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UNIVERSIDADE POSITIVO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA RELATÓRIO DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO Cuidados com filhotes de Didelphis sp (Gambás) FABIANA BAGGIO ORIENTADOR: Prof. Andre Saldanha CURITIBA DEZEMBRO 2021 UNIVERSIDADE POSITIVO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA RELATÓRIO DE ESTÁGIO OBRIGATÓRIO Cuidados com filhotes de Didelphis sp (Gambás) FABIANA BAGGIO Relatório apresentado à Coordenação do Curso de Medicina Veterinária como requisito parcial de Avaliação do Estágio Obrigatório do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Positivo. Orientador: Prof. Andre Saldanha CURITIBA DEZEMBRO 2021 FABIANA BAGGIO CUIDADOS COM FILHOTES DE DIDELPHIS SP (GAMBÁS) Relatório de Estágio apresentado ao Curso de Medicina Veterinária da Universidade Positivo, como requisito parcial à obtenção do título de Médico Veterinário, sob orientação do Prof. Andre Saldanha. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Prof. Orientador Andre Saldanha Universidade Positivo ___________________________________________________ Prof. Nina da Cunha Medeiros Universidade Positivo ___________________________________________________ Prof. Sabrina Rodigheri Universidade Positivo Curitiba, 01 de dezembro de 2021 1 AGRADECIMENTOS Gostaria de começar agradecendo a Deus, por ter colocado a medicina veterinária na minha vida e ter me guiado durante esses 5 anos. Sou grata ao Universo por ter deixado que eu realizasse grandes sonhos e alcançar lugares incríveis, por ter colocado pessoas maravilhosas na minha vida que me ajudaram a trilhar meu caminho. Agradeço aos meus pais por terem me apoiado em todas as minhas decisões, mesmo que fossem malucas. Sempre estiveram do meu lado quando eu precisava chorar, quando sorria, quando me frustrava… independente da ocasião, sempre tive o colo deles para correr. Obrigada pelo apoio incondicional de vocês, sem isso eu não teria conseguido chegar onde cheguei. Agradeço às minhas tias por terem acreditado em mim, mais do que eu mesma acreditei. Por torcerem pelo meu sucesso e minha felicidade, por cuidarem de mim e estarem sempre ao meu lado. Vocês são muito especiais e me inspiram! Agradeço aos meus amigos pelos momentos vividos durante esses anos de graduação, pelas conversas, desabafos, choros e risadas… Com certeza o que mais me fará falta será a convivência diária com cada um. A caminhada foi mais leve pela presença de vocês. Não posso deixar de agradecer aos meus professores, que me conduziram a ser a minha melhor versão dentro da profissão e também como pessoa. O amor e gratidão que sinto por todos é imensa, é uma honra compartilhar a profissão com vocês! Em especial agradeço ao meu orientador e amigo, André Saldanha, por acreditar em mim, me ajudar sempre que preciso e topar minhas ideias! À equipe do Centro de Apoio à Fauna Silvestre, em especial M.V. Lu Popp e M.V. Hélia Puglielli, agradeço todo o carinho e parceria que tiveram comigo durante os dois meses que estive estagiando na casa. Em pouco tempo me conectei com cada um e sei o quanto são incríveis. Apesar das dificuldades, sempre desempenharam suas funções dignas de orgulho. Me faltam palavras para dizer o quanto admiro vocês. Agradeço também à equipe veterinária, aos tratadores e às estagiárias que estiveram comigo no Zoológico e Cavalaria do Beto Carrero. Foi uma honra aprender com cada um, poder conhecer os bastidores do mundo animal do maior parque da América do Sul foi surreal. Obrigada pelas conversas, risadas e ensinamentos! 