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Saúde mental e capacidade civil

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Autonomia existencial do paciente psiquiátrico usuário de drogas e a
política de saúde mental brasileira1
Joyceane Bezerra de Menezes
Júlia d’Alge Mont’Alverne Barreto
Maria Yannie Araújo Mota
 
Resumo: Este artigo analisa a necessidade de se garantir ao usuário de drogas, pessoa em
sofrimento psíquico, o respeito a sua capacidade decisional, de acordo com o que prescreve a Lei de
Saúde Mental brasileira. A dependência química, por si só, não retira a possibilidade de
discernimento da pessoa e sua capacidade jurídica, razão pela qual, em respeito a sua autonomia
não se pode lhe impor um tratamento. Mesmo que sofra perda temporária e relativa do
discernimento, deve ter respeitada a autonomia que se restabelece com o passar dos efeitos da
substância que utiliza. Assim, quando estiver de posse do juízo crítico, deve ser consultada sobre
seu interesse em aderir à terapêutica sugerida. Se o tratamento emergencial lhe foi prescrito pelo
médico, sem o seu consentimento, no instante da crise, tão logo reestabeleça a sua capacidade
decisional, deverá ser respeitada quanto ao interesse de continuar com o tratamento. Até quando
praticar atos acráticos, o sujeito deve ter garantida a faculdade de responder pela própria vida.
Palavras­Chave: Autonomia. Capacidade civil. Política de Saúde Mental brasileira. Toxicômano.
Sumário: Introdução – 1 Política de Saúde Mental brasileira e as internações psiquiátricas – 2
Regime de incapacidade civil e a situação do toxicômano – 3 Autonomia existencial do drogadito –
Conclusão
Introdução
O presente artigo analisa a reforma psiquiátrica, cotejando a imprescindibilidade de se respeitarem
a autonomia do paciente drogadito, de acordo com o maior ou menor grau de discernimento, ao
lhes garantir a atenção especial em saúde.
Por meio da Lei nº 10.216/2001 consolidou­se, no Brasil, a reforma psiquiátrica que inaugurou
uma sistemática de atenção em saúde mental pautada no tratamento humanizado, extra­
hospitalar, voltado para o equilíbrio e reinserção social da pessoa em sofrimento psíquico.
Estabeleceu o fim do tratamento manicomial, preconizando uma atenção multidisciplinar na qual a
internação psiquiátrica constitui alternativa subsidiária, in extremis e voltada apenas para a
estabilização do paciente. Embora a rede de saúde mental brasileira já viesse apresentando os
ajustes propostos pelo movimento de reforma que se expandia pelo mundo ocidental e já tinha
previsão específica em documentos internacionais, como a Declaração de Caracas,1 a  Le i  de
Reforma Psiquiátrica (LRP) constituiu um marco formal para as políticas públicas do país em
matéria de saúde.
Sob a influência dos direitos humanos reconhecidos ao paciente psiquiátrico, a capacidade
decisional da pessoa passa a ter maior destaque. As pessoas que sofrem drogadição, igualmente
consideradas pacientes psiquiátricos, devem ter a sua capacidade respeitada. Desse modo, na
medida em que preservarem o seu discernimento, podem decidir sobre a possibilidade de se
submeterem ou não ao tratamento específico. A rede de atenção em saúde mental constitui­se
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primordialmente de equipamentos extra­hospitalares: Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) (com
foco específico em álcool e outras drogas), Residências Terapêuticas, entre outros. Os leitos
psiquiátricos foram reduzidos, exatamente pela primazia que se deu ao tratamento extra­
hospitalar. Porém, surgiram as comunidades terapêuticas, que são instituições privadas, sem fins
lucrativos, financiadas, em parte, pelo poder público e que oferecem, gratuitamente, acolhimento
para pessoas com transtornos decorrentes da dependência química.
Em todo caso, o plano terapêutico ao qual a pessoa será submetida dependerá de seu próprio
assentimento. Exceto nos casos de internação psiquiátrica involuntária ou internação psiquiátrica
compulsória é que a pessoa poderá ser contristada ao tratamento contra a sua vontade. Porém,
esses casos são regulados por lei e aplicáveis em condições extremadas.
Os efeitos das drogas sobre a pessoa podem ser nefastos para ela própria, para a família e para a
comunidade. Em razão disso, há um clamor social pelo tratamento compulsório ou involuntário que
envolva, inclusive, a internação. Esse tem sido um dos conflitos corriqueiros: o choque entre a
autonomia do drogadito e o desejo da família e da sociedade. A despeito dos inconvenientes e
dissabores que a convivência com o drogadito pode trazer para a família, a autonomia do sujeito
não pode ser ceifada. Há que se conciliar o tratamento com a autonomia volitiva da pessoa
adoecida, a fim de que não apenas a sua integridade seja preservada, como também o próprio
tratamento possa prosperar com algum êxito.
