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SOCI OLOGIA DO
CONHECIMENTO
Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao
da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que
seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a
pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é
a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida
e prazos definidos para as atividades.
Bons estudos!
1 CONCEITO DE SOCIEDADE
Uma das principais características da sociedade humana é a sua profunda
diversificação. Ao longo da história da civilização, criou-se instituições sociais que
organizam o trabalho, desenvolvem crenças religiosas, constroem relações familiares,
formam a sexualidade, estabelecem sistemas de troca de produtos, enfim, garantem
a vida em sociedade.
A diversidade apresentada pode ter sido responsável por nossa sobrevivência
como espécie, pois, diferentemente de outros seres vivos, nossa capacidade de
adaptação não depende apenas de nossa programação genética, mas da maneira
como nos constituímos enquanto seres culturais e sociais. Embora não possamos
desprezar a nossa aparelhagem física, faz parte da nossa humanidade promover
fortes intervenções na nossa corporalidade e no nosso meio para garantirmos a nossa
evolução como ser social. Até que ponto podemos escalar essas intervenções ainda
é uma questão em aberto (CASTRO, 2000).
Em geral, a sociedade é uma condição universal da vida humana. Essa
universalidade permite uma interpretação biológica ou instintiva e outra simbólico-
moral ou institucional. Conforme Castro, 2002:
“(...) a sociedade pode ser vista como um atributo básico, mas não exclusivo,
da natureza humana: somos geneticamente predispostos à vida social; a
ontogênese somática e comportamental dos humanos depende da interação
com seus conspecíficos; a filogênese de nossa espécie é paralela ao
desenvolvimento da linguagem e do trabalho (da técnica), capacidades
sociais indispensáveis à satisfação das necessidades do organismo”
(CASTRO, 2000, p. 182).
Mas a sociedade também pode ser vista como uma dimensão constitutiva e
exclusiva da natureza humana, definida por seu caráter normativo: o ser humano
torna-se um ator social quando não se baseia em regras instintivas escolhidas pela
evolução, mas em regras de origem extra-somática historicamente estabelecidas
(CASTRO, 2000).
Embora as sociedades mais avançadas sejam as sociedades humanas
(estudadas pelas ciências sociais, como a sociologia e a antropologia), também
existem sociedades animais (estudadas pela biologia social ou pela etologia social).
Em sua especficidade, a sociedade humana é constituída por unidades populacionais
cujos habitantes e seu ambiente estão unidos em um projeto comum, que lhes confere
um sentimento de pertença. O conceito também indica que o grupo compartilha laços
ideológicos, econômicos e políticos. Ao analisar uma empresa, são considerados
fatores como o nível de desenvolvimento, a tecnologia alcançada e a qualidade de
vida.
Compreende-se, assim, que uma sociedade é um grupo autônomo de pessoas
ocupando um território comum com uma cultura grupal e uma identidade
compartilhada. As sociedades estão conectadas por relações sociais não apenas
entre as pessoas, mas também por instituições sociais (família, educação, religião,
política, economia) (DIAS, 2018).
As instituições sociais criam vínculos entre passado, presente e futuro: dão
continuidade à vida social. Quer um exemplo? As pessoas que compõem a sociedade
brasileira, vivem na mesma área e possuem cultura comum, têm um sentimento de
pertencimento àquela sociedade e identidade comum (DIAS, 2018).
Outra característica importante das sociedades é sua desigualdade estrutural.
Todos eles mostram mais ou menos o fenômeno da estratificação social, ou seja, a
divisão da sociedade em estratos com acesso desigual à riqueza, poder e prestígio
(DIAS, 2018).
1.1 A formação da Sociedade
Para compreendermos a formação da sociedade, Trennepohl (2014) diz que,
primeiro, devemos entender a sociedade como algo vivo, em movimento, marcada por
condições de conhecimento e estruturas de conhecimento dinâmicas. A sociedade
está em constante mudança e o desafio é entendê-la nessa complexidade em rápido
movimento. É necessário, portanto, oferecer reflexões voltadas para a construção de
uma compreensão das condições sociais, econômicas, políticas e culturais de nossa
época histórica, como um contexto em constante modificações, resultado de um
processo de construção histórica.
Olhando ao nosso redor, percebemos imediatamente que coisas vivas e não
vivas podem ser encontradas na natureza. Estes últimos são, por exemplo, pedras,
terra, água, ar, montanhas, estrelas e minerais. Todos os objetos inanimados formam
o mundo inorgânico do universo. Esses objetos ou fenômenos são estudados pelas
ciências da natureza. Olhando mais um pouco, percebemos que existem muitos seres
vivos como plantas e animais. As coisas vivas formam a dimensão orgânica do
universo. Tanto quanto a ciência pode mostrar, os seres vivos só existem na Terra
(GONÇALVES; FURTADO; MOURA, 2019).
O ser humano também é um ser vivo. Mas ele tem uma diferença fundamental
em relação aos demais seres vivos, ele é um o ser da práxis. Através da prática
produtiva e a prática social, ele constrói seu mundo e desenvolve experiências sócio-
históricas, criando um conjunto cada vez mais amplo de objetos sociais. A reprodução
biológica garante a continuidade de animais e plantas. No processo de reprodução, a
planta produz flores, pólen, frutos, sementes, que se espalham pela terra e fazem
brotar novas plantas. Na maior parte do reino animal, ocorre o cruzamento de sexos
diferentes, o que leva ao nascimento de descendentes. É assim que plantas e animais
garantem sua continuidade na terra por meio do processo de reprodução da vida.
Como ser vivo, o ser humano também garante a continuidade de sua espécie por meio
da reprodução biológica, seguindo a mesma fórmula: fecundação, gravidez,
nascimento e criação da prole. O ciclo de vida, nascimento, crescimento, reprodução
e morte é um signo imanente para todas as espécies vivas, incluindo os humanos. No
entanto, o homem não se reproduz apenas como ser vivo; ele constrói um mundo que
vai muito além da mera reprodução biológica. Com o surgimento do trabalho e de uma
variedade de outras atividades que constituem práticas sociais, as pessoas passaram
a produzir e acumular experiência extrapessoal, experiência que não é ditada por um
modelo biológico, experiência que não surge de um processo de reprodução da
espécie. É uma experiência sócio-histórica que emerge e se vincula às práticas
produtivas e sociais das pessoas e às relações e instituições que compõem a
sociedade ao longo da história (GONÇALVES; FURTADO; MURA, 2019).
Compreende-se, assim, que a história da sociedade pode ser vista em termos
de desenvolvimento sociocultural, dominada e fundada pela relação dos seres
humanos com o desenvolvimento tecnológico e com a cultura por eles produzida. Este
desenvolvimento pode ser compreendido se examinarmos os tipos básicos de
sociedade surgidas ao longo da história (ver Figura 3.5), cuja compreensão pode ser
útil para entendermos a história humana e as dimensões constitutivas domundo
social. No quadro que se segue é possível ver de forma geral os principais aspectos:
1.2 Sociologia, o estudo da sociedade
Como vimos até agora, a sociologia é estudo científico da organização e do
funcionamento das sociedades humanas e das leis fundamentais que regem as
relações sociais, as instituições, etc. Nesta perspectiva, pode-se entender a sociologia
como uma das manifestações do pensamento moderno. Tendo em vista essa
característica, trataremos nesse tópico de aspectos do surgimento e da formação da
sociologia na modernidade. Deste modo, para compreensão da prática sociológica e
sua constituição científica, percorreremos desde a contextualização histórica do seu
surgimento até a formação dos principais métodos de análise sociológica da realidade
social.
O desenvolvimento do pensamento científico, datado da época de Copérnico,
abrangeu, com a sociologia, um novo campo de conhecimento que ainda não havia
sido integrado ao conhecimento científico, o do mundo social. Surgindo após a
constituição das ciências naturais e das diversas ciências sociais (MARTINS, 1988).
Desta forma, a sua formação constitui um fato complexo, para o qual
contribuem um conjunto de circunstâncias, história e epistemológicas e uma série de
intenções práticas.
A sociologia, a partir das condições do seu surgimento, inscreveu-se num
contexto histórico específico, coincidindo com os momentos finais da desintegração
da sociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista. Sua criação não é
obra de um único filósofo ou cientista, mas é resultado da construção de um grupo de
pensadores empenhados em compreender novas situações de existência (MARTINS,
1988).
A sociologia ergueu-se como resultado de um processo histórico que culminou
na Revolução Industrial: a segunda revolução científica e tecnológica. Este evento deu
origem a problemas sociais que os pensadores contemporâneos não conseguiram
explicar (MARCON, 2014).
PARA COMPLEMENTAR: Chamamos de revolução industrial o período em
que um grupo de invenções e inovações criaram um enorme aumento na produção
de bens. O fenômeno começou na Inglaterra entre 1760 e 1820 e depois se
espalhou para outros países europeus e os Estados Unidos.
Durante este período, a economia britânica mudou de uma economia
predominantemente agrícola para uma industrial, caracterizada pela produção em
larga escala e uso extensivo de maquinário para reduzir tempo e custos (MARCON,
2014).
As mudanças trazidas pela Revolução Industrial moldaram e transformaram
completamente a organização social, deram origem a novas formas de organização e
provocaram grandes mudanças culturais. Todo esse processo de transformação levou
ao surgimento de duas novas classes sociais: dos trabalhadores e burguesia. O
número de cientistas e engenheiros aumentou.
Nesse contexto, foi a siderurgia que teve um impacto mais decisivo ao
revolucionar as técnicas de produção, influeciando ao influenciar o desenvolvimento
de todas as indústrias subsequentes. Melhorias em fornos e sistemas de fundição
tornaram o ferro disponível de alta qualidade e tiveram grandes vantagens sobre
outros materiais. Isso levou ao aprimoramento de muitas tecnologias existentes e à
construção de novas máquinas. De acordo MARCON (2014) esse processo trouxe
crescimento e estruturação das ferrovias, pontuado que:
O ferro permitiu o desenvolvimento das ferrovias, que vieram se somar às
outras recentes transformações no sistema de transporte, tais como técnicas
modernas de pavimentação de estradas e abertura de redes de canais. A
diminuição do tempo de deslocamento e o intercâmbio iniciaram a ruptura das
relações de dependência (MARCON, p. 22, 2014).
Toda mudança social poderá afetar de forma negativa ou positiva uma
sociedade; com o processo da Revolução Industrial, do ponto de vista social, há uma
grande concentração de pessoas nas cidades britânicas, graças às profundas
transformações ocorridas no campo. A agricultura de subsistência, típica do
feudalismo, foi substituída pela mineração em larga escala para atender às
necessidades industriais. A agricultura foi substituída pela criação de ovelhas para
fornecer lã para a indústria (MARCON, 2014).
Um dos fatos mais importantes sobre a revolução industrial é, sem dúvida, o
surgimento do proletariado e seu papel histórico na sociedade capitalista. Os efeitos
catastróficos que essa revolução teve sobre a classe trabalhadora fizeram com que
ela recusasse suas condições de vida. As manifestações da insurreição operária
passaram por várias fases, como a destruição de máquinas, atos de vandalismo e
explosão de algumas oficinas, roubo e criminalidade, que evoluíram para a
constituição de associações e formação sindical, etc. (MARTINS, 1988).
A Revolução Francesa de 1789 não tinha como objetivo apenas mudar a
estrutura do Estado e abolir radicalmente a antiga forma de sociedade, mas também
revogar costumes e hábitos arraigados, de acordo com MARTINS (1988):
A revolução desferiu também seus golpes contra a Igreja, confiscando suas
propriedades, suprimindo os votos monásticos e transferindo para o Estado
as funções da educação, tradicionalmente controladas pela Igreja. Investiu
contra e destruiu os antigos privilégios de classe, amparou e incentivou o
empresário (MARTINS, p. 23, 1988).
Vejamos o Quadro 1 que demostra os aspectos relacionados a revolução
Industrial e Revolução Francesa revelando suas ideologias:
Quadro 1 - Aspectos relacionados a Revolução Industrial e Revolução Francesa.
Fonte: https://shre.ink/1YNo
Apresentamos anteriormente as condições materiais que possibilitaram o
nascimento da sociologia. A partir de agora, trataremos das formas de pensamento e
paradigma epistemológico que susteram o nascimento do estudo da sociedade
(sociologia) enquanto ciência.
No século XVII, ocorreu um notável avanço no modo de pensar, significado
pelo uso sistemático da razão na livre investigação da realidade que caracterizou os
pensadores conhecidos como racionalistas. Este progresso foi aperfeiçoado pelo
Iluminismo no século XVIII. O Iluminismo não apenas procurou transformar as velhas
formas de conhecimento, mas também criticou duramente a sociedade feudal,
contrapondo os privilégios da nobreza e as restrições que eles impuseram. Conforme
os interesses econômicos e políticos da burguesia, esta forma de sociedade era
irracional, injusta e restritiva da liberdade. Com seu pensamento revolucionário
iluminista, eles desempenharam um papel fundamental na Revolução Francesa de
1789 (MARCON, 2014).
Certos pensadores da época estavam imbuídos da convicção de que era
necessário descobrir uma nova ciência para introduzir a "higiene" na sociedade e
"reorganizá-la". Esse ponto de vista pode ser encontrado nas ideias de Auguste
Comte, que propôs a criação de uma física social para estudar a sociedade. A
sociologia moderna surgiu a partir das ideias desses pensadores que reconheceram
a necessidade de uma visão sociológica da nova sociedade que surgia com a
https://shre.ink/1YNo
Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Além de Comte, Karl Marx também foi
um pensador importante para a configuração da sociologia.
Em seus trabalhos, Marx analisou as sociedades capitalistas e concluiu que os
principais conflitos nas sociedades de classe surgiam do fato de que os produtores
não tinham controle sobre os meios de produção e a influência da lógica do mercado
ou financeira nas relações humanas.
Para Marx, o estudo da sociedade deveria começar com seus fundamentos
materiais, ou seja, a estrutura econômica da sociedade. Essa estrutura representa o
fundamento da história humana, sobre a qual se baseiam outros níveis de realidade,
como política, cultura e religião. Segundo a visão marxista, o conhecimento da
realidade social deve ser uma ferramenta política para orientar grupos e classes
sociaisna transformação da sociedade (MARCON, 2014).
Para complementar:
Karl Marx (1818-1883) foi um filósofo alemão e revolucionário socialista.
Criou a base da doutrina comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia tem
influenciado diversas áreas do conhecimento, como a sociologia, a política, o direito
e a economia.
Em fevereiro de 1845, Marx e Engels foram obrigados a sair da França e
seguiram para a Bélgica, era o início de uma longa amizade. Em Bruxelas, Marx
instalou-se com a família e junto com Engels; dedicou-se a escrever seus trabalhos
sobre o socialismo e a manter contato com o movimento operário europeu.
Fonte: www.ebiografia.com
2 TEORIAS DE ÉMILE DURKHEIM
O pensamento social de Émile Durkheim foi influenciado por obras de escritores
e pensadores, como Auguste Comte (1798-1857) e Herbert Spencer (1820-1903), que
marcaram sua trajetória intelectual através da criação da perspectiva positivista
(Comte) e valorização das ciências naturais como um caminho para desenvolver uma
ciência da sociedade (Spencer).
Nascido na França em 1858, Émile Durkheim afastou-se da tradição familiar
judaica e optou pela carreira acadêmica. Licenciou-se em filosofia em 1882, mas nos
anos seguintes o seu interesse voltou-se para os estudos sociais, pelos quais se
mudou para a Alemanha, onde procurou aprofundar a sua compreensão da realidade
social. Em 1887, voltou para a França como professor na Universidade de Bordeaux
e depois na Universidade de Sorbonne, onde permaneceu até o final de sua carreira.
Durkheim desempenhou um papel decisivo no reconhecimento da sociologia como
disciplina acadêmica (NAUROSKI, 2018).
O viés conservador da abordagem de Durkheim pode ser parcialmente
explicado pelo contexto social e as circunstâncias históricas de sua obra. O sociólogo
viveu durante o período histórico da Terceira República Francesa, caracterizado por
muitos conflitos e instabilidade social e política. Diante de uma complexa e
problemática sociedade industrial, caracterizada por divergências, contradições e
desigualdades, Durkheim estava ciente dos perigos da desintegração social. É muito
provável que a instabilidade social de sua época tenha influenciado e contribuído para
seus estudos. Durkheim constatou que os desdobramentos da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), as mudanças causadas pela Revolução Industrial, foram
responsáveis por mudanças sociais que enfraqueceram os laços sociais, promoveram
o declínio da moralidade religiosa e criaram um cenário de futuro incerto, não só para
a França, mas para toda a Europa. Durkheim morreu em 1917, ano da Revolução
Russa, tendo alcançado grande fama e credibilidade na nova ciência que ajudou a
criar (NAUROSKI, 2018).
Para este autor, a tarefa da sociologia como ciência deveria ser compreender
o funcionamento da sociedade, seus princípios e regularidades, a fim de encontrar
novas formas de criar vínculos de solidariedade social. Tendo as ciências naturais
como seu escopo, ele propõe que sociologia deveria aprimorar seus métodos para
compreensão dos princípios e regularidade da vida social, baseando-se em análises
factuais, depurando, assim, a nova ciência da influência da filosofia social anterior à
sua obra, inclusive do próprio August Comte, que, segundo Durkheim, não conseguiu
se desvincular dessas influências (NAUROSKI, 2018).
Sobre o modelo social, Durkheim assume uma posição conservadora e defende
que os indivíduos devem se adaptar à sociedade e não o contrário. A preocupação de
Durkheim é a futura ordem social que se desenvolveu na era moderna. Não podemos
esquecer que o modelo epistêmico do qual Durkheim se baseia é a biologia. Deste
ponto de vista, a sociedade é vista como um organismo social vivo em processo de
desenvolvimento, como um todo que deve funcionar de forma integrada. A sociedade,
portanto, precede o indivíduo: os fundamentos objetivos da sociedade forçam os
indivíduos a se adaptarem às regras sociais, que ele definiu como um fato social, ou
seja, os modos de ser, agir e pensar atribuídos aos indivíduos. Os fatos sociais
tornam-se estruturas externas e objetivas, pois estão fora dos indivíduos; eles são
comuns devido à sua massiva presença humana e territorial; e são coercivas porque
há sanções para quem não se enquadra nos padrões e normas da vida social
(NAUROSKI, 2018).
2.1 A divisão do trabalho social
A perspectiva analítica de Durkheim, que foi aplicada à sociologia, é definida
como funcionalismo positivista na história da disciplina. Isso significa que a sociedade
atual é uma realidade complexa que busca equilibrar a relação entre o indivíduo e a
sociedade, através de seus processos de integração. Em 1893, em sua obra Divisão
social do trabalho, Durkheim tenta estudar diferentes tipos de sociedade e os
mecanismos que operam nelas. Estes mecanismos podem contribuir para a coerência
e o correto funcionamento destas sociedades, ou de outro modo fragilizar a sua
integração e funcionalidade, cenário que favorece a criação de situações de anomia,
ou seja, situações em que os laços de solidariedade se enfraquecem, causando todo
tipo de problemas que podem ameaçar a integração e reprodução da vida social
(NAUROSKI, 2018).
