Guarido Filho, por todo apoio, dedicação, orientações e, sobretudo, os desafios, que tanto me fizeram evoluir como profissional e pessoa, obrigada! Também agradeço ao Prof. Dr. conversas, spela ,Samir Adamoglu de Oliveira imento da minha orientações e trocas, pois permitiram reflexões essenciais para o desenvolv ajudou a e que contribuiu ,Mario Procopiuk Prof. Dr.ao sou grata ,pesquisa. Da mesma forma pesquisa. àvinculados compreender aspectos necessários melhor Aos amigos Ana Claudia de Batista Fernandes, Bruno Batista de Carvalho Luz, Carolina Fátima de Souza Alves, Fabieli Fernandes Campos Higashiyama, Josiane Santiago e Rafael Carvalho Machado, que foram extremamente importantes neste momento, contribuindo imensamente em todas as fases do processo de doutoramento. Aos professores e amigos da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), Jéssica de Castro, Marcos de Castro e Luciano Ferreira de Lima, pois despertaram em mim a possibilidade de cursar o doutorado e contribuíram com a minha trajetória acadêmica desde o mestrado. À minha amiga, Roseli Machado, aquela que sempre esteve comigo desde o início da minha jornada acadêmica. Eu agradeço imensamente por sua constante presença, por me ouvir e me dar conselhos valiosos. Sinto-me abençoada por ter você como uma amiga tão incansável e dedicada. Muito obrigada por tudo o que você fez e faz por mim. Aos professores da banca de qualificação e defesa, Prof. Dr. Samir Adamoglu de Dr. e Prof. Tomas Aquino GuimaraesProf. Dr. ,Maria Tereza Uille Gomes ªDr. ªProf. Oliveira, . Luiz Gustavo Alves de Lara RESUMO Esta pesquisa aborda como as organizações da justiça em contexto de fake news respondem aos efeitos sobre o suporte social que influenciam o contexto institucional. O objetivo foi analisar como a relação entre fake news e o suporte social de organizações da justiça influenciou o arranjo institucional diante das reações manifestadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil, no período de 2018 a 2022. Para tanto, foram realizados três estudos. O primeiro discutiu acerca das fake news como componente que faz parte do ambiente das organizações da justiça, em especial, o âmbito eleitoral, por isso, a escolha pelo TSE e STF. A intenção foi compreender como as fake news afetam as organizações da justiça e quais são as possíveis consequências quando essas instituições são objeto direto ou indireto das notícias. As fake News, como parte do contexto de influência indireta de organizações da justiça, estão no debate público e, nele, pode haver referências às organizações- objeto. Buscou-se também mapear o debate público em torno das fake news e a sua relação com aspectos ligados à jurisdição das organizações-objeto: quem são as vozes (atores), quais os frames e como a organização-objeto participa é representada nesse debate. A ideia foi mapear o debate em nível de campo. Além disso, entende-se também o contexto de influência direta sobre organizações da justiça. Nesse caso, a organização é alvo e objeto das fake news. Não se trata de definir, a priori, o que é ou não fake news, mas de mapear o que é apresentado como tal pela própria organização-objeto ou por outros atores do campo. Este primeiro estudo teórico- empírico evidenciou que o contexto das fake news tem elementos que desestabilizam (ou tem um potencial desestabilizador) o suporte social das organizações da justiça, tais como a quebra de confiança, o questionamento sobre legitimidade e as indagações em nível organizacional e institucional. O segundo estudo descreveu as reações das organizações da justiça e seu efeito no arranjo institucional. As fake news provocam reações que se dão em dois níveis, quando objeto ou não, de forma direta e indireta, e em duas formas de expressão de defesa: da organização e da instituição. Partindo da premissa que as fake news ameaçam o suporte social dos tribunais superiores, que são organizações institucionalizadas e têm capital institucional acumulado e, por isso, suas reações às tensões sobre o suporte social são específicas, foi necessário descrever e tipificar tais reações. O terceiro estudo analisou quais as mudanças no arranjo institucional associadas à ocorrência das fake news, construindo-se uma análise sobre as implicações e possíveis mudanças no contexto institucional mediante aquilo que os artigos (i), (ii) e (iii) encontraram. Por fim, foram articulados os demais, visando a explicitar mecanismos que explicam a mudança institucional à luz das reações manifestadas pelo TSE e STF diante da ocorrência de fake news que tensionam seu suporte social. Entende-se que organizações institucionalizadas estão sujeitas à avaliação social e têm mais capital institucionalpara mudar as estruturas institucionais. Palavras-chave: legitimidade; reputação; confiança; tribunais; administração da justiça. ABSTRACT This research addresses how justice organizations in the context of fake news respond to the effects on social support that influence the institutional context. The objective was to analyze how the relationship between fake news and social support of justice organizations influenced the institutional arrangement in the face of reactions manifested by the Brazilian Federal Supreme Court (STF) and the Superior Electoral Court (TSE) from 2018 to 2022. For this purpose, three studies were conducted. The first discussed fake news as a component that is part of the environment of justice organizations, particularly in the electoral scope, which is why TSE and STF were chosen. The intention was to understand how fake news affects justice organizations and what possible consequences there are when these institutions are the direct or indirect object of the news. Fake news, as part of the context of indirect influence on justice organizations, are in the public debate, and references to the object organizations may be made therein. The aim was also to map the public debate around fake news and its relationship with aspects related to the jurisdiction of the object organizations: who are the voices (actors), what are the frames, and how the object organization participates and is represented in this debate. The idea was to map the debate at the field level. In addition, the context of direct influence on justice organizations was also understood. In this case, the organization is the target and object of fake news. It is not about defining a priori what is or is not fake news, but about mapping what is presented as such by the object organization itself or by other actors in the field. This first theoretical-empirical study showed that the context of fake news has elements that destabilize (or have a potential for destabilization) the social support of justice organizations, such as the breakdown of trust, questioning of legitimacy, and inquiries at the organizational and institutional levels. The second study described the reactions of justice organizations and their effect on the institutional arrangement. Fake news provokes reactions that occur at two levels, when they are the direct or indirect object, and in two forms of defense expression: of the organization and of the institution. Starting from the premise that fake news threatens the social support of the higher courts, which are institutionalized organizations and have accumulated institutional capital, and therefore their reactions to tensions on social support are specific, it was necessary to describe and typify such reactions. The third study analyzed the changes in the institutional arrangement associated with the occurrence of fake news, constructing an analysis of the implications and possible changes in the institutional context based on what articles (i), (ii), and (iii) found. Finally, the remaining studies were articulated to explain the mechanisms that explain institutional change considering the reactions manifested by TSE and STF in the face of the occurrence of fake news that tension their social support. It is understood that institutionalized organizations are subject to social evaluation and have more institutional capital to change institutional structures. Key words: judiciary, judicial performance, court management, judges. RESUMEN Esta investigación aborda cómo las organizaciones de justicia en el contexto de las noticias falsas responden a los efectos sobre el apoyo social que influyen en el contexto institucional. El objetivo fue analizar cómo la relación entre las noticias falsas y el apoyo social de las organizaciones de justicia influyó en el arreglo institucional ante las reacciones manifestadas por el Supremo Tribunal Federal (STF) y el Tribunal Superior Eleitoral (TSE) en Brasil, en el período de 2018 a 2022. Para ello, se realizaron tres estudios. El primero discutió sobre las noticias falsas como componente que forma parte del entorno de las organizaciones de justicia, en especial en el ámbito electoral, por lo que se eligió el TSE y el STF. La intención fue comprender cómo las noticias falsas afectan a las organizaciones de justicia y cuáles son las posibles consecuencias cuando estas instituciones son objeto directo o indirecto de las noticias. Las noticias falsas, como parte del contexto de influencia indirecta de las organizaciones de justicia, están en el debate público y en él puede haber referencias a las organizaciones-objeto. También se buscó mapear el debate público en torno a las noticias falsas y