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132 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III Unidade III 7 TRABALHO E INFORMALIDADE: A DESESTABILIZAÇÃO DOS ESTÁVEIS 7.1 O mundo do trabalho mudou Desde as últimas décadas do século XX temos assistido a uma revolução no mundo laboral. Profissões oriundas da mecanização do trabalho, com sua massificação pelo modelo industrial da velha esteira que se apoia no fordismo, estão pouco a pouco sendo substituídas pelo toyotismo e pela robotização na linha de produção. Não podemos deixar de expressar que o modelo fordista tenha como princípio, segundo nos ensinaram Roza e Rythowen (2007, p. 75), [...] uma produção em massa de bens homogêneos, o que dá uma uniformidade e uma padronização, com uma produção em larga escala, com a manutenção de um grande estoque. Há uma preocupação e uma racionalidade, com vistas a uma distribuição dos produtos em escala mundial. O perfil do mercado busca um profissional, não mais cumpridor de tarefas, mas, sim, alguém em condições de realizar múltiplas funções na linha de produção. Temos a chamada flexibilização da produção e que tem como consequência um novo desenho do perfil do trabalhador agora exigido pelo mercado. Todo esse quadro de mudança, tanto do mercado como do perfil do profissional, ganha impulso na segunda metade do século XX, principalmente com o processo de toyotização, que racionalizou ainda mais a linha de produção e fez com que se reduzisse e muitas vezes se eliminasse o estoque; além disso, permitiu à empresa a diminuição dos espaços de armazenamento e direcionou os esforços do trabalhador para gerar o produto na medida em que ocorre o aumento da demanda. Essa análise sobre o período pode ser observada na obra de Harvey (1992, p. 184), na qual ele afirma que: [...] parece de fato importante acentuar o grau até o qual a cumulação flexível tem de ser considerada uma combinação particular e, quem sabe, nova de elementos primordialmente antigos no âmbito da lógica geral da acumulação do capital. Ao produzir apenas o necessário, evitam‑se sobras e gastos inúteis na linha de montagem, ocasionando, desse modo, além da robotização, um novo perfil de trabalhador, como também a diminuição dos postos de trabalho, pois esse novo perfil do trabalhador caracteriza a realização 133 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL de diversas funções na linha de produção; por consequência, temos o fim do modelo fordista de produção, em que o trabalhador realizava apenas uma única tarefa e ao término ficava esperando que lhe fosse fornecido um novo trabalho. Essa situação levou ao nascimento de uma nova forma de se pensar a administração do trabalho. Segundo a afirmação feita por Martins (1998, p. 145), [...] de maneira geral, o que se verifica é uma diminuição sistemática do emprego e uma grande expansão da produção de capital. E que o “enxugamento” da quantidade de operários nas linhas de produção é uma tendência inevitável do processo de globalização de uma empresa. Por enquanto, essa tendência é menos visível nos Estados Unidos, onde o emprego praticamente se manteve inalterado no período 1978/96, com uma leve redução de 0,97% nos postos de trabalho. No Brasil, o “enxugamento” foi mais intenso: quase 100% de postos de trabalhos a menos, no mesmo período. Mesmo com o processo de expansão da economia mundial entre 1992 e 1996, e com o crescimento da produção de automóveis, não foram gerados novos postos de trabalho, principalmente na sociedade brasileira, ocorreu uma queda de 2% somente na GM do Brasil e a produção subiu em 107,9% no mesmo período. 7.2 Flexibilização e trabalho Até meados do século XX, a forma de se cumprir a produção se caracterizava pela realização de uma única tarefa pelo trabalhador, essa era a forma de se fazer o trabalho na ótica do fordismo. Esse quadro é redesenhado com a introdução do Just‑in‑time, quando o trabalhador passa a desempenhar múltiplas tarefas. O pagamento pro rata (baseado em critérios da definição do emprego), fora, durante décadas, a base da gratificação e a base da política salarial desempenhada pela empresa em comum acordo com os sindicatos, que mobilizava a categoria profissional para nivelar valores e outros ganhos sociais. Com o fim da era fordista, a tendência mundial é rever as políticas salariais e, consequentemente, a relação que as empresas mantinham com os sindicatos. Passa‑se a propor uma forma de salário que leve mais em conta o pagamento pessoal (sistema detalhado de bonificações), descaracterizando a unidade do grupo pela força do sindicato e a legislação que disciplina essa relação. Temos, no Just‑in‑time, a eliminação da demarcação de tarefas, forma essa empregada no modelo fordista, que se caracterizava pelo alto grau de especialização, tornando o trabalhador apenas um cumpridor de tarefas e, com isso, à medida que a sua atividade se encerrava, o seu envolvimento com a linha de produção também diminuía; com a eliminação de tarefas, seu envolvimento nas etapas da produção se ampliava. Windows Realce 134 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III Na primeira metade do século XX, a empresa não tinha como objetivo investir na mão de obra; havia muito pouco ou nenhum treinamento no trabalho e, quando isso ocorria, era apenas para disciplinar o trabalhador na sua atividade. Nesse modelo de indústria, a organização da empresa era verticalizada, de forma autoritária, inviabilizando qualquer experiência de aprendizagem. Esse quadro dava ênfase à redução da responsabilidade do trabalhador (disciplinamento da força de trabalho). Todo esse contexto leva a indústria, no processo de acumulação flexível, a realizar a atividade de treinamento e capacitação ao longo do período de trabalho, assim como a ter uma postura horizontal no momento da decisão da atividade de cada setor, que não é mais centralizada na gerência, mas na equipe. Com isso, existe agora uma dinâmica em que ocorre uma aprendizagem no trabalho e estabelece a ênfase na corresponsabilidade do trabalhador, que agora passa a não ter a garantia de uma segurança no trabalho. No passado, tinha‑se como referência que a grande segurança no emprego para os trabalhadores era algo permanente como se fosse um emprego perpétuo. Com a globalização, não há nenhuma segurança no trabalho e as condições de trabalho se tornam ruins para trabalhadores temporários. Theodoro (2005, p. 115) esclarece que: [...] o emprego assalariado coberto pela legislação trabalhista – que no Brasil se configura no chamado “emprego com carteira assinada” – abarca uma porcentagem minoritária da força de trabalho ocupada, sendo que a contraparte maior vive do trabalho desprotegido ou informal. Lembrete A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política, com o barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início do século XXI. Se fôssemos realizar uma leitura do processo produtivo da sociedade no final do século XX, iríamos perceber como o trabalhador teve redimensionada a sua importância dentro da cadeia produtiva. Além de todo avanço tecnológico que redesenhou a cadeia produtiva, a terceirização da mão de obra também colocou na berlinda várias conquistas trabalhistas que, na verdade, foram consolidadas por gerações e gerações de trabalhadores que lutaram pelas garantias sociais. Esse quadro não acontece somente no cenário nacional, mas é também impulsionado pelos movimentos operários das diversas sociedades industriais. Uma nova realidade faz‑se presente no mundo do trabalhoe isso nada mais é do que a somatória das grandes mudanças que se desenharam na sociedade na segunda metade do século XX, em que a Windows Realce 135 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL forma de se realizar a produção ganha um novo colorido e traz à tona um novo perfil de profissional para ocupar esse mercado. Esse fenômeno também se expressa no meio rural, pois o espaço da produção impõe uma redefinição das áreas de produção. Nesse sentido, a globalização confere ao Estado um novo papel, assim como as políticas públicas ganham uma nova dimensão. Sabemos que tudo isso desenha uma forma de flexibilização tanto da economia quanto da produção e que gera uma nova realidade do mundo do trabalho, portanto: [...] o processo de globalização é cada vez mais forte, cujos princípios são regidos pelo modelo capitalista, com prioridade na produção em alta escala com recursos e tecnologia de ponta, agora no sentido global. O desenvolvimento acelerado das telecomunicações aproxima as distancias, colocando as empresas em condições de tomar decisões em tempo real. Nesse contexto, o capital tem mais asas, inclusive com a facilidade das transações financeiras e comerciais realizadas através de sistema online, uso de cartões em lugar do dinheiro, transferências de somas vultosas com mais segurança (ROZA; RYTHOWEM, 2007, p. 82). A temática apresentada anteriormente pode ser visualizada na obra de Harvey (1992) em que temos claro como se realizou esse desenho. No quadro a seguir, temos uma visão ampla de como se caracteriza esse cenário. Quadro 12 – Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw Produção fordista (baseada em economias de escala) Produção just‑in‑time (baseada em economias de escopo) a) O processo de produção • Produção em massa de bens homogêneos • Uniformidade e padronização • Grandes estoques e inventários • Testes de