Segundo Durkheim, as sociedades podem ser classificadas em tradicionais e
complexas. Nas sociedades tradicionais, como as tribos indígenas ou comunidades
quilombolas brasileiras, existe uma solidariedade mecânica, em que os indivíduos
compartilham valores e crenças comuns e as tarefas são realizadas de forma coletiva
e cooperativa. Nesse tipo de sociedade, a divisão do trabalho é simples e há poucas
diferenças entre os indivíduos. Essa perspectiva de Durkheim se concentra na
importância da coesão social e da solidariedade como fundamentos das sociedades.
(NAUROSKI, 2018).
Nas sociedades industriais complexas, além da moralidade, a manutenção dos
vínculos interpessoais ocorre através da divisão social do trabalho. Isso equivale a
dizer que essas sociedades possuem uma ampla gama de tarefas e atividades
desempenhadas por um amplo corpo social constituído por profissionais, grupos,
classes, indivíduos e instituições. Essa realidade representa um tipo de solidariedade
que Durkheim chama de orgânica, ou seja, uma série de interdependências entre as
pessoas, pois os indivíduos não conseguem prover tudo o que precisam sozinhos, por
isso dependem uns dos outros. Durkheim acreditava que quanto mais pessoas
estivessem envolvidas nesse processo, melhor seriam assegurados os processos
integrativos e reprodutivos da vida social, se esses vínculos fossem fortalecidos
(NAUROSKI, 2018).
Nas sociedades simples ou tradicionais, a regulação do comportamento
depende da consciência coletiva e da força dos padrões morais do grupo. Tanto que
se algum membro do grupo descumprir essas normas, a punição é severa, às vezes
fatal. Este é um conceito de punição onde o foco pedagógico da atividade é o reforço
das normas do grupo (NAUROSKI, 2018).
Desta forma, os custos da indisciplina são elevados, tornando a desobediência
um tabu para a comunidade. Em sociedades complexas, no entanto, as normas
surgem da educação e da divisão do trabalho. A lei é de natureza restaurativa e o
desvio é punido para garantir o equilíbrio social e o ajustamento do infrator. assim, o
direito assume um caráter ao mesmo tempo coletivo e individual (NAUROSKI, 2018).
É importante ressaltar que a preocupação de Durkheim era a preservação da
ordem social, o que atraiu críticas por ser um escritor tradicionalista e conservador.
Uma crítica radical à sociedade ou uma proposta de outra sociedade não faz parte do
horizonte teórico deste pesquisador. A sua preocupação central não era a
transformação da sociedade, mas a gestão da mudança social no sentido da melhoria
lenta e gradual da vida social (NAUROSKI, 2018).
Para Durkheim, considerando a realidade das sociedades complexas,a causa
comum dos problemas sociais é a expansão dos processos anômalos. Segundo o
autor, existem três soluções para evitar o estado geral de anomia que pode destruir a
sociedade. A primeira consiste na educação moral de crianças e jovens de acordo
com seu grupo social. A segunda está relacionada à função estratégica do Estado, ou
seja, para Durkheim, o poder legislativo configura o cérebro da sociedade e seria
responsável por receber, considerar e ponderar as diversas demandas da sociedade
para preservar o todo social. A divisão do trabalho social forma o terceiro eixo da
organização da vida coletiva; sua eficácia reside na capacidade de envolver os
membros da sociedade em cooperação mútua baseada na diversificação e
especialização de tarefas (SELL, 2009).
2.2 Karl Marx e a sociedade capitalista
A educação de Marx foi variada e interdisciplinar, incluindo filosofia, história,
economia e sociologia. O contexto de sua vida política e intelectual foi marcado pelas
grandes mudanças sociais ocorridas na Europa no século XIX.
Karl Marx nasceu em 1818 em Tréveris, parte da Confederação Alemã, e
morreu em Londres em 1883 com a idade de 65 anos. Em Berlim, estudou filosofia e
aproximou-se do círculo dos críticos de Hegel, a chamada esquerda hegeliana. Este
grupo recebeu esse nome porque se opôs à interpretação determinista da filosofia
política de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, da direita hegeliana. Esse grupo de direita
era formado por estudantes e professores proeminentes que argumentavam que o
atual momento social e político da Prússia representava a síntese histórica a que se
referia Hegel (NAUROSKI, 2018).
Para os hegelianos de esquerda, o Estado prussiano estava longe de
representar a esfera final do desenvolvimento social e político da sociedade. Nesse
contexto, o uso da religião como forma de controle social das massas foi um dos
pontos centrais da crítica de Marx aos defensores do modelo de Estado de Hegel
(NAUROSKI, 2018).
Por causa dessa oposição, Marx teve que fugir para Colônia e desistir da
carreira de professor universitário, mas descobriu um gosto especial pela escrita
militante quando se tornou repórter e editor-chefe da Gazeta Renana. Sua análise
crítica e perspicaz dos problemas sociais da época levou à sua perseguição e ao
fechamento do jornal (NAUROSKI, 2018).
Antes de se mudar para Paris em 1843, Marx se casou com a jovem aristocrata
Jenny von Westphalen. Morando na capital francesa, Marx entrou em contato com o
movimento socialista e iniciou uma amizade duradoura com seu fiel amigo e
colaborador Friedrich Engels, como resultado de suas ideias e atividades
revolucionárias, Marx foi expulso de Paris, transferido para Bruxelas. Nesse período
esteve intensamente envolvido na luta operária, o que o levou a escrever seu famoso
texto, “O Manifesto do Partido Comunista”, obra cujo objetivo claro era ajudar a
conscientizar e organizar a classe trabalhadora da época (NAUROSKI, 2018).
Apesar de seu extenso trabalho, ele dividia seu tempo entre o escritório e a rua,
ele contribuiu para os levantes em Paris e participou ativamente da revolução na
Alemanha em 1849. Após o fracasso dessas iniciativas, Marx refugiou-se na Inglaterra
e mudou-se para Londres. Convencido de que precisava entender as razões do
fracasso dos levantes revolucionários, iniciou um estudo aprofundado do capitalismo,
culminando em seu livro “O Capital”. A análise de Marx do modelo econômico
capitalista desenvolveu-se em um trabalho complexo e original sobre a própria
sociedade capitalista. Mais do que um exame dos preconceitos econômicos de sua
época, “O Capital” se tornaria um tratado sobre o funcionamento de uma sociedade
baseada na economia de mercado (NAUROSKI, 2018).
Marx ajudou a construir a Primeira Internacional, uma organização trabalhista
global, e produziu um grande corpo de trabalhos em assuntos tão diversos quanto
política, história e economia. Como escritor e ativista, dedicou sua vida à construção
de um sonho, um projeto que visava mudar a realidade social para que as pessoas
vivessem em uma sociedade livre: livre da exploração e da opressão, ou seja, para
viver uma vida digna, plena e de significados (NAUROSKI, 2018).
Posicionando-se sobre a filosofia da história, Marx reconheceu a contribuição
de Hegel, mas o criticou, argumentando que sua dialética era idealista e precisava ser
posta de pé. Com sua doutrina do materialismo histórico, Marx acreditava ter salvado
a inspiração de Hegel da dialética da ideologia idealista ao mostrar que a realidade
social e as lutas históricas produzem ideias e promovem a consciência humana
(NAUROSKI, 2018).
Para Marx, o modo de vida das pessoas determina seu modo de pensar e sua
representação da realidade. Isso equivale a dizer que a natureza humana não é inata,
mas que as pessoas constroem sua humanidade no processo histórico das relações
sociais mediadas pelo trabalho. O que Marx quer dizer é que quando o trabalho é
tratado em termos de dominação e exploração, como no capitalismo, a realidade
social é em parte um reflexo dessa condição (NAUROSKI, 2018).
Se para Hegel a história é uma projeção do espírito humano, que transforma a
natureza à sua imagem e semelhança, para Marx a história é movida pela luta de
classes. Assim, segundo Marx, a mudança social e histórica ocorre por causa dos
conflitos e confrontos entre dominantes e governados, senhores e escravos, oprimidos
e opressores, no caso das sociedades modernas, por causa das relações conflituosas
entre trabalhadores e burgueses. Direitos adquiridos ou injustiças impostas são o
resultado dessa luta (NAUROSKI, 2018).
Assim, segundo Marx, a compreensão da realidade social deve estar
fundamentada na vida concreta e nas condições materiais da existência humana. A
teoria deve fazer e demostrar a realidade e até mudá-la. É inútil que os filósofos e
intelectuais interpretem a realidade uma a uma, é preciso modificá-la para construir
uma sociedade onde a ostentação da minoria compense e não resulte na morte
precoce de milhares de pessoas marginalizadas, o centro do pensamento social de
Marx é judaico, ético e profundamente humano, inspirado no Iluminismo (NAUROSKI,
2018).
Outras influências vieram de teóricos econômicos clássicos como Adam Smith
(1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), que ajudaram Marx a refletir sobre os
processos de geração da riqueza. No entanto, ao contrário desses autores, Marx
percebeu que a riqueza vem do trabalho excedente que não é pago. O lucro, que não
é questionado pelos economistas clássicos, representa, portanto, aquela parte do
trabalho não pago, que Marx chamou de mais-valia. O lucro só é possível através da
usurpação privada dos frutos do trabalho social e coletivo, que Marx via como um
enfraquecimento do sentido ontológico do trabalho, que deveria ser fator de
humanização das pessoas, não de sua miséria e degradação (NAUROSKI, 2018).
Do ponto de vista de Marx, sendo a alienação religiosa consequência da
alienação econômica, a superação das condições materiais de miséria e opressão
levaria à vitória da religião como forma infantilizada de cultura e vida social. A
superação da exclusão econômica por meio da transformação da sociedade
capitalista levaria à emancipação humana e à superação de diversas formas de
alienação e mistificação (NAUROSKI, 2018).
2.3 Max Weber, economia e religião
Karl Emil Maximilian Weber nasceu em 1864 na cidade de Erfurt, Alemanha.
Ele estudou em Heidelberg e depois em Berlim. Ele era um homem de muitos
interesses e estudou filosofia, economia, história e teologia. Em 1891 obteve o
doutorado em Direito e dois anos depois casou-se com Marianne Schnitger. Trabalhou
como professor por vários anos em Freiburg, Berlim e Heidelberg. Anos depois, ele
ajudou a fundar uma das principais publicações de ciências sociais da Alemanha,
Arquivo para a Ciência Sociale a Ciência Política.
Viajando para os Estados Unidos, Weber teve contato direto com o país mais
capitalista do mundo, o que despertou seu interesse pelo estudo da economia e da
sociedade capitalista. Em 1918 aceita um convite para lecionar na Universidade de
Viena e, talvez por ter testemunhado o rescaldo da Primeira Guerra Mundial, os seus
estudos procuram explicar as ligações entre a economia, a política e a organização
jurídica dos Estados. Esses estudos destacam os aspectos culturais de sua obra:
[...] existe um ponto decisivo [...] com que somos conduzidos para uma
peculiaridade decisiva do método nas ciências da cultura; ou seja, nas
disciplinas que; aspiram a conhecer os fenômenos da vida segundo a sua
significação cultural.
A significação da configuração de um fenômeno cultural e a causa dessa
significação não podem, contudo, deduzir-se de qualquer sistema de
conceitos de leis [...] dado que pressupõe a relação dos fenômenos culturais
com ideias de valor (Weber, 1982, p. 92).
Dessa forma, Weber estabeleceu sua premissa epistemológica central,
mostrando a importante diferença entre as ciências naturais, que explicam o mundo
natural em termos de causalidade, e as ciências espirituais ou culturais, como no caso
da sociologia, que busca compreender as relações entre fatores humanos e
fenômenos sociais.
2.3.1 Individualismo metodológico
Essa abordagem weberiana da realidade social e humana foi chamada de
individualismo metodológico, perspectiva que permite identificar as diferenças e
peculiaridades da realidade estudada. Pesquisar é olhar para a realidade caótica e
descobrir que ela é fonte inesgotável de problemas e objetos a serem pesquisados. A
tarefa do cientista social é identificar seu tópico e fazer um corte para enquadrar o
problema sob investigação. Assim, é óbvio que o cientista social deve procurar realizar
sua pesquisa com rigor e com a consciência de que a pura imparcialidade é
impossível, percebendo que ao formar o objeto de pesquisa ele está de alguma forma
inventando (WEBER, 1994).
A sociologia abrangente de Weber adota uma abordagem metodológica para
compreender os fenômenos coletivos que começam com o indivíduo, as ações dos
atores sociais. Conforme declarado em Weber:
A Sociologia interpretativa considera o indivíduo e seu ato como unidade
básica, como seu átomo — senos permitirem pelo menos uma vez a
compreensão discutível. Nessa abordagem, o indivíduo é também o limite
superior e o único portador de conduta significativa [...] Em geral, para a
Sociologia conceitos como Estado, associação, feudalismo, e outros
semelhantes designam certas categorias de interação humana. Daí ser tarefa
da Sociologia reduzir esses conceitos em ação compreensível, isto é, sem
exceção, aos atos dos indivíduos participantes (WEBER, p. 70, 1982).
Weber abre um novo caminho metodológico, rompendo com o positivismo de
Auguste Comte e oferecendo um contraponto ao funcionalismo de Émile Durkheim.
Há um forte viés interpretativo em seus pensamentos.
O método de Weber refere-se à construção de tipos ideais, um conceito macro
capaz de fornecer parâmetros para pensar o objeto de estudo. Assim, por meio da
formação de um referencial de nível básico, haveria uma aproximação da realidade
investigada em relação à correspondência do objeto e seu conceito ou não, o que
possibilitaria observar as diversas características do fenômeno investigado.
Essa ideia é mais fácil de entender se observarmos como Weber entende a
ação social. Ele define quatro tipos de atividades como forma de identificar os
diferentes motivos que orientam as ações sociais dos indivíduos. A primeira delas é a
ação racional e intencional. Por exemplo, um profissional que faz um curso de
atualização para conseguir novos clientes ou aumentar sua renda. Existem também
atividades baseadas em valores racionais onde o objetivo desejado não é material,
como no caso da participação no culto religioso. Outro tipo é uma ação motivada por
sentimentos ou emoções, como oferecer flores a um ente querido. Por fim, há uma
atividade movida pela tradição, como fazer um curso de direito para ocupar um cargo
em uma família de advogados. Em outras palavras, qualquer ação em que um ator
considera a possível reação de outros atores é uma ação social. Dessa forma, a
sociedade seria o resultado das ações e reações que os atores sociais formam entre
si.
2.4 Teorias de Adam Smith
A teoria histórica e social de Smith incluiu uma análise da origem e
desenvolvimento da luta de classes na sociedade e uma análise de como o poder é
exercido na luta de classes. Há sempre um tema nessas teorias, que Smith
desenvolve com mais detalhes em sua teoria econômica: embora os indivíduos
possam agir de forma egoísta e rígida em interesse próprio ou no interesse da classe
a que pertencem, apesar dos conflitos pessoais e de classe, ele considerava haver
uma regra, uma lei ou princípio que excede o conflito enquanto tal, encaminhando os
sujeitos humanos para uma experiência de harmonia. .
Segundo Hunt e Lautzenheiser (2012), vê-se como resultado dessa
compreensão, que existe uma "mão invisível", como Smith a chamou, nas "leis da
natureza" ou " divina providência", que conduz essas ações aparentemente
conflitantes na direção da gentileza e da harmonia. A "mão invisível" não é um produto
de propósito de qualquer pessoa. É simplesmente um tratamento sistemático das leis
da natureza. Esta é indiscutivelmente a maior, inconsistência no trabalho de Smith,
mas também dos pontos a partir dos quais seu texto será fundamental para Marx e
mesmo para Weber. Por esta razão também, que as duas correntes opostas do
pensamento econômico dos séculos XIX e XX – uma enfatizando a harmonia social
capitalista e a outra enfatizando o conflito social capitalista, podem traçar suas raízes
intelectuais nos escritos de Smith (HUNT; LAUTZENHEISER, 2012).
A teoria da história de Smith começou com a proposição de que a maneira
como as pessoas produziam e distribuíam as necessidades materiais da vida era o
fator mais importante nas instituições sociais de qualquer sociedade e nas relações
pessoais e de classe entre elas. Os tipos de relações de propriedade foram
particularmente importantes na determinação da forma de governo em cada
sociedade. Smith acreditava que o desenvolvimento econômico e social tinha quatro
estágios distintos: caça, pastoreio, agricultura e comércio. Em cada estágio, entender
os métodos de produção e distribuição das necessidades econômicas da sociedade
era fundamental para entender as instituições sociais e os governos da sociedade. No
entanto, a relação entre a base econômica e a superestrutura social e política não é
estritamente determinística (HUNT; LAUTZENHEISER, 2012).
Smith presta-se a diferenças locais e regionais por razões geográficas e
culturais. Essencialmente todas as sociedades estão em uma dessas fases, embora
possam passar por uma fase de transição em que existem algumas características de
ambas as fases. No entanto, não se assume que a sociedade progrida
necessariamente de um estágio para outro. O desenvolvimento social progressivo só
pode ocorrer se houver uma combinação adequada de condições geográficas,
econômicas e culturais. Smith define a fase de caça como "o estado mais baixo e sujo
da sociedade, como encontramos entre as tribos indígenas da América do Norte".
Poder ou privilégio, porque esses privilégios e a base econômica necessária para esse
poder não existem. Portanto, “não há soberania ou interesse comum neste caso”.
(HUNT; LAUTZENHEISER, 2012).
A teoria econômica de Smith era principalmente uma teoria normativa ou
política. Sua principal preocupação é identificar as forças sociais e econômicas que
melhoram o contentamento humano e, com base nisso, recomendar políticas que
melhorem a satisfação humana. A definição de Smith de bem-estar econômico é muito
simplese direta, depende de quanto "o produto do trabalho" e "quantas pessoas têm
que consumi-lo" a cada ano. Outro critério de felicidade não claramente definido por
Smith, mas importante em muitas de suas discussões, é que a felicidade pode
aumentar porque a composição do produto a ser consumido está mais alinhada com
as necessidades e desejos de quem compra e usa o produto (HUNT;
LAUTZENHEISER, 2012).
Ao analisar as forças que tendem a aumentar o bem-estar econômico, Smith
desenvolveu um modelo que descreve os principais componentes sociais e
econômicos do capitalismo e explica os principais fatores que impulsionam o sistema.
O capitalismo é dividido em dois principais ramos de produção: agricultura e indústria.
A produção de bens requer três conjuntos diferentes de insumos: terra (incluindo
recursos naturais), trabalho e capital.
As três principais classes sociais do capitalismo – proprietários, trabalhadores
e capitalistas – correspondem a esses três grupos. A base legal e social dessa
estratificação é a lei relativa à distribuição de bens e imóveis entre as pessoas. Cada
uma das três classes sociais recebe diferentes formas de compensação monetária:
aluguéis, salários e dividendos. Como vimos, essas formas de renda correspondem
aos três componentes dos custos de produção e preços fixos das matérias-primas.