su relación con aspectos relacionados con la jurisdicción de las organizaciones-objeto: quiénes son las voces (actores), cuáles son los marcos y cómo participa o es representada la organización-objeto en este debate. La idea fue mapear el debate a nivel de campo. Además, se entiende también el contexto de influencia directa sobre las organizaciones de justicia. En este caso, la organización es el blanco y objeto de las noticias falsas. No se trata de definir de antemano qué es o no es una noticia falsa, sino de mapear lo que es presentado como tal por la propia organización- objeto u otros actores del campo. Este primer estudio teórico-empírico evidenció que el contexto de las noticias falsas tiene elementos que desestabilizan (o tienen un potencial desestabilizador) el apoyo social de las organizaciones de justicia, como la ruptura de la confianza, el cuestionamiento de la legitimidad y las interrogantes a nivel organizacional e institucional. El segundo estudio describió las reacciones de las organizaciones de justicia y su efecto en el arreglo institucional. Las noticias falsas provocan reacciones que ocurren en dos niveles, ya sea como objeto directo o indirecto, y en dos formas de expresión de defensa: de la organización y de la institución. Partiendo de la premisa de que las noticias falsas amenazan el apoyo social de los tribunales superiores, que son organizaciones institucionalizadas y tienen capital institucional acumulado, y por lo tanto sus reacciones a las tensiones sobre el apoyo social son específicas, fue necesario describir y tipificar tales reacciones. El tercer estudio analizó qué cambios en el arreglo institucional están asociados con la ocurrencia de noticias falsas, construyendo un análisis sobre las implicaciones y posibles cambios en el contexto institucional en función de lo encontrado en los artículos (i), (ii) y (iii). Finalmente, se articularon los demás, con el objetivo de explicitar los mecanismos que explican el cambio institucional a la luz de las reacciones manifestadas por el TSE y STF frente a la ocurrencia de noticias falsas que tensionan su apoyo social. Se entiende que las organizaciones institucionalizadas están sujetas a la evaluación social y tienen más capital institucional para cambiar las estructuras institucionales. Palabras llave: legitimación; Soporte; confianza; tribunales; administración de justicia. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Elementos importantes na manutenção da reputação e confiança..................................29 Figura 2 Modelo teórico...............................................................................................................44 Figura 3 Resumo do percurso da pesquisa...................................................................................49 Figura 4 Palavras mais citadas em documentos da CPMI e do Inquérito das fake news.............65 Figura 5 Fake news e eleições......................................................................................................66 Figura 6 Fake news no Brasil e no mundo...................................................................................66 Figura 7 Contexto de fake news envolvendo TSE e STF.............................................................72Figura 8 Participação das agências de fact-cheking no contexto de fake news envolvendo TSE e STF... ...............................................................................................................73 Figura 9 Implicações das fake news sobre o suporte social.........................................................85 Figura 10 Principais reações e enfrentamento às fake news........................................................92 Figura 11 Comportamento das reações ao longo dos anos..........................................................94 Figura 12 Principais tipos de propostas incluídas nos Projetos de Lei .......................................95 Figura 13 Principais propostas presentes nos Projetos de Lei para combater as fake news........98 Figura 14 Teor das jurisprudências sobre fake news..................................................................100 Figura 15 Suporte Social ...........................................................................................................123 Figura 16 Modelo de mudança institucional..............................................................................137 Figura 17 Modelo de alteração do arranjo institucional.............................................................138 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Classificação dos etapas que compõem a pesquisa ................................................... 15 Tabela 2 Fonte de dados ......................................................................................................... 500 Tabela 3 Procedimentos de coleta ............................................................................................ 51 Tabela 4 Dados coletados parte 1 ............................................................................................. 52 Tabela 5 Dados coletados parte 2 ............................................................................................. 53 Tabela 6 Tabela de Processo de Classificação das Fake News ................................................ 54 Tabela 7 Categorias, significados e condições - Parte 1 ........................................................... 56 Tabela 8 Categorias, significados e condições - Parte 2 ........................................................... 57 Tabela 9 Fake News e termos correlatos .................................................................................. 61 Tabela 10 Segmentos codificados ............................................................................................ 64 Tabela 11 Segmentos codificados sobre conceito de fake news ............................................... 67 Tabela 12 Segmentos codificados sobre operacionalização das fake news .............................. 68 Tabela 13 Configuração do debate público envolvendo TSE e STF ........................................ 71 Tabela 14 Frames e suas tensões sobre suporte social ............................................................. 75 Tabela 15 Implicações do debate .............................................................................................. 86 Tabela 16 Reações ao fenômeno das fake news ....................................................................... 92 Tabela 17 Determinação judicial e o teor da reclamação ....................................................... 101 Tabela 18 Desdobramentos das reações ................................................................................. 124 Tabela 19 Decisões/ Jurisprudências em destaque ................................................................. 173 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 1.1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA: A COMPLEXIDADE DAS FAKE NEWS ....................................... 13 1.1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................................................... 14 1.3 OBJETIVOS DE PESQUISA E ESTRUTURA DA TESE .............................................................. 14 1.3.1 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 14 1.3.2 DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS QUE COMPÕEM A PESQUISA ...................................................... 15 1.4 JUSTIFICATIVA TEÓRICA E PRÁTICA .................................................................................. 19 2 PERCURSO TEÓRICO: COMPLEXIDADE DAS INSTITUIÇÕES, SUPORTE SOCIAL E MUDANÇA INSTITUCIONAL ........................................................................ 22 2.1 ANÁLISE INSTITUCIONAL ................................................................................................... 22 2.2 SUPORTE SOCIAL ................................................................................................................ 26 2.3 MUDANÇA INSTITUCIONAL ................................................................................................ 33 2.4 O OBJETO DE ESTUDO: AS FAKE NEWS EM UM RESGATE HISTÓRICO ................................ 37 2.5 INTEGRAÇÃO ENTRE CONCEITOS ....................................................................................... 39 3 MÉTODO ............................................................................................................................. 44 3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA ......................................................................................... 44 3.2 CATEGORIAS ANALÍTICAS E DEFINIÇÕES .......................................................................... 45 3.2.1 DEFINIÇÃO DE OUTROS TERMOS RELEVANTES .................................................................. 46 3.3 DELIMITAÇÃO E DESIGN DA PESQUISA ................................................................................. 47 3.4 ETAPAS DE PROJETO E PESQUISA ....................................................................................... 48 3.4.1 ETAPA EXPLORATÓRIA ...................................................................................................... 48 3.4.2 ETAPA DESCRITIVA ........................................................................................................... 49 3.4.