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Apostila Metodologia da Pesquisa Científica: Módulo 1 Sumário: Introdução 1. Definição de Ciência 2. As Ciências Humanas 3. Metodologia e Métodos de Pesquisa 4. Pesquisa Científica e Conhecimento 5. Pressupostos Teóricos e Metodológicos da Pesquisa Científica 6. Paradigma Positivista 7. Paradigma Fenomenológico 8. Validação de Trabalhos Científicos 9. Ética em Pesquisa 10. Bibliografia - Literatura Complementar Introdução Produzir conhecimento sobre a realidade, passa necessariamente pela reelaboração de nossas percepções. Com o objetivo de assimilar o conhecimento, é importante inicialmente decompô-lo em partes, no que se chama processo analítico. Para compreender qualquer objeto, é necessário desmontar suas partes para depois monta-lo novamente, com um novo conhecimento adquirido pela prática. O cientista, ao se deparar com seu objeto, precisa desenvolver uma atitude crítica em relação a ele, desmontando-o sob a forma de conceitos, procurando entende-lo integralmente com o auxílio das informações obtidas pela experimentação. Nesta relação dialética, a produção de conhecimento científico envolve a execução de aproximações conceituais, para que se possa compreender o objeto em todo seu dinamismo. Entretanto, temos nos deparado com um certo tipo de produção do conhecimento científico que nada mais é que uma tentativa iludida de reproduzir a realidade, o que acaba por gerar caricaturas produzidas por uma falsa ciência. Isto que dizer que os cientistas têm se dedicado muitas vezes a questões irrelevantes, produzindo um conhecimento acadêmico burocrático, relegando a criatividade e a inovação ao último lugar. Além dessa limitação de ordem metodológica, podemos observar um imenso desperdício de tempo e dinheiro empenhados em pesquisas fúteis, normalmente condenadas ao esquecimento nos meandros dos arquivos das bibliotecas. Quais seriam as possíveis soluções para este estado de coisas? Antes de mais nada deve haver uma auto-crítica e modificação de postura por parte daqueles pesquisadores que se consideram absolutamente desobrigados de produzirem benefícios para a sociedade com suas pesquisas. Coloca-se a cada um a exigência de se abrir para o intercâmbio saudável de opiniões, disponibilizando e adequando sua produção científica às necessidades sociais e estando aberto ao debate sobre suas premissas e posições. É necessário também abrir mão do injustificável “orgulho acadêmico”, adotando a postura humilde do eterno aprendiz que aprende mesmo ao ensinar. Esta posição pode soar como demasiadamente utilitarista no que se refere à produção do conhecimento. Na verdade, ensejamos defender a ideia de que produzir conhecimento é muito mais que simplesmente elaborar teorias desconexas, sendo mais importante atribuir sentido e conexão social ao saber, como forma aproximativa de interpretar a realidade. Para efetivar esta abordagem, é fundamental que se tenha clareza sobre o que realmente constitui a ciência e a metodologia científica, priorizando a produção científica metódica e embasada em paradigmas válidos. 1. Definição de Ciência A definição de Ciência é uma tarefa árdua, que tem sido tentada por diversos filósofos e pensadores. Entretanto, uma definição consensual possível seria: produção de conhecimentos racionais elaborados pela observação, raciocínio ou experimentação com a realidade. Estes conhecimentos visam elaborar, descobrir e enunciar leis naturais condizentes com os fenômenos percebidos, reunindo-as em teorias adequadas. Ou seja: ciência são os conhecimentos produzidos de maneira sistemática por uma metodologia previamente determinada, embasada em técnicas de pesquisa que proporcionem a integração coerente das diversas facetas de um determinado objeto de análise. Esta definição implica em uma diferença crucial entre o saber científico e o senso comum, sendo o primeiro gestado através de procedimentos sistemáticos, os quais visam investigar um objeto previamente definido. Assim, poderíamos dizer que o ser humano, em sua relação com o mundo com o mundo e em seu confronto com as forças da natureza, utilizase de dois processos básicos, que podemos definir como a magia e a técnica. Enquanto