Para avaliar a extensão da autonomia do sujeito no âmbito da atenção em saúde mental, o
trabalho se subdividirá em três tópicos: o primeiro intitulado: “Política de Saúde Mental brasileira e
as internações psiquiátricas”, em que se abordarão as principais diretrizes da Lei nº 10.216/2001 e
a sua correlação com os princípios constitucionais; o segundo: “Regime de incapacidade civil e a
situação do toxicômano”, em que se verificará o reconhecimento da capacidade jurídica do
drogadito e as possibilidades de sua limitação; o terceiro e último tópico, sob o título: “Autonomia
Existencial do drogadito”, em que trarão as considerações sobre a necessidade de se garantir o
direito de autodeterminação ao usuário de drogas no sistema de atenção em saúde, em razão da
sua dignidade e dos direitos de personalidade.
No que concerne à metodologia utilizada, frisa­se que a pesquisa é do tipo qualitativa, cujo foco da
análise se assentou nas fontes bibliográficas, documentais e jurisprudenciais.
1  Política de Saúde Mental brasileira e as internações psiquiátricas
A loucura foi objeto de estudo por várias sociedades ao longo da existência humana. A ausência de
discernimento e de amarras sociais sempre despertou a curiosidade e o medo das pessoas, de sorte
que a preocupação com os distúrbios psíquicos não se restringiu apenas à ciência, mas alcançou
também a religião e o imaginário popular. Por muito tempo, achou­se que o transtorno mental
estava associado ao castigo divino ou aos pactos com entidades do mal, de modo que a loucura era
vista como algo repugnante e que as pessoas acometidas por problemas desta ordem não
mereciam compaixão, deveriam ser submetidas a torturas e a tratamentos degradantes (BOMFIM,
2005).
Apesar de esta concepção datar do medievo, esta forma de encarar a loucura se prolongou até
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pouco tempo atrás. No Brasil, no início do novo milênio, ainda se podia encontrar instituições
psiquiátricas com caraterísticas asilares, ultrajantes à condição de qualquer ser humano.2
Pacientes psiquiátricos tratados como presos, reclusos em salas frias, fétidas, sem condições de
higiene, deixados nestes estabelecimentos ad aeternum, pois nem a família, nem o Estado tinham
interesse de reinseri­los à sociedade (BASAGLIA, 1985).
Não obstante, a despeito da triste realidade a que os pacientes psiquiátricos foram longamente
submetidos, o advento da reforma psiquiátrica propulsionou grandes alterações no que concerne ao
tratamento em saúde mental. O modelo manicomial, hospitalocêntrico, deu lugar ao chamado
modelo assistencial multidisciplinar em saúde, respeitando a convivência familiar e comunitária. A
internação, que antes era utilizada de modo indiscriminado, passou a seguir um protocolo
específico, devendo ser a última opção de tratamento. Tanto é verdade que o país inaugurou um
período de desinstitucionalização da loucura, com uma redução considerável dos leitos destinados
às internações psiquiátricas.
No Brasil, o movimento contra o sistema manicomial ganhou força em meadosda década de 1970
devido à mobilização dos profissionais da saúde mental que lançavam um novo olhar para a
loucura e propunham um tratamento baseado na reinserção social e no tratamento humanitário.
Em 1989, chegou ao Congresso Nacional o projeto de Lei nº 3.657/89, de autoria do Deputado
Paulo Delgado (PT/MG). Alvo de inúmeras críticas, o projeto de lei tramitou por doze anos no
Congresso Nacional, sendo aprovado apenas em março de 2001 a Lei nº 10.216/01, com o
conteúdo originário bastante alterado. A esse tempo, leis estaduais e normas jurídicas secundárias
já haviam implantado uma atenção extra­hospitalar no âmbito da saúde mental. Prioriza­se o
tratamento extra­hospitalar, uma atenção multiprofissional, inclusiva, com a participação da
comunidade e da família, sendo a internação uma medida extrema e subsidiária. Para consolidar as
mudanças no setor foi sancionada em 6 de abril de 2001 a Lei nº 10.216, estabelecendo em seu
preâmbulo que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. De modo a atender os direitos
humanos e fundamentais da pessoa sob sofrimento psíquico, enumera, em seu art. 2º, que a
pessoa portadora de transtorno mental tem direito de ser tratada com humanidade, respeito, ter
acesso ao melhor tratamento (preferencialmente em serviços comunitários), sigilo nas
informações, entre outros. Ao lado desses direitos, reitera que o tratamento seja acompanhado
pela família e que tenha como finalidade a reinserção social.
A nova Política de Saúde Mental Brasileira vem atender a um anseio social, reconhecendo que o
transtorno e o sofrimento psíquico afetam significativa parcela da população. Seja em razão do
estrese provocado pela rotina atribulada, seja pelo vício em bebidas ou em substâncias
entorpecentes ou, ainda, por uma experiência traumática, muitas pessoas desenvolvem algum tipo
de transtorno que afeta a sua sociabilidade e condições de existência plena.
Não obstante, a pessoa acometida por alguma perturbação psíquica pode apresentar algum nível de
comprometimento mental: brando, moderado ou elevado. Mas não necessariamente esse
comprometimento afetará significativamente a sua vida de relação em família e na comunidade, ou
mesmo, a sua capacidade decisional. Podem perseverar na vida comunitária e familiar mesmo
quando estiverem realizando um tratamento específico. A convivência nesses casos pode ser ainda
mais salutar do que o isolamento. Em vista disso, percebeu­se os limites da internação como
alternativa prioritária de tratamento. Para cada caso, o tratamento deve ser específico. Não sem
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razão, a pessoa que procura um Centro de Atenção Psicossocial ­ Álcool e Droga recebe um plano
de atenção terapêutico adequado às suas próprias necessidades.