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS ......................................................................... 50 3.4.3.1 Critérios de inclusão parte 1 ......................................................................................... 53 3.4.4 PROCEDIMENTOS DE TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................. 55 3.5 LIMITAÇÕES DA PESQUISA ................................................................................................. 57 4 A OCORRÊNCIA DE FAKE NEWS E AS TENSÕES SOBRE O SUPORTE SOCIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE) E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) .................................................................................................................... 59 4.1 FAKE NEWS, AGENDA SETTING E SUPORTE SOCIAL: CONCEITO E POSSIBILIDADES ........... 60 4.2 FAKE NEWS NO CONTEXTO DOS TRIBUNAIS ....................................................................... 63 4.3 O FENÔMENO E AS PRESSÕES SOBRE AS INSTITUIÇÕES ..................................................... 74 4.4 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS ................................................................................ 84 5 FAKE NEWS E AS REAÇÕES MANIFESTADAS PELOS TRIBUNAIS .................... 88 5.1 AS REAÇÕES DEMONSTRADAS PELOS TRIBUNAIS .............................................................. 91 5.1.1 REAÇÕES DIRETAS .......................................................................................................... 102 5.1.2 REAÇÕES INDIRETAS ....................................................................................................... 104 5.2 APROFUNDAMENTO TEMÁTICO SOBRE REAÇÕES MANIFESTADAS PELOS TRIBUNAIS .... 109 5.3 IMPLICAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS ..............................................................................122 6 A MUDANÇA INSTITUCIONAL À LUZ DAS REAÇÕES MANIFESTADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DIANTE DA OCORRÊNCIA DE FAKE NEWS QUE TENCIONAM SEU SUPORTE SOCIAL ................................................................................................................................. 127 6.1 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES ............................................................................................. 128 6.2 EFEITOS DAS FAKE NEWS SOBRE O SUPORTE SOCIAL E MUDANÇA INSTITUCIONAL ........ 131 6.2.1 MUDANÇAS INSTITUCIONAIS IDENTIFICADAS A PARTIR DO CONTEXTO DE FAKE NEWS NO ÂMBITO ELEITORAL ................................................................................................................. 133 6.3 IMPLICAÇÕES E MUDANÇAS NO ARRANJO INSTITUCIONAL-LEGAL ...................................... 137 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 153 7.1 ALCANCE DOS OBJETIVOS ................................................................................................ 155 7.2 INDICAÇÃO DE NOVOS ESTUDOS ....................................................................................... 160 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 162 ANEXO 1. JURISPRUDÊNCIAS EM DESTAQUE ......................................................... 173 ANEXO 2. REFERÊNCIA LEGISLATIVA EM DESTAQUE ....................................... 176 11 1 Introdução Diante da revolução comunicacional e tecnológica, o fenômeno das fake news é capaz de produzir efeitos relacionados ao momento de apropriação de verdades construídas, disputadas e conceituais. Não se trata apenas de algo ser verdadeiro ou não, mas daquilo que é veiculado como uma notícia ou um fato e, consequentemente, visualizado, compartilhado e interpretado pelo público. Assim como os conhecimentos científicos podem ser verdades temporárias mediante novas descobertas, essa lógica tem sido adotada e aplicada às fake news como disputa narrativa que explicita o conceito de construção baseada em uma significante experiência em compreender os efeitos da verdade. Esses, por sua vez, corroboram ou contrariam crenças, o que, de certo modo, pode representar uma ameaça ao contexto social e produzir assimetrias, injustiças e mudanças (Giddens, 2003). Discorrer sobre o problema de notícias falsas não parece algo novo, embora tenha uma configuração diferente na atualidade em relação ao passado. A diferença está em uma questão de massa, isto é, na elevada produção de notícias fraudulentas que se beneficiam de várias formas. No entanto, as fake news não só produzem um efeito sobre as organizações que são seu alvo, mas também provocam reverberações que vão além do seu objeto, gerando consequências para a sociedade como um todo, a exemplo de uma mudança na interpretação da democracia, uma alteração nas regras eleitorais ou até nos limites sociais em torno do que é ou não censurado. Enfim, elementos importantes são afetados por esse contexto. As fake news estão presentes no contexto institucional dos tribunais e têm provocado diversos efeitos. As organizações são, ao mesmo tempo, atores e alvo; elas reagem, e a sua atitude interfere no contexto institucional, criando interpretações e regras, o que permite um movimento de reconfiguração. Entende-se que esta proposta constrói uma análise que envolve as organizações e o ambiente, em específico, uma avaliação institucional de um contexto que é permeado por um elemento de recente destaque, as fake news. Trata-se, desse modo, de uma investigação da relação entre a organização versus o ambiente diante do fenômeno das fake news, as quais influenciam o suporte social. O termo suporte social representa manifestações de apoio público às organizações da justiça e é averiguado operacionalmente em torno de avaliações em nível institucional e organizacional, tais como a legitimidade, a reputação e a confiança. 12 Os tribunais enfrentam um problema institucional e real que está presente no dia a dia da sociedade. Frequentemente, vemos o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em meio a um debate público envolvendo as fake news, como ocorre em situações relacionadas ao processo eleitoral. Os tribunais, diante de questionamentos e notícias fraudulentas, têm reagido por meio de ações, de processos, de inquéritos, de amplos debates, de seminários, de projetos de lei e de novas ferramentas que estão sendo implantadas nessas organizações em decorrência do fenômeno, por isso, a necessidade em compreendê-lo. Um caso recente no Brasil ocorreu em 2018, quanto o TSE foi alvo de campanha que questionava a credibilidade do resultado das eleições e do funcionamento das urnas eletrônicas, que, em tese, poderiam comprometer um ativo da democracia. A justiça eleitoral estava sendo questionada, ou seja, implicações sobre a avaliação social e a sua legitimidade. Aqui cabe uma ressalva; deve-se entender que o TSE, além de uma organização, é uma instituição dotada de dois papéis e tida como ambígua, pois atua em nível operacional e de justiça. As eleições representam a renovação de um ritual democrático, o TSE tem um funcionamento que compreende questões jurisdicionais sobre as candidaturas e a prestação de contas, em seu papel de administrar as eleições. Então, tem-se notado um movimento de reação de diversas organizações, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em 2019, promoveu um debate sobre a busca de possíveis soluções institucionais, de mecanismos para minimizar o efeito do fenômeno sobre a democracia, de questões envolvendo os próprios valores democráticos, a reputação e o processo eleitoral. Outros exemplos, em 2020, envolveram o inquérito das fake news, que teve amplo debate no poder judiciário em função dos ataques a autoridades e instituições, além de campanhas realizadas pelo CNJ e pelo TSE para combater as notícias falsas. Em suma, todos esses exemplos demonstram a vulnerabilidade do suporte social dos tribunais. A discussão sobre as fake news chegou ao âmbito político e jurídico por meio de notícias cuja intenção é gerar dano a outrem, indivíduos e/ou organizações, e ao apoio social que têm. Nesse contexto, surge a necessidade de regulamentar o uso de plataformas como intuito de impedir que notícias inverídicas, fora de contexto ou com a intenção de gerar dano perturbem a vida em sociedade. A questão da regulação é outro desafio que se apresenta aos tribunais. Existe um esforço nacional e internacional para se conquistar tal regulamentação. Entretanto, trata-se de um espaço público que é constituído por relações de direito privado. Isso pode ser exemplificado quando alguém celebra um contrato com empresas como o Facebook; ao assinar os termos de uso e de compromisso, estabelece-se, em primeiro plano, uma relação bilateral 13 contratual, mas se gera um efeito na produção de conteúdo em um espaço público permeado pelo princípio da liberdade de expressão. Diante do que foi exposto, entendemos, nesta pesquisa, o fenômeno das fake news como um elemento que tem demonstrado novas formas e configurações de disseminar conteúdos e informações sobre os mais diversos temas, inclusive no âmbito eleitoral e dos tribunais, o que nos motiva a melhor compreendê-lo esse. 1.1 Definição do problema: a complexidade das fake news Os tribunais, ao longo do tempo, têm participado de forma direta e indireta em debates públicos que, por vezes, questionam suas decisões e ações e são caracterizados por uma tensão e uma avaliação social. Recentemente, protestos