a magia almeja uma ação indireta sobre as coisas e os seres, pela ação de forças místicas e ocultas, a técnica age objetivamente se embasando no conhecimento, empírico ou científico. É interessante notar que a ciência se baseia fundamentalmente na subjetividade, visto que o ser humano só pode apreender o mundo a partir de suas próprias impressões sensoriais. Isto poderia implicar em um tipo de conhecimento falseado, visto que o senso comum traz sempre consigo um gama de imprecisões, estando baseado na experiência direta do observador, o qual considera para suas deduções apenas a aparência do objeto cognoscível. Por outro lado, no seu sentido genérico a ciência pode abranger qualquer grupo de conhecimentos organizados e generalizáveis. Entretanto, quando abordamos uma área específica da ciência, o termo estará se referindo a um conjunto de saberes alcançados por métodos formais de investigação e revisados por processos adequados de verificação. Assim, podemos dizer que a ciência é uma abordagem racional e objetiva para interpretar o universo, objetivando a produção de saberes que visam dominar e utilizar as forças da natureza conforme os desígnios do ser humanos em seu esforço de construir uma vida melhor. Uma outra definição possível de ciência seria a de um sistema harmonioso e coeso de proposições ou enunciados que se baseiam em uma quantidade definida de princípios, com o objetivo de descrever, explicar e prever, da forma mais precisa possível, um determinado grupo de fenômenos, determinando suas leis através da disposição metódica dos fatos observados. 2. As Ciências Humanas Será que poderíamos adotar as mesmas definições discutidas anteriormente para descrever as denominadas “ciências humanas”? Qual seria a área de conhecimento definida como ciência humana? Poderíamos, talvez, denominar como ciências humanas aquelas matérias que se ocupam do homem em suas diversas dimensões de existência. Neste sentido, a ciência social é relativamente recente quando se considera o âmbito das ciências modernas. Nos séculos XVII a XIX, enquanto a Europa se deparava com profundas modificações estruturais, articula-se a ciência propriamente humana. As mudanças sociais trouxeram para o escopo da análise científica todo um grupo de fenômenos sociais que ainda não haviam sido integrados aos métodos de análise rigorosa da ciência formal. O surgimento das ciências do homem significou a chance de incorporar no plano do saber científico, um grupo de fenômenos sociais e culturais fundamentais para que se possa compreender os processos sociais e a estruturação das emergentes mudanças na sociedade europeia Entretanto, o paradigma da ciência natural representou um obstáculo portentoso para o estabelecimento da nova ciência, em função da especificidade dos temas sociais, visto que, quando se passa do âmbito das ciências naturais para o âmbito social, a interpretação consensual das ciências formais adquire traços próprios e específicos das ciências humanas. O debate sobre as diferenças entre ciências humanas e ciências naturais focaliza-se na natureza do objeto de estudo de uma e de outra. Sendo cada objeto específico, podemos supor que exijam métodos diferenciados de abordagem. De qualquer modo, é evidente que o cientista, seja qual for o seu objeto de estudo, é também um cidadão que age politicamente influenciando e sendo influenciado por suas relações sociais. Desse modo, fica evidente que a ciência é também uma prática social, sendo um processo inserido na realidade da sociedade, que necessariamente a condiciona. Assim, percebe-seque a transposição de conceitos das ciências naturais para o campo das ciências humanas demonstra ser problemática, visto que o organismo social não se desenvolve dentro dos mesmos parâmetros dos organismos biológicos. É óbvio que as ciências sociais não podem ser construídas a partir do nada, entretanto, é fundamental determinar limites para a aplicação literal de conceitos usados para analisar organismos biológicos na análise da sociedade. 