Importante destacar que antes do advento da Lei nº 10.216/2001, muitos toxicômanos eram
internados involuntariamente em clínicas especializadas em reabilitação e lá eram esquecidos, sem
qualquer preocupação de inseri­los à sociedade. O que se via era a internação forçada, muitas
vezes ordenada pela própria família do dependente químico, dada a incapacidade dos parentes de
conviverem com o drogadito. No contexto da Lei nº 10.216/2001, cujo principal objetivo é o de
garantir a proteção e a efetivação dos direitos das pessoas com transtornos mentais, a internação
não pode mais ser considerada uma forma de a família ou a comunidade se livrar da pessoa. Na
forma do artigo 4º, caput e parágrafo primeiro, da LRP, “a internação, em qualquer de suas
modalidades, só será indicada quando os recursos extra­hospitalares se mostrarem insuficientes” e
que “o tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu
meio”.
No tocante ao uso do crack, umas das substâncias tóxicas mais devastadoras e de maior
popularidade no Brasil, feita a partir da mistura da pasta da cocaína com o bicarbonato de sódio, a
preocupação social é geral em virtude de já se configurar uma epidemia. Tramita no Congresso
Nacional o Projeto de Lei nº 7663/2010, de autoria do Deputado Federal Osmar Terra (PMDB/RS),3
com a proposta melhorar a estrutura do atendimento aos usuários de drogas e às suas famílias e
ampliar o rigor no enfrentamento de crimes que envolvem o tráfico de drogas com alto poder de
dependência, como o crack. O projeto de lei propõe, inclusive, alternações em alguns dispositivos
da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas).
O projeto prevê a alteração do artigo 28, da Lei nº 11.343/2006, parágrafo oitavo, que passaria a
ter a seguinte redação: “O juiz determinará ao Poder Público, a seu critério, a imediata internação
do usuário do entorpecente denominado crack para tratamento especializado de recuperação.” Na
justificativa do autor do projeto, o autor assim dispõe:
O entorpecente conhecido como crack apresenta um potencial de dependência mais virulento e
rápido do qualquer outro tipo de droga. Além de provocar efeitos danosos e quase sempre
irreversíveis à saúde física e mental do viciado, a droga também é responsável pela
desestruturação de famílias e por um infindável número de crimes associados, como assaltos,
estupros e assassinatos. Ao ser consumida, a droga chega quase instantaneamente à corrente
sanguínea e ao cérebro. Entretanto, por ter curta duração, seu efeito exige do drogado a
constante alimentação, o que o transforma num escravo do vício. A relação é tão grande e
desastrosa que obriga o viciado a usar a droga a cada dez ou quinze minutos, destruindo de
vez suas relações afetivas, familiares e sociais. A expectativa de vida do consumidor de crack é
reduzidíssima, não ultrapassando cinco anos, contados a partir da primeira experiência
maléfica. Além da violência de que é vítima, o viciado sucumbe à própria droga, que se
encarrega de dar fim à vida A presente proposição tem o escopo de modificar essa triste
realidade, ao dar uma oportunidade de tratamento imediato ao jovem que se embrenhou neste
mundo de trevas. Nas ocasiões devidas, cabe ao juiz avaliar a gravidade da situação e exigir do
Poder Público, quando assim entender, que dê ao viciado um acolhimento rápido em uma
instituição especializada em atender aos vitimados pelas drogas.
Diante da proposta de redação conferida ao novo parágrafo oitavo sob comento, observa­se que
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incumbe ao juiz, mediante livre apreciação, a decisão de internar ou não o usuário de crack,
independente da vontade do toxicômano. Tal disposição afrontaria a principiologia da reforma
psiquiátrica brasileira, pois culminaria no cerceamento da liberdade e da volição do usuário. Cabe
avaliar a sua adequação aos direitos humanos que hoje integram o bloco de constitucionalidade.
Em relação ao tratamento conferido ao toxicômano pela legislação brasileira, tem­se que o Código
Civil, por sua vez, prevê em seu artigo 4º, inciso II, que, dentre outros, “são incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercerem”. Essa classificação foi mantida pela da
Lei nº 13.146, em 06 de julho de 2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que alterou alguns
dispositivos do Código Civil pertinentes ao regime das incapacidades. A lei garante os direitos da
pessoa com deficiência em condições de igualdade com as demais, o que destaca a sua autonomia e
capacidade legal, a depender do discernimento que apresenta e não do diagnóstico médico que lhe
é conferido.
Contudo, em seu artigo 114, a Lei nº 13.146/2015 manteve os toxicômanos como relativamente
incapazes, incluindo­os todos num mesmo grupo. É sabido que há de ser levado em consideração o
fato de que a drogadição, por si só, não é suficiente para caracterizar a incapacidade do usuário,
mas tão somente para pleitear a sua interdiçãoperante o Poder Judiciário, ocasião na qual o
magistrado fixará os limites da sujeição do interditando à curatela.
