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Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 350 Geopolítica do Brasil: a trajetória de GolBery do couto e silva e sua perspectiva no campo intelectual* Alex Faverzani da Luz** Resumo: Com o presente estudo, almeja-se reconstituir historicamente as principais etapas que elencam a trajetória do general Golbery do Couto e Silva, em especial no que se refere às suas publicações em torno das questões geopolíticas do Brasil, durante as décadas de 1950 e 1960. Ressalta-se, pois, que para o contexto da época suas obras contribuíram para o campo dos estudos geopolíticos, ao passo de se tornarem referências para todo o Cone Sul. Assim, a partir dessa perspectiva, busca-se ainda, identificar seu posicionamento no campo intelectual, de modo a analisar seu enquadramento no cotidiano das matrizes teóricas intelectuais de Pierre Bourdieu e Jean-Paul Sartre. Palavras-chave: Golbery do Couto e Silva; Geopolítica do Brasil; Campo intelectual. Abstract: With this study, we aim to reconstruct historically the main steps that we list the trajectory of General Golbery do Couto e Silva, in particular with regard to their publications on the geopolitical issues in Brazil during the 1950s and 1960s. it is noteworthy, therefore, that to the context of the time his works contributed to the field of geopolitical studies, while becoming references for the entire Southern Cone. Thus, from this perspective, we seek also to identify its position in intellectual field, in order to analyze their environment in the daily intellectual theoretical frameworks of Pierre Bourdieu and Jean-Paul Sartre. Keywords: Golbery do Couto e Silva; Geopolitics of Brazil; Intellectual field. * Artigo submetido à avaliação em 12 de agosto de 2015 e aprovado para publicação em 15 de setembro de 2015. ** Doutorando em História das Sociedades Ibéricas e Americanas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista CNPq. E-mail: alexfaverzani@hotmail.com. __________________________________ Alex Faverzani da Luz Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 351 Introdução Com o término da Segunda Grande Guerra, novos rumores de disputas entre potências mundiais se instauram. Apesar da tamanha destruição proporcionada pelo confronto global, as desavenças não cessariam por si só, e “novas armas” fariam parte da nova modalidade de guerra, ou seja, o conflito ideológico. Assim, os Estados Unidos e a União Soviética, as duas maiores potências econômicas e militares da época, desencadearam um confronto ideológico que irá perdurar por muitas décadas, a Guerra Fria, e que repercutiu ao longo de toda a esfera do globo, na pretensão de conquistar aliados às suas ideologias que garantiriam o domínio do mundo. Desse modo, direta ou indiretamente, as nações mundiais teriam de se posicionar, seja de forma favorável ou contrária aos ideais norte-americanos ou soviéticos. Com isso, tal processo demandaria articulações políticas e ideológicas no âmbito interno dos países que presenciavam o conflito, com seus respectivos posicionamentos. Nesse sentido, assenta-se uma nova tendência aos estudos geopolíticos, que por um tempo se encontravam em baixa. Tais estudos tomariam novos rumos ao ponto de se tornarem mais abrangentes, de modo a focar além de aspectos estratégicos de guerra, como é o caso das questões políticas, econômicas, dentre outras. No Brasil, os estudos de geopolítica se tornam em evidência, em especial a partir das bases militares do país, os quais priorizavam questões inerentes à organização política, econômica, psicossocial, etc. , que são evidenciadas ao longo do pensamento de Golbery do Couto e Silva a partir do final da década de 1950. Em suas obras, Golbery tecerá considerações na intenção de fomentar os estudos de geopolítica, aliados às ideias de geoestratégia e segurança nacional, em sua visão, com vistas a propor novos rumos estratégicos organizacionais e dar sustentação ao Estado. Além disso, destaca-se desde já seu posicionamento contrário aos ideais comunistas, e sua inclinação pró-americanista. O contexto histórico da Guerra Fria e a Escola Superior de Guerra (ESG) No decorrer da década de 1950, delineia-se a constituição de um novo cenário global, tendo em vista os acontecimentos vivenciados durante a Segunda Grande Guerra. No Brasil, a partir do período pós-guerra, instauram-se novas perspectivas de formação e inserção internacional, em especial no que diz respeito às instituições políticas, intelectuais e jornalísticas. Ademais, convém ressaltar as influências e disputas ideológicas entre as duas maiores potências mundiais da época, de um lado os Estados