qualidade ex‑post (detecção tardia de erros e produtos defeituosos) • Produtos defeituosos ficam ocultados nos estoques • Perda de tempo de produção por causa de longos tempos de preparo, peças com defeito, pontos de estrangulamento nos estoques etc. • Voltada para os recursos • Integração vertical e (em alguns casos) horizontal • Redução de custos por meio do controle dos salários • Produção em pequenos lotes • Produção flexível e em pequenos lotes de uma variedade de tipos de produto • Sem estoques • Controle de qualidade integrado ao processo (detecção imediata de erros) • Rejeição imediata de peças com defeito • Redução do tempo perdido, reduzindo‑se a porosidade do dia de trabalho • Voltada para a demanda • Integração (quase) vertical, subcontratação • Aprendizagem na prática integrada ao planejamento em longo prazo Windows Realce Windows Realce Windows Realce Windows Realce Windows Realce Windows Realce 136 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III b) Trabalho • Realização de uma única tarefa pelo trabalhador • Pagamento pro rata (baseado em critérios da definição do emprego) • Alto grau de especialização de tarefas • Pouco ou nenhum treinamento no trabalho • Organização vertical do trabalho • Nenhuma experiência de aprendizagem • Ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador (disciplinamento da força de trabalho) • Nenhuma segurança no trabalho • Múltiplas tarefas • Pagamento pessoal (sistema detalhado de bonificações) • Eliminação da demarcação de tarefas • Longo treinamento no trabalho • Organização mais horizontal do trabalho • Aprendizagem no trabalho • Ênfase na corresponsabilidade do trabalhador • Grande segurança no emprego para trabalhadores centrais (emprego perpétuo). Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários c) Espaço • Especialização espacial funcional (centralização / descentralização) • Divisão espacial do trabalho • Homogeneização dos mercados regionais de trabalho (mercados de trabalho espacialmente segmentados) • Distribuição em escala mundial de componentes e subcontratantes • Agregação e aglomeração espaciais • Integração espacial • Diversificação do mercado de trabalho (segmentação interna do mercado de trabalho) • Proximidade espacial de firmas verticalmente quase integradas d) Estado • Regulamentação • Rigidez • Negociação coletiva • Socialização do bem‑estar social (o Estado do bem‑estar social) • Estabilidade internacional por meio de acordos multilaterais • Centralização • O Estado/cidade subsidiador • Intervenção indireta em mercados por meio de políticas de renda e de preços • Políticas regionais nacionais • Pesquisa e desenvolvimento financiados pelas firmas • Inovação liderada pela indústria • Desregulamentação/regulamentação • Flexibilidade • Divisão/individualização, negociações locais ou por empresa • Privatização das necessidades coletivas e da seguridade social • Desestabilização internacional; crescentes tensões geopolíticas • Descentralização e agudização da competição inter‑regional/ interurbana • O Estado/cidade empreendedor • Intervenção estatal direta em mercados por meio de aquisição • Políticas regionais territoriais (na forma de uma terceira parte) • Pesquisa e desenvolvimento financiados pelo Estado • Inovação liderada pelo Estado 137 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL e) Ideologia • Consumo de massa de bens duráveis: a sociedade de consumo • Modernismo • Totalidade/reforma estrutural • Socialização • Consumo individualizado: cultura Yuppie • Pós‑modernismo • Especificidade/adaptação • Individualização; a sociedade do espetáculo. Adaptado de: Swyngedouw (apud Harvey, 1992). Os dados apresentados descrevem como a sociedade, na segunda metade do século XX, modificou‑se, e com isso, o papel do profissional de serviço social também tem que ser renovado em relação a um novo perfil de mercado de trabalho. Assim como a geração de políticas públicas que são frutos desse novo olhar da sociedade. Todo esse quadro nos remete à seguinte condição: [...] com todas as exigências do modelo fordista, visando a colocar o trabalhador em condição de explorar o máximo da sua força de trabalho, controlando tempo, espaço, descanso e qualquer tipo de conversa durante o trabalho, na realidade, o sucesso tão almejado, embora tenha sido efetivado em um determinado período, passou a apresentar suas contradições, como a diminuição da responsabilidade por parte de quem realiza as tarefas, de modo que o trabalhador passa a ser um simples tarefeiro ou cumpridor de ordens, além da segurança do trabalho abaixo das exigências internacionais (ROZA; RYTHOWEM, 2007, p. 74). Com a queda do fordismo temos um movo cenário do mundo do trabalho: [...] no cenário mundial contemporâneo, as inúmeras transformações de ordem econômica, política, social e cultural trazem novas formas de relações entre instituições e mercados, organizações e sociedades. Os interesses das organizações crescem em esforços para atender às demandas sociais e, ao mesmo tempo, geram novas necessidades de consumo, com o lançamento de novos produtos (ROZA; RYTHOWEM, 2007, p. 81). Em síntese, percebemos que o processo de precarização do mundo do trabalho nada mais é do que a resultante do processo de globalização da economia e que trouxe um novo desenho para o papel do Estado e das políticas públicas. Nesse sentido, o quadro apresentado na obra de Harvey (1992) se caracteriza como um instrumento para que possamos entender a realidade do mundo do trabalho no final, do século XXe sua relação do trabalho como uma questão social, alvo de análise do profissional de serviço social. 7.3 O perfil demandado ao assistente social diante das múltiplas expressões da questão social Atualmente, o perfil demandado para o assistente social é de um profissional compromissado com o enfrentamento da questão social, de modo competente, crítico e propositivo, na perspectiva de Windows Realce 138 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III construção de uma sociedade mais justa e solidária. Um profissional que contribua para a superação de situações de vulnerabilidade e fragilidade dos diversos segmentos sociais, na ampliação do acesso às políticas sociais e na garantia da expansão dos direitos sociais e de cidadania. O perfil demandado ao assistente social, atualmente, exige uma contínua formação e uma rede de relações e parcerias. Para tais indicadores, é necessário que o profissional trace um perfil frente ao que deseja ser. Apontamos alguns indicadores a que o profissional deverá estar atento: • capacitar‑se continuamente, com vistas ao aprimoramento intelectual e profissional; • acionar parcerias, desenvolver uma rede de serviços; • desenvolver estratégias para o enfrentamento cotidiano, na perspectiva de fortalecimento/ empoderamento (empowerment) dos sujeitos sociais; • posicionar‑se ética e politicamente em relação à questão social, em todas as suas expressões. O perfil profissional poderá sofrer influências do cotidiano profissional, como já ressaltamos anteriormente, ou seja, o assistente social poderá trabalhar em prol da manutenção do sistema vigente ou para a ampliação e consolidação das políticas públicas. Claro que esse não é o perfil de um profissional crítico, comprometido, reflexivo e propositivo. Às vezes, o assistente social acaba reiterando práticas tradicionais do serviço social, que foram discutidas nos idos da década de 1960, mais precisamente no início do Movimento de Reconceituação da profissão, e que sabemos não dão mais conta da nossa realidade. É o que podemos caracterizar como um retrocesso profissional, uma cristalização da emancipação dos sujeitos e uma não garantia de direitos. Diante desse fato, Souza e Azeredo nos asseveram: Cabe‑nos, então, conhecer todo esse processo onde se descortinam as competências para, a partir delas, construir criticamente, dentro do espaço de atuação do serviço social, novas ações que, embora antenadas com esse novo discurso, preservem, em sua essência, a direção ético‑política definida pela categoria para a prática do serviço social (SOUZA; AZEREDO, 2004, p. 50). Diante dessa afirmativa, compreendemos que o perfil profissional contemporâneo exige o desvelamento dos espaços profissionais e ações que não percam de vista o compromisso com a ética, mesmo diante da reestruturação dos processos de trabalho, fato esse que agrava, de forma substancial, o aumento das expressões da questão social. 