Assim, uma vez determinada judicialmente a existência do discernimento necessário para a prática
de atos da vida civil, não há razão para classificar o toxicômano como relativamente incapaz,
situação na qual observa­se verdadeiro contrassenso entre o Código Civil e a Lei nº 10.216/2001,
pois o usuário deve ser tratado como capaz, de modo a fazer valer a autonomia de sua vontade em
relação ao tratamento a ser realizado ou à ausência deste.
1.1 Espécies de internações psiquiátricas
Importante destacar as três modalidades de internações descritas pela Política de Saúde Mental
brasileira. Ressalta­se que cada internação corresponde a uma situação ético­legal vivenciada pelo
paciente psiquiátrico. Assim, as internações se dividem em: voluntária, involuntária e compulsória.
A primeira ocorre quando o paciente concorda com a internação, manifestando seu interesse pelo
tratamento. A segunda se dá quando o paciente não consente a internação, sendo esta solicitada
pelo médico ou pela família. E, por fim, a compulsória ocorre quando a internação é determinada
pelo Poder Judiciário.
Tanto a internação voluntária quanto a internação involuntária exigem a prescrição por médico
registrado no Conselho Regional de Medicina do Estado onde se situa o estabelecimento hospitalar.
A internação psiquiátrica voluntária depende da declaração assinada pelo paciente no ato de sua
admissão na unidade de saúde. Nesta, deve constar a opção pela referida modalidade de
tratamento. O término da internação se dará por solicitação do paciente, conforme estabelece o
art. 7º da Lei nº 10.216/2001. Contudo, se ao longo do tratamento, o médico perceber a
necessidade de manutenção da internação, uma vez diagnosticado o prejuízo do sistema volitivo do
paciente, a internação voluntária pode se converter em involuntária. Esta última, por sua vez,
merece destaque neste estudo, já que implica medida de exceção, ocorrendo à revelia do paciente.
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A fim de evitar que se converta em medida de segregação social, a internação involuntária
somente pode ser aplicada mediante o atendimento de certas condições legais, conforme narrado.
Deve ser prescrita por um médico devidamente registrado no Controle Regional de Medicina (CRM)
e ainda sujeita ao controle institucional pelo Ministério Público e pelas Comissões Revisoras de
Internações Psiquiátricas Involuntárias (CRIPIs), órgãos que serão notificados no prazo de até 72
(setenta e duas) horas do início da internação e da respectiva alta.
1.2 Direitos das pessoas em sofrimento psíquico
Para atingir o fim que objetiva, a LEI enumera, em seu artigo 2º, parágrafo único, os direitos
inerentes à pessoa portadora de transtorno mental, estabelecendo, ainda, que no início do
atendimento, seja qual for a natureza da doença psíquica, o paciente e os seus familiares serão
formalmente comunicados sobre os direitos elencados no artigo.
É certo ainda que o paciente psiquiátrico tem proteção contra qualquer abuso ou exploração, o
livre acesso aos meios de comunicação disponíveis, o tratamento em ambiente terapêutico pelos
meios menos invasivos possíveis e a preferência por tratamentos em serviços comunitários de
saúde mental. Por meio de análise acerca dos direitos, percebe­se o intuito da lei de não afastar o
paciente da comunidade, mas, ao contrário, promover a manutenção de um contato entre o
paciente e seus familiares e também entre pacientes que se encontram em situação semelhante.
Na orientação de Ronaldo Laranjeira (2013), um dos psiquiatras brasileiros favoráveis à internação
como parte da desintoxicação do dependente, o tratamento não se resume a abordagem hospitalar.
Como uma das etapas do tratamento, a internação não deve, segundo ele, ultrapassar dois meses.
Após este período, o paciente passa a ser submetido a tratamento ambulatorial, que requer
assistência médica, psicológica e social.
Reitera­se que o afastamento do dependente químico do convívio social não pode ser uma medida­
fim, mas sim medida­meio, cuja finalidade precípua é a promoção da sua saúde. Destacando,
ainda, que o tratamento não será exitoso sem um apoio integral e multidisciplinar, capaz de
oferecer a assistência social, psicológica e ocupacional necessárias. Ademais, conforme já referido,
a constrição à liberdade para tratamento de saúde somente terá validade no plano jurídico quando
respeitadas as exigências legais que foram estabelecidas para evitar a repetição dos prejuízos que
o alijamento manicomial já provocou na vida de muitas pessoas.
2  Regime de incapacidade civil e a situação do toxicômano
Entendendo que o usuário de droga, a depender do nível de comprometimento cognitivo, pode ser
submetido a tratamento de saúde à sua revelia, importante compreender também a consequência
jurídica que advém da perda do discernimento pelo toxicômano.