2 Aos profissionais que passaram pela minha vida durante a graduação em estágios passados deixo meu muito obrigada. Carrego cada um de vocês em meu coração, já que tive sorte em conhecer só pessoas incríveis que me ensinaram muito além da veterinária. Vocês fazem parte de quem eu sou hoje e de quem eu serei depois de formada. 11 1 INTRODUÇÃO O estágio curricular obrigatório foi realizado em duas unidades: o Centro de Apoio a Fauna Silvestre (CAFS), durante o período de 02/08/21 a 29/09/21, sob supervisão da M.V. Hélia Puglielli; e o Zoológico e Cavalaria do Beto Carrero World, no período de 01/10/21 a 31/10/21, sob supervisão do M.V. João Vitor Campos Roeder. Ambos os estágios sob orientação do M.V. Prof. Andre Saldanha. O estágio no CAFS teve foco em animais silvestres nativos e exóticos de vida livre e apreendidos. A unidade é responsável pelo recebimento e cuidados veterinários para que, posteriormente, o Instituto Água e Terra (IAT) destine os animais. Não há centro cirúrgico no local, portanto apenas tratamentos clínicos e ambulatoriais permanecem no CAFS. Os animais que necessitam de terapias mais avançadas são encaminhados à Clínica Vida Livre pelo IAT. O estágio no Zoológico e Cavalaria do Beto Carrero World teve foco em animais silvestres e domésticos de vida livre e mantidos em cativeiro. A instituição possui um plantel de 17 espécies de mamíferos, 10 de répteis e 24 de aves, totalizando aproximadamente 800 animais. A medicina veterinária preventiva desempenha um papel importante na unidade. A escolha pelas unidades se deu pelo grande prestígio de ambas e pela experiência profissional que abordaria várias espécies voltadas à medicina zoológica. Os objetivos no CAFS foram: aprender sobre atendimento primário a animais silvestres em situações críticas; colocar em prática os conhecimentos teóricos sobre terapias medicamentosas em animais silvestres; aprender sobre cuidados neonatais e de filhotes. Os objetivos no Zoológico e Cavalaria do Beto Carrero World foram: aprofundar os conhecimentos em medicina preventiva; executar atividades de enriquecimento ambiental; aprimorar os conhecimentos práticos na medicina equina; ampliar os conhecimentos em animais considerados mega vertebrados. A escolha pelo tema do relatório com foco nos filhotes e neonatos de Didelphis sp. (Gambás) ocorreu devido a vontade de reduzir a taxa de mortalidade, auxiliar a equipe técnica do CAFS e melhorar a qualidade da criação artificial. 27 4 DESCRIÇÃO DE PROBLEMA Durante o estágio curricular obrigatório no CAFS foram recebidos vários neonatos e filhotes órfãos de Gambás (Didelphis sp). A elevada taxa de mortalidade (67,6%), a dificuldade na criação artificial e dificuldade na avaliação para soltura foram problemas constantes que a equipe possuía. Apesar da equipe veterinária (total de duas pessoas) ser capacitada, a alta demanda associada com a falta de recursos e falta de uma equipe maior dificultou o correto manejo e, pode ter contribuído para uma maior mortalidade. Por outro lado, um protocolo mais sólido e objetivo poderia ser uma abordagem prática para otimizar a rotina, facilitar a tomada de decisões e potencialmente reduzir a mortalidade desses animais. Sendo assim, o presente relatório buscou construir um manual prático baseado na literatura científica disponível para discutir essa problemática e corrigi-la conforme a literatura e experiências vivenciadas na prática. 