7.3.1 Novas demandas profissionais O serviço social, na atual conjuntura, deve estar atento às determinações sócio‑históricas e ideológico‑políticas, as quais requalificam as respostas profissionais, incidindo em: • capacitação teórico‑metodológica que permita apreensão crítica da realidade; Windows Realce Windows Realce Windows Realce Windows Realce 139 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL • capacitação investigativa articulada à intervenção profissional, com o intuito de instaurar habilidades teórico‑metodológicas e técnico‑políticas, entre outras; • entendimento de que a instituição não é um limite, mas a possibilidade do exercício profissional; é no espaço institucional que se realiza o trabalho profissional; • a não ilusão que outrora permeou a prática profissional, que postulava como objetivo profissional a transformação radical da sociedade; • reconhecimento de que, no sistema capitalista, os direitos econômicos, sociais, políticos e culturais são capazes de reduzir desigualdades, mas não são capazes de acabar com elas de modo definitivo; • o reconhecimento dos limites profissionais não invalida a luta pela efetivação dos direitos pelas políticas públicas. Os limites sinalizam que existe uma agenda estratégica de luta democrática em prol da construção de uma sociedade mais justa e igualitária; • quando o assistente social repensa sua prática, reconstrói seu objeto de intervenção, deixando de ser mero executor, como no passado, para ser um profissional propositivo, criativo, gestor, formulador de estratégias de intervenção e controlador dos recursos destinados às políticas públicas. As respostas apresentadas às demandas nunca são absolutamente novas ou obsoletas. Isso depende muito da conjuntura em que o assistente social está inserido. Por exemplo, algumas práticas profissionais nos grandes centros já estão ultrapassadas, porque já foram instauradas há muito tempo, já foram avaliadas e reavaliadas, e estão sendo ampliadas ou substituídas por outras para dar conta da realidade. Já em lugares mais remotos, algumas práticas ainda nem chegaram, nem sequer existem profissionais do serviço social. O que vai determinar as demandas profissionais, diante da questão social, são as determinações sócio‑históricas e ideológico‑políticas da realidade em que você estará atuando. Portanto, as demandas profissionais poderão ser distintas nos diversos cantos do Brasil, mas a gênese das desigualdades e exclusões é uma só: a relação conflituosa entre capital e trabalho. As respostas e a forma de enfrentamento da questão social serão determinadas pelo profissional na conjuntura em que ele estiver inserido. Em relação à questão social, Iamamoto nos assevera: A questão social é apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna‑se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém‑se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2001, p. 27). Windows Realce Windows Realce Windows Realce 140 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III É polêmico dizer que a fome, a pobreza, a violência e outras expressões são diferentes no Norte e no Sul do país. Polêmico dizer que a fome no Sul é diferente da fome no Nordeste; que a violência nas grandes cidades é diferente da violência das cidades pequenas. Assim como é complicado dizer que as demandas são totalmente diferentes. Existem, sim, especificidades regionais – culturais, econômicas, políticas e sociais – que devem ser levadas em conta na hora de formular ações de enfrentamento à questão social. É nesse sentido que, para nós, a questão social é única, mas suas expressões são múltiplas. E o conhecimento teórico‑metodológico que o profissional de serviço social possui poderá contribuir para respostas eficazes. Dissemos poderá, pois depende de cada um buscar aperfeiçoar‑se e qualificar‑se. Mas lembre‑se: antes de tudo, você está trabalhando com pessoas e não com objetos materiais; pessoas carentes de tudo, de recursos, de afeto, entre outras necessidades sociais e materiais. É importante gostar do que se faz, pois, do contrário, você não estará contribuindo em nada para uma sociedade mais justa e igualitária, nem com o trabalho em prol do combate às expressões da questão social. 7.3.2 As principais demandas do serviço social As demandas para o serviço social podem ser constituídas, dirigidas e manifestadas, no entanto, não podemos caracterizar as demandas somente dessa forma, uma vez que elas extrapolam esses conceitos. Para melhornos situarmos, vamos iniciar com as demandas dirigidas e manifestadas. No desdobramento do texto, você perceberá que as demandas podem ser caracterizadas de outras formas, dado o seu contexto profissional, institucional e a do usuário, levando em conta a realidade em que estão inseridos. Observação As demandas dirigidas ao serviço social são aquelas instituídas dado o caráter do serviço prestado. Caracterizam‑se por rotinas apresentadas pela dinâmica da instituição ou serviço prestado ou pelo próprio profissional. Podem ser comuns a profissionais de determinada área ou específicas. Depende do setor em que o assistente social está locado. Em uma área, há serviços setorizados, e outros que são comuns a todos os setores e profissionais. As rotinas fazem parte do exercício profissional do assistente social, que se efetiva no cotidiano da instituição na qual ele está inserido. O cotidiano transforma‑se continuamente e diferencia‑se conforme as experiências, vivências, em função de particularidades, valores, interesses e época histórica. A vida cotidiana é a vida dos mesmos gestos, atitudes, ritmos de todos os dias, o que implica a imediaticidade, o útil, o funcional. Cabe ao profissional romper com esses procedimentos. Como? Gostar do que faz, ter motivação, paixão, comprometendo‑se com o trabalho e com os usuários. 141 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Citamos como exemplo de rotinas dirigidas do serviço social em uma empresa: entrevista domiciliar, visita hospitalar, atendimentos individuais para resolução de problemas relacionados a absenteísmo, financeiros, relacionamentos interpessoais no setor etc. As demandas dirigidas são explicitadas com clareza pela instituição, pelos profissionais. Pode ocorrer ou não o reconhecimento do serviço como demanda. Essa é uma questão polêmica: o profissional e a instituição, às vezes, não têm meios/instrumentos (sociais e materiais) para realizar os serviços, aliado às políticas públicas que ainda não conseguiram ser efetivadas na sua totalidade. A efetivação não se dá devido aos problemas burocráticos, políticos, ideológicos, ou por falta de profissionais qualificados para assumir a gestão. Se as demandas explícitas, às vezes, tornam‑se complexas (pode ser difícil a sua identificação, ou não são priorizadas, pois não são reconhecidas como serviço pelo profissional ou pela instituição), imagine como são tratadas as demandas manifestadas e as implícitas. Faça uma reflexão de um serviço que você conhece, problematizando os aspectos levantados no decorrer do texto. Um serviço público fácil de problematizar é a saúde, tão polêmica e preocupante. Lembre‑se de que as demandas existem e são muitas. Como equacioná‑las, levando em conta os meios de trabalho para os profissionais e para as instituições e as políticas públicas existentes e sua real efetivação? As demandas manifestadas são aquelas que extrapolam a rotina dos serviços, geralmente são solicitadas pelos próprios usuários, outras vezes estão implícitas, não sendo identificadas inicialmente pelo profissional ou pela instituição. Quando solicitadas pelos usuários, o profissional trata o atendimento como demanda individual/ particular, negando o caráter coletivo. Contudo, é preciso compreender que as demandas “são coletivas não só porque vivenciadas por todos, mas também porque só coletivamente poderão ser enfrentadas” (VASCONCELOS, 2002, p. 171). A manifestação por parte do usuário ocorre quando ele percebe a necessidade de um serviço complementar ao que ele já está recebendo. Essa manifestação se dá quando o usuário toma ciência da existência desse serviço. A manifestação pode ocorrer também por solicitação de um serviço que não existe no bairro, na comunidade etc. do usuário. A demanda manifestada pode ser explícita ou implícita, o que complica mais: como pode ser implícita dentro da manifestada? Vejamos: ao manifestar sua demanda, o usuário poderá apresentar uma demanda implícita (não identificada dentro de um processo maior). Por detrás da manifestada, o profissional poderá detectar situações implícitas que levaram à demanda manifestada, ou seja, o profissional está tratando a consequência, o efeito, e a causa não foi observada. Em outras palavras, está tratando a parte e não o todo, é uma ação fragmentada, focalizada no problema e não no ser humano como um todo. 142 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III A implícita poderá ser muito maior que a manifestada, por isso o profissional tem de estar dotado de meios (conhecimentos) para decifrar o problema. O implícito é o que não dito pelo usuário e o não percebido pelo profissional. É o que está nas entrelinhas da fala do usuário. 