Sabe­se que é assegurada à pessoa, desde o nascimento, a capacidade de gozo, compreendendo
esta a aptidão que todos os seres humanos têm de serem titulares de direitos. Decorre, pois, da
própria qualidade de ser da pessoa, pois basta o nascimento com vida para o indivíduo adquirir
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referida capacidade, confundindo­se, portanto, com a própria personalidade. Existe ainda a
chamada capacidade de fato. Esta, por sua vez, depende da implementação de certas condições,
pois se refere à aptidão de exercer direitos e contrariar obrigações. Caso estas condições não
sejam implementadas, a pessoa deverá ser representada ou assistida para a prática destes atos. 4
Destaca­se, desde logo, que o instituto da incapacidade civil foi construído para proteger as
pessoas, seja de si mesmas ou da má­fé de terceiros. Logo, a Lei Civil enumera, em seus artigos 3º
e 4º, as situações que podem levar à perda ou diminuição da capacidade.
São absolutamente incapazes aqueles que a lei considera totalmente inaptos para os atos da vida
civil. Existem três ordens de causa: idade, enfermidade e a impossibilidade, mesmo temporária, de
discernimento. Essas pessoas agem por meio da representação. A representação pode se dar de
forma automática ou por determinação da autoridade judiciária.
Por outro lado, são considerados relativamente incapazes aqueles indivíduos que estão numa
condição intermediária, entre a capacidade plena e a incapacidade total. Estes não são privados de
participação na vida jurídica, muito pelo contrário, o exercício dos direitos só se realiza com a
presença dos mesmos. Assim, os relativamente incapazes devem ser assistidos (PEREIRA, 2012).
Percebe­se, pois, que a restrição à capacidade civil deve ser proporcional à deficiência de
discernimento e aplicável apenas para resguardar o interesse da pessoa, nos exatos termos da lei.
Pois, no Direito, a regra é a preservação da capacidade de autodeterminação, principalmente, no
que tange às decisões autorreferentes.
No que concerne ao usuário de drogas, o Código Civil prevê a perda relativa da capacidade para o
toxicômano e alcoólatras após o devido processo legal de interdição.5
Sobre a capacidade civil dos toxicômanos, assevera Caio Mário (2012, p. 238):
Mais do que qualquer outra é sujeita a incertezas, porque não existe um parâmetro preciso
para distinguir a dipsômano habitual e o toxicômano de pessoas eu fazem uso da bebida e do
toxico sem perderem a consciência dos atos que praticaram. Os vícios do toxico e da bebida se
atingirem que gera fraqueza mental, estão abrangidos nesta hipótese; mas se não
ultrapassarem aquele limiar, não devem macular a declaração de vontade. Trata­se de
incapacidade quem tem de ser aferida na justiça com máxima cautela, a fim de evitar
distorções, e resguardar a incolumidadedas relações jurídicas, máxime se não atingirem
proporções de toxicomania crônica, geradora de estado permanente de falta ou deficiência de
discernimento.
Entende­se, desta feita, que a interdição é uma alternativa extremada, devendo ser utilizada
apenas em caso de deficiência grave, que verdadeiramente torna o sujeito inapto a governar a sua
pessoa e os seus bens. Tanto é verdade que a legislação brasileira orienta, historicamente, a
possibilidade de fixação dos limites da interdição pelo órgão julgador, abrindo espaço para a
manutenção de alguma esfera de capacidade, antes da declaração de completa incapacidade. Essa
orientação parece adequada à cláusula geral de tutela da pessoa, cujo objetivo macro é resguardar
o processo de autoconstrução que decorre, especialmente, da autodeterminação ético­existencial.
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3  Autonomia existencial do drogadito
A dependência química não subtrai do drogadito a sua condição de pessoa, ainda que o vício possa
comprometer o seu sistema cognitivo e afetar a sua capacidade decisional, seja temporária ou
definitivamente. Enquanto o sujeito persistir com alguma competência volitiva, é importante
considerar a sua vontade e respeitar a sua autonomia. Nestes termos, a intervenção psiquiátrica
deve guardar compatibilidade com a autonomia do sujeito, respeitando as dimensões de sua
personalidade.
Até pouco tempo, os médicos entendiam que os usuários de substâncias psicotrópicas eram
desprovidos de vontade própria em função do vício. Tratavam a dependência química do mesmo
modo como lidavam com outras doenças mentais, seguindo, muitas vezes, a orientação
manicomial, hospitalocêntrica e asilar. Entretanto, com a ascensão dos ideais libertários, já no final
das décadas do século passado, passou a viger o entendimento de que o usuário de substância
psicotrópica mantém alguma autonomia, desde que preservada sua capacidade cognitiva, ou seja,
sua capacidade de querer e de entender o que se quer. Passou­se a compreender que a liberdade
do sujeito é regra, e que o seu cerceamento é a exceção, aplicável ante a absoluta falta de
discernimento (MENEZES; GESSER, 2010).
Desse modo, alinhando­se os preceitos trazidos pela reforma psiquiátrica, a partir da publicação da
Lei nº 10.216/2001, à condição real de cada usuário, tem­se que, na medida em que se verifica o
discernimento do toxicômano, deve ser levada em consideração a sua autonomia, elemento
inerente à personalidade e considerado uma necessidade humana. Através da manifestação de
vontade, o sujeito constrói sua própria identidade (GUSTIN, 2009). Assim, é fundamental
assegurar à pessoa o controle sobre os seus próprios atos quando identificada sua capacidade para
tanto.