3. Metodologia e Métodos de Pesquisa Podemos definir Metodologia como o estudo dos métodos de investigação e de prova experimental, através da análise crítica. A Metodologia possui ainda um aspecto descritivo, porém, o objetivo principal deste campo de estudos é o de avaliação dos recursos metodológicos, definindo seus limites e explicitando seus pressupostos de atuação, além das consequências de sua utilização em pesquisa. Ultrapassar o senso comum só é possível através da sistematização proporcionada por uma metodologia científica, a qual deve se embasar na Epistemologia, que consiste no estudo descritivo e crítico dos paradigmas, proposições de hipótese e dos procedimentos e resultados dos processos científicos vigentes. Trata-se, portanto, de uma teoria da Ciência. Ainda assim, a metodologia não constitui o centro focal da Ciência, sendo antes uma ferramenta que possibilita abordagens teóricas confiáveis e relevantes para investigar a realidade, esta sim o principal fator que deve direcionar a alternativa metodológica. A metodologia científica se relaciona, portanto, é entendida com a Filosofia da Ciência, que tem por escopo a análise dos métodos científicos, avaliando sua adequação ao objetivo proposto através da crítica dos paradigmas e dos fatores resultantes de seu uso, possibilitando assim que se ultrapasse o conhecimento empírico superficial do senso comum e do viés ideológico, propondo em seu ligar um sistema de saberes organizados, coesos e racionais. Na prática, a metodologia trabalha com a avaliação e elaboração das técnicas de pesquisa gerando novos métodos experimentais ou reavaliando os já existentes, criando ferramentas metodológicas que tornam possível a captação e o processamento de informações que levam à resolução de vários níveis de proposições e problematizações teóricas, interferindo nas práticas investigativas. A Metodologia não se restringe ao estudo dos métodos, mas consiste também em um campo de pesquisa em si, orientando o pesquisador no processo de investigação, no âmbito decisório e na assimilação de conceitualização e técnicas e na proposição de objetivos coerentes. Ainda assim, podemos definir o método focalizando no repertório de procedimentos que são utilizados como ferramentas para atingir os objetivos da pesquisa. A particularidade das técnicas não exclui a generalidade da Metodologia utilizada, sendo esta a razão pela qual uma boa parte dos autores de trabalhos de pesquisa optam por definir primeiramente as técnicas, para generalizar posteriormente, aproximando-se da noção de método, que consiste em uma sequência de regras adequadas para solucionar uma problematização científica. A base fundamental do método é o esforço de resolver problemas utilizando hipóteses possíveis de serem provadas por observações experimentais, estabelecendo respostas provisórias que se propõem a apresentar soluções para determinados problemas ou a elaborar explicações cientificamente coerentes. Formular hipóteses é um aspecto fundamental da elaboração da investigação científica, e eventualmente deve deixar de lado o viés criativo. No entanto, é neste momento que o pensamento criativo do investigador pode se tornar mais útil, utilizando-se de analogias ao buscar similaridades entre fenômenos correlacionados, tornando possível a formulação de uma ideia original, que será testada para que se confirme ou refute sua validade. Podemos assumir que as leis científicas se tratam de hipóteses generalizantes que passaram pelo crivo do teste, recebendo confirmação experimental de descrições de inter-relações e regularidades detectadas nos fenômenos estudados. As leis generalizantes acopladas a condições definidas, podem gerar explicações e previsões cientificamente embasadas, as quais se apoiam elas mesmas em leis gerais combinadas a circunstâncias determinadas que se ligam aos fatos estudados. Após seguir todo este processo, pode-se propor uma teoria científica, que consiste na interligação de regras, proposições hipotéticas, definições e conceitualizações relacionadas e coesas. As teorias proposições explicativas mais abrangentes e amplas que as leis que nela se integram, adequando-se à conjuntura e se sujeitando à reavaliação e remodelamento, admitindo substituições por outros enquadramentos teóricos que sejam mais adequados à realidade observada. A teoria científica inédita preocupa-se com objetos e mecanismos ainda