28 5 REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO 5.1 BIOLOGIA GERAL Os gambás pertencem à família Didelphidae, da ordem Didelphimorphia, infraclasse Methateria, subclasse Theria e classe Mammalia. Na América Central e do Sul há 4 espécies (Tabela 3), sendo elas a Didelphis albiventris, Didelphis aurita, Didelphis imperfecta e Didelphis marsupialis (NASCIMENTO, HORTA; CUBAS, 2014). São animais marsupiais com hábitos crepusculares-noturnos que pesam, em média, 10g a 3kg (ROSSI, BIANCONI; REIS et al., 2006). TABELA 4 - Espécies, nome popular, distribuição e hábito alimentar de Gambás latino-americanos Espécie Nomes populares Distribuição geográfica Hábito alimentar Didelphisalbiventris Gambá-de-orelha- branca, raposa, raposinha, timbuí, timbu, saruê, seringuê, sarigueia, micurê Porção leste e centro- oeste do Brasil, Paraguai, Uruguai, regiões norte e central da Argentina e Sul da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Frugívoro-onívoro Didelphis aurita Gambá-de-orelha- preta, raposa, timbu, saruê, seringuê Estado de Alagoas a Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraguai e a província de Missiones na Argentina Onívoro Didelphis imperfecta Gambá, saruê, mucura Venezuela ao sul do rio Orinoco, sudoeste do Suriname, Guiana Francesa, Extremo norte do Brasil Sem informações 29 Espécie Nomes populares Distribuição geográfica Hábito alimentar Didelphis marsupialis Gambá-de-orelha- preta, saruê, mucura Nordeste do México até as regiões centrais do Brasil e da Bolívia Frugívoro-onívoro Fonte: Tabela modificada a partir de Nascimento e Horta (2014). 5.2 GESTAÇÃO Os Didelphis sp são marsupiais, ou seja, são mamíferos que possuem duas fases gestacionais. A primeira etapa ocorre no interior do útero e a segunda etapa no marsúpio (bolsa localizada na região abdominal caudal) (Figura 12). No interior da bolsa há 11 papilas mamárias, revestida por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado (SAMOTO, MIGLINO e AMBROSIO, 2006). A gestação dura em média 12 a 13 dias, resultando em 5 a 13 filhotes (MALTA e LUPPI; CUBAS, 2007). Os marsupiais possuem uma estratégia reprodutiva que prioriza a lactação ao invés da gestação prolongada. Sendo assim, são gerados mais filhotes em menor tempo com menor gasto de energia. Em casos de abortamento ou morte dos neonatos, a fêmea inicia nova gestação com rapidez (NASCIMENTO, HORTA; CUBAS, 2014). FIGURA 12 - Filhotes no interior do marsúpio. A – Filhotes com idade de 4 a 8 semanas. Foto: Adriana Joppert B – Filhote com idade de até 3 semanas. Foto: Iasmin Macedo Os gambás são classificados como espécies poliéstricas sazonais, com duração do ciclo estral de 28 dias, portanto a época fértil depende diretamente da estação climática e variação de luminosidade, ocorrendo no inverno e primavera (TYNDALE-BISCOE e RENFREE, 1987; MALTA e LUPPI; CUBAS, 2007). O acasalamento tende a ser poliândrico, ou seja, copulando com mais de um parceiro (BERNARDO, LORETTO e VIEIRA, 2007). 12A 12B 30 Ao chegar o momento do parto, a fêmea apresenta contrações uterinas com sinais clínicos de dor se curvando. Em seguida, ela se curva com a cauda para frente para que diminua a distância entre a vulva e o marsúpio, ocorrendo então a expulsão dos filhotes pelo canal vaginal, que irão migrar até o interior do marsúpio. O parto leva em torno de 2,5 a 12 minutos e o deslocamento do filhote até o marsúpio em torno de 6,5 segundos (TYNDALE-BISCOE e RENFREE, 1987). O processo reprodutivo dos gambás é bem descrito na literatura, porém não foi acompanhado durante o estágio. No CAFS eram recebidas muitas fêmeas atropeladas com filhotes que necessitavam de cuidados, ou até fêmeas mortas e filhotes órfãos. Os gambas são animais sinantrópicos, ou seja, se adaptam muito bem em ambientes modificados pelo homem, como Curitiba e região metropolitana, se aproveitando de realidades criadas pela sociedade para sobreviver e reproduzir, como abrigos em construções, alimentos em lixos, outras oportunidades e, portanto, o conflito natureza-seres humano se torna praticamente inevitável. Esses eventos vão de acordo com a literatura, considerando a realização do estágio em tal época. Recentemente, em uma visita ao CAFS, ainda mais filhotes estavam presentes, ratificando a relevância do assunto. 