É certo que o usuário de drogas necessita de um processo de desintoxicação e abstinência, o que
requer, em certos casos, a segregação do paciente do convívio social, mesmo que por lapso
temporal determinado. Todavia, urge a necessidade de ser respeitada a sua vontade, ainda que
esta não se revele a melhor opção, sob o olhar de profissionais multidisciplinares, para o
tratamento exitoso do toxicômano.
Afinal, a concepção de autonomia centrada na integridade não pressupõe que o sujeito mantenha
sempre uma irretocável coerência entre a sua conduta e os seus valores (DWORKIN, 2003).
Tampouco que realize sempre as melhores escolhas ou que, invariavelmente, conduza a sua vida
de modo refletido e estruturado. No processo de autocriação, é admissível que possa fazer escolhas
proveitosas e acráticas.
Todavia, existe dificuldade em imaginar um dependente químico fazendo essas deliberações, uma
vez que os tóxicos geram efeitos nocivos ao discernimento de seu usuário. Vale lembrar que
discernimento é capacidade de fazer diferença, distinção, fazer apreciação. Entretanto, apesar de
as drogas trazerem consequências funestas, em maior ou menor grau, para os usuários e também
para os seus familiares, não se pode retirar do indivíduo o direito de autodeterminar­se e fazer
escolhas.
Assim, se um toxicômano, ainda que comprovadamente necessitado de tratamento médico, não
quiser se submeter ao procedimento, não se pode forçá­lo a tanto, pois isto implicaria o tolhimento
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ao direito de autodeterminação da pessoa. A autodeterminação, por sua vez, está estritamente
relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, valor axiológico do qual decorrem todos
os direitos fundamentais, albergado como princípio fundamental pela Constituição Federal, na
forma do seu artigo 1º, inciso III.
Neste contexto, indo na contramão do que foi estudado, pertinente citar o julgamento do Habeas
Corpus nº 0061555­96.2012.8.19.0000,6 que autorizou a internação compulsória de um
adolescente usuário de crack. O Desembargador Paulo Rangel, relator do processo, fundamentou
seu posicionamento favorável à medida sob o argumento de que não haveria como se proteger a
liberdade do menor se a própria vida que a movimenta não estaria sendo assegurada.
Este argumento, contudo, se mostra ultrapassado e incoerente com os preceitos da cláusula geral
de tutela da pessoa, vez de que adianta vida se o indivíduo não pode deliberar sobre qual caminho
deseja seguir? De que adianta vida sem dignidade? A existência não seria plena, não se respeitaria
o direito de escolha do indivíduo, seria como se o homem se tornasse um ser sem vontade própria,
cuja existência estaria subordinada a de um terceiro.
Apoiar determinado posicionamento significaria reduzir a condição humana, seria reduzir o homem
a uma morte civil. A capacidade volitiva, a liberdade que uma pessoa tem de tomar decisões, não
pode ser questionada simplesmente pelo uso contínuo de uma substância entorpecente, é
fundamental uma análise médica que determine se o discernimento da pessoa foi ou não
comprometido, não se pode apenas impor um tratamento a revelia do paciente, sem existir um
acurado laudo médio para tanto.7
Pelo que foi dito, tem­se que o usuário de entorpecentes pode, sim, ter a sua volição intacta e nem
por isso querer se submeter ao tratamento médico. Este indivíduo não pode ser obrigado a receber
tratamento apenas para satisfazer seus familiares. Tanto é verdade que existem três situações
ético­legais possíveis para um dependente de substância tóxica. A primeira situação é quando o
indivíduo está com sua volição claramente prejudicada. A segunda ocorre quando o indivíduo tem a
sua volição preservada e solicita internamento ou tratamento. Já a terceira corrente acontece
quando o indivíduo tem sua volição preservada, mas não deseja internação ou tratamento.
(MENEZES; GESSER, 2010)
Desse modo, são garantidos aos toxicômanos os direitos inerentes à personalidade e ao resguardo
de sua capacidade volitiva. Este regramento faz com que os profissionais responsáveis pelo
tratamento do indivíduo não possam adotar práticas que culminem na alteração da personalidade
ou da consciência e, consequentemente, na vontade do paciente, com o objetivo de reduzir­lhe a
resistência física ou mental, a fim de que seja submetido a determinado tratamento.
Como forma de reinserir o usuário de crack à sociedade e de fazer valer a sua autonomia de
vontade, em respeito à autodeterminação inerente às pessoas, foi criado, pela Prefeitura de São
Paulo, o Programa de Braços Abertos, regulamentado pelo Decreto nº 55.067, de 28 de abril de
2014. Trata­se de importante medida, pautada na autonomia do paciente psiquiátrico, uma vez
que aposta no consentimento e na integração dos dependentes químicos à sociedade como meio
para combater a drogadição.
O projeto consiste em oferecer hospedagem em hotéis para os usuários de drogas da Cracolândia,
região frequentada por usuários de crack, em São Paulo, bem como a contratação destes indivíduos
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para o serviço de zeladoria das ruas da capital, com carga horária de quatro horas diárias, mais
duas horas de capacitação e qualificação profissional, além do oferecimento de três refeições por
dia para as pessoas interessadas em integrar a operação.