7.3.3 Demanda profissional: aumento da seletividade no âmbito das políticas sociais Diante das demandas existentes, é notória a procura por serviços sociais. Entretanto, há que se ressaltar o aumento da seletividade no âmbito das políticas sociais, a diminuição de recursos, a redução dos salários, a imposição de critérios cada vez mais restritivos à população para ter acesso aos direitos sociais públicos. Nessa perspectiva de seletividade, o profissional tem de trabalhar pautado nos princípios do Código de Ética Profissional, defendendo, intransigentemente, o usuário e os direitos que lhes são garantidos por lei e que, “algumas” vezes, são repassados como forma de favor, clientelismo e paternalismo. O usuário, quando procura por um serviço, geralmente é portador de uma necessidade material ou social. Paulo Netto e Falcão (2000, p. 54) mencionam que: [...] sabemos que o atendimento dessas necessidades é realizado de forma setorizada, fragmentada, como se o indivíduo fosse um somatório de necessidades a serem satisfeitas, cada uma delas pela superposição de instituições específicas. Sabemos igualmente que, no caso brasileiro, o atendimento a essas necessidades é pulverizado e individualizado, requerendo sempre uma seleção ou triagem que confirme o mérito ou validade do pedido de atendimento. Essa demanda requer mediação, por parte do assistente social, entre as necessidades básicas e as possibilidades institucionais. É um trabalho de ligação/ponte entre os grupos em situação de exclusão e as instituições. É um processo de passagem da situação de excluído para a de inclusão, em um serviço ou acesso a um bem. A mediação é um processo que implica o engajamento ou compromisso dos assistentes sociais, em um conjunto de atividades com o usuário, que objetiva o fortalecimento da sua identidade, da autonomia, do reconhecimento e do uso de recursos. Segundo Netto e Falcão (2000), a mediação é um instrumento de que o assistente social se utiliza no seu fazer profissional, categoria que está inserida tanto nas demandas, quanto nas práticas sociais e é compreendida também como um processo de passagem. Na operacionalização de suas ações, o profissional é demandado pela organização/instituição a desenvolver quase sempre práticas imediatistas e focalistas. Cabe a ele, ao dar respostas às demandas, superar essa prática de forma crítica e propositiva. Iamamoto (2001, p. 22) ressalta que: [...] olhar para fora do serviço social é condição para se romper tanto com uma visão rotineira, reiterativa e burocrática do serviço social, que impede vislumbrar possibilidades inovadoras para a ação, quanto com uma visão Windows Realce 143 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL ilusória e desfocada da realidade que conduz a ações inócuas. Ambas têm um ponto em comum: estão de costas para a história, paraos processos sociais contemporâneos. Cabe ao assistente social dar respostas que vão além do imediatismo. O profissional deve estar comprometido com sua profissão e com o usuário, ter o cuidado de não cair na subalternidade que existe na profissão em algumas instituições, achar que é tudo natural, normal e cumprir apenas as normas e rotinas estabelecidas. Sucintamente, podemos definir como “novas demandas” para o serviço social: • identificar novas oportunidades de trabalho, demandas sociais: cooperativas, assessoria e consultoria, terceiro setor, responsabilidade social, turismo social, desenvolvimento sustentável etc.; • decodificar expressões da questão social, buscar formas de enfrentamento, respeitando suas especificidades, como, por exemplo, gênero, etnia, raça etc. Para atender a essas demandas e a outras impostas à profissão, é importante que o profissional identifique as oportunidades e a diversidade da realidade social. O social não é especificidade de nenhuma profissão: o que existe são formas diferentes, de cada profissão no trato do social. Diante das novas demandas, apresentaremos, a seguir, os desafios que se apresentam à profissão. As demandas e os desafios não se esgotam em um estudo, é preciso buscar o seu entendimento paulatinamente. Por isso a formação é contínua, e o desafio maior é aprender as alterações históricas que os processos sociais vêm gerando no campo profissional. Detectar as demandas e exigências de reformulações no modo de ser, de fazer profissional, assegurando sua necessidade social, é buscar aprender o significado social da profissão, no contexto das profundas alterações na divisão internacional do trabalho. 7.3.4 Os desafios para a atuação profissional Atualmente, há um processo de minimização das funções sociais do Estado, mediante a privatização dos serviços públicos básicos, a desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, o aumento dos níveis de exploração e desemprego, o que gera instabilidade profissional. Por sua vez, os assistentes sociais também sofrem com essas transformações societárias, pois fazem parte do mercado de trabalho em sua divisão sociotécnica. A desregulamentação e a flexibilização das relações trabalhistas têm provocado mudanças nas contratações e concursos públicos. O que ainda vem garantindo direitos são os planos de carreira dos funcionários públicos, mas percebe‑se que é uma luta árdua para assegurar novas conquistas. Não há constatação de que o espaço de atuação do serviço social esteja acabando. Há, sim, modificações em campos tradicionais, em função de novos reordenamentos das políticas públicas, como, por exemplo, os programas de renda mínima, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), bolsa família etc., além daqueles que os estados e municípios criam para atender às demandas sociais. 144 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III Se os campos tradicionais passam por transformações, os sujeitos (usuários) também mudam seu perfil. Os usuários tradicionais, como idosos, crianças, famílias, entre outros, passaram a constituir grupos, segmentos organizados específicos, para defender seus interesses individuais (da sua categoria). Não deixaram de ser usuários dos serviços sociais, mas agora buscam sua categoria e atuam coletivamente. Nesse cenário, observam‑se campos “emergentes”, de categorias específicas, como os negros, os homossexuais, os índios, os usuários de álcool e outras drogas, que antes estavam organizados, mas não tinham dimensões organizativas e políticas de atenção especial. Enquanto há uma retração por parte do Estado na prestação de serviços básicos, devido ao enxugamento de suas responsabilidades por medidas neoliberais, por outro lado há uma expansão do terceiro setor, por meio de organizações não governamentais, que acaba assumindo papéis do Estado, em oposição a ele ou à margem dele, na prestação de serviços como na garantia de direitos. O cenário mudou, passou e passa por transformações, e os atores e protagonistas também têm de mudar, na busca de papéis significativos em prol de garantia de direitos e prestação de serviços. O trabalho muda conforme as necessidades de cada região, município. Percebe‑se uma forte tendência para a área de gestão de programas e projetos e terceirização de serviços. Faleiros (1996, p.13‑14) afirma que: [...] os desafios práticos‑políticos que se apresentam para a profissão nessa conjuntura estão inseridos num movimento constante de enfrentamentos teóricos e mudanças econômicas, políticas e organizacionais, possibilitando visualizar, nos conflitos presentes, vários cenários de inter‑relação entre as forças em presença. Com a reestruturação dos processos produtivos, o mercado de trabalho espera de um trabalhador melhor produtividade para atender seus objetivos. O profissional tem de ser polivalente e comprometido com a filosofia empresarial e preparado para enfrentar desafios e demandas postas pela agilidade/rapidez de que as empresas precisam para se manter no mercado. As modificações no trabalho exigem novas competências e habilidades profissionais. Isso não se dá só com o serviço social, mas com todas as demais profissões, que precisam constantemente atualizar‑se, pois correm o risco de ficar fora do mercado de trabalho. Serra (2000, p. 171‑172) diz que: [...] as habilidades devem ser um requisito imprescindível hoje a compor o tecido de formação profissional em todos os níveis, porque, inclusive elas ultrapassam o terreno da profissão, são exigências para respostas mais eficazes e efetivas às necessidades atuais, em todas as áreas profissionais. Necessidades essas que requisitam um profissional propositivo, formulador, 145 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL articulador, gestor, implementador, negociador e equacionador, em face dos processos de alterações na ossatura do Estado e das exigências do mercado por conta das mudanças no mundo do trabalho. Os exemplos mais nítidos para o assistente social são a falta de conhecimentos de informática, carência de boa redação, além do óbvio: falta de leituras para apreensão do real. A habilidade relacional é outro aspecto de suma importância em qualquer profissão. Quando falamos “falta”, é porque o profissional, por vezes, não detém os conhecimentos mínimos para o desempenho de atividades rotineiras, como a digitação de documentos e a elaboração de relatórios, pareceres e laudos. A falta de leituras leva à limitação de argumentações ou à repetição de ideias. Esse fato resulta no risco de o assistente social ser acrítico e imediatista, o contrário do que se idealiza: um profissional crítico, reflexivo e propositivo. Quando se fala em ser crítico, não se pode confundir com a crítica pela crítica, sem fundamentação lógica. Ser um profissional crítico significa argumentar e propor embasado/fundamentado; não aceitar o senso‑comum; analisar o fenômeno social considerado; não aceitar concepções políticas e ideológicas como fim único. Ser crítico também é saber respeitar a opinião dos outros, mesmo que ela seja diferente da nossa. Não significa ficar calado e, sim, se posicionar respeitando a pluralidade de ideias e o direito do outro, ser um profissional pensante (reflexivo), propositivo e não apenas tarefeiro. Além de ser crítico, é importante ser propositivo. As práticas imediatistas se opõem a planejar, projetar. É a prática que é realizada sem um prévio planejamento, é aplicada para atender uma demanda hoje, amanhã outra e assim por diante. Há que se considerar que existem práticas imediatistas, como no caso de hospitais, nos quais os profissionais atendem a emergências; mesmo assim, é sabido que há condições, mesmo mínimas,de fazer planejamento e avaliação das rotinas de atendimento nos