Unidos, de outro a União Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 Geopolítica do Brasil 352 das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), as quais travaram batalhas ideológicas de grande monta, dando origem à Guerra Fria. No âmbito da América Continental, em especial ao Brasil, na perspectiva de intelectuais e governos de características conservadoras, temia-se às possíveis influências comunistas de caráter revolucionário, que pudessem ganhar espaço nos meios políticos e sociais. Atreladas a estes acontecimentos, inseriam-se as questões inerentes ao desenvolvimento do país, bem como às políticas de inserção internacional do Brasil. Nesse sentido, Silveira (2014, p. 90), salienta que “no contexto do pós-guerra, tratava- se, portanto, de pensar a política externa como eixo central dos projetos concorrentes de superação do subdesenvolvimento e de projeção internacional do país”, neste caso, especificamente voltado através da aceleração, “ou do aprofundamento em novas direções possíveis, do processo de industrialização de raiz substitutiva, no interior do cenário mundial polarizado da Guerra Fria”. Assim, No final dos anos 1950, a população brasileira, em crescimento relativamente acelerado, superava a marca dos 70 milhões de habitantes, em mobilidade indicativa de continuado êxodo rural ao longo da década. O valor bruto da produção industrial já ultrapassava aquele da produção agrícola, indicando a transformação definitiva da estrutura socioeconômica interna na direção do setor urbano-industrial. É nesse contexto que se articularia de forma sistemática a geopolítica da ESG – bem como suas derivações menos articuladas (SILVEIRA, 2014, p. 91). A partir de então, destaca-se o papel preponderante da Escola Superior de Guerra, a qual emerge em 1949 “pela elite militar oriunda da Força Expedicionária Brasileira (FEB) sob o influxo da Missão Militar norte-americana que operava no país segundo acordo firmado no ano anterior”, desse modo, “a ESG, articulada ao Estado- Maior das Forças Armadas (EMFA), nasce sob evidente e conhecida influência política e doutrinária estadunidense, segundo inspiração do National War College” (SILVEIRA, 2014, p. 91). Salienta-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, grande parte dos militares brasileiros eram enviados aos Estados Unidos para receberem treinamento militar na National War College. Com isso, diante dessa relação de aproximação, identifica-se o afinamento entre os militares brasileiros para com as ideias norte-americanas no contexto da Guerra Fria, e consequentemente ao combate às ideias comunistas. Dentre estes militares, convém mencionar Golbery do Couto e Silva, o qual integrava à elite militar e posteriormente integrará à Escola Superior de Guerra. Ainda, no que se refere à ESG, faz-se pertinente aduzir seu papel preponderante na formação e constituição das elites nos moldes de seu pensamento (ASSUNÇÃO, teste Realce teste Realce teste Realce teste Realce Alex Faverzani da Luz Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 353 2005, p. 9). Também é importante mencionar, que a constituição de tal elite não se dava apenas com os militares, mas também a integravam membros civis. Em sua proposta, consistiaformar e preparar pessoas capazes de conduzir o país nos mais diversos segmentos organizacionais, desde que moldada a seus preceitos formadores. Entretanto, assim que se estabeleceu a Escola Superior de Guerra, em seus moldes formais e constituintes, esboçava um papel formativo também das camadas civis dos setores público e privado, além de não mais objetivar, tão somente um Curso de Alto Comando, mas sim, instrumentalizar diretrizes no que tange ao “planejamento e a direção da Segurança Nacional” (. Na concepção de Assunção (1999), ressalta-se que em virtude da interação entre os oficiais brasileiros e os integrantes da missão militar norte-americana, no âmbito da influência política e doutrinária estatunidense, geravam-se divergências e diferenças perante ambos, pois segundo a autora: O oficialato brasileiro considerava necessário preparar o conjunto da elite brasileira, militar e civil, para dirigir o Estado nessa nova conjuntura internacional, que demandava, nos olhos da cúpula militar, novos padrões de eficácia e eficiência no planejamento das ações estatais, pois o imperativo da segurança tornava mais complexas e dinâmicas as relações políticas endógenas e exógenas do país (ASSUNÇÃO, 1999, p. 40-41). Logo, denotam-se as influências geradas sobre a Escola Superior de Guerra, as quais são relatadas com clareza por Assunção (1999, p. 41): Dentre as muitas influências que a ESG sofreu, pode-se destacar a da