Apesar de muitas críticas, tais como a proximidade dos hotéis com as cracolândias, o fato de o
salário ser pago por dia, circunstância que facilitaria a compra de drogas pelos assistidos e ainda a
carga horária reduzida, o que geraria uma ociosidade nos beneficiados, a operação se mostra como
ferramenta para o tratamento dos usuários de droga com uma proposta diferente dos abrigamentos
compulsórios, visto que em oposição ao outro modelo, a última é pautada no respeito à autonomia
e à dignidade da pessoa. Interessante destacar dado recente que aponta redução de 50% a 70%
do consumo de crack entre os beneficiários da Operação, desde que a mesma foi inaugurada
(OPERAÇÃO... 2014, online).
Este programa é apenas um exemplo do que pode ser feito no âmbito extra­hospitalar para tentar
reintegrar à sociedade os viciados em qualquer tipo de droga, que, pela sua condição de usuários,
são automaticamente afastados da comunidade.
Assim, vê­se como necessária a criação de mais programas que incentivem não só a cura do vício
em substâncias tóxicas, mas também a reinserção no mercado de trabalho, a conquista da
independência e da autodeterminação e, em último grau, a reintegração à sociedade. É
imprescindível, para os pacientes, seus familiares e a própria comunidade, a compreensão de que o
processo de tratamento é lento e depende de fatores externos, como, por exemplo, a oportunidade
em um emprego e o afeto destinado ao usuário, os quais podem ser otimizados por meio de
iniciativas como a do Programa de Braços Abertos.
Deste modo, a partir da compreensão de que não se pode condenar um usuário de drogas a um
tratamento asilar, haja vista a atual orientação pelo tratamento ambulatorial, é que se faz
necessária a reformulação do art. 4º do CC, que, como visto, está em dissonância com o protocolo
de saúde mental brasileiro, sendo, pois, vetor de injustiça e de violação de direitos fundamentais.
Conclusão
Com o advento da reforma psiquiátrica brasileira, houve uma mudança no tocante ao tratamento
conferido aos drogaditos, pois o modelo manicomial, fundado na internação do paciente, foi
substituído pelo tratamento humanizado, o qual permite a reinserção do indivíduo com transtorno
mental à sociedade. A internação, antes vista como etapa do tratamento da dependência química,
passou a ser a última opção, devendo, inclusive, seguir protocolo determinado por lei, a fim de
resguardar a dignidade e a autonomia do paciente.
Durante a vigência do modelo hospitalocêntrico, os toxicômanos eventualmente diagnosticados
com sofrimento psíquico eram internados involuntariamente em clínicas especializadas, as quais
não tinham por objetivo a reinserção do doente à sociedade, mas, apenas, o enclausuramento
destes, desrespeitando, pois, a condição humana dos mesmos.
A despeito do modelo referido, a política de saúde mental brasileira, inaugurada pela Lei nº
10.216/2001, trouxe ao ordenamento jurídico pátrio uma nova perspectiva de tratamento para os
pacientes psiquiátricos, evidenciando a necessidade de respeito aos direitos humanos, a partir da
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notável preferência pelo tratamento extra­hospitalar. Seguindo esta perspectiva antimanicomial,
foram abolidos, quase na totalidade, os estabelecimentos de características asilares, priorizando,
desta feita, o chamado tratamento multidisciplinar, que estimula a participação da família e da
comunidade no processo de recuperação do doente mental, rechaçando toda forma de isolamento.
Esta nova perspectiva valoriza o ser humano, respeitando o seu poder de autodeterminação, o seu
valor quanto pessoa, pois é da essência da personalidade humana o direito de fazer escolhas, de
conduzir a própria vida, desde que isso não implique risco para si mesmo ou para outrem.
Neste sentido, atento aos preceitos da reforma psiquiátrica brasileira, o que deve ser feito é um
estudo específico de caso, a fim de determinar qual a melhor solução para cada paciente
individualmente considerado. Um mesmo tipo de droga pode gerar diferentes efeitos em cada
pessoa, além de existirem drogas com potencial lesivo maior do que o de outras. Por exemplo, o
crack tem um efeito destrutivo, em curto prazo, bem superior ao da maconha.
Deste modo, ainda que a dependência química seja uma situação patológica, que culmine em
consequências graves para a pessoa, não se pode obrigar um usuário a se submeter a certo
tratamento psiquiátrico, se isto não corresponde a sua vontade, sob pena de malferimento ao
direito de autodeterminação da pessoa. Contudo, excepcionalmente, desde que comprovado o
comprometimento psíquico do dependente químico em tempo ulterior ao efeito imediato da droga,
pode­se proceder à internação involuntária.
O usuário de substância entorpecente tem que ter resguardada a sua autonomia, não se pode,
pois, impor um tratamento à sua revelia. Apesar de nos momento de utilização das drogas, os
toxicômanos estarem com o seu discernimento comprometido, com o passar dos efeitos da
substância, eles podem voltar a ter plena capacidade e, por conseguinte, estarem aptos a
decidirem o que consideram mais conveniente para suas vidas.