5.3 CUIDADOS POR IDADE Os neonatos e filhotes de Didelphis sp são divididos em seis fases diferentes, conforme a idade, alterando assim o manejo alimentar e ambiental (Figura 13). Os neonatos da fase um quase não possuem pelos, os olhos estão fechados em desenvolvimento e boca em formação com uma pequena abertura rostral. A alimentação nesse período pode ser com fórmulas prontas como Leite NAN sem Lactose e Petmilk® ou preparada, conforme o Bosque e Zoológico Fábio Barreto recomenda: 500 ml de leite integral de vaca, uma caixa de creme de leite, uma colher (sobremesa) de mel e uma colher (sopa) de ração comercial para gatos umedecida (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020; RAMOS, 2019). A dieta deve ser fornecida por meio de uma seringa de 1 ml, acoplada em cateter de tamanho 24 ou 20 (sem agulha) ou escalpe, na quantidade de 0,5 a 1,0 ml por refeição, com intervalo de 2 horas (em média 13 refeições em 24hrs). Vale ressaltar a importância de antes da alimentação, estimular a excreção de urina e fezes do neonato por meio de algodão 31 umedecido com água (35°C a 37°C) em movimentos circulares na região genitoanal (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). FIGURA 13 – Esquema representando idades e fases dos Gambás. A – Fase 1 (0 a 3 semanas). Foto: acervo pessoal (2021). B – Fase 2 (4 a 8 semanas). Foto: Iasmin Macedo. C – Fase 3 (9 a 10 semanas). Foto: acervo pessoal (2021). D – Fase 4 (11 a 12 semanas). Foto: acervo pessoal (2021). E – Fase 5 (13 a 14 semanas). Foto: Iasmin Macedo. F – Fase 6 (15 semanas em diante). Foto: Leonardo Merçon Neonatos da fase dois já possuem pele mais escurecida, com mais pelos e início da abertura dos olhos. A alimentação segue a mesma da fase um, na quantidade de 2 a 3 ml, no intervalo de 3 horas (em média 8 a 9 refeições em 24 horas). Continua necessário a estimulação da região genitoanal para excreção de urina e fezes (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). Neonatos (fase um e dois) são os mais difíceis de alimentar e cuidar, já que são prematuros. Durante o estágio no CAFS, a maior parte dos gambás que morriam eram dessas fases, principalmente pela dificuldade de condiciona-los a mamar pela seringa com cateter/escalpe e manter à risca os intervalos de alimentação. Outra dificuldade é manter a alimentação durante à madrugada, sendo necessário leva-los para casa, manter em algum local quente (de preferência com aquecedor) e acordar dentro do intervalo necessário. A situação agrava quando a equipe não tem tamanho 13A 13B 13C 13D 13E 13F 32 condizente com a demanda, tornando os estagiários essenciais para esse suporte ao CAFS. Filhotes na fase três já apresentam pelos em todo o corpo e já exploram mais o ambiente, já se limpam e podem medir até 8 cm. Os dentes começam a se desenvolver nessa etapa, portanto é interessante iniciar a introdução de papas de frutas na dieta. Deve-se seguir fornecendo leite (fórmula ou receita) com ração de cachorro triturado e papa de frutas. O volume das refeições deve ser de 3 ml com intervalo de 3 a 4 horas. Mantendo a estimulação para defecar e urinar (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). Filhotes maiores, da fase quatro, medem em torno de 10 cm, já possuem maior cobertura do corpo com