hospitais. Portanto, as práticas em instituições de saúde tendem a ser imediatistas, mas nem por isso são equivocadas em suas atribuições, pelo contrário, há definições de papéis, dado o seu caráter emergencial. Outro desafio é romper com práticas clientelistas, paternalistas. Você deve estar se perguntando: “isso já não foi superado na década de 1980?” Superado parcialmente, mas ainda persistem práticas desse tipo, por condições análogas, seja por parte do próprio profissional, ou por parte da instituição que “tenta” impô‑las. Faleiros (1997, p. 51) destaca que: [...] o clientelismo se caracteriza por uma forma de espoliação do próprio direito do trabalhador de ter acesso aos benefícios, pela intermediação de um distribuidor que se apossa dos recursos ou dos processos de consegui‑los, trocando‑os por formas de obrigações que se tornam débitos da população. Elas são cobradas, por exemplo, em conjunturas eleitorais ou mesmo por serviços pessoais aos intermediários. Eliminando‑se a igualdade de acesso, característico do próprio direito burguês, o clientelismo gera a discriminação, a incompetência, o afilhadismo. Windows Realce Windows Realce 146 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III O saber teórico‑metodológico é a fundamentação que o profissional tem para poder intervir, contribuir para acabar com o clientelismo e o paternalismo existentes em algumas instituições. O seu fazer profissional tem de superar a superficialidade, ir fundo na questão social, na defesa do usuário, na garantia de seus direitos. O autoritarismo é um mecanismo que cerceia o direito a negociações, questionamentos, divergências, reivindicações e à elaboração de políticas públicas. Contrapõe‑se ao projeto coletivo, pois se estabelece por interesses particulares, criando relações rígidas com a população. Faleiros (1997, p. 51) afirma que “o clientelismo e o autoritarismo se articulam com formas burocráticas de atribuição dos recursos [...]”. Essa articulação faz com que concentre ou desconcentre recursos, serviços ou decisões, o que implica a desinformação e o desestímulo dos usuários dos serviços públicos. Outro problema sério é a falta de conhecimento dos gestores não qualificados para a função – os recursos não são utilizados e repassados à população por meio de serviços. Um exemplo claro disso são os recursos federais que estão disponíveis para os estados e municípios e que não são utilizados. A não utilização dos recursos acarreta a precarização de bens e serviços a serem oferecidos à população. O grande desafio do serviço social está em fazer com que seus profissionais atinjam a consciência necessária ao exercício ético, crítico, propositivo e comprometido da profissão. Para tanto, é necessário que o assistente social seja intelectual ou operativo, para romper com alguns vícios que perseguem a profissão há muito tempo, como a acomodação, o paternalismo, o desconhecimento do que é a própria profissão, entre tantos outros. É uma forma de reorientação do cotidiano profissional, levando em conta a correlação de forças existentes ao propiciar o acesso da população ao saber, aos serviços disponíveis e ao poder de decisão. Os desafios para a profissão são: a) defender intransigentemente as conquistas sociais obtidas na Carta Constitucional de 1988, ameaçada pelas políticas neoliberais; b) exercer uma prática profissional reforçadora de direitos sociais. Não em sua normatividade legal, mas em sua forma de operar os princípios; c) serem profissionais informados, críticos e propositivos. Ter competências não só de conceito de teorias. É preciso ter competência no modo de pensar, no modo de explicar e de sugerir; d) buscar constantemente pesquisar a realidade, produzir conhecimentos que permitam decifrar o presente, a análise concreta das situações sobre as quais incide o trabalho profissional; e) buscar a formação continuada, para continuar a aprender; f) saber relacionar‑se e comunicar‑se; g) ter capacidade de análise e de síntese (saber dar respostas); h) rer conhecimento generalista (diversas áreas) e específico (do serviço social e/ou da sua área de atuação); Windows Realce Windows Realce 147 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL i) ver a profissão como prática libertadora; j) trabalhar em equipes multidisciplinares; k) dominar novas tecnologias sociais e informacionais. Portanto, as possibilidades de atuação não se esgotam, principalmente em um país com tantas desigualdades e problemas sociais. Em tese, não falta trabalho para um profissional como o assistente social, dotado de habilidades e competências para atuar no campo das políticas sociais, na defesa e garantia de direitos sociais da população. Há, ainda, muitos espaços para se conquistar e se reconhecer no mercado de trabalho. O desafio maior está em gostar do que faz. Paixão e emoção são ingredientes indispensáveis ao dia a dia, evitando‑se cair na visão heroica e de salvador do mundo. 7.3.5 Reordenamento dos serviços sociais A categoria profissional vem discutindo um reordenamento da prática profissional, tanto na defesa de direitos como também na prestação de serviços que antes eram executados predominantemente pelo Estado e agora são transferidos paulatinamente, por meio de parcerias, convênios etc., para outros setores da sociedade civil, predominantemente para organizações não governamentais. Os serviços têm caráter voluntário ou de prestação de serviços. Caracterizam‑se por ações fragmentadas, isoladas, paliativas e de cunho individualista. Como nos assevera Iamamoto (2001, p. 159): Cortam‑se gastos sociais e transferem‑se serviços para o setor empresarial, condizente com a política mais ampla de privatização, levada a efeito pelo Estado. O enxugamento e sucateamento dos serviços públicos têm redundado não apenas na perda de qualidade dos atendimentos, como têm reforçado a seletividade, o que entra em colisão como uma das principais conquistas obtidas na Carta Constitucional de 1988, relativa à universalização dos direitos sociais e dos serviços, que lhes atribuem materialidade. O Estado não tem poder de controle sobre esses serviços, o que os desqualifica, de modo que seus agentes fazem o que querem. Muitos desses serviços têm “donos”, ou seja, quem os criou não socializa, não abre para o ingresso de outros participantes. Algumas ações são exitosas, promovem a cidadania, a emancipação, mas sabemos que a maioria não passa de obras caritativas e assistencialistas, que reforçam a subalternidade dos sujeitos; outras servem de fachada para receber recursos do governo e de agências internacionais. Windows Realce 148 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III 7.3.6 Terceirização da gestão da questão social A desinstitucionalização da questão social ocorre quando o Estado de direito deixa de atender serviços básicos e a garantia dos direitos fica à mercê de organizações não governamentais com critérios próprios, o que muitas vezes acaba reforçando exclusões. Os critérios de acesso aos serviços são excludentes, uma vez que não são universais, e os sujeitos que os solicitam precisam “enquadrar‑se” em determinados perfis, havendo mais uma exclusão. Essa afirmativa sobre exclusão é uma crítica que a categoria profissional pontua muito, visto que muitas vezes somos nós, assistentes sociais, que reforçarmos a exclusão, ao criar critérios de seleção, ingresso em programas, projetos, benefícios. Por isso, nossa prática é contraditória, conflituosa: como incluir, se também estouexcluindo? O Estado, ao terceirizar a gestão da questão social, promove a distribuição de verbas públicas para entidades privadas exercerem ações de caráter público, de responsabilidade do Estado. Essas se realizam por meio de convênios, contratos, parcerias, prestação de serviços, subvenções temporárias ou periódicas etc. Mesmo diante desses impasses de terceirização ou desinstitucionalização, o serviço social vem trabalhando na gestão de ações para inclusão ou integração dos cidadãos no terceiro setor, de modo que não sejam tão desiguais ou excludentes, embora os critérios de seleção/ingresso sejam preponderantes nesse processo. A intervenção do serviço social no terceiro setor tende a ampliar‑se, tendo em vista os cortes com gastos sociais e os recursos distribuídos de forma focalizada e fragmentada por parte do Estado. Ao transferir responsabilidades, o Estado tende a prestar serviços com menos custos e menos garantias. E o terceiro setor, por sua vez, tende a ações mais individualistas, isto é, a ações cujo público‑alvo são determinados segmentos (idosos, crianças, abrigos, clínicas, casas de apoio) com critérios de acesso, estabelecidos em regimentos ou estatutos. Como nos afirma Faleiros (1996, p. 24): Essa terceirização é uma nova forma de gestão da questão social que, na linha da desinstitucionalização, agora se volta para o empenho da própria população na participação dos serviços prestados pelo Estado. Esse cenário se realiza sob múltiplas formas, como, por exemplo, pelo fechamento de hospitais, com implicação dos familiares no cuidado dos doentes. O mesmo se passa com o atendimento a crianças e pessoas idosas, ficando cada região e cada localidade responsável pela gestão de um fundo para projetos que envolvam, por um lado, os serviços e, por outro, admitam para trabalhar pessoas envolvidas em programas de bem‑estar social com o dinheiro desse mesmo fundo. 