contra o STF e, também, ações de outros tribunais, não só no Brasil, mas em diversas regiões do mundo, têm suscitado discussões sobre a imagem e o papel dos tribunais, a fimde compreender como as organizações que mantêm o estado democrático, o poder moderador e a longevidade constitucional sofrem com questões que impactam seu suporte social. Assim sendo, argumenta-se em favor de uma análise baseada em um conjunto de dados que se distribui em um modelo de investigação tridimensional incluindo a legitimidade, a reputação e a confiança. A intenção não é criar conceitos, mas relacioná-los de tal forma que possam qualificar o estado de resguardo ou não das ações apresentadas por tribunais, caracterizando o que está em jogo na perda ou no ganho de suporte social, em diferentes níveis que correspondem à consolidação de uma busca social democrática envolvendo não apenas elementos de legitimidade, de reputação e de confiança, mas também socioeconômicos e culturais, além de mecanismos que impulsionam a mudança institucional decorrente do fenômeno das fake news. Ressalta-se que este estudo tem como lócus as organizações TSE e STF, as quais, além do nível organizacional, estão associadas ao nível institucional, pois tomam o processo de legitimação para justificar a sua existência, por isso, dependem de ações, de normas, de valores e de procedimentos adotados em convergência com estruturas sociais (Dowling & Pfeffer, 1975). Assim, os esforços discursivos promovidos em prol da defesa ou até mesmo do questionamento dessas organizações merecem atenção. Neste caso, utilizam-se das fake news como elemento do debate público que pode gerar efeito sobre o suporte social e mudanças institucionais. 14 A proposta deste estudo tem o olhar voltado aos Tribunais Superiores no âmbito eleitoral, em específico o TSE e o STF, por serem organizações institucionalizadas, cujas funções não se restringem ao elemento organizacional, mas também detêm uma função institucional prevista que pode influenciar o contexto social. Destaca-se o contexto dessas organizações devido à autoridade e à responsabilidade que têm para provocar mudanças. 1.1.2 Formulação do problema Esta investigação é conduzida pela seguinte problematização: Como a relação entre as fake news e o suporte social de organizações da justiça influenciou o arranjo institucional legal em face das reações manifestadas pelo TSE e pelo STF no Brasil, no período de 2018 a 2022? Em virtude dessa problemática, procura-se demonstrar que existem fake news no âmbito de organizações da justiça e que elas influenciam seu suporte social. As organizações da justiça estão institucionalizadas com forte capital institucional, mas isso não as torna imune ao fenômeno das notícias inverídicas. Em defesa de sua condição institucional, tomam ações para proteger a si ou a própria jurisdição, cujas manifestações têm potencial relevante e podem influenciar o contexto. Um ataque às organizações da justiça pode ser lido de duas formas: uma investida contra a organização ou contra a instituição, mas é a organização quem reage para defender e cumprir com a missão institucional. Diante do exposto, o objetivo da pesquisa é analisar como a relação entre a ocorrência de fake news e tensões sobre suporte social ao TSE e ao STF influenciou o arranjo institucional brasileiro diante das reações manifestadas por essas organizações no período de 2018 a 2022. 1.3 Objetivos de pesquisa e estrutura da tese 1.3.1 Objetivos O objetivo da pesquisa é analisar como a relação entre a ocorrência de fake news e as tensões sobre o suporte social do TSE e do STF influenciou o arranjo institucional brasileiro diante das reações manifestadas por essas organizações no período de 2018 a 2022. Para tanto, realizamos três estudos com os seguintes objetivos específicos: (i) caracterizar a ocorrência de fake news no âmbito das organizações da justiça no Brasil no período 2018 a 2022; (ii) descrever 15 as tensões sobre o suporte social do TSE e do STF relacionadas à ocorrência de fake news no período de 2018 a 2022; (iii) retratar as reações manifestadas pelo TSE e pelo STF diante das implicações de ocorrência de fake news sobre o seu suporte social no período de 2018 a 2022; (iv) analisar as mudanças no arranjo institucional diante das reações manifestadas pelo TSE e pelo STF associadas às implicações da ocorrência de fake news sobre o seu suporte social no período de 2018 a 2022. 1.3.2 Descrição dos estudos que compõem a pesquisa A tese é composta por três estudos/partes principais encadeadas conforme Tabela 1, seguindo critérios como tipo de estudo, nível de análise, foco de análise, questão central de pesquisa, métodos utilizados e resultados gerados. Tabela 1 Classificação das etapas que compõem a pesquisa Objetivo Analisar como a relação entre a ocorrência de fake news e as tensões sobre o suporte social do TSE e do (STF influenciou o arranjo institucional brasileiro diante das reações manifestadas por essas organizações no período de 2018 a 2022. Tese As tensões representadas pelas fake news para o suporte social das organizações da justiça, em especial os tribunais superiores brasileiros TSE e STF, tem impulsionado mudanças no arranjo institucional. Essas mudanças incluem mecanismos de conversão de capital institucional, conversão discursiva do nível institucional em organizacional e a criação de espaço liminal temporário para justificar a ação organizacional eventualmente associada ao elastecimento de competências. Estudo I II III Tipo Teórico-Empírico Teórico-Empírico Teórico Nível de análise Organizacional Organizacional Institucional Foco Caracterizar e descrever as fake news e as suas implicações no suporte social dos tribunais brasileiros TSE e STF. Caracterizar tipos de reações manifestadas por TSE e STF. Articular os estudos anteriores, visando a explicitar mecanismos que explicam a mudança institucional à luz das reações manifestadas pelo TSE e STF diante da ocorrência de fake news que tencionam seu suporte social. Premissa Organizações da justiça estão sujeitas ao contexto social, o que inclui o impacto de fake news, As fake news ameaçam o suporte social. As organizações institucionalizadas As organizações institucionalizadas estão sujeitas à avaliação social e têm mais capital 16 têm capital institucional acumulado e, por isso, suas reações às tensões sobre o suporte social são específicas. institucional para mudar estruturas institucionais-legais. Perguntas secundárias Quais são as fake news no âmbito das organizações da justiça, em especial, dos tribunais superiores brasileiros STF e TSE? Quais os tipos de fake news? Como as fake news envolvem STF e TSE? Categorizar os efeitos das fake news sobre o suporte social indicando foco sobre a confiança, legitimidade ou reputação. Quais as diferenças? Como as fake news afetam o suporte social? Quais são as reações? Quais os tipos? Em que nível, organizacional ou institucional? Quais as mudanças no arranjo institucional associadas à ocorrência das fake news? Possíveis desdobramento s (i) Elencar fatos (ii) Fake news como desestabilizadora do suporte social. (iii) Fake news como espaço de debate e decisão: tribunais como protagonistas no combate às fake news. (i) Efeitos sobre o suporte social; (ii) Efeitos sobre organização; (ii) Efeitos sobre instituição; (i) Descrever e tipificar às reações; (ii) Mecanismos reativos e suas implicações. (iii) Efeitos no arranjo institucional. Dependendo do nível da ameaça (se à organização ou à instituição), haverá maior ou menor propensão à mudança nas estruturas institucionais-legais. Dependendo do nível da ameaça (se à organização ou à instituição), a mudança no aparato institucional é distinta. Resultado Análise teórico-empírica. Análise teórico-empírica. Análise teórica. As fake news atingem o setor social da justiça e são uma variável que influencia o modo como a informação sobre as organizaçõessão percebidas; como consequência, podem afetar o seu suporte social. Por serem essas organizações de justiça institucionalizadas, têm um escopo de ação e uma presença especial na estrutura institucional, por isso, a relação entre fake news e suporte social pode influenciar o seu próprio contexto de atuação. As organizações da justiça, ao reagirem ao fenômeno das fake news, estão, ao mesmo tempo, reforçando e justificando a sua existência, mas também alterando a estrutura, criando ou reformulando regras, órgãos e relações. 