teoria organicista/evolucionista em suas concepções de Estado e Sociedade, e, na questão da guerra revolucionária, da doutrina militar francesa, dos postulados militares espanhóis dos anos 50 e 60. Houve ainda forte influência de concepções geopolíticas. No plano da experiência política, os postulados referentes ao final da Segunda Guerra (como o papel histórico dos militares no interior do Estado) ganharam relevância. Houve também influência das relações dos cientistas políticos e militares norte-americanos, convencidos de que a existência de governos fortes se constituiria em precondição do desenvolvimento e amadurecimento das sociedades dos países dependentes, assim como da implantação da democracia no futuro. Diante do supracitado, evidencia-se que a Escola Superior de Guerra sofreu influências de diversas correntes e segmentos, o que determinou o perfil formativo da instituição diante do cenário histórico e mundial que se desenhava. Será, pois, neste contexto pós-guerra e Guerra Fria, que novamente se tornarão em evidência os estudos de geopolítica e geoestratégica, com vistas à inserção internacional do Brasil, bem como no que diz respeito à Segurança Nacional frente às ameaças comunistas, pois somente com um território seguro se torna possível que o teste Realce teste Realce teste Realce Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 Geopolítica do Brasil 354 país funcione adequadamente. Tarefa pela qual, estará evidenciada com grande ênfase por Golbery do Couto e Silva, o qual será tratado a seguir. A trajetória de Golbery do Couto e Silva e suas obras Golbery do Couto e Silva nasceu em 21 de agosto de 1911 em Rio Grande, no Estado do Rio Grande do Sul. Sua formação inicial se deu no Ginásio Lemos Júnior da mesma cidade, e logo em 1927, “ingressou na emblemática Escola Militar do Realengo, onde construiu uma trajetória de grande destaque em todas as instituições de formação militar que frequentou”. Em 1930, foi declarado ao cargo de Aspirante a Oficial, da arma de infantaria, onde adquiriu a primeira colocação perante os cadetes de todas as armas. “Participou nas operações da Revolução de 1932, servindo sucessivamente no QG da Sexta Brigada de Infantaria, no CPOR de Porto Alegre, na Diretoria de Material Bélico, na Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional e na Infantaria Divisionária da Quinta Região Militar” (SILVEIRA, 2014, p. 96). Já em 1940, em plena atividade da Segunda Guerra, Golbery é transferido para o Décimo Terceiro Batalhão de Caçador, na cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina. “No final de 1941, prestou concurso de provas livres para admissão na Escola de Estado-Maior, sendo então o único oficial aprovado”. Após o término do referido curso no ano de 1943, recebeu a designação para servir junto ao Estado Maior da Terceira Região Militar. No ano seguinte, “foi para os Estados Unidos, onde recebeu treinamento militar no Fort Leavenworth. Logo depois ingressou na Força Expedicionária Brasileira, na condição de oficial de inteligência e informações” (SILVEIRA, 2014, p. 96). Em 1945, ao retornar da Itália, Golbery é designado para integrar a Seção de Operações do Estado-Maior da Terceira Região Militar. No ano que segue, recebe transferência para o Estado-Maior do Exército, onde adquire promoção ao posto de major. Assim, ao final de 1946, diante do posto militar que ocupa é transferido para o Estado-Maior Geral, atual Estado-Maior das Forças Armadas. Em 1947, é nomeado para fazer parte da Missão Militar Brasileira de Instrução no Exército do Paraguai, onde atua pelo período de três anos. No segundo semestre de 1950, “foi classificado no Estado-Maior do Exército como adjunto da Seção de Informações. No ano seguinte, em outubro, seria promovido a tenente-coronel, novamente por merecimento” (SILVEIRA, 2014, p. 96). Diante dessa forte trajetória inspirada à tradição militar, Golbery adquire raízes conservadoras que irão refletir ao longo de seu pensamento. Ao ingressar em 1952 na Escola Superior de Guerra, na função de adjunto no Departamento de Estudos, na teste Realce Alex Faverzani da Luz Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 355 Divisão de Assuntos Internacionais, identifica-se “a articulação ideológica das Forças Armadas, que na busca de autonomia produzem seu próprio sistema simbólico que tende a constituir-se em poder e influência política na forma autoritária” (MUNDIM, 2005, p. 2). Ainda, destaca-se que sua atuação na ESG, assume um caráter que passa a impor um pensamento dominante, no sentido de suas ideias conduzirem à ideologia institucional, “dando início a uma relação estreita e profícua”. No ano de 1954 