149 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Faleiros (1996, p. 15) adverte que é nesse processo que o serviço social precisa encontrar as categorias adequadas para repensar o social e a gestão do social. Logo, o assistente social precisa desenvolver sua condição criativa e reflexiva, bem como contribuir para que os sujeitos desenvolvam mais sua capacidade crítica frente às instituições e aos serviços prestados. 7.3.7 Novas formas de enfrentamento da questão social para o assistente social • Apreender as várias expressões da questão social nos diferentes contextos. • Projetar e propor formas de resistência e de defesa da vida. • Os desafios continuam, ou seja, os cenários/realidade e sujeitos continuam com demandas, com lutas. • O serviço social tem hoje, diante de si, o desafio da construção de respostas às novas demandas dos processos de reestruturação produtiva, da reforma do Estado, das novas formas de organização da sociedade civil e de classes/segmentos sociais. • A questão social, como eixo fundante da profissão, instiga a constante formulação de estratégias de enfrentamento dos problemas que se colocam no presente. Devemos, dessa forma, pensar em construir uma maneira de atuar que explicite ainda mais a utilidade social da profissão, mas sem perder o sentido da investigação das realidades contemporâneas, incorporando os conteúdos teóricos de forma concreta, exercitando a reflexão, para a análise e síntese na busca por respostas aos problemas sociais apresentados. Uma forma contemporânea de enfrentamento das expressões da questão social é o trabalho de fortalecimento de grupos e comunidades, a socialização de direitos e o fomento aos movimentos sociais, objetivando a participação dos indivíduos na militância por direitos sociais e melhoria nas condições socioeconômicas de todos. Os conselhos são espaços por excelência de participação e de discussões, onde todos podem participar e propor diretrizes, formas de gestão e de controle dos recursos utilizados nas políticas públicas. Cabe aos assistentes sociais a publicização da necessidade de participação nos conselhos e movimentos sociais pela sociedade civil e pelos segmentos de representação da sociedade. 7.4 Matrizes do processo de trabalho do assistente social Depois que identificamos nosso objeto de trabalho, partimos para o processo de trabalho propriamente dito. Ele tem seu início com o processo de conhecimento que desemboca no de intervenção. Na verdade, não há como dizer o que vem primeiro, mas é necessário identificarmos, primeiramente, o objeto de intervenção, para depois contextualizar o processo de estratégias e atividades de trabalho. A prática profissional do assistente social é considerada trabalho, pois é orientado para uma finalidade, possuidor de uma teleologia. E esse profissional é um trabalhador assalariado. O assistente social, na condição de trabalhador assalariado, “também sofre todas as injunções decorrentes da divisão 150 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III social do trabalho, da reestruturação produtiva e das reformas por que vem passando o Estado” (ABESS/ CEDEPESS,1996, p. 163‑164). Embora o assistente social esteja sujeito às alterações do mercado de trabalho, o profissional deve estabelecer um distanciamento crítico dele, no sentido de apreender a dinâmica da sociedade. Essa mediação é determinante para a sobrevivência do serviço social. O processo de trabalho do serviço social como qualquer trabalho no setor de serviços, gera “valores de uso”, apesar de não “produzir diretamente mais‑valia”. Seu produto não é necessariamente de base corpórea, material, mas expressa um resultado, um valor de uso. Participa do processo ampliado de produção e reprodução social, exercendo funções mais ou menos estratégicas, à medida que se articula a setores produtivos, mais ou menos importantes (GENTILLI,1997, p. 132). O processo de exercício do serviço social vê‑se sufocado tanto pelas transformações societárias, como pela globalização, cujas repercussões sociais destacamos em outras disciplinas, e também pelo retraimento do Estado em relação às políticas sociais e aos cortes nos gastos sociais. A globalização e o desenvolvimento tecnológico, a transferência de serviços do Estado para ONG’s e instituições privadas, entre outras mudanças em curso, são movimentos contraditórios que geram conflitos, desigualdades, exclusões, lutas e resistências. Essas mudanças incidem nas instituições prestadoras de serviços sociais e na própria dinâmica da profissão. A dinâmica da profissão configura‑se a partir de enfrentamentos de questões, a partir das contradições da realidade, da conjuntura social, política, ideológica, econômica e cultural. O trabalho do assistente social aporta perspectivas diferentes na empresa e no Estado. Na empresa, o profissional é partícipe na reprodução da força de trabalho. No Estado, pode participar na prestação de serviços sociais, na redistribuição de riquezas, via políticas públicas, na defesa de direitos sociais, na gestão de serviços públicos, em especial políticas públicas – programas, projetos – pode reforçar estruturas e relações de poder; pode contribuir para o partilhamento do poder e sua democratização. O produto desses dois últimos itens têm apontado as mais diversas práticas sociais. Você observou que continuamos insistindo no conhecimento, desde o primeiro período de graduação. Vamos continuar, sempre, pois somos profissionais que dialogam com as mais diversas teorias sociais, que subsidiam o profissional a conhecer para propor e intervir. Insistimos no conhecimento, porque é a partir dele que construímos o objeto de intervenção. A construção do objeto de intervenção se realiza por meio do conhecimento e da utilização de estratégias metodológicas,que se desdobram em vários instrumentos técnico‑operativos, tais como: análise institucional, plano/projeto de intervenção, documentação (pareceres sociais, laudos, perícias), abordagens individuais, abordagens grupais, entre tantas outras. 151 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL O conhecimento, instigado por estudos, reflexões, debates, pesquisas, como o que estamos fazendo agora, não pode ser pensado isoladamente da prática profissional. Ele tem de ser um meio pelo qual é possível decifrar a realidade e iluminar o processo de trabalho a ser realizado. Segundo Iamamoto (2001, p. 63): As bases teórico‑metodológicas são recursos [...] que o assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a moldam. Assim, o conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos no seu processo formativo é parte de um acervo intelectual, pessoal, profissional que o acompanhará pela vida toda. Nessa perspectiva, o assistente social detém as condições intelectuais, de conhecimento formativo, mas depende, na organização do seu trabalho, do Estado, da empresa, das entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços. Esses fornecem os meios e recursos necessários para a realização da atividade em si, estabelecem prioridades, rotinas a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e atribuições que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Como nos assegura Iamamoto (2001, p. 63), Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o serviço social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente social não detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos, necessários ao exercício profissional autônomo. Entendemos a profissão como dependente das instituições para disponibilizar os recursos necessários à realização de projetos, programas e atividades desenvolvidos por esse profissional. Dessa forma, o assistente social tem seu trabalho ligado às entidades empregadoras de seus serviços. 7.4.1 Formação profissional: exigências e perspectivas Saiba mais A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394) estabelece, em seu Art. 44, que a educação superior abrange: cursos sequenciais por campo de saber, cursos de graduação, de pós‑graduação e de extensão. Acesse o link a seguir e conheça na íntegra a Lei: <http://portal.mec. gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. 