pouco compreendidos. A teoria apresenta-se, então, como representação esquematizada e hipotética de algo que supomos real. No entanto, para garantir que essas representações sejam confiáveis, deve-se ter a objetividade como pressuposto de investigação e elaboração teórica, baseando-se na disponibilidade dos resultados através da publicação de hipóteses para que se submetam à avaliação crítica pela comunidade científica. As teorias devem ainda ser formuladas de modo a possibilitar os testes e confirmações experimentais, através da experimentação controlada e da possibilidade de repetição dos testes por outros cientistas da área. 4. Pesquisa Científica e Conhecimento A curiosidade é o principal fator que rege o impulso investigativo nos seres humanos, sendo a pesquisa científica o meio mais confiável de se apropriar dos saberes, satisfazendo a curiosidade e as necessidades por vezes prementes do pesquisador e seu entorno. Sendo assim, a pesquisa se define como uma atividade de proveito conjuntural ou perene, inserindo-se em um campo de memória compartilhado, do qual podem sobressair linhas de pensamento específicas. É necessário que se ressalte a contextualização social da pesquisa, além do pertencimento do cientista a uma determinada sociedade, com sua visão de mundo específica, que determina interesses próprios os quais acabam por conferir à pesquisa um caráter também político. Não se pode realizar pesquisa fora do âmbito social, sendo impossível que esteja isolada da realidade conjuntural do pesquisador, sempre atrelada às suas ações, mas que pode e deve ser utilizada como ferramenta de elaboração aprofundada da investigação. Neste sentido, o senso comum pode ser eventualmente valorizado na proposição de problemas iniciais que possam ser posteriormente investigados por uma metodologia científica complexa. A investigação relacionada com os fenômenos do campo social, demonstra que esta área de conhecimento não deve ser abordada através da simples análise impessoal, visto ser impossível isolar as variáveis sociais que influenciam o exercício da ciência e a vida e visão de mundo dos cientistas em particular. Interrogando a memória teórica registrada nos anais científicos, podese elaborar os saberes adequados à realidade que se quer conhecer. A pesquisa muitas vezes revela conhecimentos de ordem específica, os quais sempre trazem inevitavelmente as características particulares do cientista, principalmente no que tange à sua filiação metafísica, com sua consequente visão de mundo, além de sua atuação social, sempre política, de uma forma ou de outra. Deste modo, devemos reconhecer que a pesquisa científica é sempre um ato político, sendo impossível diferenciar totalmente o objeto pesquisado em si, das abordagens e visões parciais dos pesquisadores. A pesquisa pressupõe um problema a ser resolvido, ou uma pergunta a ser respondida, sendo que o pressuposto do cientista sobre o que seja a Ciência,sempre vai influenciar tanto na escolha do objeto pesquisado como na abordagem investigativa. Ainda assim, a investigação científica não recomeça sempre do nada, mas se apoia sobre a memória científica acumulada para propor extensões do conhecimento sob outros pontos de vista. A partir dessas premissas, podemos observar que fazer pesquisa não envolve unicamente coletar dados, mas principalmente analisar esses dados sob a ótica de uma teoria e um método já formulados ou ainda por formular, demonstrando a inter-relação orgânica entre a questão que se formulou e o objeto pesquisado. As problematizações, em pesquisa científica, surgem normalmente sob a influência de um grupo determinado de teorias científicas que atuam como o alicerce de toda a investigação. Portanto, formular e resolver problemas científicos só poderá ser feito adequadamente pelo cientista que domina as teorias científicas vigentes em seu campo de conhecimentos. A necessidade da pesquisa científica costuma acompanhar a consciência que se tem de um determinado problema, cuja resolução nos impele a investigar. A pergunta feita, que acarreta a necessidade de uma solução, perfaz a base funcional da investigação, que nada mais é que averiguação metódica e minuciosa da realidade que se coloca