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Sociologia ENEM 1 SOCIOLOGIA UNIDADE 1 A RELAÇÂO HOMEM, NATUREZA, TRABALHO E SOCIEDADE O homem é um ser natural, isto é, um ser que faz parte integrante da natureza; não se poderia conceber o conjunto da natureza sem ela inserir a espécie humana. Ao mesmo tempo em que se constitui em ser natural, o homem diferencia-se da natureza, que é, como diz Marx (1984, p. 111), “o corpo inorgânico do homem”; para sobreviver, ele precisa com ela se relacionar, já que dela provêm as condições que lhe permitem se perpetuar enquanto espécie. Não se pode, portanto, conceber o homem sem a natureza e nem a natureza sem o homem. Na busca das condições para a sua sobrevivência, o ser humano – assim como outros animais – atua sobre a natureza e, por meio desta interação, satisfaz suas necessidades. No entanto, diferentemente de outros animais, o homem não se limita ao imediatismo das situações com que se depara; ele ultrapassa limites, já que produz universalmente (para além de sua sobrevivência pessoal e de sua prole), não se restringindo às necessidades que se revelam no aqui e agora. A ação humana não é apenas biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela incorporação de experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a geração. A transmissão dessas experiências e conhecimentos – por meio da educação e da cultura – permite que a nova geração não volte ao ponto de partida da que a precedeu. A atuação do homem diferencia-se da do animal porque, ao alterar a natureza por meio da sua ação, ele a torna humanizada. Ao mesmo tempo, o homem altera a si próprio por intermédio dessa interação; ele vai se construindo, vai se diferenciando cada vez mais das outras espécies animais. A interação homem-natureza é um processo permanente de mútua transformação: esse é o processo de produção da existência humana. É o processo de produção da existência humana porque o ser humano vai se modificando, alterando aquilo que é necessário à sua sobrevivência. Velhas necessidades adquirem características diferentes; até mesmo as necessidades consideradas básicas – por exemplo, a alimentação – refletem as mudanças ocorridas no homem; os hábitos e necessidades alimentares são hoje muito diferentes do que foram em outros momentos. A alteração, no entanto, não se limita à transformação de velhas necessidades: o homem cria novas necessidades, que passam a ser tão fundamentais quanto as chamadas necessidades básicas à sua sobrevivência. É o processo de produção da existência humana porque o homem não só cria artefatos, instrumentos, como também desenvolve ideias (conhecimentos, valores, crenças) e mecanismos para a sua elaboração (desenvolvimento do raciocínio, planejamento...). A criação de instrumentos, a formulação de ideias e formas específicas de elaborá-los – características identificadas como eminentemente humanas – são fruto da interação homem-natureza. Por mais sofisticadas que possam parecer as ideias são produtos que exprimem as relações que o homem estabelece com a natureza na qual se insere. É o processo da produção da existência humana porque cada interação reflete uma natureza modificada, pois nela se inserem criações antes inexistentes, e reflete, também, um homem já modificado, pois suas necessidades, condições e caminhos para satisfazê-las são outros que foram construídos pelo próprio homem. É nesse processo que o homem adquire consciência de que está transformando a natureza para adaptá-la a suas necessidades, característica que vai diferenciá-lo: a ação humana, ao contrário da de outros animais, é intencional e planejada; em outras palavras, o homem sabe que sabe. O processo de produção da existência humana é um processo social. O ser humano não vive isoladamente, ao contrário, depende de outros para sobreviver. Há interdependência dos seres humanos em todas as formas da atividade humana; quaisquer que sejam as suas necessidades – da produção de bens à elaboração de conhecimentos, costumes, valores –, elas são criadas, atendidas e transformadas a partir da organização e do estabelecimento de relações entre os homens. Na base de todas as relações humanas, determinando e condicionando a vida, está o trabalho – uma atividade humana intencional, que envolve formas de organização, objetivando a produção dos bens necessários à vida humana. Essa organização implica uma dada maneira de dividir o trabalho necessário à sociedade e é determinada pelo nível técnico e pelos meios existentes para o trabalho, ao mesmo tempo em que os condiciona. A forma de organizar o trabalho determina também a relação entre os homens, inclusive quanto à propriedade dos instrumentos e matérias utilizados e à apropriação do produto do trabalho. As relações de trabalho – a forma de dividi-lo, organizá- lo –, ao lado do nível técnico dos instrumentos de trabalho, dos meios disponíveis para a produção de bens materiais, compõem a base econômica de uma dada sociedade. É essa base econômica que determina as formas políticas, jurídicas e o conjunto das ideias que existem em cada sociedade. É a transformação dessa base econômica, a partir dessas contradições que ela mesma engendra, que leva à transformação de toda a sociedade, implicando um novo modo de produção e uma nova forma de organização política e social. Por exemplo, nas sociedades tribais (comuns), o grupo social organizava-se por sexo e idade para produzir os bens necessários à sua sobrevivência. Às mulheres e crianças cabiam determinadas tarefas, e aos homens, outras. Essa primeira divisão do trabalho, além de garantir a sobrevivência do grupo, gerou um conjunto de instrumentos, técnicas, valores, costumes, crenças, conhecimentos, organização familiar etc. A propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como a propriedade do produto do trabalho (a caça, o peixe etc.), era de toda a comunidade. A transmissão das técnicas, valores, Ciências Humanas e suas Tecnologias 2 conhecimentos etc. era feita, basicamente, por meio da comunicação oral e do contato pessoal, diferentemente do que ocorre atualmente. Já na Grécia Antiga, por volta de 800 a.C., o comércio, fundado na exportação e importação agrícola e artesanal, é a base da atividade econômica, e há um nível técnico de produção desenvolvido ao lado de uma organização política na forma de cidades-Estado. Nessa sociedade, além da divisão do trabalho cidade- campo, ocorre uma divisão entre os produtores de bens e os donos da produção: os produtores não detêm a propriedade da terra, nem os instrumentos de trabalho, nem o próprio produto do seu trabalho; são, em sua maioria, eles mesmos, propriedade de outros homens. Nessa sociedade, as relações estabelecidas entre os homens são desiguais: alguns vivem do produto do trabalho de outros, e a produção de conhecimento é desenvolvida por aqueles que não executam o trabalho manual. As ideias, como um dos produtos da existência humana, sofrem as mesmas determinações históricas. As ideias são a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção da sua existência. Elas são a representação daquilo que o homem faz, da sua maneira de viver, da forma como se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda e das suas próprias necessidades. Marx e Engels afirmam: A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real (...). Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. (1980, p. 25-26) Isso não significa que o homem crie suas representações mecanicamente: aquilo que o homem faz, acredita, conhece e pensa sobre interferênciatambém das ideias (representações) anteriormente elaboradas; ao mesmo tempo, as novas representações geram transformações na produção da sua existência. O desenvolvimento do homem e da sua história não depende de um único fator. Ele ocorre a partir das necessidades materiais; estas, bem como a forma de satisfazê-las, a forma de se relacionar para tal, as próprias ideias, o próprio homem e a natureza que o circunda, são interdependentes, formando uma rede de referências recíprocas. Daí decorre ser esse um processo de transformação infinito, em que o próprio homem se produz. Nesse processo do desenvolvimento humano multideterminado, que envolve inter-relações e interferências recíprocas entre ideias e condições materiais, a base econômica será o determinante fundamental. Tais condições econômicas, em sociedades baseadas na propriedade privada, resultam em grupos com interesses conflitantes, com possibilidades diferentes no interior da sociedade, ou seja, resultam num conflito entre classes. Em qualquer sociedade onde existam relações que envolvam interesses antagônicos, as ideias refletem essas diferenças. E, embora acabem por predominar aquelas que representam os interesses do grupo dominante, a possibilidade mesma de se produzir ideias que representam a realidade do ponto de vista de outro grupo reflete a possibilidade de transformação que está presente na própria sociedade. Portanto, é de se esperar que, num dado momento, existam representações diferentes e antagônicas do mundo. Por exemplo, hoje, tanto as ideias políticas que pretendem conservar as condições existentes quanto as que pretendem transformá-las correspondem a interesses