152 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III Há necessidade de reconstruir o projeto de formação profissional do assistente social, demarcado transversalmente pelos dilemas da contemporaneidade da sociedade brasileira nos anos 1990, nos quadros da nova ordem mundial nesse fim de século. E dar conta dessa exigência requer a radical conciliação do projeto formativo com a história: com as tendências contraditórias que dela emanam. Apropriá‑las, atribuindo à formação profissional, densidade de informações relativas à sociedade brasileira, é requisito preliminar para que se possa dar concretude à direção social, que se pretende imprimir àquela reconstrução do projeto, capaz de atualizar‑se nos vários momentos conjunturais. Mais ainda: uma qualidade de formação que, sendo culta e atenta ao nosso tempo, seja capaz de antecipar problemáticas concernentes à prática profissional e de fomentar a formulação de propostas profissionais que vislumbrem alternativas de políticas calcadas no protagonismo dos sujeitos sociais, porque atenta à vida presente e a seus desdobramentos. Um projeto de formação profissional que aposte nas lutas sociais e na capacidade dos agentes históricos de construírem novos padrões da sociedade para a vida social. Essa construção é processual, realizada na cotidianidade da prática social, e cabe aos agentes sociais detectá‑las e delas partilhar, contribuindo, como cidadãos e profissionais, para o seu desenvolvimento. O assistente social é um profissional inserido na divisão sociotécnica do trabalho e, ao longo dos anos, tem atuado diretamente na formulação e na implementação das políticas públicas. Quando da época de sua institucionalização no país, em 1940, o serviço social foi requisitado para atuar em instituições assistenciais estatais e nas paraestatais, atuando sob forte influência da igreja católica, com a perspectiva de um trabalho voltado para o amor ao próximo, para a justiça e para a caridade. O desafio é: como pensar uma formação profissional voltada para o processo de criação do novo na sociedade brasileira? Quais as possibilidades reais, abertas no reverso da crise, isto é, pelas próprias contradições que são com ela potenciadas, que se encontram escondidas no discurso oficial que as encobre? Essas possibilidades revelam‑se como horizontes para a formulação de contrapropostas profissionais no enfrentamento da questão social. São solidárias com o modo de vida e de trabalho que vivenciam, não só como vítimas da exploração e da exclusão social, mas como sujeitos que lutam, por isso, pela preservação, pela reconquista de uma humanidade, pela construção, na prática, da vida social cotidiana, de seu direito de ter direitos de homens e de cidadãos. Para que isso ocorra, deve haver um resgate desse profissional no exercício de sua profissão. Esse é nosso próximo assunto. 7.4.2 Resgate da assistência social como espaço do exercício profissional No contexto da redefinição do trabalho institucional, a assistência social é apontada como espaço de exercício profissional, configurando outra tese do Movimento de Reconceituação. 153 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL É na perspectiva de superação do tradicional que se situa a necessidade de superação da prática assistencialista, entendida como aquela em que os problemas provenientes das desigualdades sociais não são levados em conta (SOUZA, 1982, p. 69). O desenvolvimento da problemática social conduz o profissional a procurar saídas em novos métodos de ação, identificados simplesmente como um conjunto de operações técnicas, reduzidas a simples operações mecânicas sobre fatos isolados que nada dizem sobre o problema social que o gera. Ou seja, a construção dos problemas teórico‑metodológicos do projeto profissional coloca, na ordem do dia, outras prioridades: • correção dos problemas identificados na relação do serviço social com o marxismo e diálogo com outras matrizes teóricas, tendo em vista o desenvolvimento de uma compreensão dialética entre objetividade e subjetividade que permita superar os esquemas generalizantes; essa ação serve para compreensão das estruturas e conjunturas configurativas das realidades sociais e oferece possibilidades, não só para as análises do coletivo e das classes sociais, mas também para a compreensão dos sujeitos sociais singulares; • ampliação da ênfase que se vem dando à ação do serviço social centrado nas políticas sociais, com centralização das análises nas relações de poder e destaque para o papel do Estado e no caráter distributivo das políticas sociais, com a inclusão dos interesses presentes na sociedade civil expressos pela população‑sujeito dos serviços; • atualização do conteúdo teórico‑metodológico da profissão na conjuntura contemporânea, que coloca um contexto problemático para as alternativas de transformação social direcionadas para o socialismo; • aprofundamento da reflexão teórico‑metodológica ante a chamada crise de paradigmas nas Ciências Sociais. Entendemos quea atualização que se impõe ao serviço social deve considerar a inserção da profissão no momento histórico atual, sem perder de vista as possibilidades de desenvolvimento de uma prática profissional que tenta afirmar‑se e legitimar‑se, a partir de uma perspectiva de crítica às sociedades marcadas pela exclusão social e econômica da maioria das populações. Isso implica o questionamento da incidência da prática profissional sobre a pobreza e a miséria, visando a sua superação, sem articulação com mudanças na estrutura social. Mediante a perspectiva de incorporação do método dialético e de compreensão da instituição como espaço contraditório de luta de classes, o serviço social procura refletir sobre a possibilidade de, no âmbito institucional, ampliar a participação da população, em uma perspectiva de compromisso com suas lutas. Isso ocorre a partir do redimensionamento da assistência, inserida no âmbito do Direito, e atenta para suas determinações sociais e históricas como política governamental, sua imbricação com relações de classe e destas com o Estado (SPOSATI et al., 1985, p. 25). Não se pode desconhecer que, a partir da segunda metade dos anos 1980, os assistentes sociais contribuíram, sobremaneira, com estudos e reflexões para o entendimento da questão da assistência social no Brasil, inclusive influenciando na definição dessa política no âmbito do Estado brasileiro e dos 154 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III movimentos sociais. Nesse contexto, a assistência social é explicada como mecanismo de enfrentamento da questão social e deve ser entendida na trama das relações sociais e em uma perspectiva de direito. Claramente, a assistência social é assumida como tarefa dos assistentes sociais, junto com outros profissionais, no âmbito de organizações públicas e privadas. É no âmbito do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina que a pressuposição de neutralidade da profissão é questionada e inicia‑se o debate coletivo sobre a dimensão política da profissão. Palma (1986, p. 13) ensina que: Apesar de todos os aspectos que podem ser criticados na reconceitualização, há que reconhecer que pôs sobre a mesa o problema da relação entre a prática profissional e a política – e fê‑lo em termos de denúncia das pretensões de neutralidade e apoliticismo com que a profissão operava. É nesse contexto que se desenvolve o debate sobre a necessidade de um compromisso do assistente social com os setores populares da América Latina. Silva (1982, p. 163), sobre esse assunto, assevera que: Esse compromisso passou a exigir uma redefinição da ação profissional, o que implica novas proposições conceituais, metodológicas, ideológicas e práticas, a fim de que tal propósito seja atingido. Daí, através da reconceituação, o serviço social terá assumido novas características, tendo em vista as inquietações, principalmente de ordem social, política e econômica, cuja repercussão se fazia no meio profissional. 7.4.3 Demandas profissionais e os espaços sócio‑ocupacionais Ao longo de seu desenvolvimento, o serviço social foi requerido por organismos estatais, empresariais e filantrópicos como uma profissão fundamentalmente interventiva, situada no âmbito da prestação de serviços previstos pelas políticas sociais públicas e privadas ou como executor terminal de políticas sociais. A Carta Constitucional de 1988 trouxe uma ampliação do campo dos direitos sociais, sendo por isso reconhecida como a Constituição Cidadã. A normatização desses direitos abre novas frentes de lutas no zelo pela sua efetivação, preservando o princípio de universalidade em sua abrangência a todos os cidadãos. A assistência social é reconhecida, pela primeira vez, como uma política pública, dever do Estado e direito de cidadania, partícipe da seguridade social, assentada no tripé da saúde, previdência e assistência, campo privilegiado da atuação do serviço social. Amplia‑se a possibilidade de ingerência da sociedade civil organizada na formulação, na gestão e no controle das políticas públicas sociais. Os mecanismos privilegiados vão além dos movimentos sociais organizados: conselhos municipais, estaduais e nacionais no marco dessas políticas; e conselhos de Defesa dos Direitos dos segmentos prioritariamente contemplados pela política de assistência social (criança e adolescente, idosos e deficientes). 