ao observador, a fim de elaborar leis e princípios que se relacionem com um campo determinado de conhecimento. O ser humano se relaciona com seu meio a partir de sua memória de conhecimentos acumulados, sejam eles empíricos ou científicos. Assim, para conhecer para além da experiência imediata é necessária a sistematização das abordagens práticas experimentais da pesquisa. Sendo assim, não se pode chamar de pesquisa científica qualquer indagação empírica, ou relacionar pesquisa científica com trabalhos escolares determinados pelos docentes no ensino fundamental e médio, ou mesmo às enquetes de opinião, que ainda que possam funcionar como ferramentas metodológicas, não constituem a pesquisa científica em si. A pesquisa só existe realmente quando há um problema definido para ser examinado, avaliado e criticamente analisado, para que se possam propor soluções ou respostas viáveis. Sendo assim, o primeiro movimento da pesquisa científica deve ser o de definir e delimitar o objeto de estudo e o problema relacionado a ele em relação aos temas que se quer abordar. Esta delimitação é uma tendência humana, seja ela proveniente do senso comum ou das abordagens metodológicas científicas. Perante esta necessidade, são elaboradas maneiras diversas de conhecer e abordar a realidade. Desse modo, um dos grandes debates referentes ao modo de se proceder em uma investigação, ocorre devido à confusão entre os termos pesquisa, metodologia e procedimentos metodológicos, o que por vezes acarreta disputas superficiais e inúteis, como as que comparam a validade das abordagens qualitativas e quantitativas, as quais são normalmente complementares, deixando de lado questões mais básicas. Na realidade, este tipo de debate acaba contribuindo mais para obscurecer o tema pesquisado do que para o esclarecer. A crença na oposição entre as abordagens metodológicas, na realidade, demonstra uma falta de aprofundamento em relação aos saberes do tema pesquisado. Podemos dizer que o conflito entre tendências metodológicas não corresponde à realidade, visto que os problemas ocorrem muito mais em função da carência de fundamentação teórica por parte de muitos cientistas, que exploram seus temas superficialmente. Assim, as diferentes técnicas de pesquisa devem adequar a formulação do problema e a coleta de informações necessárias para a completude da investigação, sendo que o desprezo aos métodos quantitativos, principalmente nas ciências humanas, é totalmente contraproducente, visto que eles são não apenas úteis, mas indispensáveis a qualquer pesquisa científica séria. É necessário, assim, revisar as bases sobre as quais se apoiam os debates sobre as tendências metodológicas, os quais necessitam de uma orientação que ultrapasse o nível elementar de divergências sem sentido. O debate entre tendências metodológicas ultrapassa a discussão superficial, resgatando as questões básicas que se referem à produção dos saberes científicos, descartando a falsa dualidade técnica, que reduz a ação do cientista ao simples tecnicismo. Deve-se, ao contrário, analisar em profundidade os sujeitos que vão gerar o conhecimento científico e quais os beneficiários desse conhecimento. Explicitar a função da pesquisa e a postura do pesquisador frente ao problema proposto, pode ser mais importante do que simplesmente discutir as técnicas investigativas, para inserir a pesquisa na problemática social, política e filosófica presente naquele momento. 5. Pressupostos Teóricos e Metodológicos da Pesquisa Científica Se a pesquisa científica reflete inevitavelmente a visão de mundo e as experiências pessoais do cientista, bem como os paradigmas metodológicos que segue, não é possível e nem saudável esperar uniformidade nas produções dos diversos pesquisadores. Encontraremos sempre e necessariamente paradigmas epistemológicos diversos. Vamos abordar dois desses paradigmas que muito influenciaram, e influenciam, a produção científica mundial: o paradigma positivista e o paradigma fenomenológico, os quais abrangem razoavelmente as correntes de pensamento que permeiam a ciência. Obviamente não pretendemos aqui fazer uma classificação exaustiva dessas correntes, mas apenas apresentar dois exemplos que podem