específicos às várias classes sociais. Dentre as ideias que o homem produz, parte delas constitui o conhecimento referente ao mundo. O conhecimento humano, em suas diferentes formas (senso comum, científico, teológico, filosófico, estético etc.), exprime as condições materiais de um dado momento histórico. (ANDERY, Maria Amalia...et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2014. pp. 9-15) FIQUE LIGADO NO ENEM! • Há interdependência dos seres humanos em todas as formas da atividade humana; quaisquer que sejam as suas necessidades – da produção de bens à elaboração de conhecimentos, costumes, valores -, elas são criadas, atendidas e transformadas a partir da organização e do estabelecimento de relações entre os homens. • As relações de trabalho – a forma de dividi-lo, organizá-lo –, ao lado do nível técnico dos instrumentos de trabalho, dos meios disponíveis para a produção de bens materiais, compõem a base econômica de uma dada sociedade. É essa base econômica que determina as formas políticas, jurídicas e o conjunto das ideias que existem em cada sociedade. • As ideias, como um dos produtos da existência humana, sofrem as mesmas determinações históricas. As ideias são a expressão das relações e atividades reais do homem, estabelecidas no processo de produção da sua existência. Elas são a representação daquilo que o homem faz, da sua maneira de viver, da forma como se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda e das suas próprias necessidades. • O desenvolvimento do homem e da sua história não depende de um único fator. Ele ocorre a partir das necessidades materiais; estas, bem como a forma de satisfazê-las, a forma de se relacionar para tal, as próprias ideias, o próprio homem e a natureza que o circunda, são interdependentes, formando uma rede de referências recíprocas. Daí decorre ser esse um processo de transformação infinito, em que o próprio homem se produz. UNIDADE 2 O CAPITALISMO E O NASCIMENTO DA SOCIOLOGIA A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Entre os séculos XVIII e XIX, teremos a Revolução Industrial, momento em que a indústria têxtil inova-se com o tear a vapor; este possibilita uma série de outros inventos, que facilitam a mecanização das máquinas, Sociologia ENEM 3 influindo decisivamente no surgimento, juntamente com a burguesia, de uma nova classe social: os trabalhadores, classe composta pelos camponeses sem terra e artesãos sem suas antigas máquinas manuais. Esta nova classe (os trabalhadores) não terá outro recurso para sobreviver senão vender sua capacidade de trabalho à burguesia, em troca de um salário. Assim, a numerosa classe trabalhadora passa a constituir a classe dos despossuídos. A relação de classes que passa a existir, entre a burguesia e os trabalhadores, é orientada por um contrato, o que permite, por sua vez, a idéia de que o capitalismo é uma sociedade com “liberdade econômica” e “democracia política”, isto é, com a idéia de contrato podemos afirmar que o trabalhador é “livre” para escolher um emprego qualquer e o empresário é “livre” para empregar quem desejar. Esta aparente sociedade democrática torna-se, ao contrário do Feudalismo, uma organização social extremamente dinâmica e movimentada; a própria noção de tempo é alterada: “tempo é dinheiro”. A visão de mundo torna-se individualizada e competitiva: “cada um por si e Deus por todos”. Nasce a idéia moderna de progresso; aparecem novos inventos: a locomotiva, a energia elétrica, o telégrafo, o microscópio, etc. Surgem também novas ciências como a Física e a Química modernas, que orientam o aumento da produção industrial. Nas cidades, a cada dia, surgem novas escolas, bibliotecas, teatros, jornais e revistas. Tudo isso faz nascer um espírito de otimismo, pelo qual as pessoas começam a achar que, finalmente, o Homem encontrou o caminho da civilização, do progresso permanente, da fartura e da riqueza. Na realidade, o capitalismo trouxe progresso e riqueza apenas para algumas pessoas, pois as indústrias desenvolviam-se de tal modo que seus proprietários (burgueses ou empresários) ficavam riquíssimos e poderosos, no entanto, a classe trabalhadora (que fabricava todos os bens) recebia um salário miserável. A cidade e a indústria trouxeram a esperança de uma vida melhor; os trabalhadores, contudo, perceberam rapidamente que a cidade e a indústria eram, na realidade, as correntes da mais nova forma de exploração: A Sociedade Capitalista. PROBLEMAS E CONFLITOS GERADOS PELO CAPITALISMO Ao entrarmos no século XX, o mundo torna-se, em grande parte de sua extensão, uma empresa capitalista. E, como já vimos, o capitalismo nasceu da decadência do feudalismo, na Europa, e em apenas cem anos espalhou-se por outras regiões do globo terrestre. Será com esse novo modo de viver que irão surgir milhares de novos problemas sociais, isto é, nunca vividos por alguém antes. E quais eram esses novos problemas sociais que o capitalismo trouxe? Podemos enumerar alguns: favelas, poluição, migração desordenada, doenças por excesso de trabalho, neuroses, suicídio, cortiços, prostituição, violência, criminalidade... Tais problemas não existiam no feudalismo, quer dizer, os problemas sociais no feudalismo (que existiam em grande quantidade) eram diferentes. Os problemas enumerados acima são característicos do capitalismo, isto é, aparecem quando a vida torna-se urbanizada e industrializada. Os trabalhadores, que sofriam as maiores conseqüências desses problemas, não eram uma massa inerte; ao contrário, sempre reagiram, lutando contra esses problemas sociais e contra a exploração a que estavam submetidos. Aos poucos, grupos de trabalhadores começaram a organizar-se em sindicatos, passando a exigir a criação de novas leis que os protegessem e, enfim, começaram a lutar com todas as armas de que dispunham. Todos esses conflitos e problemas sociais fizeram com que várias pessoas começassem a preocupar-se com a sociedade. Pensadores começaram a estudar o capitalismo, tentando entendê-lo ou buscando alternativas para solucionar os problemas e conflitos dessa novasociedade. NASCIMENTO DA SOCIOLOGIA O homem e a sociedade passam a ser preocupação científica: surgem novos discursos e um novo saber sobre o social. Nascem, assim, a Antropologia, a Economia Política, e a Sociologia, fazendo com que as Ciências Humanas ganhassem uma nova dimensão. Agora podemos perceber que a ciência sociológica não foi fundada por uma só pessoa, mas é fruto de determinada situação histórica em que vários pensadores se destacam. Com a sociedade se industrializando e tornando suas relações mais complexas, o social passa a ser objeto de estudo para pessoas como Montesquieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778); o primeiro tenta explicar a origem das instituições políticas e escreve sobre a divisão de poderes no Estado. O segundo, sendo um dos precursores da Enciclopédia (textos que reuniam todo o conhecimento científico da época), reelabora aspectos da organização social que serviriam de bases ideológicas para a Revolução Francesa (1789). Será, porém, com Herbert Spencer (1820-1903), Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858- 1917) que a Sociologia encontrará seus principais teóricos, sendo que os dois últimos são os principais responsáveis pelo desenvolvimento da corrente sociológica conhecida pelo nome de Positivismo. Os teóricos da Sociologia viveram numa época de grandes conflitos sociais, e isso, de certa forma, influiu para que a Sociologia tivesse, inicialmente, uma nítida preocupação com o restabelecimento da ordem social. Para Augusto Comte, por exemplo, a tarefa da Sociologia era muito clara: deveria ensinar as pessoas a aceitarem a ordem social existente. Porém, a Sociologia nem sempre seguiu um caminho conservador: com o passar dos anos, sociólogos passam a incorporar em suas análises as concepções de um historiador, filósofo e economista alemão chamado Karl Marx (1818-1883). Marx, assim como seu colaborador direto, Engels (1820-1903), não teve a preocupação de declarar-se Ciências Humanas e suas Tecnologias 4 sociólogo ou especialista em qualquer outra área. Ao desenvolver sua teoria, o materialismo histórico, a preocupação de Marx e Engels era a de entender a sociedade capitalista de forma crítica, utilizando-se dos recursos de outras ciências, como a Filosofia, a Economia e a História. DA FILOSOFIA À SOCIOLOGIA A Sociologia é uma ciência que surge apenas no século XIX. Seu surgimento recente poderia nos dar a ingênua impressão de que até aquela época os intelectuais não estavam preocupados com a reflexão sobre a vida social e coletiva. No entanto, naquele momento histórico, as questões que diziam respeito ao que hoje chamamos de “sociedade” eram pensadas sob a ótica da filosofia, particularmente da filosofia política. Ao aplicar os princípios da ciência aos estudos dos fenômenos sociais, os intelectuais mudaram a maneira de explicar a própria vida social. Na visão dos fundadores da Sociologia, os fenômenos que caracterizavam a modernidade, seja no aspecto econômico, político ou cultural, não podiam mais ser explicados a partir de uma visão filosófica do mundo. Sustentavam que era preciso partir do método experimental e da