The Existential Autonomy os Drug Addidtec Psychiatric Patient and the Brazilian Mental
Health Policy
Abstract: This paper analyzes the need to assure drug addicts the respect towards their ability to
make a decision, in reference to the Brazilian Mental Health Law. Chemical addiction does not
affect a person´s judgment or perception; therefore, treatment cannot be imposed. Even if the
drug addict suffers from temporary loss of perception, their autonomy must be respected when
they regain consciousness and the drug effect is over. Only when the person is in full exercise of
their critical judgment that they must be asked about their interest in the suggested type of
therapy. If emergency treatment is prescribed by doctor without patient´s consent at the moment
of crisis, their capacity to decide should still be respected regarding the continuance of treatment
or not. Even if drug addict has a wrong sense of perception concerning their decisions, they must
be assured the right to be responsible for their own lives.
Keywords: Autonomy. Civilian Capacity. Brazilian Mental Health Policy. Addict.
Referências
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2015.
1    Em 1990, com as discussões pró­reforma psiquiátrica em toda a América Latina, surge a
Declaração de Caracas, assinada pelos países da região das Américas, durante a Conferência
Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica nas Américas, promovida pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan­americana de Saúde (OPAS), com o
escopo de apresentar os direitos humanos das pessoas acometidas de transtornos mentais. A
referida convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº. 3956 de 08 de outubro de
2001.
2    Caso paradigmático, que culminou, inclusive, com a condenação do Brasil pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, foi o do cearense Damião Ximenes. Paciente psiquiátrico de
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uma clínica especializada, localizada na cidade Sobral­CE, o corpo dele foi encontrado nas
dependências da clínica com sinais de maus­tratos, muito provavelmente ocorrido durante o
período que o mesmo passou internado no estabelecimento.
3    O Projeto de Lei nº 7663/2010 encontra­se em tramitação, aguardando apreciação pelo
Senado Federal.
4    Nas palavras de Caio Mário Pereira da Silva (2012, p. 221), “aquele que se acha em pleno
exercício de seu direito é capaz, ou tem capacidade de fato, de exercício ou de ação; aquele a
quem falta aptidão para agir não tem a capacidade de fato”.
5    A interdição, por sua vez, consiste num processo judicial, por meio do qual a pessoa é
declarada civilmente incapaz, seja relativamente ou absolutamente, para a prática dos atos da vida
civil. Essa pessoa, a partir da sentença, será representada ou assistida por um curador.
6    “EMENTA: Habeas corpus. Internação compulsória de usuário de crack. Medida de constrição à
liberdade de adolescente visando à proteção à sua vida. Liberdade de locomoção que tem peso
constitucional menor do que a vida. Principio da ponderação de interresses: se o princípio da
proteção à liberdade de locomoção está em aparente conflito com o princípio da proteção à vida este
deve prevalecer perante àquele. Não há como se proteger a liberdade se a própria vida que a
movimenta não está assegurada. O Crack é sem dúvida um dos maiores e piores flagelos de nossa
sociedade, retirando do indivíduo sua capacidade de se autodeterminar e, consequentemente, seu
poder de escolha entre a vida saudável longe das drogas e a morte. O Estado tem o dever de agir
em nome da proteção à vida das pessoas. A liberdade de locomoção será sacrificada em nome de
um bem jurídico maior que é a vida, bem supremo de todo e qualquer ser humano. O Decreto­lei
891, de 25 de novembro de 1938, que autoriza a internação compulsória dos dependentes
químicos está em pleno vigor. No caso dos autos o adolescente necessita de tratamento e pensar
que ele, voluntária espontaneamente, irá procurar ajuda é desconhecer o poder que a droga
exerce no cérebro da pessoa. Por tais motivos CONHEÇO do presente habeas corpus e, no MÉRITO,
J U L G O   I M P R O C E D E N T E   O   P E D I D O ,   N E G A N D O   A   O R D E M .  Dispon íve l  em:
<http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw>. Acesso em: 05 jul. 2015.
7    Para Caio Mário (2012, p.236), “a incapacidade por alienação é a que resulta de uma situação
permanente. Os estados transitórios de obnubilação mental não privam o paciente da capacidade, a
não ser temporariamente. Poderão, por isso, ser atacados os atos praticados durante eles, porque
não se pode admitir como emissão válida de vontade a que foi proferida em tais momentos”.
Como citar este conteúdo na versão digital:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
MENEZES, Joyceane Bezerra de; BARRETO, Júlia d’Alge Mont’Alverne; MOTA, Maria Yannie Araújo.
Autonomia existencial do paciente psiquiátrico usuário de drogas e a política de saúde mental
brasileira. Revista Fórum de Direito Civil – RFDC, Belo Horizonte, ano 4, n. 10, set./dez. 2015.
Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=238168>. Acesso em:
10 abr. 2016.
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Como citar este conteúdo na versão impressa:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:
MENEZES, Joyceane Bezerra de; BARRETO, Júlia d’Alge Mont’Alverne; MOTA, Maria Yannie Araújo.
Autonomia existencial do paciente psiquiátrico usuário de drogas e a política de saúde mental
brasileira. Revista Fórum de Direito Civil – RFDC, Belo Horizonte, ano 4, n. 10, p. 123­138,
set./dez. 2015.
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