demonstrar de que maneira as concepções filosóficas e metodológica prévias podem influenciar o trabalho do cientista. Se considerarmos a ciência como a sistematização que ocorre na relação de conhecimento entre um pesquisador e seu objeto de análise, tornase necessário explicitar o gradiente de relações entre estes dois polos da pesquisa científica. Abordar a questão da objetividade e da subjetividade da pesquisa é reconhecer sua dimensão política, sem, no entanto, enveredar pela limitação dos caminhos da ciência com base em visões estreitas e interesses parciais classistas, os quais desde sempre sufocaram a curiosidade e a sede de conhecimentos dos seres humanos. 6. Paradigma Positivista Os séculos XVIII e XIX foram palco de mudanças radicais nas abordagens do conhecimento científico. O predomínio da burguesia mercantil e da industrialização determinaram uma reestruturação da visão de mundo e consequentemente das relações entre os seres humanos e os “objetos” do conhecimento. É neste quadro de reestruturação e consolidação da burguesia industrial no poder político que surge a visão positivista, a qual rapidamente alcançou sucesso por legitimar o Estado segundo os moldes do industrialismo. O Positivismo, no entanto, representou uma ruptura coma as concepções metafísicas prévias de base religiosa, rejeitando os paradigmas anteriores e lançando novas bases para a produção de conhecimentos. Augusto Comte, foi o principal difusor do Positivismo na França, rejeitando os preceitos metafísicos tradicionais e valorizando a experiência positiva e o “fato” estabelecido por uma “prova”, aplicando estes paradigmas mesmo para os estudos em ciências humanas, onde acabou por estabelecer uma polêmica espécie de “religião científica”. De acordo com Augusto Comte Segundo Comte, a certeza sensível, sistemática e metódica é que permite a correta avaliação dos fenômenos analisados. Estes fenômenos seriam regidos por “princípios” que permitiriam a interconexão dos fenômenos aleatoriamente observados, assim, a investigação deve se voltar para a determinação das leis de inter-relação entre os objetos observados, prevendo e controlando os fenômenos para que se possa construir a utópica “sociedade Positiva”. Assim, o modelo metafísico positivista procurava se embasar nas ciências naturaise no denominado “método empírico-analítico”, que teoricamente deve seguir os parâmetros de neutralidade do observador e objetividade da observação, excluindo os juízos de valor. O Positivismo, ao buscar a neutralidade e objetividade da pesquisa, acaba por utilizar técnicas de coleta, tratamento e análise de informações majoritariamente quantitativos, utilizando sistemas métricos minuciosos e cálculos de estatística. Há padronização da coleta de dados, com categorias fechadas que possibilitam a apresentação de informações de maneira objetiva, utilizando-se de gráficos, tabelas, perfis e outros recursos de tabulação de dados. O método positivista aborda seus temas definindo as variáveis e as facetas e funções dos objetos, utilizando o conceito de causa como base teórica. Esta relação de causa deve ser demonstrada no experimento, com a organização sistematizada dos dados observados, dando prioridade para as análises estatísticas e teóricas. A base da Ciência, para o Positivismo, passa a ser a determinação das causas dos fenômenos e a descrição explicativa dos fatos através de seus condicionantes e antecedentes, sendo que o próprio objeto que se mostra ao escrutínio do cientista, constitui toda a fonte do conhecimento. Ao estabelecer critérios e métodos rigorosos, o paradigma positivista busca a objetividade, em que os cientistas devem assumir uma posição de pretensa neutralidade, não permitindo, na medida do possível, que suas interpretações e valores sejam fatores determinantes no processo e resultados de sua pesquisa. O procedimento experimental e a análise estatística dos dados procuram apresentar uma racionalidade intrínseca, organizando sistematicamente as variáveis e determinando as causas finais de produção dos fatos, através do raciocínio hipotético-dedutivo, fundamentado na percepção sensorial e no registro metódico das observações empíricas, utilizando sempre que possível a demonstração matemática. 