observação da realidade empírica. É a partir deste esforço que surgiu a sociologia. Diante do quadro de transformações da modernidade, a sociologia retoma os temas da filosofia política, mas busca substituir as questões tradicionais desta forma de pensamento por um novo olhar sobre o mundo humano. Com o surgimento da sociologia, as questões da filosofia política são retomadas e ampliadas, pois ela opera um deslocamento tanto no objeto quanto no método da reflexão política. Não se trata mais de se referir apenas aos fenômenos do poder político, como se fazia até então. O pensamento deveria deslocar-se para além da “pólis” ou mesmo do “Estado”, como fizeram os autores da filosofia até aquele momento. O que os estudiosos da sociologia desejavam é que esta nova ciência abarcasse todos os fenômenos sociais, incluindo a ordem econômica, política e cultural em um único conjunto que pudesse ser estudado com o auxílio do método experimental. É desta forma que nasce a “ciência” do “social”. FIQUE LIGADO NO ENEM! • Os conflitos e problemas sociais resultantes das novas relações de produção fizeram com que várias pessoas começassem a preocupar-se com a sociedade. Pensadores começaram a estudar o capitalismo, tentando entendê-lo ou buscando alternativas para solucionar os problemas e conflitos dessa nova sociedade. • Como os primeiros teóricos da Sociologia viveram numa época de grandes conflitos sociais, isso, de certa forma, influiu para que a Sociologia tivesse, inicialmente, uma nítida preocupação com o restabelecimento da ordem social. • Na visão dos fundadores da Sociologia, os fenômenos que caracterizavam a modernidade, seja no aspecto econômico, político ou cultural, não podiam mais ser explicados a partir de uma visão filosófica do mundo. Sustentavam que era preciso partir do método experimental e da observação da realidade empírica. É a partir deste esforço que surgiu a sociologia. • O que os estudiosos da sociologia desejavam é que esta nova ciência abarcasse todos os fenômenos sociais, incluindo a ordem econômica, política e cultural em um único conjunto que pudesse ser estudado com o auxílio do método experimental. UNIDADE 3 AUGUSTO COMTE Com o surgimento do método científico, os intelectuais do século XIX dispunham de um instrumento radicalmente novo para entender a sociedade e enfrentar os dilemas que o mundo trazia. A ciência da sociedade tinha pela frente três questões essenciais para a compreensão das transformações sociais que apontamos anteriormente: 1) identificar quais as causas destas transformações; 2) apontar as características da sociedade moderna; 3) discutir o que fazer diante dos problemas sociais. Foi para responder a este conjunto de questões que, em 1830, Augusto Comte apresentou, em seu livro Curso de Filosofia Positiva, a ideia de fundar uma “Física Social” que seria um saber encarregado de aplicar o método científico para o estudo da sociedade. Com uma ciência que nos mostrasse as leis de funcionamento da sociedade, haveria como enfrentar os problemas do mundo moderno, pois a tarefa da ciência era, justamente, “prever para prover”. Augusto Comte (1798-1857) Em 1839, Augusto Comte alterou o nome desta ciência para “sociologia” (do latim “socius” e do grego “logos” que significa estudo do social), nome que perdura até hoje. Augusto Comte é considerado, comumente, como o fundador da sociologia, razão pela qual o estudo de seu pensamento é o ponto de partida para o entendimento histórico desta disciplina. Comte também é conhecido por ter dedicado os anos finais da sua vida à organização da “religião da humanidade” para a qual escreveu até um catecismo: o “Catecismo Positivista”. Em sua igreja ou religião, a deusa razão ocupava o lugar da crença em divindades; grandes pensadores, o lugar dos santos; bem como havia festas religiosas e determinações sobre a organização dos templos. Esta doutrina filosófica exerceu enorme influência no Brasil que adotou o lema deste pensador em sua bandeira nacional: “ordem e progresso”. Sociologia ENEM 5 Apesar da característica religiosa da fase final de sua vida, Augusto Comte pode ser considerado um dos mais destacados representantes do movimento iluminista, ou seja, daquela concepção de que a razão (ou a ciência) deve ocupar o lugar da religião na organização da sociedade. Entre as influências diretas que Comte recebeu do Iluminismo é importante lembrar a importância de Condorcet (1743-1794). Em sua principal obra, “Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano”, este pensador sustenta que assim como Galileuaplicou o método matemático ao estudo da realidade física, a precisão do cálculo deveria também ser estendida ao estudo dos fenômenos sociais. A ideia de aplicar os métodos das ciências da natureza para o estudo da sociedade receberia um impulso ainda maior com Saint Simon (1760-1825), de quem Augusto Comte foi colaborador entre os anos 1817 e 1824. Um dos primeiros escritores a pensar a realidade da sociedade industrial, Saint Simon, retomou a ideia básica de Condorcet, no sentido de aplicar as descobertas do método científico ao estudo dos fatos morais (sociais), com a intenção de torná-la uma ciência positiva”: “Não há duas ordens de coisas, há apenas uma: é a ordem física”, dizia este pensador. Para Saint Simon, a sociedade moderna modificou o mundo feudal, baseado na aliança entre o poder espiritual (igreja) e o poder temporal (militar). A reorganização da sociedade moderna exigia a união entre a ciência positiva (novo poder espiritual) e os empresários (novo poder temporal), visando o pleno desenvolvimento e equilíbrio do mundo industrial nascente. Desta maneira, o mundo dos conflitos militares da sociedade medieval seria substituído pela união pacífica de todos na sociedade industrial. Foi retomando e desenvolvendo estas ideias que Augusto Comte é considerado fundador do positivismo. Em seu sentido amplo (filosófico), o positivismo está relacionado a um forte sentimento antimetafísico que postula que as formas de conhecimento não científicas (ou que não são passíveis de demonstração empírica) são destituídas de significado. Em um sentido restrito (sociológico), o positivismo significa uma determinada maneira de entender o uso do método científico na sociologia: trata-se da noção de que a sociologia deve adotar os métodos das ciências da natureza. A dimensão filosófica diz respeito à ciência em geral, enquanto a dimensão sociológica diz respeito à ciência sociológica em particular. FILOSOFIA POSITIVISTA Em sua acepção filosófica, o positivismo traduz-se pela famosa “Lei dos três estados” (ou estágios), pela qual Comte enuncia sua concepção de ciência. No “Curso de Filosofia Positiva” é o próprio autor que afirma ter descoberto uma “lei fundamental” que explica o desenvolvimento da inteligência humana em suas diversas esferas de atividades. De acordo com ele: “essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo” (COMTE, 1978, p.4). Em cada uma destas fases, o homem tem diferentes formas de explicar os fenômenos da realidade. Vejamos como isto ocorre. 1) Estado teológico: “No estado teológico, o espírito humano [...] apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e continua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias existentes no universo” (p. 4). Nesta etapa já se percebe que os fenômenos são explicados através de “causas”, mas elas são atribuídas à divindade. Em obra posterior, Comte vai dividir o estágio teológico nas seguintes subfases. a) Fetichismo: o homem confere vida, ação e poderes sobrenaturais aos seres inanimados e aos animais. b) Politeísmo: o homem atribui às diversas potências sobrenaturais, ou deuses, certos traços da natureza humana (motivações, vícios e virtudes, etc.); c) Monoteísmo: quando se desenvolve a crença em um deus único. 2) Estado metafísico: Nesta etapa predomina o conhecimento filosófico e, especialmente a metafísica, com a sua busca pelas causas primeiras e pela essência dos entes: No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que uma simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente (p.4). 