Smith assumiu que todo comportamento econômico é caracterizado por motivos
egoístas e possessivos (embora tenha admitido que as pessoas têm outros motivos
em seu comportamento não econômico, incluindo motivos altruístas). A suposição de
que todo comportamento econômico é baseado em motivos egoístas e possessivos
foi a base da economia neoclássica no final do século XIX e início do século XX
(HUNT; LAUTZENHEISER, 2012).
3 METODOLOGIA NA PESQUISA SOCIOLÓGICA
A sociologia tornou-se ciência no século XVIII e apresentou-se como uma
resposta científica às mudanças da sociedade durante o período industrial. Ao longo
desse desenvolvimento, abordagens baseadas em teorias para explicar fenômenos
sociais emergiram como uma área de especialização. Cada um deles representa uma
abordagem distinta da sociedade e dos seus problemas (NAUROSKI, 2018).
Dentre essas abordagens, as teorias da ação social têm como base o
pensamento de Max Weber (1864-1920), para quem a sociedade é o resultado de um
conjunto de ações e interações sociais entre os indivíduos. Weber entende que o
social resulta da atividade articulada do indivíduo, com outros indivíduos e com seu
meio. Esse ponto de partida o levou a formular uma teoria conhecida como
individualismo metodológico, segundo a qual, para compreender uma dada realidade
social, é preciso identificar os sujeitos que a ela pertencem e o sentido que lhes
atribuem no enfoque de suas diversas atividades e funções.
O resultado é um estudo compreensivo e interpretativo, no qual o cientista
social constrói sua análise a partir da perspectiva dos sujeitos e dos significados
atribuídos às suas ações. Assim, com a sociologia, é possível captar as relações
causais entre as ações dos sujeitos e a realidade social mais ampla. Foi assim que
Weber tentou explicar o surgimento do capitalismo moderno como um fenômeno
decorrente da ética protestante que enfatiza a disciplina, a abnegação e a vocação
(NAUROSKI, 2018).
A perspectiva funcional, desenvolvida principalmente por Émile Durkheim
(1858-1917), toma a sociedade como uma realidade antes do indivíduo. Assim, o
conjunto de indivíduos deve adaptar-se à sua estrutura e atividades. Na mesma forma
que o corpo humano é formado por membros, órgãos e partes que possuem funções
específicas e todos trabalham para o bem do todo, a sociedade é um organismo vivo
e em evolução, onde grupos, classes e instituições funcionam da mesma forma e cada
um cumpre suas próprias funções, trabalhando para promover a integração social. Um
dos problemas centrais do funcionalismo é explicar as causas que influenciam a
manutenção ou a decadência da ordem social (NAUROSKI, 2018).
Além das abordagens anteriores, existem as teorias do conflito, cujo principal
representante é Karl Marx (1818-1883), para quem a sociedade é explicada por
situações de conflito e tensões entre classes sociais, ou seja, entre classes que
competem pela riqueza produzida e mesmo entre os que possuem os meios de
produção (burguesia) e os que possuem apenas seu próprio trabalho (proletários).
Outros fenômenos sociais, inclusive a desigualdade, surgem da dinâmica dos conflitos
entre capital e trabalho (NAUROSKI, 2018).
Dentre essas últimas abordagens, destaca-se o interacionismo simbólico, uma
consequência do pensamento marxista, ainda que não possa ser reduzido a
perspectiva marxista. Seu interesse analítico é a vida cotidiana concreta e o que
acontece com as pessoas na vida cotidiana. Para os interacionistas, as relações
sociais refletem como os indivíduos interpretam vários símbolos sociais em atividades
comunicativas. O processo interativo da vida social possibilita ao sujeito compreender
a realidade em que se insere, proporcionando-lhe representar o mundo e a si mesmo,
o que o interacionismo define como self. As identidades, papéis sociais, status e
conjuntos de relações sociais, até mesmo instituições e estruturas sociais, são, em
última instância, o resultado de interações sociais, que ao mesmo tempo funcionam
como fronteiras sociais que moldam o comportamento e as experiências das pessoas
(NAUROSKI, 2018).
Desse ponto de vista, a sociedade é compreendida como um macrocontexto
no qual os sujeitos interagem entre si considerando suas prioridades e formas de
representação. Esse contato é mediado pela comunicação e pelo significado dos
códigos utilizados, que se traduzem em ações e gestos. Os sujeitos capturam
mentalmente o significado da interação e criam representações dela. O resultado
desse processo mental ajuda a criar o self, significa uma identidade psicológica e
existencial que dá às pessoas unidade e individualidade (NAUROSKI, 2018).
3.1 Descrição da Metodologia de Pesquisa
Ao se abordar a ciência sociológica em periódicos, é importante considerar a
produção da informação científica. A ciência resulta de pesquisas teóricas e
empíricas, que não podem ser feitas por "achismo" ou reprodução pura e simples do
conhecimento cotidiano. O rigor no conhecimento científico é obtido por meio da
aquisição de informações confiáveis e do diálogo entre os cientistas e seus pares.
Cada campo das ciências sociais e cada objeto de pesquisa requer um cuidado teórico
e metodológico próprio, com a avaliação da coerência epistemológica das teorias
utilizadas e dos objetos estudados (NAUROSKI, 2018).
A metodologia de pesquisa social é o conjunto de práticas e técnicas usadas
para coletar, organizar e interpretar dados. Ao organizar uma base empírica
relacionada a um ou mais objetos, é necessário identificar as variáveis e testar as
hipóteses estabelecidas no início do estudo (NAUROSKI, 2018).
Ao longo da história da sociologia, discutiu-se o status e a possibilidade de uma
ciência social, perguntando-se se a sociologia poderia ser ou não ser considerada
uma ciência, tendo em vista que seus métodos e experimentos diferem dos
observados no modelo das ciências da natureza, em que a relação de causalidade
tenda a ser mais facilmente demostrada (NAUROSKI, 2018).
Embora a sociologia tenha sido questionada quanto à sua capacidade de ser
considerada uma ciência devido às diferenças em seus métodos e experimentos em
relação ao modelo da ciência natural, o modelo epistêmico da análise social pode
identificar relações causais plausíveis e demonstráveis. No entanto, o fator humano é
muito complexo e não pode ser reduzido a uma relação causal definida, como em um
experimento químico em laboratório. Considerações éticas e culturais também
impedem a formulação de leis gerais e deterministas para explicaro comportamento
social (NAUROSKI, 2018).
O caminho metodológico que envolve a pesquisa social pode ser representado
no esquema da Figura 6.1.
Fonte: NAUROSKI, 2018.
Em geral, o caráter científico da sociologia se deve principalmente a três
fatores: um conjunto de teorias que sustentam seus conceitos e categorias, uma
organização rigorosa e sistemática do conhecimento e métodos processados de
pesquisa e os processos de análise que podem ser descritivos, analíticos, dialéticos,
funcionalistas ou estruturalistas. Além desses aspectos, deve-se considerar que os
fatos sociais são objeto de pesquisa básica em sociologia e que está ciência se
caracteriza por se voltar ao conteúdo da vida social em sua configuração imediata e
completa (NAUROSKI, 2018).
3.2 Elementos que formam o conjunto teórico na pesquisa social
Conforme Nauroski (2018) existem três conjuntos de ferramentas a serem
consideradas na pesquisa sociológica. As ferramentas são caracterizadas por teorias,
hipóteses e dados.
As teorias formam um conjunto de ideias sistematicamente organizadas que,
respeitando diferentes perspectivas e autores, indicam o que deve ser estudado e
quais são as conexões possíveis entre diferentes aspectos da realidade social.
As hipóteses, por outro lado, representam uma possível resposta especulativa
ao problema sob investigação, enfatizando a relação entre as variáveis do fenômeno,
por exemplo, uma hipótese vinculando desigualdade social e criminalidade juvenil.
Hipóteses ajudam a orientar a pesquisa e organizar o material para confirmar ou
refutar sua formulação.
Os dados formam um conjunto pré-selecionado de dados consistentemente
relacionados ao objeto de estudo (NAUROSKI, 2018).
Com abertura metodológica, a escolha das variáveis é um elemento central na
preparação da pesquisa. Por exemplo: se o objetivo é compreender as doenças dos
trabalhadores da educação, é importante identificar o sexo, idade, trajetória, carreira
e rendimentos dos sujeitos, e assim desenvolver questões e cenários de entrevista
que permitam conhecer em detalhe o funcionamento, condições e relações de
trabalho desses profissionais (NAUROSKI, 2018).
Além disso, criar uma pesquisa requer cuidado. Primeiramente, o pesquisador
deve ter algum tipo de proximidade ou afinidade com o tema pesquisado. Este tópico
deve estar relacionado ao referencial teórico escolhido pelo pesquisador; caso
contrário, explorá-lo e desbloqueá-lo no processamento e análise de dados torna-se
uma tarefa que dificilmente terá sucesso (NAUROSKI, 2018).
Para quem está dando os primeiros passos na pesquisa científica, recomenda-
se escolher temas que já tenham algum aporte teórico e pesquisas já realizadas que
possam ser um suporte preliminar. Em uma revisão de literatura sobre um
determinado tema, um pesquisador iniciante pode descobrir novos aspectos que ainda
não foram investigados ou que requerem uma investigação mais aprofundada
(NAUROSKI, 2018).
A pesquisa avança ao longo do tempo com resultados futuros e estudos e
análises que agregam e geram novos conhecimentos. A escolha do objeto de
pesquisa também deve ter um significado social, para que a pesquisa possa contribuir
para o aperfeiçoamento da sociedade. Embora nem sempre seja assim, o campo da
ciência é o conhecimento em benefício de toda a humanidade. Poderíamos considerar
a importância da pesquisa sociológica sobre as causas do crime ou o impacto da
mudança tecnológica na vida das pessoas, ou mesmo nos direitos das minorias.
Esses e muitos outros temas descrevem a ideia de significado social (NAUROSKI,
2018).
Considerando os clássicos, podemos destacar alguns conselhos para quem
pretende estudar a realidade social. Max Weber, em sua “Metodologia das Ciências
Sociais” (1999), publicada originalmente em 1922, sugere que um cientista social deve
ser muito claro sobre seus valores e crenças pessoais, pois são uma escolha de
estudo e podem influenciar sua abordagem e análise. Segundo Weber, não há
neutralidade na pesquisa, portanto os pesquisadores devem estar atentos às suas
visões de mundo pessoais, para evitar que esses aspectos interfiram na pesquisa a
ponto de comprometer os seus resultados.
Um alerta semelhante foi feito por Émile Durkheim em “As regras do método
sociológico” (2007), onde ele recomenda o afastamento de opiniões antecipadas do
processo de análise. Em outras palavras, o escritor deve evitar fazer julgamentos de
valor; um cientista social deve ser o mais racional, objetivo e imparcial possível.
Além dessas ressalvas, há precauções quanto ao método utilizado e ao
referencial teórico utilizado nos estudos. A realidade, objeto de estudo, apresenta as
orientações metodológicas e as teorias mais adequadas para análise (NAUROSKI,
2018).
Os conselhos de Weber e Durkheim está correto porque é importante lembrar
que há um lado subjetivo no processo de criação do conhecimento científico. Cada
etapa da pesquisa envolve escolhas feitas com base no contexto do pesquisador,
visão de mundo, conexões teóricas e princípios éticos. É importante estar atento a
esses aspectos, para que o resultado da pesquisa seja o mais fiel possível ao que a
realidade estudada revela, e não se torne uma projeção subjetiva do próprio
pesquisador (NAUROSKI, 2018).
Conforme Nauroski (2018), outros cuidados também podem ser considerados:
a) Questionar a origem das hipóteses e verificar sua formulação, considerando
se são verossímeis ou baseadas em conhecimento de senso comum, ou preconceito.
b) Atender ao alcance da realidade pesquisada, se as conclusões da amostra
permitem uma visão ampla do fenômeno ou se trata somente de casos especiais.
c) Evitar generalizações, principalmente quando a amostra for pequena ou se
tratar de estudos de caso. Nessas situações, os resultados são sempre limitados e
precisam ser devidamente contextualizados para não universalizar.
d) Analisar minuciosamente a correlação entre as variáveis para não concluir
precipitadamente que um evento é a causa de outro. É preciso estar atento à
frequência e regularidade dos fenômenos sociais e aos fatores que podem influenciá-
los.
e) Atender à perspectiva ética em todas as etapas da pesquisa. Ferramentas
de coleta de dados como questionários, entrevistas, visitas de observação e outras
técnicas devem ser avaliadas e aprovadas pelo comitê de ética.
Todas essas recomendações são importantes para que os pesquisadores
façam bem o seu trabalho e tenham mais confiança nos resultados de suas pesquisas
quando comunicam seus resultados aos colegas por meio de publicações
(NAUROSKI, 2018).
3.3 As etapas da pesquisa
A fase de pesquisa, que costuma ocupar o silêncio dos pesquisadores é o
momento de pensar, preparar e escrever o projeto de pesquisa. Mostraremos que a
criação deste projeto não é uma "besta de sete cabeças" seguindo cuidadosamente
um procedimento relativamente simples. Com tempo e dedicação, muitos se
apaixonam, além de ganharem experiência, e descobrem que são verdadeiros
cientistas em formação e dando os primeiros passos na pesquisa social (NAUROSKI,
2018).
Deve-se lembrar que o objetivo principal da pesquisa é produzir informações
teórico-científicas que permitam compreender algum aspecto ou problema da
sociedade. Portanto, toda pesquisa deve contribuir para o avanço do conhecimento
sobre uma determinada realidade. Assim, deve ter um significado social, deve
apresentar resultados que possam contribuir para a melhoria da sociedade, avançar
a teoria e enriquecer o debate científico sobre o assunto (NAUROSKI, 2018).
Os elementos a serem considerados na elaboração de um projeto de pesquisa
são esquematizados na figura 6.2.
Fonte: NAUROSKI, 2018.
O primeiro passo é escolher o tema, definir o objeto a ser pesquisado, tarefa
em que o pesquisador pode obter ajuda do orientador ou de outros pesquisadores
participantes do grupo de discussão,ou estudo. Você deve se perguntar: "O que estou
pesquisando?". A resposta a esta pergunta dá direção ao sujeito, a parte da realidade
investigada. No entanto, deve-se lembrar que o assunto deve ser limitado, seus limites
devem ser definidos para que o foco do trabalho de pesquisa seja bem orientado.
Quando você aborda o assunto, você sempre acompanha a realidade
problemática, aspectos do cotidiano, discussões recorrentes que aparecem na
literatura ou surgem, como já foi dito, de uma direção de pesquisa relacionada a um
determinado grupo de pesquisa associado a um programa de pós-graduação. Esses
aspectos auxiliam no processo de refinamento metodológico que envolve delimitar o
objeto de pesquisa e esclarecer o problema sob investigação (NAUROSKI, 2018).
Outra etapa importante é a revisão de literatura. Trata-se de conhecer o estado
da arte, entrar em contato com outros autores e pesquisadores relacionados ao
assunto e conhecer os resultados já alcançados, aspectos que devem ser observados
ou aprofundados. Esse processo ajuda o pesquisador a mensurar os resultados e a
produção relacionados ao tema e, assim, identificar os aspectos que ainda merecem
atenção e que já foram abordados. Isso evita redundância e repetição e ajuda a criar
originalidade na proposta (NAUROSKI, 2018).
A justificativa significa identificar as razões que tornam necessária uma
proposta de pesquisa. Ressalta-se a importância do tema, a inovação, a originalidade
da abordagem do método, a importância de sua contribuição para a área e os
resultados almejados (NAUROSKI, 2018).
Um passo necessário é formular o problema de pesquisa. Isso pode acontecer
por meio da descrição do assunto e do assunto que está sendo estudado. Muitos
fazem perguntas relevantes que ajudam a ilustrar a natureza do problema, como ele
se relaciona com a realidade social mais ampla e como resolvê-lo (NAUROSKI, 2018).
A pesquisa sem objetivos simplesmente não aconteceria, porque não teria
sentido. Portanto, é de extrema importância que o pesquisador formule com seriedade
os objetivos gerais e específicos do trabalho prospectivo (NAUROSKI, 2018).
Os objetivos medem a intencionalidade da pesquisa com a fundamentação e o
problema apresentados em uma articulação consistente. O objetivo geral fornece uma
síntese mais ampla dos resultados desejados e os detalhes são suas consequências.
A elaboração dos objetivos indica as atividades a serem realizadas, portanto, verbos
infinitivos como indicar, descrever, discutir, especificar, apresentar, mostrar, classificar
e avaliar devem ser usados (NAUROSKI, 2018).
A metodologia é uma parte importante de mostrar como a pesquisa é feita.
Normalmente, esta etapa descreve o tipo de pesquisa realizada, se qualitativa ou
quantitativa, o universo amostral, as ferramentas utilizadas para coletar os dados, a
forma como os dados e vieses analítico são utilizados, seja histórico, dialético,
comparativo, descritivo, abrangente, etc. Recomendamos uma descrição detalhada
dos instrumentos utilizados e suas finalidades. Não se pode esquecer que a
metodologia utilizada precisa ser fundamentada teoricamente, mostrando sua
compatibilidade com os objetivos propostos (NAUROSKI, 2018).
Em seguida é a coleta de dados. Deve-se observar quais fontes são usadas,
por exemplo bancos de dados oficiais, outros estudos já realizados e até fontes
primárias de amostras, ou seja, se questionários, entrevistas, organização de grupos
focais, etc. Com os dados coletados em mãos, os próximos passos exigem esforço,
paciência e determinação do pesquisador (NAUROSKI, 2018).
A organização e sistematização das informações pode incluir tabelas, gráficos,
quadros e tabelas. Com base nessas informações, uma análise teórica é realizada.
Dessa forma, o cientista pode gerar novas informações e testar suas hipóteses. É uma
etapa fundamental que marca a produção do conhecimento científico e promove um
diálogo entre realidade e teoria de acordo com as habilidades analíticas do cientista e
daqueles que o apoiam.
A etapa final é a elaboração do relatório de pesquisa, que, dependendo do nível
da pesquisa, pode ser na forma de resumo de curso, monografia ou tese. O
documento produzido é geralmente divulgado ao público, geralmente por meio da
biblioteca da instituição à qual o pesquisador está vinculado. Além da biblioteca, é
aconselhável publicar pesquisas na forma de artigos, livros e/ou capítulos de livros
(NAUROSKI, 2018).
Por fim, refira-se que cada projeto inclui a definição de um plano de ação e um
plano orçamentário, que contempla os recursos e gastos previstos para a execução
do estudo.
4 A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS
No complexo sistema de interação social que existe em diferentes sociedades,
certas atividades repetidas, rotineiras e planejadas são necessárias e, se não
ocorrem, fazem falta para uma determinada comunidade para cumprir algum papel
naquela coletividade (DIAS, 2010).