155 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Abrem‑se, portanto, novos canais de participação que podem contribuir para a construção da esfera pública. Surgem para paliar a tradição política brasileira excludente, assentada na privatização da coisa pública, consubstanciada nas várias versões do coronelismo, do populismo, no uso do fundo público em função de interesses particulares nas restrições à universalização da cidadania. A participação referida recusa a condição dos cidadãos como maioria silenciosa ou clientes dos detentores do poder econômico e político; ou, ainda, consumidores de mercadorias, caricatura de uma cidadania estabelecida pelas regras do mercado. Isso porque entende‑se que a participação da sociedade civil organizada representa partilhamento de poder, interferência decisória na formulação, na execução e na fiscalização das políticas sociais públicas e, portanto, na redistribuição e no emprego do fundo público para a maioria da população. Exemplo de aplicação Sugiro uma reflexão: em sua opinião, o cidadão é reconhecido como sujeito do poder e da história, presente na multiplicidade dos espaços sociais e políticos, capaz de ter ingerência na direção intelectual e moral da vida pública na esfera da democracia plena? A estratégia participativa torna‑se fundamental em um contexto em que se verifica a retratação do Estado em suas responsabilidades sociais e, na contrapartida, a sua ampliação para o atendimento dos interesses do grande capital financeiro. Verifica‑se uma clara tendência de transferências daquelas responsabilidades sociais. A isso se soma a relativa desarticulação dos movimentos sociais e o enfraquecimento da organização sindical em um contexto de crescimento de desemprego, do trabalho informal, temporário, reforçado pela reorganização nas formas de produção, de contratação e gestão do trabalho, que afeta direitos conquistados. A descentralização político‑administrativa e a municipalização das políticas sociais representam uma possibilidade de alargamento do espaço sócio‑ocupacional dos assistentes sociais no âmbito da formulação e da gestão de políticas, o que impulsiona a participação na direção apontada. Verifica‑se hoje a diversificação da demanda desse profissional para mais além da linha executiva, abrangendo pesquisas, planejamentos, assessorias e consultorias, capacitação, treinamentos, gerenciamento de recursos e projetos. Crescem os trabalhos em parcerias interinstitucionais e em equipes multidisciplinares. Observa‑se uma clara tendência de superação da perspectiva restrita das especializações, afirmando‑se a preferência por um profissional competente em sua área de desempenho, mais generalista em sua formação intelectual e cultural, munido de um acervo amplo de informações em um mundo cada vez mais globalizado, capaz de apresentar propostas criativas e inovadoras. A restrição de dotações orçamentárias para os programas sociais, consoante com os princípios de enxugamento do Estado, preconizado pelos preceitos neoliberais, requer domínio na leitura e aplicação Windows Realce 156 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III dos orçamentos, tendo em vista potenciar o emprego de recursospara o atendimento das necessidades e prioridades apresentadas pela coletividade. A identificação dessas necessidades e prioridades supõe um cuidadoso conhecimento da população usuária dos serviços sociais, tanto em suas condições de vida material, como em sua subjetividade, reconhecendo representações sociais e expressões culturais dos diferentes segmentos sociais. Registramos que a diversificação das entidades demandantes do serviço social ante o crescimento das organizações não governamentais (ONG), vinculadas à defesa dos direitos humanos e à prestação de serviço nesse campo, passam a contratar profissionais universitários na implementação de seus projetos sociais. Às atuais alterações que se processam na esfera do Estado em suas relações com a sociedade, soma‑se a revolução tecnológica de base microeletrônica e suas refrações na produção, nos marcos da acumulação flexível. Isso atinge as formas de organização e gestão de trabalho. Segundo Silva (2006), os espaços sócio‑ocupacionais em que o serviço social contemporâneo atua são empresas, hospitais, creches, postos de saúde, pronto‑socorros, clínicas, construtoras, usinas sucroalcooleiras, fóruns, entidades assistenciais, centros comunitários, escolas, universidades, bancos e, principalmente, ONGs. Com as demandas da profissão vistas, observamos que o exercício profissional do assistente social ocorre em diversas áreas, como saúde, assistência social, criança e adolescente, empresas, justiça, educação, previdência, habitação, recursos humanos, terceira idade, área ambiental, rural etc. Há muito campo de atuação, só depende de você analisar e escolher onde quer atuar. 8 INTERDISCIPLINARIDADE Para que o profissional do serviço social crie estratégias e planejamento de ações que respondam às exigências e demandas apresentadas cotidianamente no seu trabalho, há necessidade de trabalho interligado aos outros profissionais, seja nas áreas da saúde, da educação, da assistência etc. Dessa forma, podemos pontuar que a convergência dos sete saberes é que determina a efetividade das ações e os projetos propostos pelos assistentes sociais. Essa integração e interação entre os profissionais, possibilitadas pela interdisciplinaridade, permitem a reflexão e a união da teoria e prática (práxis), uma vez que são necessárias discussões entre os profissionais e o planejamento para a junção dos saberes. Essas discussões fornecem aos profissionais a contribuição múltipla e complementar para interação dos saberes. Sobre esse assunto, Severino (2000, p. 19) afirma que: Pressupõe, de forma necessária, uma convergente colaboração dos especialistas das várias áreas das Ciências Humanas, evitando‑se assim uma hipertrofia, seja de uma fundamentação unidimensional, seja de uma intervenção puramente técnico‑profissional. 157 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL A junção de profissionais de diversas áreas para o trabalho em conjunto enriquece os trabalhos desenvolvidos, pois envolve os profissionais em um diálogo solidário, não para haver sobreposição dos saberes, mas para a realização da prestação de serviços de forma mais efetiva. O autor acrescenta: Para se constituir, a perspectiva interdisciplinar não opera uma eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral, reconhece as diferenças e as especificidades, convive com elas, sabendo, contudo, que elas se reencontram e se complementam, contraditória e dialeticamente (SEVERINO, 2000, p. 20). Saiba mais Convido você a conhecer Edgard Morin, o pai da teoria da complexidade, explicada em uma coletânea, composto por quatro livros da série O Método, que é composto por quatro volumes: seu habitat, sua vida, seus costumes, sua organização (Rio Grande do Sul: Editora Sulina, 1ª Edição, 1997). Nesses livros, existe uma narrativa que mostra como os sete saberes são necessários para a educação do futuro. O autor defende a incorporação dos problemas cotidianos ao currículo e a interligação dos saberes, e critica o ensino fragmentado. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos sete buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Esses programas devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos. Vale a pena fazer essa leitura, pois ela pode ampliar sua compreensão sobre integração e interação entre os profissionais possibilitando a interdisciplinaridade, o que permite a reflexão e a união da teoria e da prática. Boa leitura! Diante da globalização, das divisões no campo social, cultural, financeiro, político, científico etc., em particular da fragmentação na maneira de perceber e compreender o ser humano e suas relações, a interdisciplinaridade emerge como prática de articulação dessas partes. 158 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 Unidade III Podemos afirmar que, mais do que uma proposta simplista, a interdisciplinaridade pode se apresentar como uma resposta de intercâmbio e integração, uma maneira de transpor fronteiras e diferenças existentes entre as profissões, a fim de alcançar uma comunicação mais efetiva. 8.1 Interdisciplinaridade e a prática profissional do serviço social A interdisciplinaridade também é um elemento que traz uma visão totalitária para os trabalhos desenvolvidos em conjunto pelas profissões, inclusive o serviço social. A proposta da própria ciência sempre foi o método cartesiano de separação dos próprios conhecimentos, ou seja, as disciplinas, ou os conhecimentos se desenvolverem distanciadamente. Mas, com o aumento da complexidade dos problemas sociais, as profissões rompem com esses limites e trabalham a interdisciplinaridade, a junção dos saberes em uma perspectiva de totalidade. Sá (2000, p. 50) chama a atenção para o fato de que: Questionar a Ciência não significa, no entanto, negá‑la. É repensá‑la numa nova dimensão, ou seja, em seu significado sociocultural, em seu caráter instrumental em relação à sociedade. É estabelecer um vínculo entre o processo de produção científica e as necessidades sociais. Pensando a interdisciplinaridade, os profissionais do serviço social adotam um modelo de ação alternativo não mais se pautando em saberes isolados, mas desenhando, com outras profissões, um modelo integrativo que permita: • análise dos problemas das realidades sociais de forma totalitária ao vincular a teoria e a prática em um processo dialético e envolver diversas visões profissionais; • análise crítica da prática profissional, debate dessas práticas e integração dos saberes para evitar a sobreposição de conhecimentos das profissões que atuam juntas; • proposição e atuação nas realidades sociais, configurando transformações a partir da prática profissional. Essa forma de trabalho integrado que a interdisciplinaridade propõe pode ser considerada crítica, inovadora e enriquecedora. Propicia o profissional assistente social utilizar instrumentais técnicos operativos necessários à sua ação profissional de uma forma mais respaldada. Vamos compreender isso melhor: quando o assistente social trabalha em um centro socioeducativo, é necessário que ele elabore um parecer sobre a condição desses adolescentes que estão em regime de medidas de complexidade. Para tal, é fundamental a integração com o profissional da psicologia, que avalia as condições emocionais desses jovens. Windows Realce Windows Realce 159 SS OC - R ev isã o: R os e Ca st ilh o; C ris tin a Zo rd an F ra ra ci o - Di ag ra m aç ão : L uc as M an sin i - 0 5/ 12 /2 01 3 SUPERVISÃO
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