3) Estado positivo ou científico: Nesta fase, o conhecimento científico substituiu a filosofia e sua busca pela origem e destino do universo. O papel da ciência é determinar as leis que explicam a ocorrência e existência de todos os fenômenos observáveis: Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude (p.4). O que este esquema deixa claro é que, do ponto de vista filosófico, o positivismo sustenta que a ciência é a única explicação razoável e legítima para a realidade. A religião e a filosofia são etapas transitórias na evolução do saber humano e serão substituídas pelo avanço do conhecimento científico. Para a visão positivista, formas de conhecimento que não estejam fundamentadas no método experimental da ciência são destituídas de significado, pois não são passíveis de confirmação ou refutação. Daí advém o caráter cientificista e radicalmente antimetafísico do positivismo. Ciências Humanas e suas Tecnologias 6 SOCIOLOGIA POSITIVISTA Positivismo significa muito mais do que a afirmação da superioridade da ciência sobre os outros saberes. Ele representa também um modelo de ciência, quer dizer, uma concepção específica de como o saber científico deve proceder para explicar a realidade. Para entendermos como este modelo influenciou a dimensão sociológica do pensamento de Augusto Comte, vejamos como ele concebia o histórico da ciência. As ciências não evoluíram todas ao mesmo tempo. Quando a humanidade chegou ao estado positivo, foi necessário que elas de desenvolvessem de acordo com a complexidade de seus objetos, começando pelos mais simples até chegar aos mais complexos. A história das ciências também comporta fases. Segundo Comte (1978, p.9): “já que agora o espírito humano fundou a física celeste; a física terrestre [...]; a física orgânica, seja vegetal, seja animal; resta-lhe, para terminar o sistema das ciências da observação, funda a física social”. Em outros termos, o caminhar da ciência envolve os seguintes passos: Matemática → Astronomia → Física → Química → Biologia → Sociologia Neste esquema, a sociologia é a última das ciências, aquela que completaria o quadro geral do conhecimento positivo. A sociologia é entendida por Comte de modo amplo, incluindo-se nela todo o conjunto das chamadas ciências humanas, como a filosofia, a história, a moral, a psicologia, a política, a economia, etc. Como a sociologia representa uma continuidade quase natural em relação aos outros tipos de ciência (física, química, biologia, etc.), Comte achava que ela teria que proceder da mesma forma que estas ciências, ou seja, sua função seria estabelecer um sistema completo de leis que explicassem o comportamento dos homens na sociedade: Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio ou estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas [...]. O espírito dessa ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p.53). As ciências possuíam a mesma forma de proceder e, cabia à sociologia, ciência aindaem desenvolvimento, adotar o método das ciências já maduras e desenvolvidas. O que Comte propunha era uma “ciência natural da sociedade”. Mais tarde, ao trocar o nome de “Física Social” por “Sociologia”, ele retoma esta ideia: Acredito que devo arriscar, desde agora, este termo novo, sociologia, exatamente equivalente à minha expressão, já introduzida, de física social, a fim de poder designar por um nome único esta parte complementar da filosofia natural que se relaciona com o estudo positivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos sociais (COMTE, 1989, p.61). Do ponto de vista metodológico, a sociologia deveria ser dividida em dois campos essenciais: a estática e a dinâmica. a) Estática social: estudo das condições constantes da sociedade ou da ordem; b) Dinâmica social: estudo das leis de desenvolvimento histórico de qualquer sociedade, ou seja, do progresso. Com base nestes dois elementos, Comte fez uma análise da sociedade de seu tempo e concluiu que o problema central das sociedades modernas era a falta de harmonia entre a dimensão da ordem e do progresso. Na sociedade medieval, o poder espiritual da igreja garantia a ordem e a harmonia social, mas faltava o desenvolvimento tecnológico, pois a sociedade era dominada por um espírito guerreiro. Neste tipo de sociedade existia um poder teológico-militar. Com o advento da sociedade moderna, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, a sociedade impulsionou o progresso, mas a ordem social foi abalada por intensas transformações. Era necessário harmonizar estes princípios através de uma revolução espiritual. Na nascente sociedade industrial, a organização social deveria ser dirigida por um novo poder espiritual – os cientistas – e um novo poder temporal: os empresários industriais. Criar as ideias capazes de fundir a ordem com o progresso era a meta do pensamento comtiano. A filosofia positivista e a sociologia positivista estão intimamente ligadas, pois a primeira serve como base epistemológica para a segunda. De acordo com a versão filosófica do positivismo, a única explicação coerente da realidade e dada pela ciência que consiste em explicar a realidade a partir de relações necessárias entre os fenômenos (como fazem as ciências da natureza). É desta premissa que deriva a concepção positivista de sociologia que advoga que cabe à sociologia adotar o método das ciências naturais e verificar quais são as leis que operam na realidade social. Nos anos 20 e 30, os pressupostos do positivismo filosófico foram retomados e ampliados por um grupo de pensadores aglutinados sob a denominação de “Círculo de Viena”, “positivismo lógico” ou “empirismo lógico”. Essencialmente antimetafísicos e defensores de uma ciência radicalmente empirista faziam parte deste grupo autores como Moritz Schlick (1882-1936), Rudolf Carnap (1891-1970), Otto Neurath (1882-1945) e Ernest Nagel (1901-1985), entre outros. Atualmente os pressupostos do positivismo, enquanto postura filosófica, são fortemente questionados pelos autores do chamado “pós-positivismo” como Karl Popper (1902-1994), Thomas Kuhn (1922- 1996), Paul Feyerabend (1924-1994) e Imre Lakatos (1922-1974). No campo da sociologia, a ideia de unidade do método científico (entre ciências naturais e humanas) e a postura de radical neutralidade política da sociologia foram defendidas no decorrer dos anos 60 e 70 do século XX por teóricos como Talcott Parsons (1902-1979) e pelo próprio Karl Popper. Sociologia ENEM 7 Ainda que as ideias de Augusto Comte estejam amplamente superadas, elas lançaram as bases da sociologia. Reunindo as contribuições dos principais pensadores do seu tempo, este autor teve o mérito de propor uma definição e um método para o estudo dos fenômenos sociais que até então ainda não havia sido formulada. É por essa razão que Augusto Comte é considerado como o pai fundador da sociologia. (SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica. Marx, Durkheim e Weber. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013. pp. 21-22; 27-33) FIQUE LIGADO NO ENEM! • Em seu sentido amplo (filosófico), o positivismo está relacionado a um forte sentimento antimetafísico que postula que as formas de conhecimento não científicas (ou que não são passíveis de demonstração empírica) são destituídas de significado. Em um sentido restrito (sociológico), o positivismo significa uma determinada maneira de entender o uso do método científico na sociologia: trata-se da noção de que a sociologia deve adotar os métodos das ciências da natureza. A dimensão filosófica diz respeito à ciência em geral, enquanto a dimensão sociológica diz respeito à ciência sociológica em particular. • O que este esquema deixa claro é que, do ponto de vista filosófico, o positivismo sustenta que a ciência é a única explicação razoável e legítima para a realidade. A religião e a filosofia são etapas transitórias na evolução do saber humano e serão substituídas pelo avanço do conhecimento científico. • Comte fez uma análise da sociedade de seu tempo e concluiu que o problema central das sociedades modernas era a falta de harmonia entre a dimensão da ordem e do progresso. Com o advento da sociedade moderna, a partir da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, a sociedade impulsionou o progresso, mas a ordem social foi abalada por intensas transformações. Era necessário harmonizar estes princípios através de uma revolução espiritual. Na nascente sociedade industrial, a organização social deveria ser dirigida por um novo poder espiritual – os cientistas – e um novo poder temporal: os empresários industriais. Criar as ideias capazes de fundir a ordem com o progresso era a meta do pensamento comtiano. • De acordo com a versão filosófica do positivismo, a única explicação coerente da realidade e dada pela ciência que consiste em explicar a realidade a partir de relações necessárias entre os fenômenos (como fazem as ciências da natureza). É desta premissa que deriva a concepção positivista de sociologia que advoga que cabe à sociologia adotar o método das ciências naturais e verificar quais são as leis que operam na realidade social. UNIDADE 4 KARL MARX A CRÍTICA DE MARX AO IDEALISMO HEGELIANO Marx fez uma crítica radical do idealismo hegeliano, na qual afirma que Hegel inverte a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificação que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestação de uma Razão absoluta. Contrapondo sua filosofia ao idealismo de Hegel, Marx afirma: Os pressupostos com os quais começamos não são arbitrários, nem dogmas, são pressupostos reais dos quais só é possível abstrair na imaginação. Os nossos pressupostos são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida. Marx, Karl. Ideologia Alemã. Marx procurou, portanto, compreender a história real dos homens em sociedade a partir das condições materiais nas quais eles vivem. Essa visão da história foi chamada posteriormente, por seu companheiro de estudos Friedrich Engels, materialismo histórico. VISÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA De acordo com o pensamento de Marx, os homens não podem ser pensados de forma abstrata, como na filosofia de Hegel, nem de forma isolada, como nas filosofias de Feuerbach, de Proudhon e de tantos outros que Marx criticou, como Schopenhauer e Kierkegaard. Para Marx, não existe o indivíduo formado