Desde uma simples luta de boxe que ocorre regularmente e satisfaz várias
necessidades como lazer, vazão de agressividade, geração de empregos, etc., até
mesmo o complexo sistema de relacionamentos que existe em uma instituição como
o Estado, todas desempenham necessidades. Muitos deles são perceptíveis, outros
nem tanto. Podemos citar o ilegal jogo do bicho: qual é o seu papel representado em
quase todos os municípios brasileiros, aceito e reconhecido por diversas classes
sociais? Servindo a grupo mais amplo de pessoas com práticas menos burocráticas e
respondendo mais rapidamente às necessidades de pessoas mais modestas, ou
mesmo criando uma rede complexa de dependentes e assalariados, que não têm
outro caminho. Se o analisarmos corretamente, encontraremos várias razões para sua
persistência e aceitação social, que o determinam como instituição social, mesmo que
seja considerada ilegal (DIAS, 2010).
As instituições são caracterizadas pelos diferentes "status" e papéis
construídos durante sua institucionalização, papéis previsivelmente ligados. No caso
do "jogo do bicho", a previsibilidade de papéis e a padronização de regras e
regulamentos o caracterizam como uma instituição social. Na maioria das cidades
brasileiras, os organizadores do jogo são conhecidos e fáceis de encontrar, e se uma
pessoa ganha, sabe que receberá um prêmio, pois é uma norma informal consolidada,
um jeito institucionalizado: "ganhou, recebeu" (DIAS, 2010).
Além do "jogo do bicho", existem outras instituições sociais que não são
reconhecidas, que estão institucionalizadas e atendem a determinadas necessidades
sociais e se perpetuam pela aceitação social ainda que não sejam legalmente
reconhecidas. Certas instituições existem em todas as sociedades. São eles
instituições familiares, educacionais, religiosas, econômicas e políticas. Cada uma
dessas instituições tem certas funções e responsabilidades atribuídas a ela pela
sociedade em que estão inseridas (DIAS, 2010).
4.1 Conceito de instituição social
Uma instituição social é um sistema complexo e organizado de relações sociais
relativamente permanentes, incorporando valores comuns e formas de agir e
satisfazer certas necessidades básicas da sociedade (DIAS, 2010).
Em instituições sociais, as atividades são rotineiras e previsíveis; além disso,
os relacionamentos humanos que as perpassam têm uma forma e um estilo
reconhecível. Algumas instituições surgem espontaneamente, ao longo do tempo e
suas normas podem não estar codificadas em leis ou regulamentos. As instituições
desenvolvem-se gradualmente conforme as necessidades dos membros (DIAS,
2010).
Uma instituição também pode ser definida como uma organização de normas
e práticas que atinge um objetivo ou atividade que as pessoas consideram importante.
As instituições são os processos estruturais por meio dos quais grupos e indivíduos
buscam realizar suas atividades. Em outras palavras, pode-sedizer que uma
instituição é uma forma definida, formal e regular de fazer algo. Instituições são
crenças e práticas organizadas. A palavra "associação" refere-se a um grupo social
que incorpora esse conjunto de crenças e práticas (DIAS, 2010).
Todas as definições de instituições incluem um conjunto de normas de
comportamento e um sistema de relações sociais por meio do qual essas normas são
aplicadas que incorporam alguns valores e procedimentos comuns e atendem a
algumas necessidades básicas da sociedade. Nesta definição, valores compartilhados
referem-se a ideias e objetivos comuns e procedimentos comuns são padrões de
conduta estabelecidos, já o sistema de relacionamentos organizados é a rede de
papéis e status por meio da qual esse comportamento é realizado (DIAS, 2010).
As instituições formam uma estrutura permanente na qual a cultura e a
estrutura social funcionam, por exemplo, a família contém um conjunto de valores
comuns (sobre amor, filhos e vida familiar), práticas universais, namoro, puericultura,
rotina familiar e a rede de papéis e status (homem, mulher, bebê, criança, adolescente,
noiva), que compõem o sistema de relações sociais, através do qual a vida familiar se
desenvolve (DIAS, 2010).
Para que haver consistência e previsibilidade nas relações sociais, os
procedimentos e ferramentas aceitos devem ter uma rotina para resolver problemas
que surgem. Cada nova geração não precisa inventar seus próprios métodos e
crenças para resolver tais problemas; as gerações anteriores já haviam criado as
instituições. Essas, no que lhe concerne, permanecerão por algum tempo. É certo que
alguns irão sofrer alterações, mas essencialmente continuam a servir as mesmas
necessidades para as quais foram criados (DIAS, 2010).
Como já atestamos, as principais instituições sociais consideradas
fundamentais nas sociedades modernas são: a família, instituições religiosas,
instituições econômicas, instituições educacionais e instituições políticas. Veja figura
abaixo:
Fonte: (DIAS, 2010)
Entre essas instituições sociais básicas há um objetivo claro de socialização: a
família, as instituições religiosas e educacionais. Existem muitas instituições
relacionadas com outras necessidades humanas, como lazer, comunicação, saúde,
etc. Todas as instituições têm alguns elementos em comum, tais como: pessoal,
equipamento (bens materiais), organização e certo ritual (costumes, leis, cerimônias).
Observe a figura abaixo:
Fonte: (DIAS, 2010)
É importante entender a diferença entre grupos sociais e instituições sociais.
Os grupos sociais referem-se a pessoas que compartilham objetivos comuns e
interagem socialmente. As instituições sociais, por outro lado, referem-se às regras e
procedimentos padronizados de diferentes grupos. Por exemplo, se você se referir às
regras e procedimentos do que regulam a relação entre pai, mãe e filhos, então é uma
instituição familiar (DIAS, 2010).
4.2 O processo de institucionalização
A institucionalização é o processo pelo qual certas funções adquirem normas e
rotinas. Além disso, estão previstas e aprovadas, cujo objetivo é atingir as metas
consideradas importantes. Uma função é considerada institucionalizada, se for
padronizada. A briga de rua sancionada é uma atividade não institucionalizada,
enquanto o boxe profissional é institucionalizado porque tem regras padrão e uma
certa rotina, como os campeonatos que definem o vencedor de cada categoria. Por
mediação da institucionalização, o comportamento espontâneo e imprevisível é
substituído por comportamento regular e previsível (DIAS, 2010).
O ensino em sala de aula é institucionalizado porque é formalizado, regular e
previsível, caracterizado por certas relações recorrentes entre professores, alunos e
administração escolar. Por outro lado, o ensino repassado de um irmão mais velho
para um irmão mais novo ou de um adolescente para outro, não é uma atividade
institucionalizada. A institucionalização desenvolve um sistema ordenado de normas
sociais, status e papéis aceitos pela sociedade (DIAS, 2010).
Diante da previsibilidade e organização criada pela institucionalização, pode-se
observar que todas as organizações que compõem uma instituição econômica têm
funções igualmente consolidadas, com base nas quais podemos prever o
comportamento de uma pessoa que executa uma tarefa específica. Por exemplo,
sabemos como caixas se comportam em um banco, qual o papel do gerente, etc.
(DIAS, 2010).
4.3 Os símbolos culturais
Os símbolos culturais dentro das instituições são sinais que identificam sua
existência. Exemplos: A bandeira e o hino nacional representam as instituições
políticas do país. Um crucifixo e uma catedral representam uma instituição religiosa.
A aliança de casamento simboliza o casamento, o nascimento de uma nova família.
O sobrenome em uma certidão também são símbolos de família. O Palácio Planalto,
em Brasília, representa uma instituição política nacional. (DIAS, 2010).
4.4 Características das instituições
As instituições apresentam seis importantes características comuns, veja a
figura abaixo:
Fonte: (DIAS, 2010)
4.5 Conceito de estrutura social
A estrutura social refere-se a modelos relativamente estáveis e sustentáveis
nos quais as relações sociais são organizadas e que formam a chamada estrutura
básica da sociedade. Para ilustrar esse conceito, vamos tomar como exemplo a
estrutura do futebol profissional brasileiro. Os jogadores são apontados para uma
vaga fixa em campo. Trata-se de posições interdependentes e já se espera o papel
do jogador: goleiro, zagueiro, ponta-direita, etc., além disso, existem regras do jogo
que devem ser seguidas e respeitadas. Esses princípios estruturais tornam um grupo
de pessoas defensivas e ofensivas, e os times de futebol unidades funcionais com
objetivos específicos. Além disso, a estrutura social faz o agrupamento de pessoas
em grupos sociais e a população em uma sociedade (DIAS, 2010).
Interação social é a base da organização e da estrutura social. Quando a
interação entre indivíduos, grupos e instituições atinge certa estabilidade e dura um
tempo relativamente longo, temos uma "estrutura social". Os principais elementos de
qualquer estrutura social são: status, papéis sociais, grupos sociais e instituições
sociais. A estrutura social afeta o comportamento individual e grupal enquanto
estabelece regras e limita a ação de todos. Veja a figura:
Pode-se dizer que a estrutura social representa o elemento estático da
organização social, que inclui relações padronizadas entre indivíduos e grupos. A
organização social representaria um elemento dinâmico do processo social, um
sistema de relações sociais prevalecente na sociedade entre indivíduos, entre eles e
grupos sociais, e entre grupos. Essas relações envolvem reciprocidade e aderem a
normas e valores socialmente aceitos.
Existem dois conceitos básicos - estrutura social e organização social. A
estrutura diz respeito aos atores sociais no desempenho de seus papéis sociais, e a
organização social trata do próprio funcionamento do chamado corpo social. Podemos
também concluir que a estrutura social acaba por nos dar uma ideia, uma visão do
estático - é o presente. Por outro lado, a organização social dá-nos uma ideia de
desempenho, na medida em que estão envolvidos os atores sociais e as relações que
estabelecem (OLIVEIRA, P. S. DE, 2005). Para Nery (2013):
Pensar na estrutura social é também pensar no modo de produção que
constitui a estrutura. É importante que retomemos a concepção marxista
acerca da estrutura social. Temos aí claramente a formação social composta
da infra e da superestrutura social. É importante que vejamos a relação entre
essas duas “forças” que formam a sociedade. À infraestrutura, em que se
encontram as bases econômicas da sociedade, as relações de produção,
determina a superestrutura, isto é, a formacomo os homens se organizam
para produzir os bens de que necessitam (modo de produção) é a base infra
estrutural de toda e qualquer sociedade. A superestrutura, por sua vez, é
composta das instâncias ideológica, jurídica e política. (NERY, p. 73, 2013).
Nas ciências sociais, um papel social dá significado a estrutura social,
essencialmente um conjunto de normas, direitos, obrigações e expectativas que
determinam o comportamento humano dos indivíduos em um grupo ou organização.
Os papéis sociais dados ou conquistados visam a interação social e são resultados
do processo de socialização. Parece haver uma conexão com o seu oposto, porque
toda organização nasce para resistir a possíveis disrupções (MARTINS, 2010).
Os papéis sociais conferem um certo status que os destinatários de tais
classificações e tais definições não são complexificados. O comportamento se adapta,
se conformam e se misturam. Esses mesmos papéis sociais têm um valor relativo e
um significado atribuído pela sociedade. O papel social é um dos resultados do
processo social primário e secundário, que merece ser estudado e analisado como
uma realidade que determina as normas da sociedade e dos indivíduos que a ela
pertencem. Eles formam a identidade coletiva e a identidade individual de uma pessoa
(MARTINS, 2010).
A posição (status) dado a uma pessoa em termos de prestígio e privilégios é
conforme as posições determinadas pela sociedade, tanto quanto a sociedade
necessita para seu desenvolvimento, algumas definidas, outras adquiridas, do
contexto histórico, social, econômico e organizacional. Na sociedade moderna, uma
posição melhor é buscada e agariada (OLIVEIRA, pp. 85-86, 2002).
Os papéis sociais incluem ações, pensamentos e sentimentos. Eles
determinam a consciência coletiva num cenário social (COSTA, p.54, 1987).
O que define uma sociedade em sua estrutura está significativamente
relacionado aos papéis que ela atribui a seus participantes, padronizados desde o
nascimento. Assim, uma sociedade pode não estar ciente dos papéis de outra. A
legitimação de papéis entre e dentro das culturas determina suas características,
diferenças. Finalmente, a minoria parece usar a grande maioria para sua própria
felicidade (MARTINS, 2010).
Papéis sociais são performances sociais, como se a sociedade fosse um
grande teatro onde a maioria dos personagens não consegue distinguir entre quem
eles são e os papéis que desempenham. Dentro deste contexto é estabelecido uma
sociedade hierárquica onde se adaptam e justificam a discriminação social. Um dos
resultados mais importantes do processo social é a definição de papéis sociais. A
existência de papéis racionalmente definidos é essencial para definir a sociedade
como uma estrutura ordenada de interação previsível e planejada (MARTINS, 2010).
Portanto, a estrutura de qualquer ordem social afeta a distribuição do poder
econômico ou outro, dentro dos limites de cada sociedade. A estrutura social é
organizada não apenas no nível econômico, mas também no nível do poder. Portanto,
não apenas o poder resultante de fatores econômicos determina a estratificação social
que ocorre em diferentes sociedades, mas a luta pelo poder também é impulsionada
pelas honras e prestígio sociais que a acompanham. Há contextos onde há honra que
é a base do poder político ou mesmo econômico (LEMOS, 2012). Weber (1974) afirma
que:
[...] a forma pela qual as honras sociais são distribuídas numa comunidade,
entre grupos típicos que participam nessa distribuição, pode ser chamada de
“ordem social”. Ela e a ordem econômica estão, decerto, relacionadas da
mesma forma com a “ordem jurídica”. Não são, porém, idênticas. A ordem
social é, para nós, simplesmente a forma pela qual os bens e serviços
econômicos são distribuídos e usados. A ordem social é, decerto,
condicionada em alto grau pela ordem econômica, e por sua vez influi nela
(WEBER, p. 212, 1974).
A estrutura de poder e produção econômica permite a classificação das
sociedades e também avaliar o grau de mobilidade social nelas observado. Assim,
conclui-se que as castas, “classes, estamentos e partidos são fenômenos da
distribuição de poder em uma comunidade” (WEBER, p.212, 1974).
5 O DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO E DA HUMANIDADE NA HISTÓRIA
Um dos intelectuais mais importantes no campo das ciências sociais e da
política, é o alemão Friedrich Engels, que escreveu um excelente livro em 1876, cuja
primeira versão foi publicada em 1896, intitulado "O papel do trabalho na
transformação do macaco em homem". Neste livro, o cientista descreve a importância
do trabalho no desenvolvimento da humanidade desde os seus primordios. A tese
central do estudo de Engels é que o trabalho determinou e detemina o
desenvovlimento do ser humano enquanto ser que se afasta da ‘natureza’ e constrói
um mundo humano através do trabalho (CARVALHO, 2019).
O livro de Engels, que utiliza da teoria da evolução de Charles Darwin,
investiga sobre as relações entre o trabalho humano e a evolução. Embora Engels
não tenha se concentrado especificamente na teoria da evolução de Darwin em seu
ensaio, ele usou a ideia da evolução para argumentar que o trabalho humano é a força
motriz da evolução humana. Engels argumenta que, ao contrário de outras espécies
animais, os seres humanos são capazes de produzir as próprias ferramentas e
modificá-las para atender às suas necessidades. Ele afirma que o trabalho é a
atividade humana que mais influencia a evolução, uma vez que é o que permite aos
seres humanos modificar e adaptar seu ambiente para atender às suas necessidades.
Adaptação e transformação das condições de existência, através de atividades e
cada vez mais complexas possibilitaram, na pespectiva de Engels, mudanças
biológicas nos seres humanos, resultado de milhares de anos de evolução
(CARVALHO, 2019).
Engels (1990) está interessado no progresso da evolução humana na história
do ponto de vista científico, compreendendo as contradições relacionadas ao
desenvolvimento histórico e ao processo evolutivo humano. Segundo um pensador
alemão, por exemplo, o desenvolvimento das mãos é essencial no percurso de
desenvolvimento da especie humana:
As mãos são usadas basicamente para apanhar e segurar os alimentos, à
semelhança do que fazem alguns mamíferos inferiores com suas patas
dianteiras. Certa variedade de macacos constrói seus ninhos nas árvores
com as mãos; outros tipos, como o chipanzé, vão mais longe e constroem
verdadeiros telhados sobre os galhos para e protegerem do mau tempo. É
com a mão que eles empunham um pedaço de pau para se defenderem dos
inimigos e lançam frutas e pedras. Quando aprisionados, conseguem realizar
com as mãos muita coisa que aprendem dos homens. Mas é justamente aqui
que podemos perceber a enorme diferença entre a mão primitiva do macaco,
inclusive antropoide mais evoluído, e a mão do homem, desenvolvida através
de milhares de anos de trabalho. Quanto ao número e à disposição dos ossos
e músculos, não há diferença entre a mão do homem e do macaco; mas se
tomarmos o mais primitivo dos selvagens, ele executará com suas mãos
centenas de operações que nenhum dos macacos consegue realizar.
Nenhum macaco conseguiu, por exemplo, construir um machado de pedra
por mais rudimentar que fosse (ENGELS, 1990, p. 20-21).
Este processo de mudanças físicas passou por transformações através das
necessidades da sobrevivência; pouco a pouco o corpo humano modificou a estrutura
da mão possibilitando que polegar opositor desenvolvesse poder e precisão no
manuseio de ferramentas. O ser humano possuí músculos e um longo flexor no
polegar, que outros animais não possuem, este músculo nos permite usar a força
necessária para manipular objetos e nos dá a precisão que necessitamos para cortes
ou lançamentos em longa distância, os nossos ancestrais há milhares de anos usavam
essas funções corporais para confecção de pedraspara proteção ou caça
(CARVALHO, 2019).
É preciso entender que foram inúmeros os processos evolutivos, mais de mil
anos de desenvolvimento, alteração da laringe primata à laringe humana, por
exemplo, que possibilitou desenvolver a comunicação entre aqueles que viviam em
grandes grupos e exigiam troca e partilha informações sobre sua sobrevivência diária,
ou seja, uma responsabilidade imposta às pessoas conforme sua realidade. Embora
alguns animais tivesse alguma forma de comunicação, esta não ocorre através da
palavra articulada, que é muito mais complexa (CARVALHO, 2019).
Aqui devemos fazer uma reserva para os processos organizacionais nas
sociedades humanas. Ao longo dos séculos, esses grupos desenvolveram métodos
de comunicação que se tornaram cada vez mais complexos e isso deu origem a fala
articulada, capacidade que trouxe aos humanos vantagens organizacionais e de
sobrevivência, especialmente no que diz respeito a caçar e lutar contra predadores
(CARVALHO, 2019).
Segundo Engels (1990), o trabalho e a palavra articulada são, portanto,
elementos chaves para a evolução do “macaco” para “homem”. Nas palavras do autor:
O trabalho, primeiro, depois a palavra articulada, constituíram-se nos dois
principais fatores que atuaram na transformação gradual do cérebro do
macaco em cérebro humano que, não obstante sua semelhança, é
consideravelmente superior a ele quanto ao tamanho e à perfeição. Ao
desenvolvimento do cérebro correspondeu o desenvolvimento de seus
instrumentos imediatos: os órgãos sensoriais. Da mesma forma que a
evolução paulatina da linguagem foi seguida da respectiva evolução do
ouvido, o desenvolvimento geral do cérebro está intimamente relacionado
com o aperfeiçoamento de todos os órgãos do sentido (ENGELS, p. 25, 1990)
Para Engels (1990) entretanto, todo o processo de mudança física humana e
suas tarefas ainda não podem ser considerado trabalho no sentido estrito da palavra.