17 Diante do que foi exposto, a primeira parte do estudo apresenta uma discussão sobre fake news como componente que faz parte do ambiente das organizações da justiça, em especial, do TSE e do STF. A intenção é caracterizar as fake news no âmbito das organizações da justiça, mormente, dos tribunais superiores brasileiros TSE e STF. As fake news, como parte do contexto de influência indireta de organizações da justiça, estão no debate público e, nele, pode haver referências à organização-objeto. Para tanto, buscamos mapear o debate público em torno das fake news e a sua relação com aspectos ligados à jurisdição das organizações- objeto: quem são as vozes (atores), quais os frames e como a organização-objeto participa e é representada nesse debate. A ideia foi mapear o debate em nível de campo. Além disso, também levamos em consideração o contexto de influência direta sobre organizações da justiça. Nesse caso, a organização é alvo e objeto das fake news. Tanto quanto o anterior, o mapeamento é um recorte específico dos temas/assuntos e das representações da organização-objeto em fake news. A questão não é, desse modo, definir, a priori, o que é ou não fake news, mas mapear o que é apresentado como tal pela própria organização-objeto ou por outros atores do campo e quais são as fake news no âmbito das organizações da justiça, especialmente do STF e do TSE. Para isso, é preciso: § Elencar fatos; § Exemplificar com temas mais relevantes que envolvem o STF e o TSE; § Compreender Fake news como desestabilizadora do suporte social: organizações- alvo das fake news; § Estudar Fake news como espaço de debate e decisão: protagonistas no debate. Também, este é um estudo teórico-empírico que aborda e provoca efeitos no suporte social. A intenção é evidenciar que esse contexto está repleto de elementos que desestabilizam (ou têm um potencial desestabilizador) o suporte social das organizações da justiça, tais como: a quebra de confiança, o questionamento sobre a legitimidade, as indagações em nível organizacional e institucional. As organizações da justiça, desse modo, estão sujeitas ao contexto social, o que inclui serem afetadas pelas fake news. Por isso, pretende-se: • Descrever as implicações das fake news sobre o suporte social; • Categorizar os efeitos das fake news sobre o suporte social, indicando o foco sobre a confiança, a legitimidade ou a reputação, por exemplo, descaracterizando os agentes, tumultuando as informações e gerando fatos novos e inverídicos. 18 A segunda parte busca descrever as reações das organizações da justiça e seu efeito no arranjo institucional. As fake news provocam reações que se dão em dois níveis, quando objeto ou não, de forma direta e indireta, e em duas formas de expressão de defesa: da organização e da instituição. Partindo da premissa que as fake news ameaçam o suporte social dos tribunais superiores, que são organizações institucionalizadas e têm capital institucional acumulado e, por isso, suas reações às tensões sobre o suporte social são específicas, há necessidade em descrever e tipificar as reações: § Reações de acordo com o grau de envolvimento (como alvo ou como protagonistas); § Reações de acordo com o tipo de ameaça ao suporte social (se sobre a confiança, a legitimidade ou a reputação); § Nível de referência das reações: organizacional ou institucional; Mecanismos reativos e suas implicações: • Reações discursivas (tipos – coordenativas ou comunicativas, orientação e exemplos); • Reações de mobilização de recursos (enforcement, uso de competências legais etc.). A terceira parte busca analisar quais as mudanças no arranjo institucional estão associadas à ocorrência das fake news, ou seja, o objetivo é construir uma análise sobre as implicações e as possíveis mudanças no contexto institucional mediante aquilo que os estudos (i), (ii) e (iii) da tese encontraram e articular os estudos anteriores visando a explicitar mecanismos que explicam a mudança institucional à luz das reações manifestadas pelo TSE e STF diante da ocorrência de fake news que tensionam seu suporte social. Entende-se que organizações institucionalizadas estão sujeitas à avaliação social e têm mais capital institucional para mudar estruturas institucionais-legais. Assim, tem-se o intuito de: • Descrever as mudanças institucionais-legais associadas às fake news (mudanças legais, jurisdicionais, categóricas e de significação); • Averiguar a relação entre as reações manifestadas pelo TSE e pelo STF (discursivas e de mobilização de recursos) e as mudanças institucionais-legais associadas às fake news; • Analisar os mecanismos e as condições explicativas para a mudança institucional a partir da relação entre as categorias de análise. 19 1.4 Justificativa teórica e prática A análise de organizações e instituições em uma perspectiva sociolegal e institucional, em que se busca entender a atuação, o posicionamento, as atribuições, a construção e as mudanças, é um campo que ainda carece de discussões e estudos. Relacionados a esses aspectos estão: a avaliação social, a possível crise de legitimidade, a reputação e confiança e os questionamentos que ocorrem sobre as organizações da justiça, considerando que são organizações institucionalizadas que suscitam o interesse de estudo (Deephouse & Carter, 2005). Entendemos também que o fenômeno das fake news faz parte do contexto social em que os tribunais superiores atuam, visto que, ao não serem imunes, podem ser influenciados e estar sujeitos às notícias inverídicas e suas implicações sobre o suporte social. Mediante esse problema, os tribunais reagem para defender a organização ou a instituição, no âmbito discursivo e prático/ aplicado, alterando o aparato institucional. A ocorrência de fake news pode levar à perda de legitimidade das organizações, e como algumas delas exercem um papel social no campo, ao perderem sua legitimidade, têm a sua atuação prejudicada. E a mais afetada pode ser a sociedade. Assim sendo, a relevância de investigar as organizações da justiça consiste no fato de que elas exercem um papel importante na sociedade, são infundidas de valores e altamente institucionalizadas. De acordo com Guimaraes et al. (2018), No Brasil, o sistema de justiça é composto por várias organizações que atuam em contextos muito diversos, de acordo com seus papéis e objetivos constitucionais. O Poder Judiciário é o subsistema central, mas o sistema de justiça também inclui o Ministério Público, a Defensoria Pública e os tribunais administrativos, bem como organizações de advocacia, polícia e prisões. Além disso, outras organizações contribuem para a prestação de serviços de justiça, com responsabilidades específicas, tais como notários, organismos de defesa do consumidor, associações profissionais e órgãos de mediação e conciliação. Muitas dessas organizações, especialmente os tribunais, a polícia e as prisões, são altamente institucionalizadas e legitimadas no sentido de que sua existência e funcionamento são dados como garantidos (p. 477). A principal contribuição desta proposta investigativa está em demonstrar as mudanças no contexto institucional a partir das reações empreendidas pelas organizações em situações nas quais têm o seu suporte social impactado pelas fake news. Ou seja, é fundamental 20 refletirmosacerca dos impactos causados pelas fake news e como esses resultados impactam a vida social e geram mudanças no contexto analisado. O campo em que os atores discutem a construção institucional constitui-se uma arena social que define parâmetros para a ação em que se coloca a dimensão interativa dos atores, seja relacional ou de referência (Selznick, 1969). Por isso, parte-se de uma noção de campo para entender a construção do suporte social com relação às organizações da justiça (Talesh, 2014). Isso cria a condição de se reconhecer a participação de diferentes atores e os seus moldes de atuação na explicação institucional das organizações da justiça e seu suporte social (Hoffman, 2001). O estudo, por estar direcionado a organizações da justiça, tem atenção a uma perspectiva sociolegal, a fim de contribuir em termos analíticos para o entendimento da realidade de modo sistêmico e não tão instrumentalizada, em decorrência das regras e normas que surgem como restrições do que se pode ou não fazer. Para tanto, busca-se uma nova leitura sobre a construção das relações em um ambiente permeado por regras. Observando em uma perspectiva futura, ainda é difícil ter uma compreensão mais clara do que significa o impacto das redes sociais como ator político. As pessoas têm uma tendência a espalhar aquilo que lhes agrada. Os atores sociais, políticos e cidadãos não veem sua atitude nas redes sociais como sujeitos inseridos em um convívio e posicionamento político, inúmeras vezes entendem como passar uma imagem, uma simples postagem, uma história a diante e isso está́ razoavelmente provado que as fake news se alimentam do compartilhamento entre pessoas as suas próprias ideias (Allcott & Gentzkow, 2017). O risco que isso causa está no centro do debate que é a transformação do espaço público e político em um mercado impactado inclusive por grandes empresas de tráfego de conteúdo (Allcott & Gentzkow, 2017). A discussão sobre as fake news chegou ao âmbito político e jurídico, por meio de notícias com intenção em gerar dano a outrem, indivíduos ou organizações, e ao apoio social que têm. Mediante tais problemas, surge a intenção de regulamentar o uso de plataformas como forma de impedir que notícias inverídicas perturbem a vida em sociedade. A questão da regulação é um grande desafio; existe um esforço não apenas nacional, mas internacional para conquistar a regulamentação. Trata-se de um espaço público constituído por relações de direito privado, quando se celebra um contrato com empresas como o Facebook, por exemplo, assinando os termos de uso e de compromisso. Em primeiro plano, é uma relação bilateral contratual, mas isso tem um efeito na produção de conteúdo em um espaço público. As organizações buscam uma validação social da sua maneira de agir, de modo que os valores organizacionais e do sistema social sejam convergentes. Neste estudo, adotamos o 21 termo suporte social que contempla avaliações em nível institucional e organizacional, tais como a legitimidade, a reputação e a confiança. Para que haja legitimidade, depende-se das ações, das normas, dos procedimentos