fora das relações sociais. Ele enfatiza esse ponto ao afirmar: “A essência humana (...) é o conjunto das relações sociais”. Isso significa que a forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem e pensam se vincula com a forma como se dão as relações sociais. Essas relaçõessociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material, ou seja, pela maneira como os homens trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação material das sociedades. Em seu livro Ideologia Alemã, Marx desenvolve essa reflexão dizendo: O modo pelo qual os homens produzem os seus meios de vida depende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser produzidos. Este modo da produção não deve ser considerado só o segundo aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele já é uma maneira determinada de atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar em sua vida, um modo de vida determinado. Os indivíduos são assim como manifestam a sua vida. O que eles são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produção. Esse é um ponto fundamental da filosofia de Marx. Ao falar da produção material da vida, ele não se refere Ciências Humanas e suas Tecnologias 8 apenas à produção das inúmeras coisas necessárias á manutenção física dos indivíduos. Ele está considerando também o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os homens constroem a si mesmos como indivíduos. Isso ocorre porque, segundo Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o processo geral de vida social, política e espiritual”. Karl Marx (1818-1883) Compreende-se aí a importância que Marx deu a análise do trabalho. Ele reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano, e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo. Essa demonstração se desenvolve em vários textos, mas de forma mais rigorosa em O Capital, livro em que expõe a lógica do modo de produção capitalista, no qual a força de trabalho e transformada em uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salário; por outro lado, é a única mercadoria que produz valor, ou seja que reproduz o capital. Marx também estende o desenvolvimento histórico- social como decorrente das transformações ocorridas no modo de produção. Nessa análise, ele se vale dos princípios da dialética, mas como afirma o posfácio da segunda edição de O Capital, “meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta”. Marx reconhece o mérito de Hegel por ter sido o primeiro a expor as formas gerais da dialética, mas alega que é preciso desmitificá-la, expondo o seu núcleo racional. Na concepção hegeliana, a dialética se torna instrumento de legitimação da realidade existente. Já no pensamento de Marx a dialética leva ao entendimento da possibilidade de negação dessa realidade “porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento, portanto também com seu lado transitório”. Ou seja, a dialética em Marx permite compreender a história em seu movimento, em que cada etapa é vista não como algo estático e definitivo, mas como algo transitório, que pode ser transformado pela ação humana. De acordo com Marx, as grandes transformações históricas se deram primeiramente no campo da economia, causadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção. Diferentemente de Hegel, no entanto Marx não concebe uma história que anda sozinha, guiada por uma Razão ou um Espírito, mas sim uma história feita pelos homens, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produção. Modo de produção é a maneira como se organiza a produção material em um dado estágio de desenvolvimento social. Essa maneira depende do desenvolvimento das forças produtivas (a força de trabalho humano e os meios de produção, tais como máquinas, ferramentas etc.) e da forma das relações de produção. Embora a definição dos modos e produção seja um aspecto complexo na obra de Marx e entre os seus comentadores, temos no livro Ideologia Alemã a exposição dos seguintes modos de produção dominantes em cada época: o comunismo primitivo, o escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Idade Média e o capitalismo na Idade Moderna. Ele afirma que a passagem de um modo de produção a outro se dá no momento em que o nível de desenvolvimento das forças produtivas entra em contradição com as relações sociais de produção. Quando isso ocorre, há um sufocamento da produção em virtude da inadequação das relações nas quais ela se dá. Nesse momento, surgem as possibilidades objetivas de transformação desse modo de produção. Cabe à classe social que possui um caráter revolucionário naquele momento intervir através de ações concretas, práticas, para que essas transformações ocorram. Foi o que aconteceu, por exemplo, na passagem do feudalismo ao capitalismo, através das revoluções burguesas. Marx sintetiza essa análise na afirmação de que a luta de classes é o motor da história, isto é, a luta de classes faz a história se mover. Por isso, no Manifesto Comunista (1848), escrito em parceria com Engels, Marx afirma: A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, tem vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. De acordo com Marx, o capitalismo também criou uma classe revolucionária que, em virtude de suas condições de existência, deve se organizar para, no momento oportuno, fazer a revolução social rumo ao socialismo. Essa classe revolucionária é o proletariado. A filosofia de Marx influenciou o mundo contemporâneo, em termos teóricos e práticos, inspirando correntes filosóficas, movimentos operários e revoluções. No entanto, quase 150 anos após a publicação de suas obras, grande parte de seu pensamento ainda não foi plenamente compreendida, sendo objeto de muitos estudos e discussões. (COTRIM, Gilberto: Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. São Paulo: Editora Saraiva. 2002. pp.200-202) MARX E OS MODOS DE PRODUÇÃO O conceito de modo de produção ocupa um lugar central na teoria da História e nas concepções econômicas Sociologia ENEM 9 de Karl Marx. [...] Marx identifica o modo de produção com a estrutura (ou infraestrutura) da sociedade, que seria o conjunto das relações de produção. Em outros escritos, porém, o modo de produção é definido como as relações de produção mais as forças produtivas. De qualquer modo, as primeiras estão intimamente relacionadas com as segundas, formando um todo orgânico que está na base da sociedade. É sobre essa base, diz Marx, que se ergue a cultura, a organização política e as ideologias (inclusive as religiões) dessa sociedade. Existem, assim, dois níveis na concepção marxista da sociedade: o da infraestrutura (relações de produção e forças produtivas) e o da superestrutura (Estado, Igreja, cultura, etc.) Na produção social da própria vida, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias e independentes da sua vontade. Essas relações de produção correspondem a uma determinada etapa do desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade. Essa estrutura é a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual. Ou seja, não é a consciênciados homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em determinada etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção existentes. Essas relações – o regime de propriedade, por exemplo –, que antes eram formas de desenvolvimento das forças produtivas, transformam-se em seu maior obstáculo. Sobrevém, então, uma época de revolução social. Mas uma formação social nunca desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as suas forças produtivas. E novas relações de produção mais adiantadas não substituem as antigas antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no próprio seio da velha sociedade. (Adaptado de: Marx, Karl: Para a crítica da economia política. In: Marx. São Paulo: Abril Cultural. 1978. pp.129-130) UM NOVO MODO DE PRODUÇÃO? Marx tinha em alta conta os feitos econômicos e culturais da burguesia e acreditava que o capitalismo tinha ainda muito fôlego para estimular o desenvolvimento das forças produtivas. Mas considerava que, em algum momento, esse avanço da tecnologia e das formas de organização do trabalho entraria em choque com as relações de produção capitalista, tal como ocorrera sob o feudalismo. Nesse momento, pensava ele, ocorreria uma revolução nos países capitalistas mais desenvolvidos que colocaria o proletariado, ou classe operária, no poder. A partir de então, o capitalismo seria substituído pelo socialismo, um novo modo de produção. MARX E A CRÍTICA AO CAPITALISMO Em seu livro O Capital, Marx procurou mostrar as contradições internas do capitalismo e a inevitabilidade de sua substituição pelo socialismo. Segundo ele, o valor de um bem é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Assim o lucro não se realiza no momento da troca de mercadorias, mas sim na produção dessas mercadorias. Isso acontece porque os trabalhadores não recebem o valor correspondente a seu trabalho, mas só o necessário para sua sobrevivência. O valor da força de trabalho de um assalariado, como de toda mercadoria, é estabelecido pelo tempo de trabalho necessário para produzir os bens destinados a garantir a sobrevivência do trabalhador. Isso se expressa em alimentos, moradia, tempo para