Os animais podem se alimentar de plantas ou por outros animais e esse processo não
pode ser considerado trabalho. Os vegetais usam luz solar, água e minerais da terra
para seu desenvolvimento e isso também não é considerado trabalho.
Ao usar esses exemplos, devemos destacar as diferenças entre as atividades
humanas e animais que perfazem a distância entre o que é atividade e o que é
trabalho. Em um processo animal, a ação é puramente instintiva, não é planejada nem
idealizada. Ao contrário do trabalho humano, ele é criado e idealizado. Entende-se,
assim, que o trabalho ultrapassa o campo da natureza e se direciona ao campo do
simbólico e da cultura.
Enquanto os comportamentos instintivos ajudam os animais a lidar com as
demandas e pressões de seu ambiente, o trabalho é a maneira pela qual os seres
humanos transformam a natureza, criando e reproduzindo a forma de ser do mundo
humano. Diferentemente dos instintos, o trabalho é aprendido e desenvolvido através
da experiência pessoal, da aprendizagem social e da cultura. Por meio do trabalho,
os seres humanos são capazes de criar, inovar e transformar o ambiente em que
vivem, desenvolvendo novas formas de tecnologia e organização social.
Portanto, enquanto os instintos são comportamentos automáticos e inatos que
ajudam os animais a sobreviver, o trabalho humano é uma atividade consciente e
intencional que permite a criação e reprodução da sociedade humana.
A fabricação de ferramentas e outros instrumentos, a conservação, a caça e a
pesca contribuíram ainda mais para o desenvolvimento humano, tornando-se o
emblema das primeiras formas de existência tipicamente humanas. O homem
analisou a realidade e produziu ferramentas para ela, permitindo aumentar a sua
intervenção na natureza. À medida que a comunidade cresce, aumentam também as
necessidades relacionadas com alimentação e segurança, levando ao
desenvolvimento de equipamentos de caça e pesca mais eficientes. A real
necessidade de maior produção de alimentos levou, portanto, à elaboração de
ferramentas que permitiam mais caça e pesca (CARVALHO, 2019).
Com a caça e a pesca, o “homem” não concentrava sua alimentação apenas
nos vegetais e passou a consumir carne, que contém substâncias importantes para o
desenvolvimento e mudança metabolismo. A combinação de carne e legumes permitiu
um fortalecimento físico importante para o ser humano, distinguindo-o de outros
animais. Devido ao consumo de carne, se exigia mais domínio de técnicas para uso
do fogo e adestramento dos animais (CARVALHO, 2019).
À medida que os humanos evoluem, sua existência se torna mais complexa.
Novas formas de trabalho são criadas, por exemplo, a produção de roupas que
resistam às condições climáticas, agricultura que priva dos meios de subsistência, a
necessidade de peregrinação para outros lugares em busca de comida. O manuseio
de metais e o surgimento da olaria também são fatos que marcaram a evolução da
vida humana nos primórdios. Com melhores condições de suportar a diversidade
climática, foi possível conhecer novas terras, novos ambientes e, naturalmente, entrar
em contato com novas espécies vegetais e animais. Ao desenvolverem técnicas de
sobrevivência, seja para suportar o clima, seja para enfrentar outros animais, os seres
humanos criaram condições para o aumento de sua comunidade (CARVALHO, 2019).
O surgimento de grupos cada vez mais organizados e complexos deu origem
às cidades. Paralelamente, formou-se a política e a religião, produto de um cérebro
consciente e organizado que compreende a realidade, projeta, dirige, controla e
aprimora as tecnologias. Por consequência, o ser humano desenvolveu cada vez mais
ferramentas e instrumentos que alteraram a sua ação na natureza e transformaram a
realidade e a própria vida (CARVALHO, 2019).
O trabalho que o ser humano executa é pensado e planejado com base em
uma necessidade real em um primeiro momento por sobrevivência imediata individual
e de sua prole; posteriormente, de comunidades inteiras. O pensado ou idealizado é
um importante elemento para a noção de ação consciente do trabalho humano
(CARVALHO, 2019).
5.1 Instituições sociológicas e mundo do trabalho
Quando falamos de uma instituição, nos referimos à família, escola, faculdade,
universidade, igreja, estado (com toda a sua maquinaria administrativa, incluindo
judiciário, legislativo, os bancos etc.), democracia, propriedade privada, mídia,
movimentos sociais, instituições econômicas, etc. A sociologia argumenta que as
instituições são centrais para o funcionamento da sociedade porque formam seus
"novos membros". Como estudado na unidade anterior, as instituições como a família,
a religião ou o Estado não são apenas uma ideia, conceito ou interesse, mas também
uma estrutura porque assumem uma forma concreta sendo implementadas para
atender às necessidades da sociedade (KOENIG, 1970).
Segundo Koenig (1970), as instituições são meios de controlar e utilizar a
energia social, ou mesmo agrupamentos aceitos e reconhecidos pela sociedade, ou
simplesmente costumes sociais sistematizados. Contudo Mészáros (2011) adverte
que as ciências sociais não podem tomar as instituições e ver suas estruturas como
"simplesmente dadas", como a economia liberal tende a fazer com as instituições
capitalistas, o que seria "apenas um discurso aparente", não ciência.
Feita esta reserva em sua análise, reafirmamos que as instituições sociais
funcionam na estrutura e regulação da sociedade. Elas são de natureza normativa, ou
seja, estabelecem regras e práticas que devem ser seguidas porque os mores
(costumes) da sociedade estão voltados para eles. Para participar dessas instituições,
é preciso aceitar sua padronização. Segundo Durkheim (1983), as instituições são
objetivas e externas aos indivíduos, o que significa que as instituições não são criadas
pelo indivíduo, elas estão presentes desde o nascimento, sendo usadas para forçar o
individuo a funcionarconforme as normas estabelecidas. Por exemplo, se um
funcionário não se comportar conforme as regras da empresa, ele pode ser punido ou
até demitido.
5.2 O trabalho como categoria sociológica
O trabalho é um importante mecanismo de análise social porque ajuda a
compreender o funcionamento da sociedade, incluindo as relações sociais e de
produção. Portanto, a categoria trabalho tornou-se a posição central do pensamento
social, porque ocupou um lugar importante após o surgimento da sociologia e até
mesmo antes dela, dando a ciência oportunidade de compreender e classificar as
complexas manifestações da sociologia na esfera social (CARDOSO, 2008).
Através da revolução industrial e do capitalismo o trabalho se tornou “a principal
mercadoria e o mecanismo de geração de valor e de alavanca para o processo de
acumulação capitalista, pois se impôs como categoria central e fundamental para o
entendimento da sociedade” (CARDOSO, 2008, p. 12). É por isso que o trabalho cria
ordem social, porque é uma atividade central em termos de vida e desenvolvimento
humano. Desta forma, o trabalho não poderia deixar de refletir sobre as diversas
dimensões interdependentes da vida em sociedade, que, por sua vez, tornam-se
interdependentes à vida privada, social e profissional, pois embora o trabalho seja
importante na esfera pessoal, sua importância ultrapassa a vida cotidiana e pessoal.
O trabalho está ligado a outras instituições sociais, processos sociais e,
principalmente, à desigualdade social. O trabalho é talvez a maneira mais importante
pela qual a sociedade afeta nossas experiências sociais e oportunidades na vida.
Entende-se, assim, que o trabalho é uma atividade fundamental na vida de
cada indivíduo, ocupando grande parte do tempo e influenciando as relações sociais
e a organização da produção. Por essa razão, tornou-se uma categoria central para a
análise sociológica e foi objeto de estudo de autores clássicos da sociologia.
Marx, por exemplo, concentrou-se na análise das relações de trabalho e do
impacto do modo de produção capitalista na sociedade. Segundo Marx (2013), o
trabalho é responsável pela divisão social do trabalho, que é uma das principais
características do sistema capitalista. Essa divisão é marcada pela separação das
atividades produtivas em tarefas específicas, cada vez mais fragmentadas e
especializadas, que são executadas por diferentes grupos sociais, gerando
desigualdades econômicas e sociais.
Ao discutir o trabalho, Marx discute, entre outras coisas, a exploração
capitalista, as classes sociais, o Estado como instrumento da classe dominante, a luta
de classes, a ideologia, a alienação, a formação de valores, o capital. Ele explicou
como “o trabalho, além de pano de fundo de todas essas questões, constitui-se como
uma eterna necessidade natural da vida social, isto é, o meio pelo qual permitiu ao ser
social se impor sobre a natureza que o cerca, exercer seu reconhecimento sobre ela,
e transformá-la, transformando-se a si próprio” (CARDOSO, 2008, p. 14).
Por outro lado, Durkheim (1995) enfatizou a importância da divisão do trabalho
como um mecanismo que organiza a sociedade e permite que ela funcione
adequadamente. Para ele, a divisão do trabalho social é uma forma de cooperação
social, que garante a interdependência e a solidariedade entre os membros da
sociedade.
Em ambos os casos, o trabalho é uma atividade social que está intrinsecamente
ligada às relações sociais e à organização da sociedade. A análise sociológica do
trabalho permite compreender as formas de organização da produção, as
desigualdades sociais e as relações de poder que emergem nesse contexto
Portanto, o trabalho deve ser entendido como a capacidade do homem de
modificar a natureza para promover seu próprio sustento e conforto. É uma atividade
social e racional porque é humana e transformadora de matérias-primas. Assim,
homem, trabalho e natureza estão indissociavelmente ligados.
O trabalho também tem dois significados na vida dos seres humanos: ele pode
degradar ou elevar o ser humano. Etimologicamente, o termo trabalho vem da palavra
latina tripalium, que significa objeto de tortura. Na antiguidade greco-romana, o
trabalho era considerado degradante, indigno de um cidadão livre. Os gregos
reservavam o trabalho manual e as atividades repetitivas para os escravos. Os
homens livres guardavam para si tanto a organização do trabalho quanto as atividades
gerenciais, bem como discutiam o destino do povo, ou seja, planejamento e atividades
estratégicas. A defesa da cidade/país e as atividades bélicas eram consideradas mais
nobres do que as atividades dos escravos (MARTINS, 2017).
Na época clássica, os gregos não tinham apenas uma palavra para trabalho,
como os romanos, mas três palavras: significavam trabalho como atividade laboral,
apenas física (trabalho braçal); a poiesis típica dos artesãos para fazer ou criar; as
práxis destinadas aos políticos e professores para se engajar em atividades típicas de
conversação baseadas no raciocínio e na inteligência (MARTINS, 2017).
Na Idade Média, os servos (que não eram escravos, mas também homens
livres) trabalhavam para seus senhores, enquanto os livres trabalhavam como
artesãos. Embora os artesãos trabalhassem manualmente, eles estavam envolvidos
em todo o processo de trabalho, planejamento, organização e execução e assim
podiam usar a criatividade em sua produção (MARTINS, 2017).
A tradição cristã medieval não incentivava o trabalho, exceto para subsistência
ou no contexto de arrependimento, porque é um dos castigos de Adão e Eva segundo
a história bíblica, bem como a expulsão do paraíso do pecado original (MARTINS,
2017).
No capitalismo, o trabalho passou a ter uma visão positiva quando amparado
pela ética protestante (explorada na obra-prima de Max Weber: A Ética Protestante e
o Espírito do Capitalismo), que combina as necessidades do capitalismo com o dever
cristão, como veremos mais adiante. Além disso, os ideais da Revolução Francesa,
especialmente os ideais de igualdade, trabalharam juntos para "corroborar" o trabalho
e torná-lo necessário e normal na vida de alguém.
Com a revolução industrial, o trabalhador teve que vender sua força de trabalho
por salário, sem outra opção de sobrevivência. Assim, o trabalho, como visto antes,
tornou-se uma mercadoria como tudo que pode ser comprado e vendido no mercado
de trabalho, o que ainda sua forma de existência nas sociedades contemporâneas.
Apesar de o mercado de trabalho estar em crise por não poder mais aceitar toda a
força de trabalho, esse trabalho não perde sua centralidade como categoria
sociológica (MARTINS, 2017).
5.3 Ciências sociais e relações empresariais.
Até a década de 1980, as ciências sociais não estavam muito próximas dos
negócios, seja tomá-los como objeto de estudo ou tentar intervir no mundo social de
empresas. Em meados da década de 1980, a situação se inverteu. A sociedade
começa a visualizar o conjunto empresarial, de forma mais acessível e favorável e não
é mais mencionada apenas como um local de exploração do trabalho para obtenção
de capital. Na década de 1990, associações comerciais e fóruns, bem como
empresários individuais, discutiam a empresa e sua missão social e responsabilidade
social (KIRSCHNER, 2006).
A função social da empresa pode ser analisada a partir de dois eixos: o
primeiro, privilegia a relação empresa/sociedade, estudando o tipo de interação
estabelecido com a dinâmica da sociedade; o segundo enfatiza o que a empresa faz
de fato para assegurar a coesão e mobilização de seus funcionários (KIRSCHNER,
2006).
O olhar sociológico sobre a empresa desvela dos fenômenos consideráveis
para a compreensão de seu futuro. De um lado, a empresa é uma entidade
em si que hoje em dia encontra sua força e sua eficiência não mais nas
virtudes e nas possibilidades de seus dirigentes, mas no valorcriador de seu
próprio sistema de funcionamento. De outro lado, autônoma porque se tornou
social em seu âmago, a empresa não pode mais limitar sua eficiência
unicamente ao lucro econômico, ela 'fabrica’ também emprego, tecnologia,
solidariedades, modos de vida, cultura (SAINSAULIEU, p. 421-422, 1997).
A empresa tem uma função identificadora na sociedade, por isso, revela uma
verdadeira instituição social capaz de criar conjunto de relações sociais e culturais,
assim, produzir novas identidades. Nela se desenvolvem relações e alianças de
opostos, e o ator vivencia isso relações de trabalho de forma interativa e estratégica
(KIRSCHNER, 2006).
6 CONTROLE ORGANIZACIONAL
No início da vida da organização, temos apenas os procedimentos
operacionais, os recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos e uma linha
de autoridade estabelecida entre os proprietários da empresa e os ocupantes dos
cargos, denominados funcionários, parceiros ou colaboradores. Os relacionamentos
formais são diretos entre eles e também são chamados de relacionamentos
funcionais, conforme mostrado na figura:
Fonte: (CARREIRA, 2009).
Planos, objetivos e metas são estabelecidos. Processos são desenhados,
cargos são criados, recursos são organizados e controles são estabelecidos. Matéria-
prima é comprada, ordens de produção são transmitidas, vendas são realizadas e
produtos são distribuídos aos clientes. Receitas e despesas são realizadas. O
processo é organizado para que cada colaborador o conclua de acordo com seu perfil
profissional e psicológico (CARREIRA, 2009).
Enquanto os negócios vão prosperando, novos processos operacionais vão
sendo criados. À medida que o volume e a complexidade do trabalho aumentam, a
pressão competitiva e a tecnologia se desenvolvem, os processos se tornam mais
uniformes. O tempo de processamento e o tempo de ciclo vão baixando, os perfis dos
cargos vão sendo redesenhados e suas vagas recalculadas, novos níveis de alçada
estabelecidos e a amplitude de comando redimensionada. As adequações nas
instalações, nas especificações técnicas do mobiliário, das máquinas e dos
equipamentos, bem como na sua quantificação, são inevitáveis. Mudanças como
essas produzem reflexos na estrutura organizacional da empresa e o organograma
precisa ser redesenhado (CARREIRA, 2009).
Alguns autores consideraram a definição de controle e conseguiram incluir sua
dimensão política. Assim, Chiapelo (1994) e Dermer (1988) definem controle em
relação à organização. Chiapelo (1994, p. 157) define-o como um "efeito criador de
ordem". Sua definição é baseada no trabalho de Lebas (1980), onde o resultado do
controle é entendido como a redução do grau de liberdade das pessoas, o controle é
definido como um processo que visa reduzir a incerteza (SILVA, 1999). O grau de
liberdade de que fala Lebas se aproxima do conceito de Crozier e Friedberg (1977)
sobre o limite da liberdade. Esses autores teorizaram que uma organização é uma
"estrutura humana" ou um "grupo estruturado de pessoas" (BERNOUX, p. 138, 1985).
Essa unidade é construída pela interação de atores que gozam da liberdade,
que é seu recurso, e quando utilizada, cria zonas de incerteza nas organizações. A
gestão visa reduzir essas zonas de incerteza atuando não apenas no comportamento,
como entendido por autores clássicos, mas também em todos os aspectos que podem
afetar a incerteza existente, que, segundo diversos autores, é crescente nas
organizações de hoje.
Assim, Solé (1996) mostra a vontade de dominar o mundo (maîtriser) como
uma característica do desejo moderno, porém querer dominar o mundo significa estar
convencido de que se pode e deve controlar isso. A busca de Solén pelo domínio se
dá sobre a natureza, o espaço, a tecnologia e o próprio indivíduo sobre o outro e sobre
o tempo. O autor enfatiza que essa vontade de dominar o mundo não é exclusiva dos
líderes empresariais, mas caracteriza o "estar no mundo" de hoje. Solé aplica esse
entendimento aos especialistas em decisão e questiona sua compreensão de seus
papéis, que decorre da crença: mais informação, mais conhecimento é equivalente a
menor incerteza e assim menos risco e melhor decisão gerando controle da situação
e estratégia. Essa busca pela redução da incerteza pode ser realizada nas
organizações de várias formas através dos métodos de controle. Observe no quadro
abaixo as tipologias e metodologias de controle das organizações:
Fonte: Hatch, 1997
6.1 Perspectivas do Ciclo de Vida Organizacional
A abordagem da teoria do ciclo de vida das organizações é utilizada por
pesquisadores para definir mudanças e transições ao longo do tempo e resultantes
interações com o ambiente para provocar o desenvolvimento organizacional. Greiner
(1972, 1998) afirmou que a dinâmica de desenvolvimento das organizações passa por
várias etapas desde a criação até o amadurecimento. O autor constatou que os
estágios de crescimento organizacional evoluem em ciclos de desenvolvimento e
revolução. Os ciclos de desenvolvimento são períodos de crescimento com
estabilidade, sem surpresas; os ciclos revolucionários são períodos de crises de
liderança (CORREIA, 2015).
Quinn e Cameron (1983) introduziram que o propósito da pesquisa empírica
monitora o desenvolvimento da organização, faz uma proposta para descobrir o ciclo
de vida e a eficiência organizacional. Da mesma forma, Miles e Friesen (1984) usaram
a teoria de ciclo de vida organizacional para pesquisas das organizações,
investigando se realmente existiu incidente nos padrões naturais e essenciais de
desenvolvimento de negócios, usando como medida as estruturas, situações, táticas
e estilos de tomada de decisão. Moores e Yuen (2001) também adotou a teoria do
ciclo de vida organizacional em um estudo sobre: Os sistemas de contabilidade
gerencial (SCG) para investigar se os estágios de desenvolvimento diferem.