pelos. A alimentação segue com leite (fórmula ou receita), adicionando 20 g de papa de frutas com pequenos pedaços de ração disponíveis em recipientes no recinto para estimular a procura pela alimentação sozinhos. Não há mais necessidade de estimular eliminação de excretas (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). Diferentemente do CAFS, a equipe veterinária do Zoológico e Cavalaria do Beto Carrero World não fornece leite a partir dessa fase, apenas papa de tamanduá (ovo cozido, batata doce cozida, banana prata, couve manteiga, ração de gato, beterraba crua, cenoura crua e mamão papaia) intercalando com pedaços de frutas, ovos cozidos, carne moída e tenébrios, com a justificativa de que a papa de tamanduá é mais calórica, fazendo com que o filhote ganhe peso mais rápido. A experiência com a papa de tamanduá, apesar de ter sido pouca, se demonstrou mais eficaz do que fornecer apenas leite com frutas. O filhote cuidado no Beto Carrero World deuentrada com 60 g e em duas semanas já estava com 113 g, quase o dobro do peso. Já os filhotes alimentados no CAFS com leite e frutas ganhavam, em média, 10 g no mesmo intervalo de tempo. Existem diversos fatores, tanto endógenos quanto exógenos, que podem resultar nessa diferença de ganho de peso entre os animais. Além disso, a baixa repetição torna qualquer inferência muito subjetiva, por outro lado, protocolos mais consistentes e com maior número de animais podem ser desenvolvidos no intuito de confirmar essa hipótese. Caso se confirme, poderia ser um grande suporte na criação artificial de gambás, otimizando o ganho de peso, acelerando o crescimento e saindo das fases críticas mais rapidamente, possivelmente até acelerando o processo de soltura/destinação desses indivíduos. 33 Filhotes em transição para jovem, fase cinco, pesam em média 400g e medem 18 cm. A dieta deve ser composta por 50 g de frutas, verduras e legumes cozidos em pequenos pedaços diariamente, 20 g de ração para cães filhotes duas vezes na semana e três tenébrios ou besouros pequenos duas vezes na semana (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). Jovens a adultos, na fase seis, medem 20 a 98 cm. Já se alimentam voluntariamente de frutas, verduras e legumes cozidos duas a três vezes na semana, peito de frango e ovo com casca cozidos uma a duas vezes na semana e 20 g ração de cão três a quatro vezes na semana (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020). As fêmeas já nascem com a bolsa marsupial em desenvolvimento, sendo assim é possível diferenciar de machos pela sua presença. É possível visualizar também o escroto em machos e o pênis duplo (Figura 14). FIGURA 14 - Machos de Didelphis sp. A - Macho de 0 a 3 semanas, evidenciação do escroto (seta preta). Foto: acervo pessoal (2021). B - Macho adulto de gambá evidenciando o pênis duplo característico nos marsupiais (seta branca) e o escroto (seta preta). Foto: Claudia C. do Nascimento 5.4 RECINTOS PARA CRIAÇÃO ARTIFICIAL Conforme a idade do filhote avança suas necessidades térmicas e físicas se alteram. Animais da fase um até a fase três necessitam de aquecimento artificial constante por meio de UTA, mantida com temperatura interna de 30-35°C e umidade relativa do ar de 70% (Figura 15); ou aquecedores, já que não possuem cobertura adequada e suficiente de pelos. Já animais da fase quatro podem ser mantidos apenas com aquecedores durante a noite, principalmente em locais frios. Jovens da fase cinco e fase seis não necessitam mais de aquecimento artificial. Esse protocolo é seguido pelo CAFS. 14A a 14B a 34 FIGURA 15 – Filhote de gambá acondicionado em Unidade de tratamento animal (UTA). Foto: Claudia C. do Nascimento Filhotes entre a fase um e dois podem ser mantidos em UTA no interior de potes de plásticos com algodão e meias ou tecidos para simular o interior do marsúpio, mantendo calor e conforto (Figura 16A). Já a partir da fase três, é interessante adicionar tocas com caixas de papelão pequenas e tecidos ou meias para que os animais se entoquem e se aqueçam (Figura 16B). FIGURA 16 – Acondicionamento para diferentes fases. A - Ideia de acondicionamento para gambás neonatos de 0 a 3 semanas. B – Ideia de acondicionamento para gambás de 10 semanas adiante. Fotos: acervo pessoal (2021) Para filhotes da fase quatro, cinco e seis é interessante iniciar o contato com troncos, folhas e terra, pensando na possibilidade de reabilitação e soltura. Caixas de madeira, plástico ou recintos menores podem ser enriquecidos com troncos e galhos, folhagens diversas e feno (Figura 17). Vale ressaltar também a importância de separar 16A a 16B 35 os filhotes em ambientes diferentes nesse período, já que ocorrerá disputa e brigas, até mesmo canibalismo. FIGURA 17 – Modelo de acondicionamento enriquecido para gambá Foto: acervo pessoal (2021) Para Didelphis sp. adultos mantidos em cativeiro, a recomendação segundo as Instruções Normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis (IBAMA), n° 03/2002 e n° 169/2008, é de que haja no mínimo 4 m2 com altura de 2 m e piso de terra. Como citado anteriormente, é importante adicionar itens para estimular e reabilitar os animais. Esses instrumentos servirão também para enriquecimento ambiental promovendo bem-estar animal, possibilitando a escalada, esconderijo, abrigo e curiosidade. Alguns exemplos são troncos verticais e horizontais, redes feitas de mangueira de bombeiro e cordas de sisal (MALTA e LUPPI, 2007). 5.5 PROBLEMAS NA CRIAÇÃO ARTIFICIAL No atendimento inicial ao filhote ou neonato é necessário identificar se o mesmo se encontra na tríade neonatal, que consiste em hipotermia, hipoglicemia e desidratação. Devido à imaturidade do sistema hipotalâmico regulador e à falta de folículos pilosos, o animal não consegue realizar sua auto modulação da temperatura corporal e também perde calor com mais facilidade. A imaturidade hepática e baixa reserva de gordura corporal favorecem a hipoglicemia, portanto deve ser respeitado o intervalo de alimentação para que o animal não fique em jejum por mais horas do que 36 o recomendado. Já a desidratação ocorre devido a imaturidade renal (incapacidade de concentrar urina corretamente) e pode ocorrer também devido ao erro no manejo – temperaturas elevadas e amamentação/hidratação inadequada (SANCHES et al., 2017; VANNUCCHI et al., 2017). A tríade deve ser corrigida iniciando pelo aquecimento do animal por meio de UTA, mantas, cobertas, tapetes aquecedores, bolsas aquecidas e/ou garrafas de plástico ou luvas com água aquecida. Em seguida, deve-se corrigir a desidratação por fluidoterapia subcutânea ou intraóssea e, por fim, corrigir a hipoglicemia fornecendo alimentação adequada para a idade (MACEDO, ARAUJO E MUSIELLO, 2020; NASCIMENTO, HORTA; CUBAS, 2014). Além da tríade neonatal, deve-se atentar a presença de gases abdominais, diarreia e a doença óssea metabólica (Tabela 4). Apesar de não ser tão comum, pode ocorrer canibalismo entre os filhotes. Durante o estágio no CAFS, uma das caixas não foi fechada adequadamente e filhotes entre a fase quatro e cinco escaparam durante a noite, entrando em caixas que possuíam filhotes da fase três e se alimentando de um dos animais (Figura 18). Sendo assim, é de extrema importância separar os filhotes quando estão pertos da fase adulta e assegurar que as caixas/recintos estão devidamente fechadas. 