descansar, etc. O valor de todos esses bens consumidos pelo operário diariamente é o valor de sua força de trabalho. Suponhamos que um operário trabalhe oito horas por dia na produção de sapatos, Para repor sua força de trabalho, ele precisa alimentar-se e descansar. Suponhamos ainda que o valor dos bens consumidos por ele para repor suas energias em um dia seja igual ao valor produzido por ele em seis horas de trabalho na produção de sapatos. Para garantir sua sobrevivência, portanto, bastaria a ele trabalhar seis horas por dia, mas ele trabalha mais duas horas na fábrica do patrão. Essas duas horas a mais representam o que Marx chamava de sobretrabalho (ou trabalho excedente), e é delas que sai o lucro do patrão na forma inicial de mais-valia. Desse modo, na análise de Marx, a mais-valia consiste na diferença entre o valor (expresso em horas de trabalho) incorporado a um bem e o pagamento do trabalho necessário para sua reposição (o salário). A essência do capitalismo seria a apropriação privada (isto é, pelo capitalista) dessa mais-valia, que dá origem ao lucro. No escravismo e no feudalismo, a classe dominante se apropriava do fruto do trabalho, consumindo-o. No capitalismo, a classe dominante apropria-se de mais-valia (ou lucro), mas não a consome totalmente. Boa parte dela é investida e reinvestida na produção. A esse investimento permanente se dá o nome de acumulação de capital. Por capital, entende-se o dinheiro, a mercadoria ou os meios de produção – ou uma combinação dos três – aplicados de tal forma que levem aos trabalhadores assalariados a produzir mercadorias e mais-valia. Ou seja, não é todo tipo de dinheiro que funciona como capital. Só é capital aquele dinheiro (ou meios de produção) empregado de tal modo que produza mais-valia por meio do trabalho assalariado. Ainda segundo Marx, o capitalismo, diferentemente dos modos de produção anteriores, não funciona para que as coisas fiquem sempre do mesmo jeito. Por sua própria natureza, ele precisa crescer, acumular e reinvestir parte da mais-valia na produção, aumentando sempre o lucro e a produtividade. Ou seja, as forças produtivas devem estar em permanente desenvolvimento. (OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 2011. pp. 157-158) AS CLASSES SOCIAIS Ciências Humanas e suas Tecnologias 10 Para Marx, o capitalismo organiza-se de modo a dar origem a duas classes sociais: os empresários (ou burgueses) e os trabalhadores (ou proletários). Uma pessoa é considerada como pertencente à classe dos empresários quando possui capital, isto é, quando é proprietária dos meios de produção e compradora de força de trabalho. Nesse sentido, os empresários seriam os donos das indústrias, das grandes fazendas, dos bancos ou do grande comércio. Por outro lado, uma pessoa é considerada como pertencente à classe trabalhadora quando não tem nada, a não ser sua capacidade de trabalhar (forca de trabalho), que vende ao empresário em troca de um salário. Nesse sentido, os trabalhadores seriam os operários, os camponeses, bancários, balconistas, auxiliares de escritório, empregadas domésticas, professores, secretárias etc. Estas duas classes, segundo Marx, relacionam-se de modo a criar um conflito. Como? Estudando a lei da mais-valia, percebemos que os empresários exploram os trabalhadores, não lhes pagando tudo aquilo que produziram. Assim, ao receberem um salário baixo, os trabalhadores são condenados a se alimentarem mal, a se vestirem mal, a morar em péssimas condições e ter uma saúde deficiente. E para tentar mudar tal modo de vida é preciso que os trabalhadores organizem-se no bairro, nas escolas e fábricas, exigindo dos empresários, ou do Estado, o direito a uma vida digna. No entanto, aumentar o salário ou dar condições de vida digna ao trabalhador implica diminuir o lucro. Como o empresário não quer perder seus privilégios surge daí um conflito social: Empresários lutando por mais lucro contra trabalhadores lutando por uma vida melhor, é o que Marx define por luta de classes. Marx realizou uma pesquisa numa fábrica de cerâmica da Inglaterra, em 1860, e colheu alguns dados que demonstram que vários operários começaram a trabalhar aos 7 e 8 anos de idade, num horário que se estendia das 6 da manhã às 9 horas da noite, isto é, 15 horas de trabalho diário para uma criança. Outra pesquisa realizada em 1862 demonstra que, de 19 operários, 6 contraíram doenças devido ao excesso de trabalho. Marx atribuiu aos trabalhadores a condição de classe revolucionária, quer dizer, aquela classe que pode contribuir para a construção de uma nova sociedade sem exploradores nem explorados, por sua capacidade de se organizar e de lutar por seus direitos. Entretanto, esta classe revolucionária não é homogênea; sociólogos contemporâneos afirmam que no interior da classe trabalhadora existem diversas divisões que podem dificultar a união dos trabalhadores em função de uma luta em comum. Estas diferenças culturais na classe trabalhadora são originadas por profissões diferentes, pela cor ou pelo sexo. Por exemplo, os valores e problemas da mulher que é, ao mesmo tempo, mãe, dona de casa e trabalhadora são diferentes dos do homem. Um operário qualificado e possuidor de casa própria pode ter um comportamento social e político diferente de um operário não qualificado, residente numa favela. Um trabalhador negro, por sua vez, além de ser explorado emseu emprego, sofre o problema de discriminação racial. Uma adolescente, por outro lado, é obrigada a obedecer a seu chefe no escritório, a seu pai em casa e, muitas vezes, até o seu namorado. Todas essas situações de vida são muito diferentes entre si, e, por isso, quando tentamos fazer uma referência à classe trabalhadora em seu comportamento cultural e político, temos que levar em consideração algumas dessas diferenças. Um outro exemplo: enquanto que para os trabalhadores da cidade é importante lutar por saneamento básico (rede de água, esgoto, limpeza pública), para os trabalhadores do campo o mais importante pode ser a reforma agrária (divisão de terras, acesso aos implementos agrícolas etc.). Assim, ao afirmarmos que a classe trabalhadora é revolucionária, temos que admitir que essa classe só pode mudar a sociedade na multiplicidade de sua prática social. A ORIGEM DOS PROBLEMAS SOCIAIS Para o Materialismo Histórico, no capitalismo, a origem dos problemas sociais não é o resultado de uma crise moral (caso patológico ou anomia) como afirmava Durkheim. Ao contrário, Marx demonstra que se existe desemprego, favelas ou criminalidade, é porque a forma pela qual as pessoas trabalham no capitalismo gera formas de exploração da classe empresarial sobre a classe trabalhadora. A partir daí, percebemos que será analisando as formas distintas de organização do trabalho (economia) que descobriremos o real funcionamento de uma sociedade. Assim, se o compromisso do Positivismo é a manutenção e preservação da sociedade capitalista, o compromisso do Materialismo Histórico será realizar uma crítica radical dessa sociedade, ressaltando suas contradições e concluindo que a sociedade é um fenômeno transitório, isto é, possível de ser transformado. Para Marx, a mudança social, ou seja, a Revolução poderá surgir no momento em que a classe trabalhadora possa organizar-se e lutar para a criação de uma nova sociedade: o Socialismo. Portanto, segundo o marxismo, a superação dos problemas sociais no capitalismo não se dá, como pensava Durkheim, através da ciência, mas sim, através da luta política. Essa superação dos problemas sociais não é, no entanto, uma tarefa fácil. A classe dos empresários utiliza-se de formas específicas de dominação para impedir a organização e luta dos trabalhadores por seus direitos. Essas formas de dominação nós resumiremos em: o papel do Estado e da ideologia. O ESTADO Marx não desenvolveu aquilo que poderíamos chamar de uma Teoria do Estado. Sobre o que vem a ser Estado em nossa sociedade, Marx fez apenas algumas referências. Dentre essas, entende que o Estado é a instituição que tem mais poder sobre os indivíduos, isto é, a partir do monopólio que o Estado tem dos meios de violência ele pode controlar a vida das pessoas. Mas o que significa o monopólio dos meios de violência? Sociologia ENEM 11 Significa ter o controle quase que absoluto dos armamentos e do corpo repressivo (polícia). Esses meios de violência, segundo os positivistas, visam assegurar o bom desenvolvimento social. Ao contrário, para Marx, isso é apenas um pretexto, pois, na realidade, o Estado seria um instrumento político dos empresários para controlarem os trabalhadores. Em outras palavras, a classe dos empresários, para subjugar os trabalhadores, precisa, às vezes, utilizar-se da violência, mas, para que a classe trabalhadora aceite a violência sem se revoltar, é preciso que ela apareça como algo natural, isto é, como uma lei da sociedade, dando a impressão de que sofre os efeitos da violência somente a pessoa que romper com a ordem das leis sociais. Isso legitima uma violência organizada pelo Estado que diz existir para manter a ordem social, sendo, na verdade, instrumento de dominação da classe trabalhadora. Esta visão sobre o Estado, no entanto, foi alterada nos dias de hoje a partir