Portanto, há evidências de que o desenvolvimento organizacional pode ser
estudado das diferentes etapas ou fases que ocorrem usando a metáfora de toda a
existência da organização de ciclos de vida que consistem em mudanças e variações
exigidas pela política de gerenciamento adequado às exigências de cada etapa.
Uma abordagem baseada na teoria do ciclo de vida organizacional para
explicar o desenvolvimento das organizações assume que as instituições se
comportam da mesma forma que o ciclo biológico dos seres vivos: nascem,
desenvolvem-se e podem terminar em desaparecimento, ou seja, "morte" (ADIZES,
1990).
Partindo da premissa de que o desenvolvimento organizacional pode ser
explicado por meio de uma metáfora do ciclo de vida, acredita que a organização é
criada no início desta atividade, ou seja, "start-up", o começo que inicia o nascimento
da vida de uma organização (GREINER, 1972, 1998; QUINN; CAMERON, 1983).
Seguindo essa linha de raciocínio, argumentam Moores e Yuen (2001), que as
características internas das organizações responsáveis e os contextos externos em
que operam as organizações promovem mudanças nas fases do ciclo vital e nos
fenômenos de crescimento organizacional que é descrita e identificada por meio de
modelos que possuem características próprias através das seguintes variáveis:
estrutura, estratégia, estilo de gestão e condições ambientais.
Nesse caso, as características organizacionais mudam entre os estágios do
ciclo de vida para responder às constantes sublevações da mudança ambiental.
Moores e Yuen (2001) enfatizaram que embora haja concordância entre os modelos
e as mudanças na organização seguem um padrão em diferentes estágios previsíveis
de desenvolvimento ao longo do tempo. No entanto, Miller e Friesen (1984)
encontraram exceções notáveis onde descobriram que o curso do ciclo de vida
organizacional não é determinístico.
Quinn e Cameron (1983) analisaram nove diferentes modelos de ciclo de vida
organizacional. Os modelos analisadosdestacam diferentes fatores para explicar as
mudanças nas características das organizações ao longo do tempo. Todos esses
modelos identificam certas características que classificam as organizações em
diferentes estágios de desenvolvimento. Os modelos verificados pelos autores variam
de três a dez estágios, indicando semelhanças nas diferentes fases do ciclo de vida,
conforme mostra a Tabela 1.
Fonte: Adaptada de Quinn e Cameron, (1983)
Quinn e Cameron (1983) conduziram suas pesquisas no antigo Centro de
Desenvolvimento do Departamento de Higiene Mental do Estado de Nova York. Os
eventos analisados pelos autores foram baseados nas observações de três anos,
1974 -1976. Os indicadores que os autores encontraram mostraram ocorrência em
vários estágios do ciclo de vida.
Moores e Yuen (2001) confirmaram a existência de uma mudança na estrutura
formal do sistema de contabilidade gerencial desde o nascimento até o crescimento.
Por outro lado, outros pesquisadores constataram que a contabilidade gerencial,
principalmente sua formalização, é afetada pelas fases do ciclo de vida, mas ainda
não conseguiram determinar o grau de formalização em cada fase do ciclo de vida de
uma organização. (SOUZA; NECYK; FREZATTI, 2009).
6.2 As tecnologias da informação e as mudanças no controle técnico
A gestão em uma empresa é, e sempre será, um dos pilares fundamentais da
decisão empresarial. No entanto, sua pontualidade geralmente depende dos sistemas
que suportam sua preparação e distribuição. Torna-se cada vez mais relevante a
implementação de adequados sistemas de informação de gestão que, de forma
integrada e tempestiva, permitam divulgar a informação, no tempo e no espaço, de
forma eficiente e eficaz. É neste contexto que, nas últimas décadas, se assistiu ao
desenvolvimento de diversos sistemas de informação de gestão, dos quais
destacamos pela sua amplitude e projeção, os programas de Balanced Scorecard
(BSC), desenvolvidos por Kaplan e Norton (1996). Constitui, comparativamente aos
sistemas mais tradicionais (relatórios de desempenho, incluindo Tableaux de Bord
(TB), entre outros), que são um sistema complementar para monitorar o desempenho
organizacional, não uma medida ou modelo substituto. A visão integrada por eles
proporcionada, permite agir sobre um conjunto de variáveis críticas, representando no
processo de criação de valor para o acionista, um importante contributo. Atualmente,
constituem a mais importante e inovadora metodologia de gestão da performance das
organizações (LOPES, 2019).
A sofisticação e integração dos sistemas de controlo de gestão tem sido o
resultado de múltiplos fatores, entre os quais se destacam a evolução verificada nas
tecnologias de informação e comunicação, o aparecimento de novos modelos de
negócio, a sua crescente complexidade, as alterações de exigências e
comportamentos dos consumidores, para além da volatilidade e instabilidade dos
mercados (LOPES, 2019).
Entretanto, segundo diferentes abordagens, há discussões sobre tecnologia e
controle nos estudos organizacionais de alguns autores (BURRIS, 1989; CLEGG;
DUNKERLEY, 1980; EDWARDS, 1981). A maioria dessas abordagens adota uma
atitude neomarxista e olha para a tecnologia sob a perspectiva da instrumentalidade
negativa, ou seja, devido aos fenômenos recentes de trabalho mais coletivo e maior
especialização, vistos como novas tecnologias de controle (CLEGG, 1992).
Braverman (1974) e sua teoria do processo de trabalho é considerado o maior
representante desta corrente. Sua pesquisa mostra o controle como uma prática
necessária nas relações sociais do modo de produção capitalista, pois a relação entre
a capacidade de trabalho ideal e real dos indivíduos é indeterminada. Nesse sentido,
os gerentes utilizam ferramentas de controle para garantir que os esforços da força
de trabalho se aproximem de seu valor total ("full potencial"), definam as tarefas a
serem executadas e se esforcem para concluí-las (SEWELL, 1998). A tecnologia entra
nesse papel para separar os elementos de controle do processo de produção e
repassá-los dos trabalhadores para a máquina. Informação, revisão e conhecimento
é usurpada pelo empregado e ele é submetido à rotinização e programação
(RODRIGUES, 1986). De acordo com Braverman (1974, p. 195):
A maquinaria oferece à administração a oportunidade de fazer por meios
totalmente mecânicos o que se tentou fazer previamente por meios
organizacionais e disciplinares. O fato de muitas máquinas poderem ser
ritmadas e controladas de acordo com decisões centralizadas, e que esses
controles podem assim estar nas mãos da administração, retirados do local
da produção para o escritório – essas possibilidades técnicas são de grande
interesse da administração, assim como o fato de a máquina multiplicar a
produtividade do trabalho.
Essa introspecção para o uso de máquinas é adicionada às práticas
administrativa proposta pelo taylorismo, um projeto ideológico de dominação, que visa
transformar a subordinação formal do trabalho ao capital, onde a unidade intelectual
e manual das tarefas é preservada em uma subordinação real (SEWELL, 1998), que
dissolve essa unidade, os fragmentos saem do trabalhador, tornando-o um apêndice
da máquina. A organização do trabalho não consistiria mais em tornar o próprio
trabalho mais eficiente, mas em otimizar a máquina, pois o ritmo foi introduzido nos
sistemas automáticos de trabalho (CORIAT, 1988). Assim, o objetivo de buscar novas
tecnologias e novas formas de organizar o processo de trabalho seria aprimorar ou
encontrar novas formas de controle social necessárias para a superação da crise
capitalista (LEITE, 1994).
São os recentes desenvolvimentos tecnológicos relacionados às práticas de
envolvimento dos empregados nos processos organizacionais que levam Sewell
(1998) a propor a revisão e construção de um modelo inédito de teoria do processo
de trabalho. Segundo ele, o discurso normativo do discurso gerencial ainda almeja a
eficiência, mas ela é alcançada por meios menos coercitivos que o taylorismo. Novas
práticas de trabalho em equipe reconectam as qualidades manuais e mentais das
tarefas e assumem a responsabilidade de racionalizar e tornar suas tarefas mais
eficientes. Essa tecnologia tornou-se uma opção viável para as organizações
modernas devido à vigilância, monitoramento próximo dos indivíduos, aumento da
comunicação, coordenação e integração por meio do uso de tecnologias produtivas
como robôs e bancadas flexíveis, além de novas aplicações de TI. Essas novas
formas de organização desempenhariam um papel dominante na prática da livre
fiscalização.
7 A SOCIEDADE E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DA EMPRESA
As empresas, assim como outros tantos segmentos existentes na sociedade, não
estão deslocadas da dinâmica social. Isso significa que elas estão em permanente
relação com a sociedade, seja pela produção de bens e serviços e pela divisão social
do trabalho, seja pelo desenvolvimento dos sujeitos que trabalham nessas empresas,
entre outros aspectos (KIELING; ZORZI; FACHINETTO; BIGOSSI; MULLER, 2012).
Renaud Sainsaulieu é um dos autores preocupados com a questão da relação
do desenvolvimento das empresas com as dinâmicas sociais produzidas e
reproduzidas ao longo do tempo. O autor afirma que, ao mesmo tempo em que houve
crescimento na produção, ocorreu também uma transformação física e intelectual dos
trabalhadores, como uma menor alienação e um aumento das capacidades individuais
sintetizadas na forma de agir e de aprender dos sujeitos.
Sainsaulieu (1997) destaca como questão primordial na análise sociológica das
empresas o entendimento de sua relação com o exterior da organização, por meio de
sua produção e com base em seu conjunto humano. Nas palavras desse autor:
Trata-se, com efeito, de compreender como é que a empresa constitui uma
espécie de fato social específico, uma forma decomunidade humana mais
ou menos aberta ou constrangedora, na medida em que associa homens para
realizar uma produção econômica, fundamentando na sua capacidade de
comunicação e de colaboração uma parte, tantas vezes essencial, da
qualidade dos resultados e da intensidade das performances. Ora, só pelo
fato de ela ser social, isto é, constitutiva de laços de solidariedades duráveis,
a realidade humana da empresa não pode deixar de ser histórica, confrontada
tanto com os ciclos da vida interna como com a eventualidade de pressões
externas. Pensar as vias e os meios do seu desenvolvimento torna-se por
isso, uma urgente necessidade para as empresas que admitam a importância
dos seus recursos humanos (SAINSAULIEU, p. 16, 1997).
Tomando como base a posição do autor, percebemos a importância de
contextualizarmos as organizações empresariais nas dinâmicas sociais do seu
entorno, agindo sobre elas, bem como partir delas para o seu próprio
desenvolvimento, não só no sentido econômico, como também no seu aspecto social.
Sendo assim, o autor Sainsaulieu (1997) sustenta:
Assim, toda a abordagem sociológica da empresa permite uma leitura
renovada da realidade contemporânea dos seus fatores de produção,
explicitando o confronto perpétuo das forças sociais, frutos da sua
experiência, com as capacidades de reação exigidas pela antecipação dos
imperativos do desenvolvimento futuro. Em termos de gestão, falar-se-á aqui
inevitavelmente de modos de organização racional das forças produtivas. Em
termos sociológicos, deve-se falar mais de construção de sociedade, de
dinâmica de coesão social necessária à pertinência dos esforços de
colaboração entre atores da produção (SAINSAULIEU, 1997, p. 16).
A reflexão de Sainsaulieu (1997, p. 17) evidencia a importância de situarmos a
discussão no campo da "ética de cidadania". Conforme ele, "todos os produtores se
sentem mais ou menos responsáveis em função das culturas e das histórias globais
das sociedades". Logo, essas organizações devem ser pensadas para além de sua
contribuição para a produção econômica da sociedade, situando-se como um
importante aspecto social da realidade humana. Como já destacado, elas se
constituem em laços de solidariedade.
7.1 Aprendizado coletivo e processos de socialização nas organizações
Quando pensamos em processos de inovação e de mudança nas
organizações, necessariamente entra em questão a reflexão sobre os processos de
aprendizado, tanto individual quanto coletivo, e de socialização nas organizações. Isso
porque entendemos que os sujeitos são parte fundamental no desenvolvimento das
organizações (KIELING; ZORZI; FACHINETTO; BIGOSSI; MULLER, 2012).
Aqui entra também a questão do papel do pensamento criativo dos sujeitos na
definição de novos rumos da organização, pois à medida que vão surgindo novos
problemas, novos dilemas e novos desafios, cabe aos sujeitos, por meio do seu
aprendizado, que não é somente individual, mas também e principalmente coletivo,
colaborar para a transformação e constituição de novas ações (KIELING; ZORZI;
FACHINETTO; BIGOSSI; MULLER, 2012).
De acordo com Silva (2002):
A mudança organizacional vai implicar o rompimento com o estabelecido para
a criação de novos modelos de ação. Esse rompimento acontece por meio
dos indivíduos e grupos que trabalham e aprendem na empresa, executando
tarefas em qualquer contexto (SILVA, 2002, p. 164).
A perspectiva de transformação das organizações tem como base as ações
inovadoras dos sujeitos engajados nesse processo. Com base nisso, não só o
conhecimento do indivíduo e do grupo, ou seja, coletivo, se renova, como também a
própria cultura relacionada à organização. Para os autores (SILVA, 2002, p. 165),
portanto, “o aprendizado é tanto o impulso quanto o motor que leva à mudança, à
transformação [..] e o indivíduo é o ponto de partida que desencadeia o processo de
aprendizagem”.
Os sujeitos, quando passam a participar de um contexto organizacional pelo
trabalho ou por outra forma de interação, já encontram um sistema de regras, de
normas, de linguagem, de símbolos, entre outros elementos, que representam a
identidade dessa organização, por isso, um dos primeiros processos estabelecidos no
seu interior é o de socialização dos sujeitos que passam a pertencer a esse universo
(KIELING; ZORZI; FACHINETTO; BIGOSSI; MULLER, 2012).
Esse movimento de socialização e de aprendizagem individual e coletiva
contribui para o permanente reconstruir das organizações, inclusive nos seus
aspectos culturais. Pois esse processo não é estático, e sim dinâmico. Assim, é no dia
a dia, por meio das interações entre os sujeitos e entre os sujeitos e a cultura
organizacional, que se criam novas práticas e novos conhecimentos no interior da
organização (KIELING; ZORZI; FACHINETTO; BIGOSSI; MULLER, 2012).
7.2 Relações humanas e questões culturais.
As dimensões culturais da dinâmica organizacional ficaram virtualmente
ausentes, durante muito tempo, do horizonte de reflexões sobre gestão empresarial.
Entretanto, desde meados dos anos 1980 o fator cultural ganhou maior visibilidade,
tanto na produção acadêmica de administração quanto na atenção de empresários e
executivos. Isso se deveu a duas razões principais. De um lado, o sucesso econômico
das empresas japonesas no mercado estadunidense e mundial, sobre tudo nos
segmentos automotivo e de eletroeletrônicos. De outro, os processos de
reestruturação empresarial resultantes da globalização, que significaram, muitas
vezes, choques culturais (BARBOSA, 2002; CUCHE, 1999; FREITAS, 2007).
Quanto à primeira razão, a recuperação econômica de um país que havia sido
arrasado na Segunda Guerra Mundial foi atribuída, entre os estudiosos de
Administração e das empresas de consultoria empresarial, a certas características
culturais (a harmonia, a coesão e o valor atribuído à empresa). A cultura pode ter sido
um motivo para o sucesso de companhias como Sony e Toyota, que desbancaram
suas concorrentes no mercado estadunidense. É evidente que essa recuperação
japonesa não pode ser atribuída unicamente à dimensão cultural. Sabemos que outros
elementos tiveram peso muito forte nesse processo. Os programas de apoio
desenvolvidos pelos Estados Unidos para ajudar países como a Alemanha e o Japão,
a fim de evitar que o comunismo se alastrasse pela Europa e pela Ásia, não devem
ser esquecidos.
Nesse sentido, cabe lembrar que toda a "febre" da qualidade, que colocou o
Japão no centro da atenção mundial no campo dos negócios nos anos 1980, por conta
das tecnologias de gestão, como Qualidade Total, Círculos de Controle da Qualidade,
Just-in-Time, Kaizen, etc. Iniciaram-se alguns anos antes com a ida do professor
estadunidense William Deming para o país, levando o controle estatístico da qualidade
para as indústrias japonesas (CUCHE, 1999). De toda forma, foi nesse período que o
livro homônimo de Akio Morita fez sucesso como best-seller do mundo corporativo. O
mundo queria entender o modelo de gestão japonês.
A segunda razão que despertou os olhos do universo empresarial para a
questão cultural foi a aceleração dos processos de reestruturação dos negócios
resultantes da globalização. Para se posicionarem no mercado internacional e
concorrer em um cenário econômico cada vez mais competitivo, as empresas se
reinventaram. Nesse movimento, houve uma grande concentração do capital em
corporações transnacionais, criadas por meio de fusões, aquisições ou
estabelecimento de joint ventures. Esses processos de reestruturação significaram,
muitas vezes, choques de culturas organizacionais e/ou de culturas nacionais nos
casos de empresas provenientes de distintos países (JAIME; LUCIO, 2017).
Nos anos seguintes, profissionais com diversas formações disciplinares se
lançaram na realização de consultorias para diagnosticar a cultura organizacional e
propor, quando necessário, mudanças culturais que levassemà criação de “culturas
fortes”, capazes de resultar em uma elevação da performance empresarial. Esses
consultores possuíam uma visão normativa e prescritiva da cultura organizacional.
Segundo eles, era preciso inicialmente mapear a “verdadeira” cultura organizacional.
Para tanto, recomendavam a realização de pesquisas quantitativas, com muita pouca
observação sistemática do comportamento dos indivíduos em situações concretas de
trabalho. Com base nesse levantamento, seria possível em seguida operar
transformações culturais visando ao incremento da produtividade (JAIME; LUCIO,
2017).
Essa abordagem surpreendeu os profissionais das Ciências Sociais, uma vez
que a maneira como a cultura estava sendo pensada pelo mundo empresarial não
correspondia aos avanços científicos desta área. Eles perceberam que se tratava de
um debate com o qual poderiam contribuir. Vejamos, então, como abordam o conceito
de cultura para entendermos melhor esse estranhamento. A partir daí, a seguir, serão
discutidas as diferentes formas de pensar a questão cultural nas organizações, as
perspectivas dominantes na Administração e na Sociologia (JAIME; LUCIO, 2017).
7.3 O conceito de cultura na Sociologia
Pode-se dizer que o primeiro desafio da Sociologia para estabelecer as bases
científicas do conceito de cultura foi romper com a associação entre cultura e posse
de um saber formal (DAMATTA, 2011). Para ilustrar essa questão, podemos recorrer
ao dicionário, onde encontramos inicialmente significados relacionados à agricultura,
como a cultura de determinados vegetais, devido à origem etimológica da palavra.
Em seguida, a cultura aparece relacionada com a microbiologia, quando se fala
em fazer uma cultura de “garganta” em laboratório. Entretanto, esses significados não
refletem a definição sociológica de cultura, que é entendida como uma complexa
estrutura de significados construída historicamente pelos indivíduos em suas
interações cotidianas, dando sentido à vida coletiva e funcionando como um código
que informa o comportamento e orienta a ação (CUCHE, 1999; EAGLETON, 2005;
GEERTZ, 2015).