é autor de Memorial dos Coronéis, “estímulo à demissão do ministro do Trabalho, Jango”, e o Manifesto dos Generais, “contra o próprio presidente Vargas”. Em 1955, foi um dos articuladores de um golpe que ficou conhecido como “novembrada”, “movimento que visava a impedir a posse do presidente eleito JK e seu vice, Jango, o que o levou à prisão” (ASSUNÇÃO, 2007, p. 1). Nesse sentido, a “experiência na ESG e o concomitante envolvimento político de Golbery seriam essenciais para a elaboração e publicação das obras Planejamento estratégico, de 1955, e Geopolítica do Brasil, de 1958”, os quais integrarão a publicação da 2ª edição da obra Geopolítica do Brasil, em 1967, “que constitui uma referência fundamental para o pensamento político de todo o Cone Sul” (SILVEIRA, 2014, p. 97). No Brasil, os estudos voltados à geopolítica se constituíram essencialmente no interior das Forças Armadas e instituições vinculadas aos órgãos de planejamento e outros que contemplem a geografia em âmbito nacional, tais como os Institutos Históricos e Geográficos e os de Geografia e Estatística. “A geopolítica passou por fases delimitadas no Brasil até ter em Golbery um momento específico, que seria marcado pelo clima de guerra fria” (MUNDIM, 2005, p. 4). Ainda sob esta perspectiva, Mundim (2005, p. 4-5), trata acerca das raízes fundantes da geopolítica partindo de autores num contexto global aduzindo que, [...] nas décadas de 1920 e 1930 que surgiriam os primeiros estudos que dariam formato a essa disciplina no Brasil, seguindo os autores Ratzel e Kjéllen. O pioneirismo desta sistematização seria atribuído a Everardo Backheuser (ainda que, segundo Miyamoto, Elyseo de Carvalho já em 1921 faria pela primeira vez menção à importância da geopolítica como fundamental aos rumos do Brasil),se firmando como um dos principais estudiosos da geopolítica no Brasil, sendo determinante para os trabalhos que viriam a surgir, em especial os do General Golbery, que em seus textos e esquemas tratando da elaboração de um estudo geopolítico no Brasil não pouparia menções a este autor. Backheuser buscaria realizar suas análises transpondo as teorias de Ratzel e Kjéllen à realidade territorial e espacial brasileira, indicando de imediato uma preocupação em atribuir aos estudos geográficos uma perspectiva mais política. Diante de tal abordagem, convém ressaltar que os primeiros indícios de estudos geopolíticos no mundo, os quais podem ser classificados como sendo as duas grandes teste Realce teste Realce Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 Geopolítica do Brasil 356 vertentes originais, ou seja, partiriam da concepção de Alfred Thayer Mahan e Halford John Mackinder, que também são utilizados no decorrer da obra de Golbery. A concepção de Mahan teve origem em sua obra intitulada A influência do poderio naval na história de 1890, cuja teoria defendida era de que a potência que constituísse um poder naval inigualável às demais nações, e consequentemente exercer domínio nos oceanos e nos grandes canais de acesso aos mares, teria domínio pleno do mundo. Por outro lado, na perspectiva de Mackinder, autor de O pivô geográfico da história de 1904, salienta acerca da existência de uma extensão territorial situada na Eurásia que nunca havia sido alvo de conquista por potências navais, a qual denomina de Hertland. Segundo ele, essa região seria repleta de riquezas minerais, água, florestas, dentre outros recursos, assim, a nação que detivesse domínio perante tal extensão territorial estaria apta a dominar o mundo. Sendo assim, Golbery sustentaria suas construções teóricas e ideológicas, especialmente a partir desses referenciais teóricos, com vistas a desenvolver uma reconstituição histórica e conceitual em torno da geopolítica, da geoestratégia e também no que diz respeito à segurança nacional, os quais se encontram elencados ao longo de sua obra Geopolítica do Brasil de 1967 (2ª edição). No que tange aos preceitos de geopolítica, Golbery destaca em uma de suas passagens que, [...] temos, pois, que a Geopolítica, baseada na ciência geográfica e, em particular, no ramo denominado Geografia Política, serve de fundamentação geográfica e propõe diretrizes, calcadas nos conceitos básicos de espaço e de posição, à Política Nacional, tanto no domínio não-estratégico, desta e onde se visa o bem-estar, ao progresso, ao desenvolvimento atingíveis sem a ameaça de antagonismos internos ou externos, quanto na esfera da segurança nacional, isto é, da Estratégia (SILVA, 1967, p. 106). Golbery ainda preleciona no que diz respeito à geoestratégia, aduzindo que “a estratégia deixa de ser apenas a arte dos generais, é também estratégia