7. Paradigma Fenomenológico O estudo dos “fenômenos”, ou aquilo que é possível apreender com a consciência, é designado como Fenomenologia. Trata-se de explorar as relações que conectam o fenômeno com o Eu para quem o fenômeno se apresenta, além de procurar detectar as relações dos fenômenos com seu próprio ser incognoscível. Nas pesquisas de abordagem fenomenológica, o pesquisador se baseia no entendimento dos fenômenos de acordo com suas diferentes manifestações, consciente de que sua abordagem é proveniente de de uma estrutura cognitiva determinada e procurando sempre explicitar seu pressupostos e paradigmas de trabalho, separando-os analiticamente dos mecanismos não aparentes que são a causa fundamental dos fenômenos. A assimilação do conhecimento é realizada a partir da internalização do significado dos fenômenos em um Eu sempre presente e distinto deste, ou seja, o fenômeno abordado em sua relação com o Eu. Fica impossível, assim, analisar os fenômenos de isoladamente, visto que só estão em condições de possibilidade quando vistos a partir de uma perspectiva de totalidade. O método fenomenológico baseia-se, assim, na interpretação como meio de apreender o significado do fenômeno, colocando-se na posição intermediária entre sujeito e objeto e considerando sempre a dualidade complementar eu/fenômeno. A fenomenologia coloca-se em posição crítica frente às abordagens experimentalistas/positivistas, desvalorizando a metodologia quantitativa e as proposições puramente técnicas, considerando que esta forma de abordagem não leva em conta as ideologias que se encontram na base dos fenômenos, visto que este não está nunca dissociado do Eu do pesquisador. Assim, a fenomenologia prioriza a explicitação dos pressupostos intrínsecos aos textos científicos, utilizando-se de abordagens não quantitativas, tais como entrevistas, narrações de vivências e análise de discurso. A Fenomenologia exalta o potencial interpretativo e reflexivo do pesquisador sobre o fenômeno analisado em sua pesquisa. Compreende os fenômenos em suas manifestações diversas, procurando deslindar seus mecanismos intrínsecos. O sujeito se torna, assim, um fator básico para a compreensão interpretativa do objeto, efetuada metodicamente na passagem da experiência fenomênica até o desvendamento dos mecanismos essenciais, efetuado pela explicitação dos fatores intrínsecos ao fenômeno. Deste modo, o método fenomenológico, em sua crítica às metodologias experimentalistas, coloca-se de modo alternativo na abordagem ao conhecimento, ancorando-se em uma visão existencialista do ser humano, visto como ser incompleto e relacionado ao todo, possuindo o dom da interpretação que explica o fenômeno, expondo sua essência. 8. Validação de Trabalhos Científicos Estabelecer quando são válidos os resultados de uma pesquisa científica, é um procedimento que passa naturalmente pela precisão dos pressupostos teórico-metodológicos, os quais vão determinar a adequação da aplicação das diversas técnicas que compõem o repertório do cientista, previamente explicitado, para executar sua pesquisa. A ética é também um ponto fundamental como critério de validade de uma pesquisa, que não será reconhecida na medida em que extrapolar as regras e pressupostos morais implícitos na atividade científica. O controle metodológico deve sempre ser complementado pelo controle ético da pesquisa, sendo que os pesquisadores devem direcionar seus esforços no sentido da avaliação constante e retificação eventualmente necessária dos procedimentos normativos que regem toda pesquisa de cunho científico. As exigências que se associam ao processo normativo da pesquisa é que vão definir o enquadramento das ações do cientista, proporcionando legalidade e aval social para a execução da metodologia. Entretanto, deve-se ficar atento para que as normas não determinem o viés de observação do cientista, contaminando a descrição dos processos observados. Ou seja, ainda que a pesquisa não deva submeter seu aspecto interpretativo às exigências da norma, é necessário levar em conta que o conhecimento científico não deve adquirir caráter hermético e alienado, ficando restrito a um círculo fechado de “iniciados” acadêmicos