A definição sociológica de cultura difere da noção de culto ou erudição
associada à posse de um saber formal, utilizada popularmente para avaliar o
conhecimento de um indivíduo. É importante esclarecer que a cultura é um atributo
inerente ao ser humano, como um animal cultural, e não algo que pode ser possuído
ou adquirido de forma individual.
Da perspectiva da Sociologia dizemos que o homem é um animal simbólico. O
que isso significa? Como bem nos lembrou o cientista social Marshall Sahlins (1997),
o homem é o único animal que distingue água de água benta. Por quê? Porque no
plano químico não há diferença nenhuma entre ambas. Para fazer um trocadilho,
podemos dizer que a água benta é aquela que está embebida em certo significado
para quem acredita na religião católica. Tal significado está ligado à crença de que o
padre pôs as bênçãos de Deus nessa água. Vejamos outro exemplo.
No caso dos seres humanos, diferentemente do que se passa com os demais
animais, uma simples ação pode assumir distintos significados. Como apontou o
também cientista social Clifford Geertz (2015), um piscar de olhos pode significar um
tique nervoso, ou conspiração secreta, ou ainda uma ironia, uma imitação que alguém
faz do outro que realiza esse gesto de maneira não espontânea, que pisca por tique
nervoso. O que é importante reter desses exemplos é que os humanos ordenam
simbolicamente o mundo, atribuem significados para objetos, cores, comportamentos,
pessoas, organizações. Como vimos no primeiro capítulo, para o sociólogo Max
Weber, o papel da Sociologia é entender os sentidos da ação social.
7.4 A questão cultural e a dinâmica organizacional
O que isso tem a ver com a Administração, com o mundo empresarial, algo
supostamente tão prático, marcado pela racionalidade econômica? Dois exemplos
nos ajudam a evidenciar a importância da questão cultural na dinâmica organizacional.
Nos anos 1990, uma empresa de cosméticos do Rio de Janeiro, a Embelleze, lançou
uma linha de produtos voltada para o público evangélico, a Beleza Cristã. O que há
nessa linha de produtos que a diferencia daquelas voltadas para não evangélicos? No
plano químico nada, mas há toda uma construção simbólica que vai desde os nomes
dos produtos pertencentes a ela (Condicionador Promessa, Colônia Cordeirinho),
passando pela sua embalagem, com rótulos que possuem versículos bíblicos
impressos.
Esses exemplos revelam que a ordenação simbólica do mundo, a construção
de significados, orienta nossas escolhas de consumo portanto, devem ser
consideradas pelas empresas nos processos de produção. Mas voltemos por um
instante à questão conceitual. A cultura é como um software que agregamos ao nosso
hardware biológico. É um mapa simbólico que informa nosso comportamento, tal
como a carta geográfica orienta nosso deslocamento no espaço. É como um texto que
lemos para interpretar e dar sentido às nossas vidas. Em síntese: a cultura define
padrões de comportamento próprios de uma sociedade ou de um grupo social em seu
interior, oferecendo um modelo de referência para a ação dos seus membros (JAIME;
LUCIO, 2017).
7.5 Cultura e organizações: a visão dominante em Administração e o olhar
sociológico.
A complexidade envolvida no conceito de cultura está no centro do
estranhamento que os sociólogos sentiram ao perceberem o tratamento que vinha
recebendo o fenômeno cultural nas organizações no âmbito da Administração.
Transmutada apressadamente em cultura organizacional, a ideia de cultura parecia
empobrecida (JAIME; LUCIO, 2017).
Do que falavam os administradores quando pensavam sobre cultura
organizacional? Comecemos pelo conceito clássico formulado por Edgar Schein
(2009). Segundo ele, a cultura organizacional representa o modelo de pressupostos
básicos que um dado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu aprendendo a lidar
com problemas de adaptação externa e integração interna, que, suficientemente bem
trabalhado para ser considerado válido, pode em seguida ser apresentado para os
novos membros como um modo correto de perceber, pensar e sentir em relação a
esses problemas. Para Schein, os fundadores e líderes têm um papel crucial na
construção desse modelo de pressupostos. Eles determinam, conforme seu passado
cultural, sua personalidade, como o grupo define e resolve seus problemas de
adaptação externa e integração interna. Isso porque possuem uma visão sobre o
mundo e o papel das empresas, sobre o gênero humano e as relações humanas, bem
como sobre o modo de controlar o tempo e organizar o espaço. Assim, de acordo com
Schein a cultura organizacional é formada por esses pressupostos que fundadores e
líderes transmitem para os demais membros da empresa. Seguindo um ponto de
partida semelhante, Deal e Kennedy (2000) advogaram pela criação de uma cultura
forte, isto é, aquela capaz de integrar os membros da organização, de modo que
saibam como se relacionar, como se comunicar, quais são os comportamentos
aceitáveis ou não, etc. Para eles, uma cultura forte possui impactos positivos sobre a
produtividade da organização. Ressaltam que definições claras sobre o que fazer e
como fazer orientam os trabalhadores, fazendo com que não percam instantes
preciosos do dia tentando desvendar essas definições, o que acarretaria uma queda
de produtividade.
A partir dessas definições iniciais, o campo da Administração incorporou o
vocabulário sociológico para pensar sobre a cultura organizacional. Sendo assim, a
cultura da empresa seria formada por alguns componentes (FREITAS, 2007). Os
valores representariam conceitos básicos que estabelecem padrões de realização
dentro da organização. Em algumas empresas a disciplina e a pontualidade são
centrais; em outras a lealdade possui destaque; em uma terceira os resultadossão
enfatizados. A linguagem diria respeito a uma forma especial de falar própria da
organização, que inclui expressões, slogans, denominações dos cargos, etc. É
comum que empresas diferentes atribuam nomes distintos para cargos muito
semelhantes. Cada empresa desenvolve uma linguagem, um vocabulário próprio, que
reflete a área de negócios na qual está inserida, mas também seu país/região de
origem, dentre outros aspectos.
As histórias e os mitos seriam narrativas baseadas em eventos reais ou
ficcionais, frequentemente compartilhadas pelos funcionários e contadas aos novatos
para informá-los sobre a organização. Trata-se dos relatos comumente ouvidos sobre
o surgimento da empresa (mito de origem) ou sobre os momentos críticos que ela
atravessou. Os heróis fariam referência a pessoas do presente ou do passado que
personificam a cultura, servindo como modelos de conduta para o cumprimento de
normas e valores. São cultuados de maneira especial, como em bustos, placas,
fotografias históricas, ou mesmo nos retratos efêmeros dos funcionários considerados
“destaques do mês” (JAIME; LUCIO, 2017).
Fonte: JAIME; LUCIO, 2017
Finalmente mereceriam atenção os rituais, as atividades cerimoniais
elaboradas e planejadas que compõem um evento especial. Os rituais reforçariam os
valores da empresa, celebrariam os heróis e, portanto, criariam laços entre os
indivíduos e a organização. São normalmente divididos em três categorias. Os ritos
de passagem: aqueles que facilitam a transição de pessoas para status sociais novos,
a exemplo dos Programas de Trainee e das palestras para recém-contratados. Os
ritos de reforço: voltados para solidificar a identidade do funcionário com a
organização, como a noite de premiação anual. Nesse caso, não basta pagar bônus
aos melhores vendedores do ano, por exemplo; é preciso afirmar isso simbolicamente
em uma cerimônia na qual os premiados são celebrados e ganham visibilidade,
despertando nos demais a vontade de estar naquela posição, e, portanto, mobilizando
seu engajamento e esforço. E os ritos de integração, que incentivam e revigoram os
sentimentos comuns que unem as pessoas e as envolvem com a organização. As
festas de Natal do escritório e a comemoração do aniversário da empresa ou da
inauguração de um novo prédio são bons exemplos nesse sentido (JAIME; LUCIO,
2017).
Essa abordagem tradicional na Administração possui seu mérito e explica parte
da dinâmica cultural nas organizações. Um exemplo interessante é o relato de uma
profissional de RH que ilustra essa dinâmica. No seu primeiro dia de trabalho em uma
empresa, às 18 horas, quando começava a arrumar seus pertences para ir para casa,
foi advertida por um colega. Ele perguntou se ela era funcionária pública e disse que
na empresa as pessoas trabalham até mais tarde. Essa advertência reflete um traço
da cultura da empresa, o comprometimento sem reservas como um valor central.
Cinco anos depois, ela mudou de empresa e procurava sempre ficar até mais tarde
nas suas primeiras semanas de trabalho. No entanto, foi surpreendida pelo seu
gerente, que um dia lhe perguntou se não iria embora, já que passava das 18 horas.
Ele afirmou que se ela precisava ficar até mais tarde para concluir as atividades, é
porque não planejou seu trabalho adequadamente, e que as horas extras dos
funcionários que teriam de permanecer na empresa apenas para que ela pudesse
concluir suas atividades deveriam ser debitadas do centro de custos do seu
departamento. Esse exemplo mostra que o comportamento esperado em uma
organização pode ser sancionado de maneira diferente em outra, e evidencia a
importância de considerar a complexidade da dinâmica cultural nas organizações. No
entanto, é importante ressaltar que esse repertório de conceitos utilizados pela
Administração foi retirado da Sociologia sem que fosse tomado o devido cuidado na
sua transposição,
Conforme apontamos, os debates sociológicos em torno do conceito de cultura
apontam seu caráter dinâmico em um contexto de globalização, bem como os jogos
de poder que atravessam a construção dos significados culturais. Essas questões não
foram consideradas pela abordagem dominante da cultura no campo da
Administração. Sendo assim, tal abordagem causou uma reação dos cientistas
sociais. Eles questionaram a visão da cultura como mais uma variável da gestão
empresarial, sobre a qual o administrador deve intervir da mesma forma que intervém
em elementos como tecnologia, estrutura ou estratégia. Para esses estudiosos, as
coisas se passam de uma forma bem mais complexa. Ainda que reconheçam a grande
importância que a dimensão cultural exerce na dinâmica organizacional, uma vez que
orienta o funcionamento cotidiano da empresa, define o ritmo de trabalho, organiza as
relações interpessoais, etc. Os cientistas sociais consideram frágil o postulado de que
a cultura pode ser facilmente manipulada, modificada em função da decisão dos
dirigentes. Cultura organizacional não diz respeito simplesmente ao que se passa na
cabeça desses atores. Ela não pode ser entendida apenas como o resultado do
seminário de planejamento estratégico, quando os líderes empresariais definem os
valores da organização e em seguida mandam confeccionar quadros emoldurados
para divulgá-los por toda a companhia (JAIME; LUCIO, 2017).
A cultura organizacional não pode ser pensada como um universo autônomo e
internamente coerente. Devemos lembrar que os trabalhadores também são
portadores de cultura. Eles não são recipientes vazios nos quais a cultura
organizacional deve ser depositada, ou folhas de papel em branco nas quais deve ser
escrita. Não chegam à organização desprovidos desses significados que ordenam a
vida coletiva, não deixam na portaria da empresa suas culturas de classe, gênero,
religião, região, grupo étnico, profissão, etc. Ao contrário, eles ressignificam,
reinterpretam os discursos dos dirigentes e líderes, a “cultura oficial” da organização,
em função dos seus próprios repertórios culturais. Portanto, a dinâmica cultural da
organização revela um universo heterogêneo, relacionado com diversas categorias de
atores. A cultura organizacional é vista, então, pelos cientistas sociais como o
resultado das confrontações entre as microculturas dos diferentes grupos sociais que
compõem a organização. Finalmente, não existem “verdadeiras” culturas
organizacionais, mas distintas versões sobre a cultura organizacional. Tampouco
existem culturas fortes ou fracas (JAIME; LUCIO, 2017).
Ademais, a cultura da organização não é independente do ambiente que a
cerca. A empresa não é um universo fechado que produz uma cultura perfeitamente
autônoma. As culturas nacionais exercem impacto nesse processo. Por conseguinte,
a cultura organizacional é, simultaneamente, um reflexo da cultura ambiente e uma
produção nova elaborada e reelaborada constantemente no interior da empresa. Essa
reação dos cientistas sociais quanto ao tratamento que o conceito de cultura
organizacional vinha recebendo no campo da Administração não foi o resultado
apenas de divagações teóricas. Foi fruto também e, sobretudo, de pesquisas (JAIME;
LUCIO, 2017).
Estimulados pelos mesmos fatores que aludimos no início deste capítulo e pela
visibilidade que o tema da cultura organizacional ganhou graças ao movimento dos
dirigentes e consultores de empresas, os sociólogos, em diferentes países do mundo,
passaram a empreender investigações sobre a dinâmica cultural das organizações.
Essas pesquisas evidenciaram a complexidade que envolve essa dinâmica, a
importância dos diversos atores que compõem a empresa, bem como a presença de
elementos do ambiente externo na configuração da cultura organizacional. Por sua
vez, uma corrente crítica no campo da Administração também questionou as visões
homogêneas e simplificadoras da cultura organizacional. Em um movimento reverso,
essas reflexõesdos sociólogos e dos pesquisadores críticos da Administração sobre
a cultura organizacional retornaram às práticas empresariais. Diversas empresas no
mundo já contrataram cientistas sociais para a realização de mapeamentos das suas
complexidades culturais (JAIME; LUCIO, 2017).
São empresas como GM, Nynex, Intel, entre outras. Elas querem conhecer
melhor seus funcionários, descobrir quais são as normas que as pessoas adotam para
avaliar se um comportamento é adequado ou não, desvendar como se processam as
operações da empresa em diferentes contextos nacionais, enfim, conhecer, em maior
profundidade, sua dinâmica cultural. Um exemplo dessa natureza é o trabalho de
Patrícia Sachs, contratada pela gigante das telecomunicações, Nynex, para pesquisar
por que os funcionários não responderam, como se esperava, a um sistema
especializado criado para administrar as operações de manutenção da empresa.
Outra referência é Elizabeth Briody, chamada pela GM para conviver cotidianamente
com os trabalhadores de uma montadora a fim de estudar por que o novo programa
de qualidade não estava funcionando tão bem quanto se esperava (JAIME; LUCIO,
2017).
Além disso, o entendimento de que a cultura é um fator crucial tem levado as
empresas a buscar o conhecimento sociológico como forma de compreender que,
embora a cultura possa ser influenciada, não pode ser manipulada de forma
superficial, uma vez que possui raízes profundas. Compreender a cultura de uma
organização é fundamental para evitar políticas empresariais definidas apenas no
gabinete dos dirigentes, que muitas vezes resultam em impactos extremamente
negativos no ambiente de trabalho e, consequentemente, nos resultados da empresa.
A compreensão da dinâmica cultural das organizações em toda sua
complexidade capacita os gestores a intervirem de forma mais qualificada na
realidade da empresa. Isso implica em compreender os valores, crenças, normas,
práticas e símbolos que moldam a cultura organizacional, assim como suas interações
com os indivíduos e grupos presentes na empresa. Essa compreensão profunda
permite que os gestores implementem estratégias de gestão de pessoas, políticas
organizacionais e práticas de liderança que estejam alinhadas com a cultura existente,
promovendo um ambiente de trabalho saudável e produtivo.
Ao reconhecer a importância da cultura organizacional e compreendê-la de
forma holística, os gestores podem tomar decisões mais informadas e estratégicas,
evitando abordagens simplistas e superficiais que podem resultar em consequências
indesejadas. Portanto, o conhecimento sociológico sobre a cultura organizacional
pode ser uma ferramenta valiosa para os gestores na busca por uma gestão eficaz e
sustentável das organizações.
8 CIÊNCIA POLITICA
A ciência política lida com instituições, recursos, modelos e formas políticas
historicamente controlados e ainda válidos, ou seja, cuida dos aspectos práticos do
exercício do poder (GAMBA, 2022).
Afinal, na qualidade de ciência, a Ciência Política não pode se furtar da
realidade e da experiência. Diante disso, temos algo que une Teoria Geral do Estado
e Ciência Política: o Estado. Ele é, com efeito, o objeto de estudo de ambos os ramos
do conhecimento, ainda que sob enfoques distintos. Como objeto de estudo da Teoria
Geral do Estado, o Estado é visto – em abstrato – sobre múltiplos ângulos (histórico,
filosófico, jurídico, econômico, etc.), já sob o domínio da Ciência Política, importa-nos
compreender a organização do Estado tal como ela aparece ao cientista: formas de
governo, sistemas de governo, sistemas eleitorais e, ainda, fatores externos à
estrutura estatal, mas que com ela se relaciona. Esses fatores externos, podem ser,
em determinadas circunstâncias, os grupos de pressão e os discursos tecnocráticos,
por exemplo; afinal, a Ciência Política busca estudar, em síntese, o poder e tudo aquilo
que com ele se relaciona (GAMBA, 2022).
Vale destacar, ainda, que a Ciência Política não se confunde com aquelas
ciências ditas exatas, portanto, não possui nenhuma pretensão de assertividade e
certeza, tais como as chamadas hard science (matemática, física, química, etc.)
(GAMBA, 2022).
8.2 Poder Político
Eric Hobsbawm (1989), historiador britânico, e Quentin Skinner (1996),
historiador norte-americano, apontam episódios teóricos e políticos que serviram de
marco para a construção do pensamento político moderno, bem como do próprio
sistema político moderno de um ponto de vista histórico e suas respectivas diferenças
em relação as formas de tratamento do mundo político.
Se Heródoto na Grécia antiga (século V, a.C.) já havia tratado da questão
política e governamental, e pensadores como Platão (428-348, a.C.) e Aristóteles
(384-322, a.C.) estabeleceram a teoria política clássica do debate sobre as (melhores)
formas de governo, não se pode negar as profundas mudanças nos modelos de
governo com a Revolução Francesa (1798) e a independência americana (1776).
Ambos os processos representaram revoluções fundamentais na modernidade,
embora as ideias políticas que sustentavam o Estado moderno tenham aparecido
muito antes no norte da Itália (SKINNER, 1996), em Pisa (1085 d.C.) (LUCAS, 2021).
Falando do poder político como limite principal do poder e forma de organização
social, entre outras coisas, as modernas teorias políticas contidas em diversas
correntes de pensamento, como o contratualismo, republicanismo, liberalismo,
federalismo e o socialismo, foram cruciais para o seu efetivo funcionamento e
formação dos Estados Nacionais modernos. Não foram apenas teorias, mas vários
processos sociais concretos materializaram as proposições conceituais para à
formação de um poder que contivesse os ânimos humanos, e organizasse a vida em
sociedade. De certa forma, às estruturas políticas saíram dos livros de teoria política
e ganharam vida, especialmente depois que Maquiavel descreveu as novas formas
de governo, como Monarquia e República (BOBBIO, 1992) (LUCAS, 2021).
É claro, os marcos delimitadores dos modelos modernos de Poder Político não
ficaram reduzidos a episódios meramente políticos, mas também estiveram
relacionados aos avanços da Revolução Industrial, como afirma Moore Jr. (1983). Por
isso, a Inglaterra também deve entrar no rol dos países que inovaram social e
politicamente de forma concreta para a construção do mundo moderno (LUCAS,
2021).