econômica, estratégia política, estratégia psicossocial [...]” (SILVA, 1967, p. 144-145), e também no que se refere à segurança nacional, considerando que “a estratégia é a Política de Segurança Nacional”, e ainda, “é o grau relativo de garantia que o Estado proporciona à coletividade nacional, para a consecução e salvaguarda de seus Objetivos [...]” (SILVA, 1967, p. 155). Com isso, se faz pertinente evidenciarmos que Golbery traz os conceitos acima mencionados para o campo político, de forma a ampliar suas prerrogativas e estender um novo sentido aos estudos de geopolítica no Brasil a partir da década de 1960. Isto se justifica, por força da necessidade de corresponder ao cenário proposto pelo contexto da época, em especial à Guerra Fria e as possíveis ameaças comunistas ao teste Realce teste Realce teste Realce teste Realce teste Realce Alex Faverzani da Luz Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 357 país. No entanto, convém deixar claro, que mais tarde, suas ideologias integrarão às prerrogativas que desencadearão o golpe militar de 1964, fazendo com que Golbery figure como um dos idealizadores do feito, dentre os demais partícipes. Dando continuidade à linearidade de sua trajetória, cumpre elencar que em março de 1956, Golbery foi promovido ao posto de coronel, mais uma vez por merecimento, e posteriormente transferido para o Estado-Maior do Exército, lotado na seção de Operações, Subseção de Doutrina. Logo mais, em setembro de 1960, recebe nomeação para compor o Estado-Maior das Forças Armadas, ao cargo de chefe da Seção de Operações. Destaca-se também, que durante o governo de Jânio Quadros, em 1961, recebeu nomeação ao cargo de chefe de gabinete da Secretaria- Geral do Conselho de Segurança Nacional e, “quando da surpreendente renúncia do presidente, participou ativamente do movimento civil-militar contra a posse do vice- presidente João Goulart, sendo reconhecidamente um dos elaboradores da conhecida solução parlamentarista”, por ora implementada. No mesmo ano, Golbery solicita a transferência para a reserva (SILVEIRA, 2014, p. 97). A partir de então, Golbery passaria a figurar no âmbito da vida civil e não mais por intermédio dos postos militares. Neste campo desempenhou atuações de lideranças institucionais, como foi o caso do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), do Rio de Janeiro, além do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), ambas “organizações financiadas pelo empresariado brasileiro e sabidamente por recursos estrangeiros, que desenvolveram intensa atividade conspiratória e de propaganda para a desestabilização do governo Goulart”. Além disso, Golbery sairia como um dos idealizadores do golpe de 1964, onde chefiou o órgão de inteligência do novo regime instaurado, “o Serviço Nacional de Informações (SNI), o qual ele próprio concebera e articulara”, até o ano de 1967 (SILVEIRA, 2014, p. 97-98). Em suma, “estreitamente relacionados com a instituição estatal, a nação e o nacionalismo eram conceitos fundamentais no pensamento golberyano” (ASSUNÇÃO, 2005, p. 7). A concepção de nação em Golbery dizia respeito à estrutura física representada pelo povo e pelo Estado devidamente organizado na forma política e administrativa, com a devida estrutura econômica e financeira, e ainda, as Forças Armadas. (SILVA, 1981, p. 378). E, por fim, “a segurança nacional estaria garantida quando se barrassem os antagonismos a estes objetivos comuns” (ASSUNÇÃO, 2005, p. 7). Golbery na perspectiva intelectual Ao analisar a produção de um autor e/ou intelectual, se faz pertinente mencionar a existência de diferentes compreensões de acordo com o ângulo em que se analisa. teste Realce teste Realce Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 Geopolítica do Brasil 358 No caso de Golbery, em especial, pode-se aduzir que sua produção foi pequena se comparada a outros autores do mesmo período e talvez contexto, porém, deve-se levar em consideração a sua contribuição para o campo da geopolítica, eis que sua obra fora considerada expressiva para o campo de estudos dessa matéria para a época, especificamente para toda a extensão do Cone Sul. Desse modo, convém ressaltar a posição de Golbery, pois estava inserido nas camadas do governo, em especial das elites militares, a qual detinha representatividade expressiva no contexto da época. Assim, desconsiderando suas concepções ideológicas que embasaram o golpe de 1964, bem como suas tentativas de destituir governos e, levando-se em consideração sua contribuição teórica, pode-se sim atribuir a caracterização de intelectual para Golbery, no caso deste trabalho, através das perspectivas teóricas de Bourdieu e Sartre, que