e dos valores adotados (Dowling & Pfeffer, 1975). As organizações, de qualquer área/setor, têm uma relação entre sobrevivência e legitimidade. A legitimidade das organizações da justiça está relacionada à autoridade e a um senso de obediência e de confiança (Friedman, 2016). Embora exista uma natureza controversa dos processos de legitimação, compreendemos que a mudança é uma fonte de pressão para a legitimação. Por isso, justifica-se o interesse em averiguar os efeitos das fake news no campo de organizações da justiça, verificando as reações e as repostas dadas para manter o suporte social, as quais possivelmente geram mudanças no contexto institucional. A administração é uma área aplicada, e a pesquisa em organizações da justiça pode contribuir para a consolidação do conhecimento e para o aprimoramento das práticas de gestão em tais organizações (Guimaraes et al., 2018). Ressaltamos que este estudo tem como lócus o TSE e o STF, as quais, além do nível organizacional, estão associadas ao nível institucional, tomam o processo de legitimação para justificar sua existência e, por isso, dependem de ações, de normas, de valores e de procedimentos, que são adotados em convergência com estruturas sociais (Dowling & Pfeffer, 1975). Logo, os esforços discursivos promovidos em prol da defesa ou até mesmo do questionamento sobre tais organizações merecem atenção. Nesse caso, utiliza-se das fake news como elemento do debate público que pode gerar efeito sobre o suporte social e sobre as mudanças institucionais. 22 2 Percurso teórico: complexidade das instituições, suporte social e mudança institucional Inicialmente, é importante distinguir os níveis institucionais e organizacionais. As instituições são propriedades estruturais da sociedade, logo, são supraindividuais (Ferreira, 2010). Essas instituições ordenam a vida dos sujeitos, e a existência daquelas não depende exclusivamente destes (Peters, 2012). As instituições têm durabilidade, embora possam se ajustar ao contexto em que estão inseridas, haja vista que influenciam o comportamento e carregam um componente ideacional. Para Selznick (1948), uma organização é dotada de objetivos específicos e instrumentais; quando infundida de valores, passa por um processo de institucionalização, convertendo-se em uma “instituição”. Este estudo utiliza conceitos vinculados a teoria institucional e direciona ao campo de atuação dos tribunais superiores. Os tribunais, por exemplo, são organizações institucionalizadas, imbuídas de valor, que estão para além de sua finalidade. No entanto, nos últimos anos, eles vêm sendo questionados e estão em foco, o que pode, de certo modo, tocar no limiar entre a organização e a instituição. Neste momento, estabelecemos elo com a dimensão processual da legitimidade (Suddaby et al., 2017). Para que seja possível compreender e avaliar o potencial de tensionamento sobre os tribunais em virtude das fake news, é necessário que se construa uma análise teórica envolvendo temas e conceitos relacionados às instituições, mecanismos de avaliação e suporte, bem como ao possível potencial de mudança institucional. Sendo assim, neste capítulo, são apresentadas as grandes frentes teóricas vinculadas ao problema e pesquisa, iniciando por conceitos relacionados a análise institucional, depois o suporte social, a mudança institucional e as fake news. Pois, são temas que se entrelaçam ao longo do estudo. 2.1 Análise institucional As instituições são a base da vida social (Campbell, 2004). Eles consistem em regras formais e informais, mecanismos de monitoramento e de fiscalização e sistemas de significado que definem o contexto dentro do qual indivíduos, corporações, sindicatos, estados-nação e outras organizações operam e interagem uns com os outros. As instituições são assentamentos nascidos da luta e da negociação, refletindo os recursos e o poder daqueles que os criaram, afetando, por sua vez, a distribuição desses aspectos na sociedade (Ricciuti, Genova, De Giglio, 23 Bassanelli, Dal Bello, Metro, & Chiari, 2019). Uma vez criadas, as instituições tornam-se forças externas poderosas que ajudam a determinar como as pessoas entendem seu mundo e agem nele. Elas canalizam e regulam os conflitos e, assim, garantem a estabilidade da sociedade. Sem instituições estáveis, a vida se tornaria caótica e árdua (Campbell, 2004). Para tanto, os tribunais são organizações institucionalizadas e dotadas de atributos, tais como a independência, a imparcialidade e a credibilidade, considerando a sua principal função como aplicadoras da lei. Embora a crítica seja uma parte “necessária e importante da vida em uma sociedade democrática que valoriza a liberdade de expressão, quando vai além da crítica aoraciocínio do tribunal e suas conclusões, então deve ser recebida com uma resposta rápida e robusta” (Fatima, 2017, p. 390, tradução nossa). Em função da independência do judiciário em um estado democrático, os atributos supracitados também são protegidos pelo executivo e pelo legislativo, corroborando com o fortalecimento da legitimidade. Por outro lado, o enfraquecimento e a desarmonia entre os poderes podem desencadear certa fragilização. Gibson e Nelson (2014) argumentam que Uma coisa é argumentar que as queixas acumuladas podem minar a legitimidade judicial [...] outra é alegar que cada decisão impopular do tribunal é perigosa para saúde da instituição. Se a legitimidade não pode proteger a instituição quando ela toma decisões impopulares, então a preciosa independência do tribunal pode ser precária (p. 163, tradução nossa). Os tribunais têm um papel distinto se comparados a outras organizações. A Corte depende exclusivamente do cumprimento voluntário de suas decisões. Isso exige que o público apoie o Tribunal como uma instituição dentro de nosso sistema democrático. Essa necessidade dá origem a uma questão empírica de importância política fundamental: pode a aprovação ou desaprovação pública de resultados específicos do Tribunal, rotulados na literatura como suporte específico, influenciar o nível de apoio público amplo e abstrato ao Tribunal como uma instituição rotulado na literatura como apoio difuso (Gibson & Nelson, 2014). Para Gunther e Monteiro (2003), o “Apoio difuso ao sistema, é consequência da satisfação com o desempenho das instituições democráticas e, sucessivamente, com as condições da economia” (p. 12). Sendo assim, neste estudo, o papel dos tribunais é examinado, em parte, por causa das questões relacionadas à legitimidade, à reputação e à confiança, considerando que o Tribunal pode ser estratégico e motivado por fatores não legais (Christenson & Glick, 2014, p. 404) e de gestão organizacional e institucional. A preocupação com relação aos tribunais como instituições e a avaliação de suas ações demonstram a interação com aspectos da gestão pública 24 e a inter-relação com elementos sociais, por isso, a divisão entre institucional e organizacional fomenta uma análise da imagem e do desempenho daquilo que pertence ao gerencial e ao administrativo e o que pertence ao um nível mais amplo, como o social, o cultural e até o político (Ricciuti et al, 2019). Instituições, como os tribunais, que possuem capital institucional composto por normas, valores, crenças e práticas compartilhadas que influenciam o comportamento de indivíduos e organizações em determinado contexto, também possuem elementos que são convertidos em recursos organizacionais por meio do discurso. A conversão de capital institucional em recursos organizacionais pode ocorrer por meio de diferentes mecanismos (Bresser & Millonig, 2003). A assimilação é um deles, na qual as organizações internalizam as normas e valores institucionais e os incorporam em suas práticas (DiMaggio e Powell, 1991). Outra forma é a acomodação, em que as organizações ajustam suas práticas às normas institucionais, mas sem internalizá-las completamente (Scott, 2014). Além disso, a resistência também pode ocorrer, quando as organizações buscam se afastar das normas e valores institucionais, adaptando-se de forma seletiva (Lawrence e Suddaby, 2006). Portanto, o capital institucional pode apresentar uma a conversão discursiva do nível institucional em organizacional direcionada ao campo de atuação dos tribunais. Pois, envolve a tradução dos discursos institucionais em práticas organizacionais (Ricciuti et al, 2019). Isso ocorre quando as organizações adotam discursos institucionais em suas estratégias de comunicação e, assim, constroem narrativas que são coerentes com as normas e valores institucionais do ambiente em que estão inseridas (Phillips e Lawrence, 2004). Essas narrativas podem ser disseminadas internamente, influenciando a cultura organizacional, bem como externamente, afetando a imagem e reputação da organização perante o ambiente externo (Fairclough, 2010). Entretanto, a conversão de capital institucional e a conversão discursiva do nível institucional em organizacional também enfrentam desafios. A resistência à mudança, a inércia organizacional, a falta de alinhamento entre os discursos e práticas organizacionais, e as pressões competitivas podem dificultar o processo de conversão (Grant et al., 2018). Além disso, a complexidade das instituições e a dinâmica do discurso em diferentes contextos podem influenciar a forma como a conversão ocorre em cada organização. Importante ressaltar que a análise institucional, formada por capital institucional, é