De qualquer forma, no plano teórico, desde a Grécia antiga há debates e
proposições sobre os modelos de Poder Político, seja pelo lado descritivo e analítico,
como na tipologia de Aristóteles, seja pelo lado prescritivo/normativo, como na
sugestão da “república” por Platão, modelo ideal de governo para esse pensador
grego. Então, traçando-se uma linha do tempo desde a Grécia antiga até a
Independência dos Estados Unidos, e desse episódio até a primeira metade do século
XX, houve uma profunda transformação nas teorias e nos modelos empíricos de Poder
Político. De certa forma, a noção de Poder Político foi ficando defasada, enquanto a
tipologia de regime político indicava, de forma mais precisa, o real funcionamento do
“Poder Político”. Por isso, é importante uma comparação entre os conceitos de poder
político e regime político (LUCAS, 2021).
Ou seja, é preciso o resgate do debate teórico, mas não se pode perder de vista
que, desde o século XII, no Ocidente, há um permanente movimento político e jurídico
de implementação de formas de sistema político voltados para a efetivação de
princípios e objetivos humanos e sociais, como a liberdade, igualdade, o bem-comum
e todo tipo de elementos pertinentes à emancipação humana (LUCAS, 2021).
8.3 Formação dos estados
A ideia de formação dos Estados deve ser analisada em duas perspectivas
distintas. Uma delas, refere-se ao começo histórico dos Estados, momento em que
analisamos as diversas formações sociais históricase suas transformações até o
advento do Estado no contexto sociopolítico da modernidade. A outra perspectiva é a
da formação de novos Estados no contexto global em que vários deles já se
relacionam no âmbito de uma comunidade internacional existente (GAMBA, 2022).
Nesse sentido, a primeira hipótese representa a chamada formação originária,
também conhecida como fundação, e a segunda abordagem refere-se à chamada
formação secundária, por vezes chamada de derivada. Afinal, atualmente não existem
mais territórios não vinculados à ordem jurídica de algum Estado e podem servir de
base para uma formação do tipo originária; em outras palavras, não existem terrae
nullius (expressão proveniente do Direito Romano, cujo significado é “terras que não
pertencem a ninguém” ou simplesmente “terras sem dono”). Posto isso, vejamos as
particularidades de cada uma das espécies de formação dos Estados (GAMBA, 2022).
8.3.1 Formação originária (fundação)
Alguns pensadores compreendem que já na Antiguidade havia formas de
Estado, que se modificaram ao longo dos séculos, vez que eram dotadas de
população, território e poder, elementos constitutivos do Estado para diversos autores.
Dentro desse conceito mais conciso de Estado (composto apenas por população,
território e poder), autores como Jellinek entendem que a formação originária dos
mesmo ocorreu em algum momento longínquo da história, mas que somente pode ser
estudada de forma genérica, pois não houve somente uma forma de transformação
de grupos quaisquer em Estados, sendo possível apenas estabelecer regras gerais
que determinaram como alguns grupos se transformaram em Estado e, considerando
a definição de Estado como formado por território, população e poder, é comum
compreendê-la como tendo ocorrido na época em que os grupos humanos deixam de
ser nômades para se fixarem num dado território e passaram a organizar uma forma
de poder político. Já para aqueles que se apoiam na definição weberiana, o Estado
passaria a existir enquanto esse poder monopolizasse a violência legítima. Nessas
hipóteses, o estabelecimento de formas de poder sobre um território e um povo
específico certamente se deu por diversas maneiras em diferentes locais e momentos
históricos, portanto, não nos cabe aqui analisar tais particularidades (GAMBA, 2022).
Já dentro do conceito de Estado, qual seja a instituição politicamente
organizada de um povo, dotada de uma ordem jurídica própria, cuja aplicação lhe cabe
com exclusividade dentro de determinado território e que possui reconhecimento
externo suficiente para exercer sua soberania, temos que a formação de um Estado
comporta a reunião de todos seus elementos constitutivos, quais sejam: povo,
território, governo, ordem jurídica, soberania e reconhecimento externo. Diante desse
conceito de Estado aqui adotado, compreendemos que o Estado consiste num
fenômeno relativamente recente na história humana, uma vez que a própria ideia de
soberania fundamental para nosso conceito é algo desconhecido na Antiguidade e
surge na transição da Idade Média para a Moderna (GAMBA, 2022).
Assim, adotando nosso conceito de Estado acima mencionado, a ideia de
formação original refere-se ao momento em que dotado de uma população e sobre
um determinado território, ele adota uma ordem jurídica própria, aplicada por um
governo que exerce o poder soberano do Estado, sendo suficientemente reconhecido
como tal pelos demais Estados que, nesse contexto, já existem. Conforme advertido
anteriormente, o tema da formação originária dos Estados não pode ser analisado
com precisão, mas apenas dentro de um contexto de regras gerais que se referem a
esse momento histórico impreciso de formação dos primeiros Estados. Não é
possível, portanto, apresentar um momento exato da formação originária dos Estados.
Perceba que independentemente do conceito de Estado adotado, referida imprecisão
permanece, já que tal fenômeno se encontra embebido no contexto histórico de
germinação da própria ideia de Estado e, portanto, faz-se gradativamente; afinal,
eventos políticos e sociais não acontecem do dia para a noite, havendo sempre um
processo mais ou menos longo de (des)construção de instituições (GAMBA, 2022).
Vale destacar que a formação que temos em mente se dá a partir de um
processo histórico concreto, isto é, de eventos reais que resultaram na aparição do
Estado faticamente, sendo posterior sua apreensão teórica e portanto, jurídica. Esse
entendimento contrasta com o de alguns pensadores racionalistas, que pretendem ver
o Estado como uma criação racional humana ou um produto do direito (GAMBA,
2022).
Nesse sentido, cabe lembrar da leitura hegeliana acerca do Estado moderno.
Hegel (1997, p. 23) entendeu que “a razão objetiva se realiza numa sociedade em que
os indivíduos livres reconhecem nas leis sua própria vontade e em si mesmos uma
expressão particularizada das leis”. Diante disso, compreende que o Estado é “a
realidade da liberdade concreta” (HEGEL, 1997, p. 211). Em outros termos, a leitura
hegeliana importa dizer que o Estado aparece como produto da razão humana, ou
melhor, o grande produto da razão humana, enquanto ele figura na história como a
organização alcançada racionalmente para a efetivação e compatibilização da ordem
e da liberdade. Trata-se, portanto, do produto mais bem-acabado da racionalidade
humana que permite a coexistência da ordem e da liberdade. Dentro dessa leitura,
enfatiza-se a natureza teórica, racional da formação do Estado (GAMBA, 2022).
Voltando à nossa compreensão acerca do momento histórico da formação
original dos diversos Estados, podemos sintetizar a questão a partir de três
abordagens distintas: a histórica, a jurídica e a teórica (filosófica) (GAMBA, 2022).
Do ponto de vista histórico, vale destacar a formação do Estado moderno,
notadamente naquilo que tange ao desenvolvimento histórico das formas de
organização social até que, no contexto do início da modernidade, surge o Estado,
dotado dos elementos constitutivos, afinal, é apenas por volta dos séculos XVI e XVII
que passamos a verificar diversos fatores que delineavam o Estado moderno, tal como
a centralização militar e política, uma atuação comercial no contexto do mercantilismo,
métodos de imposição fiscal e taxação executados por aparatos burocráticos estatais,
bem como outras questões que delineavam a ideia de Estado e, consequentemente,
a de soberania (GAMBA, 2022).
Ingressando na abordagem jurídica, podemos apontar o Tratado de Westfália,
assinado em 1648, como marco na criação do conceito moderno de soberania e da
territorialidade dos Estados, bem como da relação entre eles, sendo certo que os
outros aspectos dessa análise devem ser considerados antes de se incorrer num
perigoso reducionismo de dizer que o referido tratado cria ou formaliza a soberania
dos Estados. Trata-se, apenas, de se tentar encontrar um fundamento para a
soberania do ponto de vista documental, isto é, jurídico, sem prejuízo da análise
histórica feita anteriormente, bem como da análise teórica feita a seguir.
Ademais, não se pode atribuir ao Tratado de Westfália a efetiva criação do
conceito de soberania e da delimitação do território dos Estados, já que se sabe que
a ideia de soberania permanecia bastante atrelada ao modelo absolutista da época e,
quanto ao território, sabe-se que as práticas patrimonialistas e colonizadoras
posteriores ao tratado alteraram significativamente a suposta equivalência entre
Estado e território.
Por fim, a diversidade dos primeiros entes soberanos modernos (monarquias
hereditárias, monarquias constitucionais, principados, repúblicas, cidades, etc.) não
possibilitava falar em efetiva igualdade entre os Estados no plano internacional. Por
fim, como última ressalva, vale destacar que o referido diploma atinge apenas seus
signatários, sendo restrito a alguns Estados europeus. De toda sorte, oreferido tratado
consiste em um marco na tentativa de se atribuir soberania e territorialidade aos
Estados modernos, possibilitando a nós compreendermos, em conjunto com as outras
abordagens aqui realizadas, o contexto de formação originária dos Estados modernos
(GAMBA, 2022).
Em síntese, a partir de uma análise teórica, não podemos ignorar que o
conceito de Estado em formação e, faticamente, a fundação (formação originária) de
diversos Estados teve uma base teórica (filosófica) concedida pelos escritos do início
da modernidade, notadamente aqueles dos Seis Livros da República de Jean Bodin,
de O Príncipe de Maquiavel (obras do século XVI) e, posteriormente, do Leviatã de
Thomas Hobbes (século XVII). Nesse sentido, vale destacar que é comum apontar a
referida obra de Maquiavel como sendo a primeira na história a empregar o termo
Estado tal como o utilizamos (GAMBA, 2022).
Assim, a partir da análise de aspectos históricos, jurídicos e filosóficos,
podemos compreender o tema da formação originária dos Estados como algo
bastante impreciso e de difícil caracterização, notadamente por ter ocorrido em
momentos diversos em diferentes Estados, bem como por ser tarefa bastante
dificultosa a tentativa de se remontar o processo de unificação dos elementos
constitutivos dos mais diversos Estados pela primeira vez. De toda forma, do ponto
de vista conceitual, a noção de formação originária (fundação) de um Estado resta
bastante simples: trata-se da primeira vez em que o Estado reuniu todos seus
elementos constitutivos (GAMBA, 2022).
8.3.2 Formação secundária (derivada)
No caso das formações secundárias (ou derivadas), temos o surgimento de
Estados no contexto de uma comunidade internacional já existente, ainda que não
consolidada, de tal modo que as hipóteses de formação que analisaremos neste
tópico referem-se a formações que acabam por envolver outros Estados, além do que
está sendo formado. Há, portanto, algum grau de vontade de outro(s) Estado(s)
envolvido(s) no ato de formação (GAMBA, 2022).
Nesse sentido, é importante dizer que, após a formação de uma comunidade
internacional e a consequente inexistência de terraes nullius (terras sem dono), todo
ato de formação secundária de um Estado importará a observância ou a afronta a
alguma ordem jurídica que, portanto, já é existente no contexto de sua formação. É
evidente que, quando a criação de um Estado resultar de ato legal, isto é, conforme o
direito aplicável ao caso, o seu reconhecimento pelos demais Estados aparece como
uma consequência lógica do reconhecimento anteriormente existente; já quando a
criação de um Estado resulta da afronta a algum ordenamento jurídico, o
reconhecimento pelos Estados prejudicados por essa violação pode se apresentar
especialmente importante para a formação desse novo Estado (GAMBA, 2022).
Feitas as análises necessárias das características gerais da formação
secundária, cabe-nos aqui apresentar as formas como tal fenômeno pode ocorrer
(GAMBA, 2022).
8.3.2.1 Fusão ou união
A fusão ou união consiste na junção de dois, ou mais Estados para a formação
de um novo Estado, diferente dos Estados existentes antes da fusão. Assim, um novo
Estado emerge da fusão, diferente dos dois ou mais Estados que se fundiram, os
quais serão extintos. É o caso da República do Iêmen, que se formou a partir da fusão
do Iêmen do Norte (República Árabe do Iêmen) com o Iêmen do Sul (República
Democrática Popular do Iêmen). Também é comum se referir a esse processo pela
expressão unificação. Ainda, é importante mencionar que existem grupos e partidos
políticos que defendem a integridade nacional de dois ou mais Estados, sendo essa
corrente de pensamento chamada de unionismo (GAMBA, 2022).
8.3.2.1.2 Federalização
A Federação é a união perpétua e indissolúvel de Estados autônomos, porém
não soberanos, criada a partir de uma Constituição Federal que regula a relação entre
os Estados e desses com o poder da chamada União. Nesse caso, referida
Constituição cria um novo Estado, agora do tipo federativo, com a consequente
extinção de todos os Estados até então soberanos e que agora passam a ser entes
federativos meramente autônomos nos termos da Constituição.
É o caso, por exemplo, do que ocorreu com a Confederação denominada “Os
Estados Unidos da América”, em que a relação entre os Estados que a compunha era
regida pelos chamados Artigos da Confederação (Articles of Confederation). Em 1787,
veio a Constituição americana que deu continuidade ao processo de transformação
da referida Confederação em uma Federação. Nesse processo de transformação, é
evidente que os Estados até então soberanos perdem esse atributo para se tornarem
parte de uma Federação, a qual nasce da referida Constituição como um novo Estado
(GAMBA, 2022).
8.3.2.3 Desmembramento (separação ou independência)
O desmembramento pode ser parcial ou total, conforme iremos expor neste
item. O desmembramento parcial consiste na separação de uma ou mais partes de
um Estado para a formação de um ou mais novos Estados. Geralmente, essa espécie
de desmembramento está ligada ao processo de separação ou independência de
regiões, estados-membros ou territórios habitados por grupos étnicos distintos do
restante do Estado (GAMBA, 2022).
Em termo conceituais, trata-se aqui de hipótese em que um ou mais Estados
são criados a partir do desmembramento de parte um Estado originário. Assim, o
desmembramento parcial se refere ao movimento em que o Estado originário
permanece existindo (não foi integralmente dissolvido) e o desmembramento total, por
sua vez, é aquele em que o Estado originário é extinto, dando origem a dois ou mais
Estados. Nesse último caso, temos a criação de novos Estados, mas também a
extinção do Estado originário, motivo pelo qual o desmembramento total será
analisado a seguir também como causa de extinção de Estados (GAMBA, 2022).
De volta ao desmembramento parcial, temos que ele pode ser realizado de
forma diplomática entre o Estado originário e o grupo, o Estado-membro, a região,
etc., que pretende se separar ou pode ser resultante de um complicado conflito de
distintas naturezas, motivando inclusive as chamadas guerras de secessão ou
independência, a depender do caso. Nesse tocante, é importante destacar que os
grupos que lutam por independência de sua região ou povo são geralmente chamados
de independentistas, ou separatistas (GAMBA, 2022).
Independentistas (ou separatistas) são, em geral, grupos organizados que
reivindicam a criação de um novo Estado para seu povo ou para sua região em relação
a um Estado-maior do qual fazem parte. O fundamento desse pleito pode ser diverso,
podendo estar ancorado em questões político-administrativas, econômicas, étnico-
culturais ou religiosas. No caso do separatismo, ele pode ser relacionado a questões
político-administrativas, quando a ideia da separação decorre de uma necessidade de
emancipação política para melhor gestão da coisa pública. Assim, busca-se uma
maior eficiência administrativa que supostamente adviria do processo de separação
da região do Estado do qual faz parte. Esse fundamento se assemelha bastante ao
fundamento econômico, segundo o qual o processo de separação é vantajoso por
questões de orçamento público e repartição de receitas.
Por outro lado, ainda, é comum que movimentos separatistas se fundamentem
também em fatores de ordem étnico-culturais, como a existência de costumes
distintos, povos de origem distinta e, também, língua distinta. Similar a esse
fundamento é o motivo de ordem religiosa, quando então o movimento separatista
funda-se na diferença de crença com relação ao Estado de que fazem parte, o que
muitas vezes pode impossibilitar o convívio harmônico entre diferentes povos que
estão sujeitos a um mesmo Estado (GAMBA, 2022).
Vale destacar, por fim, que a expressiva maioria dos movimentos separatistas
ressaltauma identidade nacional do grupo ou da região distinta do Estado-maior que
o engloba. Por vezes, essa identidade aparece ligada à necessidade de
independência de um povo, que se vê submetido a uma cultura que não é a sua e
possui uma necessidade histórica de se posicionar isoladamente como nação, caso
em que o direito de autodeterminação dos povos será arguido. Por outro lado, os
movimentos de separação podem também estar fundados na ideia de uma identidade
nacional ligada à superioridade ou à manutenção da pureza étnica de um grupo ou
região, caso em que podem repousar sobre doutrinas nacionalistas e/ou xenofóbicas
(GAMBA, 2022).
Feitas essas considerações, cabe destacar que o desmembramento parcial de
um Estado é, via de regra, vedado pelo ordenamento jurídico do Estado do qual a
região separatista faz parte. Com efeito, em Estados unitários, temos a ideia da
unidade nacional como imodificável e, no caso de Estados Federados, temos a
indissolubilidade da união dos Estados, conforme claramente exposto no artigo 1º da
Constituição Federal de 1988 no caso do Brasil, apenas para citar um exemplo. Ou
seja, ainda que fundados em relevantes questões políticas, administrativas, étnicas,
culturais ou religiosas, os movimentos separatistas ou independentistas têm uma
difícil tarefa, na medida em que aquilo que pleiteiam é, via de regra, vedado pelo
ordenamento jurídico do Estado do qual fazem parte, de onde emergem inúmeros
conflitos ou até mesmo guerras (GAMBA, 2022).
Historicamente, sabemos que durante os séculos XVIII e XIX, inúmeros
processos pacíficos e conflituosos de independência foram realizados para que
houvesse a descolonização de territórios, tal como a independência das treze colônias
americanas, que durou de 1775 até seu efetivo reconhecimento pelo Reino Unido em
1783 com o Tratado de Paris; e o caso do Brasil, cujo marco é o grito do Ipiranga no
7 de setembro de 1822, dando origem posteriormente ao Império do Brasil (novo
Estado, portanto). Já no século XX, vimos inúmeros processos de descolonização na
África, tais como da África do Sul (1910), do Marrocos (1956), da Argélia (1962), da
Angola (1975), de Moçambique (1975) e outros. Nesse sentido é que se aponta a
descolonização como causa de formação de Estados. Entretanto, repare que a região
que se tornou independente (criando um novo Estado) era considerada parte do
território do Estado colonizador e portanto, é possível enquadrarmos a descolonização
como uma espécie de desmembramento parcial (GAMBA, 2022).
Assim, em resumo, podemos dizer que o desmembramento pode ser
operacionalizado de forma pacífica ou violenta e dele resulta a criação de um ou mais
novos Estados, provenientes de um Estado-maior do qual se desmembraram. Veja
abaixo o esquema da formação secundário de estados (GAMBA, 2022).
Fonte: GAMBA, 2022
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