serão brevemente analisadas na sequência. Na concepção de Pierre Bourdieu, entende-se Golbery como intelectual, tendo em vista sua produção de bens simbólicos, pois a partir de suas contribuições influenciou a sociedade, e conseguiu impor suas concepções além de seu “pequeno mundo”, de modo a atingir a comunidadenacional e, acima de tudo, a cultura política da época. Assim, para Bourdieu (2004, p. 12), “é preciso atentar que dentro da classe dominante existem frações dominantes que lutam pela legitimidade de sua dominação, quer por meio de sua própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores”. Por fim, na perspectiva de Jean-Paul Sartre, logo de início se descarta a possibilidade de Golbery se enquadrar como intelectual, por simples motivos: primeiro que para Sartre não há intelectual conservador, e segundo, o intelectual se define no campo da esquerda (militância, revolução), portanto, duas razões opostas à característica de Golbery. Porém, se analisarmos por outro viés, Golbery pode muito bem se enquadrar como um falso intelectual na perspectiva sartreana, a qual aduz que “na área dos conservadores, só existe o “cão de guarda”, expressão de Paul Nizan para o “falso intelectual”, ou seja, para o tipo que defende o particularismo da dominação com argumentos da ciência e da razão” (SARTRE, 1994, p. 8-9). Considerações finais Ao longo do trabalho se buscou evidenciar a trajetória de Golbery do Couto e Silva, desde sua inserção no âmbito militar, onde ocupou cargos importantes e de liderança devido ao seu destacado desempenho. Após, em 1961, quando passa a integrar a reserva como general, foca-se em atuar na esfera civil, pela qual também exerceu influências ao ocupar postos de liderança em instituições de renome na época. Alex Faverzani da Luz Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 359 No entanto, convém ressaltar o aparato ideológico que construiu no campo da geopolítica, onde ampliou as concepções de atuação do campo geopolítico, de modo a imprimir sua atuação no âmbito político, econômico e psicossocial. A partir daí, tornou-se possível desenvolver os conceitos e acepções em torno da geoestratégia, da segurança nacional e também de nação. Ademais, suas obras exprimiam grande anseio em defender o Estado contra as ameaças comunistas, além de demonstrar fortes inclinações aos ideais norte- americanos. Além disso, se caracterizou como um homem conservador que prezava pela manutenção da ordem política, econômica, psicossocial e militar, os quais considerava o potencial nacional como perspectiva de progresso. Contudo, não deixa de ser ingênua a pretensão de impor o controle político do capital e a crença no desenvolvimento subordinado como viés adequado para elevar o Brasil ao patamar de potência. No entanto, parece que substancialmente foram estas as bases ideológicas que mais tarde assentariam uma ditadura pela qual marcou drasticamente o país. Por outro lado, se levarmos em consideração a parte que Golbery desenvolve estudos pautados na geopolítica, pode-se dizer que se constituiu em uma figura intelectual, conforme se justifica nas perspectivas analisadas de Bourdieu e Sartre. Referências ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. O satânico doutor Go: a ideologia bonapartista de Golbery do Couto e Silva. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999. ______. No princípio, era o medo: as bases do pensamento conservador do general Golbery do Couto e Silva. Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Humanas, ano 1, n. 2, 2005. ______. O satânico Dr. Go: Golbery e um projeto de desenvolvimento e dependência para o Brasil. Espaço Acadêmico, n. 70, mar. 2007. BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. MUNDIM, Luiz Felipe Cezar. Raízes de um pensamento autoritário: possibilidades metodológicas de um estudo de Golbery do Couto e Silva. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH, XXIII. Anais... Londrina, 2005. SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994. SILVA, Golbery do Couto e. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967. Revista Ágora • Vitória • n. 22 • 2015 • p. 350-360 • ISSN: 1980-0096 Geopolítica do Brasil 360 ______. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1981. SILVEIRA, Helder Gordim da. Nacionalismo e Desenvolvimento na Guerra Fria: Confrontos Ideológicos na Política Internacional do Brasil em Golbery do Couto e Silva. In: ABREU, Luciano Aronne de; SILVEIRA, Helder Gordim da (Org.). De Vargas aos militares: autoritarismo e desenvolvimento econômico no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.
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