uma abordagem teórico-prática que busca compreender as dinâmicas de funcionamento das instituições, considerando as relações sociais, as normas, os valores e as práticas presentes em 25 determinado contexto. Nesse contexto, o suporte social, composto por elementos como reputação, legitimidade e confiança, desempenha um papel fundamental na construção e manutenção do funcionamento das instituições. A reputação, entendida como a percepção que as pessoas têm sobre uma instituição, é um fator crucial para sua sobrevivência e sucesso. Ela pode ser construída a partir da imagem que a instituição projeta, da qualidade dos serviços prestados e das relações estabelecidas com seus stakeholders. Como afirma Zivkovic (2016), "a reputação é um ativo intangível que pode influenciar a percepção pública de uma instituição, afetando sua imagem e sua capacidade de obter apoio e confiança". A legitimidade, por sua vez, refere-se ao grau de aceitação e reconhecimento de uma instituição pela sociedade. Ela está relacionada à conformidade da instituição com as normas, valores e expectativas sociais vigentes. Segundo DiMaggio e Powell (1991), "a legitimidade é uma condição essencial para a sobrevivência e a estabilidade das organizações, uma vez que as instituições que são vistas como legítimas têm maior probabilidade de obter apoio e recursos da sociedade". A confiança, por sua vez, é um elemento fundamental nas relações sociais e institucionais. Ela se baseia na crença de que uma instituição irá agir de forma ética, cumprir seus compromissos e atuar em prol do bem comum. Como destacam Mayer et al. (1995), "a confiança é um elemento essencial para o funcionamento das instituições, pois facilita a cooperação entre os atores e reduz a incerteza nas relações sociais". Assim, a reputação, a legitimidade e a confiança estão intrinsecamente relacionadas com a Análise Institucional, uma vez que influenciam a percepção e o apoio da sociedade às instituições. A construção e manutenção desses elementos são essenciais para o bom funcionamento das instituições, pois impactam diretamente a sua capacidade de obter recursos, estabelecer relações de colaboração e exercer sua função social. Como afirma Morgan (2010), "as instituições são construídas a partir das relações sociais, das normas e das crenças compartilhadas, e a reputação, a legitimidade e a confiança são elementos-chave nesse processo". Em resumo, a análise institucional e o suporte social, representado pela reputação, legitimidade e confiança, estão intrinsecamente relacionados na compreensão do funcionamento das instituições. Esses elementos desempenham um papel fundamental na construção, manutenção e sucesso das instituições, impactando diretamente sua capacidade de 26 obter apoio e recursos da sociedade e estabelecer relações de confiança com seus stakeholders. A compreensão dessas relações é essencial para uma análise aprofundada das dinâmicas institucionais. 2.2 Suporte social Entendemos o suporte social como a expressão vinculada aos conceitos de avaliação: reputação, confiança e a legitimidade. Com relação às expressões, temos que: a Legitimidadeé a aceitação pública em nível institucional que pode manter ou desestabilizar o apoio aos tribunais; a Reputação diz respeito à avaliação coletiva baseada em resultados ao longo do tempo; e a Confiança compreende as preocupações instrumentais sobre os resultados, desempenho e governança. Ao se avaliar e julgar os aspectos de legitimidade, notamos a sua não exaustividade. A legitimidade, sobretudo, faz parte das discussões relacionadas aos processos de institucionalização, seguidos por características organizacionais e sociais (Pfeffer & Salancik, 1978). Para tanto, a compreensão do conceito de legitimidade, quando aplicado em estudos organizacionais, facilita o entendimento das situações que levam a determinados processos e estruturas, sendo, desse modo, coerentes ao propósito de um sistema socialmente construído (Guarido Filho, 2008). Além da legitimidade, outra característica de avaliação é a confiança, que pode ser facilmente definida como o grau em que as partes interessadas externas, como o público, mantêm uma orientação de confiança coletiva para com uma organização (Zanini, 2016). A orientação de confiança do público com relação a uma organização é importante por vários motivos. Em primeiro lugar, as organizações tendem a ser pobres em saber como restaurar a confiança (Schwartz & Gibb, 1999). Como tal, compreender as formas para reparar a confiança pode ser um método de gerenciamento de recursos crítico a fim de limitar os danos causados por falhas organizacionais (Lewicki & Bunker, 1996). A falha em reconhecer e responder apropriadamente às violações de confiança pode prejudicar ainda mais a reputação e a legitimidade da organização no meio em que atua (Bradford & Garrett, 1995). Em segundo lugar, como uma qualidade importante atribuída a uma organização, a reputação fornece legitimidade e pode ser utilizada como um recurso para ajudar a obter maior estabilidade organizacional (Van Riel & Fombrun, 1996). 27 A reputação é um conceito fundamental em muitas situações que envolvem a interação entre partes, além de ser um meio relevante para estabelecer a confiança em ambientes descentralizados (Zanini, 2016). A reputação é geralmente construída com base no feedback daqueles que têm interações diretas com a organização. Dado um conjunto de apreciações, a confiabilidade de uma pessoa pode ser inferida por meio do uso de funções de confiança, as quais têm um impacto direto na decisão sobre a coleta de informações e outras tarefas críticas, sendo um componente-chave para qualquer modelo de confiança baseado na reputação (Shmatikov & Talcott, 2005). Muitas funções de confiança foram propostas ao longo dos anos visando a diferentes domínios de aplicação. Elas diferem em uma variedade de aspectos, incluindo metodologias de inferência de confiança, de complexidade e de precisão (Miotto et al., 2020). A confiança pública em uma organização é fundamental para garantir a sua legitimidade e a sua sobrevivência. No entanto, dependendo da tipologia de violação da confiança, pode ocorrer um impacto nas estratégias de reparo que as organizações escolheriam. Argumenta-se que a comunicação e as reformas institucionais estratégicas são necessárias para restaurar a confiança, porém, são mais importantes após a competência atingida, em vez de violações de integridade (Miotto et al., 2020). Considerando o papel do público como um dos principais interessados, a capacidade da organização de sobreviver pode depender da aptidão do público em confiar nas ações da organização e nos bens e/ou serviços por ela produzidos (Miotto et al., 2020). A confiança é mediada por meio de organizações e de instituições, assim como pelos recursos e ferramentas que fazem parte do contexto. A confiança e reputação são construídas conjuntamente, já que ambas são usadas para calibrar o que deve contar como qualidade e desempenho. Essas são descobertas interessantes sobre a relação entre confiança e reputação, sobretudo, o quanto isso interfere na sustentação da legitimidade (Bitektine, 2011). É possível, desse modo, estabelecermos duas definições importantes: Definição 1 – a reputação reflete os resultados ao longo do tempo e consta como elemento de avaliação da organização pelos agentes. A reputação está estreitamente conectada aos sistemas de comunicação e de relacionamento com o público, a exemplo dos atuais recursos e redes digitais existentes que estão implicados nos processos de construção de reputação. Não menos importante, espera-se que o debate público em rede envolvendo diversos atores tenha reverberações sobre como a 28 reputação é construída em comunidades on-line. Isso, por sua vez, provoca interesses compartilhados e possivelmente criam uma imagem, destacam uma ideia e facilitam as colaborações. Portanto, a reputação refere-se a impressões, a percepções e à identidade do portador de uma organização. Dito isso, ressalta-se que a forma como os tribunais e outras organizações são reconhecidas apresenta indicações sobre a confiança e a credibilidade (Garoupa & Ginsburg, 2015). Definição 2 - a confiança reflete a credibilidade, a transparência e o risco vinculado ao desempenho apresentado por uma organização. Enquanto algumas das questões já discutidas destacam tensões mais gerais, outras com direcionamento específico para expectativas disciplinares demonstram como a reputação é construída e a confiança é mantida. Recorrendo-se a metáforas, podemos dizer que a reputação é como o espelho retrovisor de um carro; à medida que se olha para ele, é possível perceber o que ficou para atrás, o percurso percorrido; visualiza-se por onde se passou para se chegar até ali, no presente, e constituir determinado grau de confiança. Logo, ao se olhar para frente, temos o para-brisa, que nos apresenta onde estamos, bem como um caminho pelo qual podemos seguir. De modo geral, a reputação compreende um histórico construído com base em determinados fatores e acontecimentos. A confiança, por outro lado, corresponde ao acúmulo de percepções favoráveis, sendo uma construção interpessoal e organizacional complexa (Kramer & Tyler, 1995). A confiança ocorre quando as partes têm certo desempenho favorável umas com as outras e permitem que essa relação atinja a experiência de bons resultados (Wheeless & Grotz,1977). A confiança