dos estudos de alguns sociólogos contemporâneos. Dentre estes sociólogos que continuariam a obra de Marx, no que diz respeito ao estudo do Estado, podemos citar dois: Antonio Gramsci e Nicos Poulantzas. Antonio Gramsci (1891-1937) Nicos Poulantzas (1936-1979) Para esses sociólogos, o Estado está a serviço dos interesses da classe empresarial; no entanto, estudando vários movimentos sociais, é possível perceber que nem sempre o Estado é um órgão de violência organizada contra a classe trabalhadora. Existem momentos históricos em que o Estado pode aparecer como o representante da classe trabalhadora. Como isso é possível? Devemos levar em consideração que o atual aparelho de Estado da sociedade capitalista é um órgão extremamente complexo e nem sempre é possível defender os interesses da classe empresarial, pois, no momento em que a classe trabalhadora se organiza dentro dos movimentos populares (na luta política), passa a ser forte e, através da pressão, acaba abrindo espaços de participação dentro do Estado, obrigando este a levar em consideração os interesses das classes exploradas contra os exploradores. Uma coisa, porém, é certa: se a classe trabalhadora não se organiza e não pressiona os órgãos estatais, estes nunca estarão a serviço do povo. A IDEOLOGIA Também é uma forma de dominação e controle sobre os trabalhadores, só que se apresenta de forma mais eficiente que a ação do Estado. Para entender o que seja ideologia, é importante, em primeiro lugar, saber que as pessoas, quando travam relações entre si através do trabalho, pensam e refletem, criando representações simbólicas (pensamentos, idéias). Aquilo que as pessoas pensam sobre a forma de como elas trabalham influi para que entendam sua própria vida social. Antonio Gramsci afirmava que a forma mais elaborada de pensar recebe o nome de Filosofia. A filosofia capitalista, no entanto, desenvolve-se através de poucas pessoas (os intelectuais), pois requer conhecimentos adquiridos numa educação especializada a que poucos têm acesso. Ao lado da filosofia temos o senso comum, que nada mais é do que o conjunto de pensamentos e conclusões sobre a vida feitos pelas pessoas comuns, feitos por nós. Só que na forma mais simplificada. Tais pensamentos e conclusões são a forma de pensar presente no povo. No seu conjunto, a filosofia capitalista (como elaboração de pensamento) e o senso comum (como a difusão do pensamento na sua forma mais simples) formam a estrutura ideológica da nossa sociedade. Em resumo: podemos definir a ideologia como sendo a elaboração do pensamento através da filosofia e sua difusão através do senso comum, a partir da forma de como os homens se relacionam no trabalho. Assim, quando afirmamos que existe uma dominação através da ideologia, queremos dizer que as pessoas que elaboram direta ou indiretamente a filosofia capitalista preocupam-se em transmitir uma visão de mundo acrítica e passiva, para que seja aceita a exploração como sendo algo natural, que sempre existiu e sempre existirá. Em nossa sociedade atual podemos afirmar que as fontes, isto é, os instrumentos para impor a ideologia são: a escola, os meios de comunicação de massa, clubes, entidades assistenciais, seitas e alguns setores da religião. Assim, para Marx, os empresários utilizam-se tanto do Estado quanto da ideologia para controlar os trabalhadores, isto é, para explorá-los sem que eles percebam. (MEKSENAS, Paulo. Aprendendo Sociologia. A paixão de conhecer a vida. São Paulo: Edições Loyola, 1985. pp. 84-90) O ESTADO COMO PRODUTO E INSTRUMENTO DE CONTROLE DA CLASSE DOMINANTE Ciências Humanas e suas Tecnologias 12 Para os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, a sociedade humana primitiva era uma sociedade sem classes e sem estado. Nessa sociedade pré-civilizada, as funções administrativaseram exercidas pelo conjunto dos membros da comunidade (clã, tribo etc.). Num determinado estágio do desenvolvimento histórico das sociedades humanas, certas funções administrativas, antes exercidas pelo conjunto da comunidade, tornaram-se privativas de um grupo separado de pessoas que detinha força para impor normas e organização à vida coletiva. Teria sido através desse núcleo de pessoas que se desenvolveu o Estado. Friedrich Engels (1820-895) Assim, para Marx e Engels, o Estado nem sempre existiu. Durante milênios, inúmeras sociedades teriam vivido sem ele. O Estado surgiu quando, num certo estágio de desenvolvimento econômico, também surgiram as desigualdades de classes e os conflitos entre explorados e exploradores. O papel do Estado é amortecer o choque desses conflitos, evitando uma luta direta entre as classes antagônicas. Mas conforme escreveu Engels: Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe dominante, classe que, por intermédio dele, se converte em classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. Entretanto, por exceção, há períodos em que as lutas de classes se equilibram de tal modo que o poder do Estado, como mediador aparente, adquire certa independência momentânea em face das classes. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 193-94 Em resumo, podemos dizer que Marx e Engels rejeitam, de modo geral, a teoria do Estado como simples mediador da luta de classes. Em vez disso, concebem o Estado atuando geralmente como um instrumento do domínio de classe. Na sociedade capitalista, por exemplo, o domínio de classe identifica-se diretamente com a “proteção da propriedade privada” dos que possuem, contrariando os interesses daqueles que nada têm. Proteger a propriedade privada capitalista implica preservar as relações sociais, as normas jurídicas, enfim, a segurança dos proprietários burgueses. Essa concepção do Estado como instrumento de dominação de uma classe sobre a outra estabelece, portanto, uma relação entre as condições materiais de existência de determinada sociedade e a forma de Estado que ela adota. Ou seja, o Estado é determinado pela estrutura social de modo a atender às demandas específicas de uma dada forma de sociabilidade, garantindo que essa forma se mantenha. Isso significa que o Estado só é necessário devido ao “caráter anti-social desta vida civil”. Ou seja, o Estado existe para administrar os problemas causados pela forma anti-social (desigual, excludente) da sociedade civil. E ele só poderia deixar de existir quando a sociedade não fosse mais dividida em classes antagônicas. Assim, Marx diferenciou-se de todos os outros autores anteriores porque sua crítica ao Estado não visava atingir uma ou outra forma de Estado, mas a essência mesma do Estado, de qualquer Estado: o Estado se origina exatamente das insuficiências de uma sociedade em realizar em si mesma, de forma concreta, os ideais universalistas, ou seja, em garantir em sua dinâmica a igualdade de condições sociais. Ele nasce da desigualdade para manter a desigualdade. (COTRIM, Gilberto: “Fundamentos da filosofia: história e grandes temas”. São Paulo: Editora Saraiva. 2002. pp. 307-308) FIQUE LIGADO NO ENEM! • Marx afirma que a passagem de um modo de produção a outro se dá no momento em que o nível de desenvolvimento das forças produtivas entra em contradição com as relações sociais de produção. Essas relações – o regime de propriedade, por exemplo –, que antes eram formas de desenvolvimento das forças produtivas, transformam-se em seu maior obstáculo. Sobrevém, então, uma época de revolução social. • O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual. Ou seja, não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. • O modo de produção é composto pelas relações de produção mais as forças produtivas. É sobre essa base, diz Marx, que se ergue a cultura, a organização política e as ideologias (inclusive as religiões) dessa sociedade. Existem, assim, dois níveis na concepção marxista da sociedade: o da infraestrutura (relações de produção e forças produtivas) e o da superestrutura (Estado, Igreja, cultura, etc.) • Segundo ele, o valor de um bem é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Assim o lucro não se realiza no momento da troca de mercadorias, mas sim na produção dessas mercadorias. Isso acontece porque os trabalhadores não recebem o valor correspondente a seu trabalho, mas só o necessário para sua sobrevivência. Sociologia ENEM 13 • Na análise de Marx, a mais-valia consiste na diferença entre o valor (expresso em horas de trabalho) incorporado a um bem e o pagamento do trabalho necessário para sua reposição (o salário). A essência do capitalismo seria a apropriação privada (isto é, pelo capitalista) dessa mais-valia, que dá origem ao lucro. • Marx e Engels rejeitam, de modo geral, a teoria do Estado como simples mediador da luta de classes. Em vez disso, concebem o Estado atuando geralmente como um instrumento do domínio de classe. Na sociedade capitalista, por exemplo, o domínio de classe identifica-se diretamente com a “proteção da propriedade privada” dos que possuem, contrariando os interesses daqueles que nada têm. UNIDADE 5 ÉMILE DURKHEIM Caberia à sociologia, segundo Durkheim, a apreensão e o estudo sistemático das realidades sociais dos indivíduos. Para tanto, o sociólogo deveria utilizar das mesmas ferramentas utilizadas pelas ciências anteriores: o método científico e a observação empírica. Essa era uma das principais preocupações de Durkheim: estabelecer as fundações e as formas de estudo da sociologia. Émile Durkheim (1858-1917) No entanto, Durkheim acreditava que a principal função da sociologia era o estudo dos fatos sociais. A sociologia deveria se abster de estudar as individualidades dos sujeitos e se debruçar sobre estudos generalistas acerca dos fatos sociais, que são definidos por Durkheim como os aspectos de nossa sociedade que moldam as nossas ações em sociedade, tais como nossa língua, o Estado e a moral. Segundo Durkheim, os fatos sociais possuem três características principais: São externos ao indivíduo, ou seja, os fatos sociais existem independentemente de nossas vontades individuais, São de natureza coercitiva, o que quer dizer que eles possuem força para nos “obrigar” a agir de determinada maneira sob a ameaça de punições como o isolamento social, por exemplo, no caso de um comportamento socialmente inaceitável, São também generalistas, ou seja, atingem a todos sem exceções. Para que possamos compreender melhor, peguemos como exemplo a língua que falamos. Ela se constitui um fato social na medida em que nos é externa, existindo independentemente de nossa vontade; é coercitiva, uma vez que a não utilização de uma língua compreensível em um meio social pode acarretar no isolamento social; e é generalista, uma vez que todos os que nascem em um determinado local, acabam por aprender a se comunicar com uma mesma língua ou linguagem. (http://www.mundoeducacao.com/sociologia/emile-durkheim.htm) A OBJETIVIDADE DO FATO SOCIAL Após a identificaçãoe caracterização dos fatos sociais, Durkheim tentou definir o método de conhecimento da Sociologia. Para o pensador e para os positivistas, o cientista social precisa manter certa distância e neutralidade em relação aos fatos sociais, para resguardar a objetividade da sua análise, ou seja, “a primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas” (DURKHEIM, p. 15, grifos do autor). O sociólogo precisa deixar de lado suas pré-noções, que são valores e sentimentos pessoais em relação aos acontecimentos a ser estudados, porque podem distorcer a realidade dos fatos. Não pode haver envolvimento afetivo entre o cientista e seu objeto, e a neutralidade exige a não interferência do pesquisador no fato observado. Por isso, o trabalho científico exigia a eliminação de quaisquer riscos de subjetividade e uma atitude de distanciamento. Os fatos sociais deveriam ser encarados como coisas, como objetos que, sendo-lhe exteriores, deveriam ser medidos, observados e comparados, independentemente do que os indivíduos envolvidos pensassem ou declarassem a seu respeito. Todo esse rigor com o método era para garantir o sucesso da Sociologia como ciência, assim como eram as pesquisas das ciências exatas. “É preciso, portanto, considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós. Se essa exterioridade for apenas aparente, a ilusão se dissipará à medida que a ciência avançar e veremos, por assim dizer, o de fora entrar no de dentro. Mas a solução não pode ser preconcebida e, mesmo que eles não tivessem afinal todos os caracteres intrínsecos da coisa, deve-se primeiro tratá-los como se os tivessem. Essa regra aplica-se portanto à realidade social inteira, sem que haja motivos para qualquer exceção. Mesmo os fenômenos que mais parecem consistir em arranjos artificiais devem ser considerados desse ponto de vista. O caráter convencional de uma prática ou de uma instituição jamais deve ser presumido. Aliás, se nos for permitido invocar nossa experiência pessoal, acreditamos poder assegurar que, procedendo dessa maneira, com frequência se terá a satisfação de ver os fatos aparentemente mais arbitrários apresentarem após uma observação mais atenta dos caracteres de constância e de regularidade, sintomas de sua objetividade (DURKHEIM, 2007, p. 28-29, grifos do autor). Para tanto, Durkheim estabelece três regras para o sociólogo estudar os fatos sociais: Ciências Humanas e suas Tecnologias 14 1ª regra: [...] devemos afastar sistematicamente todas as pré-noções [...]”(DURKHEIM, 2007, p. 54); 2ª regra: [...] Nunca tomar como objeto de investigação senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certas características exteriores que lhe sejam comuns, e incluir na mesma investigação todos os que correspondem a esta definição [...] (DURKHEIM, 2007, p.57); 3ª regra: “Quando o sociólogo empreende a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais, deve esforçar-se por considerá-los sob um ângulo em que eles se apresentem isolados das suas manifestações individuais [...] (DURKHEIM, 2007, p.65). A SOCIEDADE COMO UM ORGANISMO VIVO: ENTRE A NORMALIDADE E A PATOLOGIA A finalidade dos fatos sociais é estudar e entender a própria sociedade. Como Durkheim tem por base o positivismo e considera a sociedade um organismo vivo, consequentemente, esse “organismo vivo” chamado sociedade possui estados “normais” (saudáveis) e/ou “patológicos” (doentios). “[...] tal como para os indivíduos, a saúde é boa e desejável também às sociedades, ao contrário da doença, que é coisa má e de se evitar. Se encontrarmos um critério, objetivo, inerente aos próprios fatos, que nos permita distinguir cientificamente a saúde da doença nas diferentes ordens de fenômenos sociais, a ciência estará em condições de esclarecer a prática permanecendo fiel ao seu próprio método” (DURKHEIM, 2007, p.69). E complementa: “Chamaremos normais aos fatos que apresentam as formas mais gerais e daremos aos outros o nome de mórbidos ou de patológicos. Se convencionarmos chamar tipo médio ao ser esquemático que resultaria da reunião num todo, numa espécie de individualidade abstrata, das características mais frequentes na espécie com as suas formas mais frequentes, poder-se-á dizer que o tipo normal se confunde com o tipo médio, e que qualquer desvio em relação a este padrão da saúde é um fenômeno mórbido” (DURKHEIM, 2007, p.74). Durkheim considera patológico aquilo que põe em risco a harmonia de uma sociedade, aquilo que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente. Os fatos patológicos, como as doenças, são considerados transitórios e excepcionais (COSTA, 1997). (KLEINSCHMITT, Sandra Cristiana. Almanaque de sociologia para vestibular e Enem.Introdução e Conceitos Básicos. São Paulo: OnLine Editora, 2014. pp. 30-31) A SOCIOLOGIA E O ESTADO “(...) O Estado é um órgão especial, encarregado de elaborar certas representações que valem para a coletividade. Estas representações se distinguem das outras representações coletivas por grau mais alto de consciência e de reflexão (...) O Estado é, para falar com rigor, o órgão mesmo do pensamento social. Nas condições presentes, esse pensamento está voltado para um fim prático (...) O Estado, ao menos em geral, não pensa por pensar, para construir sistemas de doutrinas, e, sim, para dirigir a conduta coletiva” Como interpretar esta definição de Estado? Partindo do princípio de que a sociedade capitalista foi concebida por Durkheim como um corpo que, às vezes, fica doente, esse corpo, para funcionar bem, depende de que todas as suas partes estejam funcionando harmonicamente. A responsabilidade de desenvolver o funcionamento harmônico de todas as partes da sociedade cabe ao Estado. Em outras palavras, se a sociedade é o corpo, o estado é o seu cérebro e por isso tem a função de organizar essa sociedade, reelaborando aspectos da consciência coletiva. Durkheim admitia que o Estado é uma instituição que tem o poder de elaborar leis que corrijam os casos patológicos da sociedade. Em resumo: se cabe à sociologia observar, entender e classificar os casos patológicos, procurando criar uma nova moral social, cabe ao Estado colocar em prática os princípios dessa nova moral. Neste contexto, a Sociologia e o Estado complementam- se na organização da sociedade para, na prática, evitarem os problemas sociais. Isso levou Durkheim a acreditar que os sociólogos devessem ter uma participação direta dentro do Estado. CONSCIÊNCIA COLETIVA Por esse termo, Durkheim traduz a idéia do que seja o Psíquico Social. Cada indivíduo tem uma “psiqué”, isto é, um jeito de pensar e agir, de entender a vida. Assim, cada um de nós possui uma consciência individual que faz parte de nossa personalidade. Esta, porém, não é a única forma de consciência: existe também aquela formada pelas idéias comuns que estão presentes em todas as consciências individuais de uma sociedade. Essas idéias comuns formam a base para uma consciência de sociedade: uma primeira consciência que determina a nossa conduta e que não é individual, mas social e geral, denominada por Durkheim de Consciência Coletiva. A consciência coletiva é objetiva, isto é, ela não vem de uma só pessoa ou grupo, mas está difusa (espalhada) em toda a sociedade, e, por isso ela é exterior ao indivíduo, quer dizer, a consciência coletiva não é o que um indivíduo pensa, mas é o que a sociedade pensa. Por isso a consciência coletiva age sobre o indivíduo de forma coercitiva, isto é, exerce uma autoridade sobre o modo de como o indivíduo deve agir no seu meio social.
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