37 TABELA 5 – Principais problemas em filhotes órfãos de didelfídeos e suas possíveis causas e soluções Alteração Clínica Sinais Clínicos Causas Soluções Gases abdominais Abdome distendido, desconforto, letargia animal, não urina ou defeca Superalimentação, alimentações muito frequentes, alimentação à base de leite de vaca, sucedâneo estragado ou frio, não estimulação genitoanal, dificuldade em urinar e defecar sozinho Alimentação em poucas quantidades, aquecer o sucedâneo, aquecer o filhote e massagear delicadamente seu abdome, não oferecer o sucedâneo se este foi deixado em temperatura ambiente e não refrigerado, não reutilizar o sucedâneo da seringa ou mamadeira, suspender a fórmula do sucedâneo e hidratar por via oral ou subcutânea nas próximas 24 a 48h, e iniciar a nova fórmula gradualmente; realizar o estímulo genitoanal Diarreia Fezes líquidas ou muito macias Alimentação com leite de vaca; sucedâneo estragado; fórmula do sucedâneo muito concentrada; seringas, mamadeiras e utensílios sujos; parasitas O mesmo para gases; higiene rigorosa das seringas, mamadeiras e utensílios; lavar as mãos ou utilizar luvas de procedimentos para manusear os filhotes no momento da alimentação; vermifugação Doença Óssea Metabólica Dificuldade em andar (posição X e sapo); inabilidade de escalar; ossos frágeis, fraturas múltiplas; deformidadesósseas Dieta inadequada; deficiência de cálcio na dieta; Relação Ca:P inadequada Alimentação balanceada, com qualidade e relação Ca:P apropriada; tratamento suporte; após a realização de raios X definir prognóstico e condutas nos casos graves com fraturas múltiplas Fonte: Adaptada de Nascimento e Horta (2014) e Opossum Society of the United States of America. 38 FIGURA 18 – Exemplo de caso de canibalismo entre filhotes de Didelphis sp Foto: acervo pessoal (2021) Durante o estágio no CAFS foram recebidos ao todo 71 Didelphis sp, neonatos e filhotes, sendo que 48 vieram à óbito. A taxa de mortalidade foi de 67,6%, calculada pela fórmula: N° de animais mortos X 100 / n° total de animais. Comparando com a taxa de mortalidade neonatal em cães, 20 a 30%, a taxa calculada é significativa e preocupante, sendo mais de três vezes mais alta (SOUZA et al., 2017). Dos 23 animais sobrevivente, seis estavam em processo de reabilitação para soltura e 14 já foram soltos na natureza. Um dos maiores problemas enfrentados durante o estágio no CAFS foi encontrar uma equipe capacitada e disposta a levar os filhotes (com idades que necessitam de maior suporte) para casa durante a noite para alimentação. Essa tarefa geralmente era designada aos estagiários, porém quando não era possível os animais permaneciam no CAFS e poucos sobreviviam à noite toda, uma vez que não há profissionais de plantão noturno na instituição. 5.6 REABILITAÇÃO E SOLTURA O processo de reabilitação deve seguir cuidados como evitar o contato excessivo dos seres humanos com o filhote, reduzindo o risco de imprinting (quando o animal se torna dócil e acostumado com a presença de pessoas) e respeitar seu ciclo circadiano noturno (MACEDO, ARAUJO e MUSIELLO, 2020). O ambiente artificial deve ser o mais próximo ao que o animal encontrará na natureza, com árvores, galhos e troncos para estimular a habilidade de subir, escalar 39 e se equilibrar. Tocas e esconderijos também devem ser fornecidos, assim o animal aprenderá a se esconder e se proteger. A alimentação pode ser fornecida em locais diferentes e de difíceis acesso, assim o animal aprenderá a procurar e caçar. Para alternar o método de fornecimento da comida pode-se utilizar tubos de cloreto de polivinila (PVC) perfurados, caixas de papelão com frutas e/ou pedaços de carne no seu interior, embrulhar a carne em pedaços de papel, ou ainda dependurar frutas pelo recinto. Itens que estimulem sensações olfativas e gustativas, como flores ou plantas, promovem bem-estar por meio do enriquecimento ambiental e simulam ambientes naturais (MACEDO, ARAUJO e MUSIELLO, 2020). Para identificar se o animal está apto ou não à soltura, é necessário medir seu peso e avaliar seus instintos, habilidades diversas e capacidade de procurar e encontrar alimentos. O esquema listado na figura abaixo possui sistema de pontuação, auxiliando a decisão da equipe técnica na soltura ou não dos jovens de Didelphis sp na natureza, confeccionado a partir de informações fornecidas no Relatório Técnico ABRAVAS pelo Projeto Marsupiais (Figura 19). FIGURA 19 – Esquema de Avaliação para Soltura Foto: autoria própria adaptado do Relatório Técnico ABRAVAS pelo Projeto Marsupiais (2020) No CAFS a soltura dos animais ocorria de forma aleatória, já que não havia um protocolo estabelecido para avaliar os gambás. Sendo assim, ao atingirem 70g a 80g já eram soltos, para evitar a superlotação e dificultar ainda mais a criação dos indivíduos. 41 REFERÊNCIAS BERNARDO, L. R.; LORETTO, D.; VIEIRA. M. V. Os efeitos da estação reprodutiva nos movimentos do marsupial Philanderfrenatus (Didelphimorphia, Didelphidae). VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23--28 de setembro, 2007, Caxambu, Minas Gerais. In: Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu, Minas Gerais, 2007. p. 1-2. MALTA, C. C.; LUPPI, M. M. Marsupialia – Didelphimorphia (Gambá, Cuíca). In: CUBAS, Z. S.; SILVA, J. C. R.; CATÃODIAS, J. L. Tratado de animais selvagens – Medicina veterinária. São Paulo: Roca, 2007. cap. 23, p. 340-357. NASCIMENTO, C.; HORTA, M. Didelphimorphia (Gambá e Cuíca). In: CUBAS, Zalmir et al. Tratado de Animais Selvagens 2a edição. São Paulo: Editora Rocca Ltda, 2014. p. 762 - 788. NATIONAL OPOSSUM SOCIETY. Disponível em < www.opossum.org > ROSSI, R. V.; BIANCONI, G. V.; PEDRO, W. A. Ordem Didelphimorphia. In: REIS, N. R.; PERACHI, A. L.; PEDRO, W. A. et al. Mamíferos do Brasil. Londrina: UEL, 2006. p. 27-66. Disponível em < http://www.uel.br/pos/biologicas/pages/arquivos/pdf/Livro- completo-Mamiferos-do-Brasil.pdf > SAMOTO, V. Y.; MIGLINO, M. A.; AMBROSIO, C. E. et al. Opossum (Didelphis sp) mammary gland morphology associated to the marsupial model. Biota Neotrop., v. 6, n. 2. 2006. Disponível em < http://www.biotaneotropica.org.br/v6n2/pt/abstract?article+bn01306022006 > SANCHES, F J et al. Tríade Neonatal em Felino. Revista de Ciência Veterinária e Saúde Pública, Umuarama, v. 4, n. 2, p. 65, out. 2017. Disponível em < https://doi.org/10.4025/revcivet.v4i0.39807 > 42 SOUZA, T. D.; MOL, J. P. S.; PAIXÃO, T. A.; SANTOS, R. L. Mortalidade fetal e neonatal canina: etiologia e diagnóstico. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.41, n.2, p.639-649, abr./jun. 2017. Disponível em <http://www.cbra.org.br/portal/downloads/publicacoes/rbra/v41/n2/p639- 649%20(RB696).pdf > TYNDALE-BISCOE, H.; RENFREE, M. Breeding biology of marsupials by family. In: Reproductive physiology of marsupials – Monographs on marsupial biology. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. cap. 2, p. 14-94. VANNUCCHI, C I; A ABREU, R. Cuidados Básicos e Intensivos com o Neonato Canino. Revista Brasileira de Reprodução Animal, Belo Horizonte, v. 41, n. 1, p. 151- 156, jan/mar 2017. Disponível em < http://www.cbra.org.br/portal/downloads/publicacoes/rbra/v41/n1/p151- 156%20(RB663).pdf >
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