que se reservam o direito de transgredir a normatividade funcional e utilitária da pesquisa, sendo que esta deve sempre se submeter ao crivo da normatividade social e ética através da transparência na apresentação dos fatos e na acessibilidade e reprodutibilidade dos resultados. Não há dúvida de que os limites éticos são um tanto tênues e convencionais, mas o controle ético deve ser sempre parte integrante da própria composição do projeto de pesquisa científica. Não se deve perder de vista, no entanto, que o processo de pesquisa pode ser prazeroso e artesanal, na medida em que incorpora sempre um componente lúdico de desafio e inovação, que pode ser apreciado pelo cientista dentro dos limites das convenções básicas de seu meio social e da regulamentação jurídica a que está sujeito. 9. Ética em Pesquisa A pesquisa científica usualmente se constitui a partir de um problema ou uma pergunta, constituindo um processo de questionamento sistemático e de busca de respostas adequadas e satisfatórias que possam exercer algum sentido prático. Mas, além disso, a pesquisa consiste na aplicação de métodos específicos de investigação, utilizando procedimentos científicos para chegar a conclusões satisfatórias. Desse modo, atuar cientificamente sem avaliar se a questão pesquisada é relevante para a sociedade e a comunidade científica como um todo, é de fundamental importância para que o cientista não se transforme em simples desperdiçador de recursos, sem o comprometimento com a melhoria de seu entorno, possibilitando inovações que possuam interesse social e profissional. Rigor, ética, procedimentos metodológicos e matrizes teóricas específicas, sãoos critérios básicos de realização de uma pesquisa científica, normalmente desenvolvida por cientistas de diversas áreas do conhecimento, os quais tem interesse em investigar, de forma aprofundada e sistemática, assuntos que sejam relevantes para responder questões prementes ao contexto profissional das diversas áreas de atuação humana. É comum que as pesquisas científicas estejam ligadas a instituições acadêmicas, mas hoje em dia a pesquisa científica industrial representa também uma porção relevante da produção de conhecimento científico em nossa sociedade. A pesquisa científica pode pautar-se pelas demandas do cotidiano, sendo que suas conclusões poderão alterar rotinas profissionais, sugerindo modificações contextuais e de fluxo, seja em instituições acadêmicas ou industriais/comerciais. Ainda assim, não podemos descartar a necessidade da chamada “pesquisa básica”, a qual costuma investigar temas específicos que, muitas vezes, estão desvinculados de uma aplicabilidade prática imediata. O bom senso deve reger as escolhas do pesquisador quanto aos temas que irá pesquisar. Por vezes, uma questão aparentemente sem vínculo prático, acaba por desvendar questões que se colocam como ferramentas importantes no desenvolvimento de novas tecnologias e procedimentos, os quais podem ter influência profunda na dinâmica social, sem que estas consequências tenham sido previstas quando da realização da pesquisa. A investigação básica especulativa está no limite entre a funcionalidade e aplicabilidade social da ciência e apura especulação pessoa e alienada do cientista. Definir a relevância de um trabalho científico e adequá-lo às normas éticas vigentes deve ser fruto de aprofundada reflexão por parte do pesquisador, que deve sempre elaborar seus projetos através do diálogo com seus pares, estando permeável às opiniões e recomendações dos profissionais da área em que trabalha. Bibliografia – Literatura Complementar CERVO, Amado Luiz, BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Makron, 1985. 250 p. GAMBOA, S. A. S. A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto. IN: FAZENDA, I. (ORG.) Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. GOMES, Alberto Albuquerque. Considerações sobre a Pesquisa Científica: em busca de caminhos para a pesquisa científica. Disponível em: http://www.fct.unesp.br/Home/Departamentos/Educacao/AlbertoGomes/aula_c o nsideracoes-sobre-a-pesquisa.pdf LUDKE, M. & ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.
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