é, desse modo, a base de todo contato humano e interação institucional (Tonkiss et al., 2000). A reputação construída ao longo do tempo reflete em um estado de confiança organizacional, a qual se dá como uma variável dependente da reputação, ao mesmo tempo em que essa é dependente da confiança. Os elementos mencionados estão relacionados, de uma forma ou de outra, e funcionam como variáveis dependentes, equilibrando várias demandas e restrições ligadas às tensões entre confiança e reputação. Em meio ao debate público, a confiança aumenta a capacidade de relacionamentos de apoio e de fortalecimento da imagem organizacional, ao passo que diminui a incerteza e o risco. Vale ressaltar que o elemento comunicacional tem forte influência sobre a reputação e a confiança. Atualmente, os posicionamentos em redes sociais têm norteado os debates públicos 29 e direcionado as informações de tal forma que podem ser distorcidas e fraudadas, alterando a percepção dos atores que fazem parte do campo. Ademais, as ferramentas e os mecanismos de controle e de gestão, tais como governança, compliance, ética e responsabilidade, permeiam a manutenção da reputação e da confiança, como visualizamos na Figura 1. Figura 1 Elementos importantes na manutenção da reputação e confiança Além da investigação separada de confiança e reputação, uma análise da inter-relação desses construtos permite-nos identificar elementos importantes para a manutenção do estado reputacional e de confiança. Todos os elementos apresentados até aqui estão direcionadosao nível organizacional, logo, refletem a dinâmica entre a reputação e a confiança. Para tanto, esses conceitos são peças fundamentais para o alcance e para a manutenção da legitimidade em um nível institucional. Institucionalmente, as organizações buscam legitimidade e sobrevivência, não apenas a eficiência, além de enfatizar o papel da cognição e da obrigação, não como autointeresse (Dacin et al., 2008), mas como interesse público. Para Dacin et al. (2008), a legitimidade revela o quanto as organizações estão motivadas a adotar práticas que, em sua visão, sejam importantes e o quanto convergem em torno de práticas, assumindo-as assumem (Tyler, 2001) a tal ponto que estejam internalizadas como ideias que refletem aquela organização. Nessa perspectiva, a confiança e a reputação surgem como molas propulsoras. 30 Os pilares fundamentais para o alcance da legitimidade baseiam-se na reputação e na confiança em nível organizacional; quando sustentados ao longo do tempo, podem conferir aos tribunais o caráter do que é legítimo (Tyler, 2006). A legitimidade configura-se um significado social e ideacional de relevância de uma organização, a qual cristaliza sentidos e alcança o status de instituição (Scott, 2014). Os julgamentos de legitimidade ocorrem em vários níveis, simultânea e recursivamente. São percepções individuais de normas categóricas, elas próprias construídas socialmente, que fornecem modelos cognitivos compartilhados com os quais os agentes fazem avaliações legais com relação a estruturas, símbolos, processos e entidades (Alexiou & Wiggins, 2019). A soma desses indivíduos e do nível de julgamentos em um conjunto de crenças compartilhadas e construídas socialmente (Berger & Luckmann, 1967; Suchman, 1995) reflete e reforça a ordem institucional e a manutenção da legitimidade (Deephouse et al., 2017). Os aspectos para manutenção da legitimidade, na visão de Suchman (1995), são: (i) público heterogêneo; (ii) a estabilidade implica rigidez; e (iii) a institucionalização gera a própria oposição. Isso se nota quando há pouca evidência sistemática, comparando-se aos efeitos de atividades organizacionais em vários tipos de legitimidade ou às distintas tipologias de legitimidade organizacional. Inferimos, desse modo, que a legitimação não é homogênea, mas é composta por diferentes facetas, sendo que nem sempre a essência se revela da mesma forma (Deephouse et al., 2017). Nesse contexto, podem existir afinidades entre as legitimidades com foco estrutural semelhante (ações de essências) e/ou texturas temporais semelhantes (episódica-contínuo). Por exemplo, pode-se imaginar a elaboração de indicadores de diferentes tipos de legitimidade (com base em pesquisa de público/constituintes) e, em seguida, empregá-los para determinar os perfis de legitimidade das organizações específicas, das profissões, das indústrias ou dos setores. Pode fornecer proxies válidos em ambientes em que dados diretos não estão disponíveis (Haack et al., 2020). Após definir a legitimidade, entende-se que a legitimidade é importante porque gera muitos benefícios às organizações, em especial, aos tribunais, que têm relevante função social (Deephouse et al., 2017). Todavia, a legitimidade pode ser concedida por uma variedade de fontes e de atores, cada uma usando uma rotina distinta (Haack et al., 2020). Seja por meio de deliberação consciente ou pré-consciente e de esquemas tomados como certos, cada fonte percebe e avalia informações relevantes para a legitimidade, analisa as organizações que 31 utilizam tais informações e, em seguida, as endossa ou as desafia com base nesses pareceres (Haack et al., 2020). A legitimidade das organizações interage com diversas fontes e está sujeita ou não à avaliação e à aceitação (Bitektine, 2011). Em decorrência disso, pesquisas recentes reconhecem a mídia como uma fonte para a sociedade e ainda adicionam outras procedências de legitimidade, tais como indivíduos, investidores, movimentos sociais e demais partes interessadas (Deephouse et al., 2017). Outra questão diz respeito aos critérios usados por diferentes fontes ao avaliar a legitimidade das organizações e de suas ações. Existem inúmeros critérios que podem ser úteis para identificar distintas dimensões de legitimidade, dada a complexidade, a multiplicidade e os níveis de avaliação - micro, meso e macro - (Bitektine & Haack, 2015). Nesse sentido, os aspectos de reputação e de confiança estão relacionados aos níveis micro e meso. Além disso, o suporte social direcionado aos tribunais concentra evidências de um modelo que indica os efeitos do apoio ou da sua ausência em determinado campo organizacional que integra uma série de atores com diferentes papéis. Isso demonstra o quanto pode permitir ou inibir a participação de atores em determinado contexto. No entanto, esse foco estreito tem limitado a compreensão das muitas maneiras pelas quais as relações sociais podem promover (ou prejudicar) a atuação (Christenson & Glick, 2014). Mesmo quando os tribunais explicam expressamente a natureza limitada das questões legais diante deles, revelam seu papel limitado como "aplicadores da lei" dentro dos limites de sua função incontroversa. Não obstante a isso, eles podem ser suscetíveis a críticas que vão muito além de sua análise ou de suas, as quais têm por escopo minar a sua legitimidade. Em um estado democrático, é de interesse público que os valores e a soberania residam no povo, respeitando os direitos fundamentais e garantindo a igualdade perante a lei, assim sejam defendidos pelo executivo e pelo legislativo (Christenson & Glick, 2014). Há vários processos sobre os quais as relações sociais afetam a manutenção de uma imagem e de uma reputação. Desse modo, a forma como os demais atores de um campo organizacional avalia atitudes e ações pode representar um apoio, uma fonte de manutenção e de legitimação ou uma relação conflituosa. Em outras palavras, diante de situações em que se questiona o papel ou a atuação de tribunais, o suporte social pode demonstrar ter maior ou menor apoio. 32 Em decorrência dos aspectos constitutivos, a legitimidade está para o nível institucional assim como a reputação e a confiança estão para o nível organizacional. Sendo assim, tem-se a clareza de que a essência política de dominação representa a aceitabilidade de processos e ações não apenas como emprego da força física ou de coação psicológica, mas também da possibilidade de que alguém possa exercer um tipo de comando sobre um grupo de indivíduos ou organizações (Heinrich, 2019). A relação entre instituições, autoridades e a forma de legitimidade se alterou ao longo do tempo. Então, a fundamentação religiosa e teológica assegurava às autoridades que exerciam o poder que podiam fazê-lo devido à sua legitimidade concedida pela sua condição do sagrado (Weber, 1999). No entanto, nas condições do mundo moderno, isso se desfez e se desconstruiu em função do que se denomina desencantamento do mundo. Nessa perspectiva, era preciso que autoridade política no mundo moderno buscasse outra espécie de legitimação. Várias foram as tentativas de se fazer isso; por exemplo, existem alguns elementos na própria natureza do homem e na sociedade que servem de alicerce para fundamentação da autoridade política (Dimaggio & Powell, 2005). As tensões ou tensionamentos da legitimidade e do suporte social são questões complexas que envolvem a percepção, aceitação e apoio das normas, valores e autoridade de uma instituição, líder ou sistema por parte da sociedade em geral ou de grupos específicos dentro dessa sociedade. Essas tensões podem surgir em várias situações e contextos, e podem ter implicações significativas para a estabilidade e funcionamento das instituições e sociedades. No entanto, as tensões ou tensionamentos podem ocorrer quando a legitimidade e o suporte social
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