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LEI ANTICORRUPÇÃO FÁBIO MADRUGA CONCURSOS 2.1 Responsabilização por danos causados ao Estado A concepção e vigência da Lei 12.846/13 significam grande oportunidade para a transparência e o combate à corrupção, na medida em que visa regular a relação dos setores público e privado, com previsão de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas. É o que prevê a ementa da Lei: Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (...) A Lei, portanto, não trata da responsabilidade civil do Estado, mas da situação contrária: danos causados ao Estado por entes personificados ou não. O Estado, nesse caso, é vítima e não agressor, segundo Braga Netto (2015). Aqui cabe uma breve explicação da chamada responsabilidade civil do Estado ou responsabilidade civil da administração ou, ainda, conhecida como responsabilidade extracontratual do Estado: ela se relaciona à reparação de danos causados a terceiros em decorrência das atividades ou omissões do Estado. Trata-se de responsabilidade objetiva (ou sem culpa), conforme prevista no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, e baseia-se na teoria do risco administrativo: Art. 37 § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Logo, não é o caso da Lei Anticorrupção, pois nela o sujeito ativo será sempre pessoa jurídica causadora de danos, ainda que potenciais, à Administração Pública. O parágrafo único do art. 1º da referida lei assim descreve aqueles que são alcançados pela norma: Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Ficou claro? Vamos continuar então! in te g ri d a d e ti ca FÁBIO MADRUGA CONCURSOS 2.2 Responsabilização objetiva da pessoa jurídica A principal inovação trazida pela nova norma administrativa é a responsabilização objetiva da empresa que praticar atos antijurídicos nela previstos, sem a necessidade de se comprovar que houve a intenção (dolo) dos dirigentes, proprietários e até mesmo colaboradores/funcionários em lesar a administração pública ou que qualquer vantagem chegou a ser auferida concretamente por meio do ato ilícito, conforme o disposto em seu art. 2º: Art. 2º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. Art. 3º - A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1º - A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. § 2º - Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. Art. 4º - Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. § 1º - Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. § 2º - As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado. in te g ri d a d e ti ca FÁBIO MADRUGA CONCURSOS Na prática, a empresa enquadrada por ato lesivo à administração pública, mesmo na ausência de dolo e sem responsabilidade direta pela ação ou omissão, poderá ser punida. A abrangência dessa responsabilidade é ampla e permeia todas as negociações da empresa realizadas pelos proprietários, funcionários próprios ou terceirizados. Com o advento da Lei Anticorrupção, surge uma nova hipótese de responsabilidade objetiva no direito brasileiro. Consoante ela, as pessoas jurídicas respondem pelas ações que lesionem o patrimônio público, nacional ou estrangeiro, atentem contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (BRAGA NETTO, 2015, p. 29). FÁBIO MADRUGA CONCURSOS A responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas, de forma objetiva (sem discutir dolo ou culpa), pelos atos de corrupção é uma condição ainda incipiente no Brasil. Trata-se de um marco na história e pode significar o avanço das questões relacionadas à conduta e à gestão ética no país. A Lei 12.846/13 segue a linha da legislação de licitações, já em vigor, ao punir não apenas os atos de corrupção propriamente ditos (prometer, oferecer ou dar vantagem indevida), mas também outros atos que impliquem violação a regras e princípios da administração pública, ainda que não haja propriamente pagamento a funcionário público, consoante a contribuição de Carvalho (2015) Para leitura complementar sobre o tema, indicamos os livros abaixo, listados na bibliografia da aula: Lei Anticorrupção Comentada - Maria Sylvia e Thiago Marrara Responsabilização Administrativa de Pessoas Jurídicas à luz da Lei Anticorrupção Empresarial - Márcio de Aguiar Ribeiro A Lei se aplica às condutas que constituam, entre outras, fraude à licitação e aos contratos públicos, prática de cartel ou conluio, ocultação ou dissimulação de reais interesses ou identidade dos beneficiários dos atos praticados. Conforme o art. 5º: Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. As condutas relativas às licitações e previstas na Lei Anticorrupção também estão tipificadas como crime pela Lei 8.666/1993. FÁBIO MADRUGA CONCURSOS Qual a diferença, então? Na lei de licitações, exige-se a responsabilidade subjetiva de pessoas físicas, ou seja, de indivíduos que, com dolo, praticam condutas inadequadas. Já na Lei Anticorrupção são as pessoas jurídicas que poderão ser punidas, não se exigindo a demonstração de dolo ou culpa, uma vez que a lei adotou a responsabilidade objetiva. Lei de licitações: responsabilidade subjetiva de pessoas físicas ≠ Lei anticorrupção: responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas A Lei Anticorrupção exige a comprovação de culpa para punir a pessoa física (sócio ou executivo com poder decisório). Essa é a redação de seu §2º do artigo 3º: Art. 3º - A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. (...) §2º - Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade Assim, só responderá o dirigente ou sócio de pessoa jurídica que tenha agido com imprudência, imperícia ou negligência, consoante a teoria da culpabilidade: Imprudência: não verificar, não indagar, não procurar saber. Imperícia: deixar de usar os seus conhecimentos para evitar ou corrigir a conduta. FÁBIO MADRUGA CONCURSOS Negligência: participar de uma prática ilícita com atitude colaborativa ou neutra, se RESPONSABILIZAÇÃO objetiva das PESSOAS jurídicas sem A NECESSIDADE de SE comprovAR que houve A INTENÇÃO (dolo). A RESPONSABILIDADE abrange todas AS negociações da empresa REALIZADAS pelos PROPRIETÁRIOS, FUNCIONÁRIOS próprios ou terceirizados. A Lei engloba atos de CORRUPÇÃO e ATOS que impliquem VIOLAÇÃO às REGRAS e AO S PRINCÍPIOS da ADMINISTRAÇÃO pública. PARA punir PESSOA física, exige-se a COMPROVAÇÃO da CULPA. omitir em tomar as medidas apropriadas e necessárias. .3. Inexigibilidade de consumação dos ilícitos O art. 6º da Lei Anticorrupção trata da responsabilização na esfera administrativa das pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos. Sanções previstas: Multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo; Publicação da decisão condenatória em jornal. A primeira punição registrada no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) foi aplicada pela Secretaria de Controle e Transparência (Secont) do Governo do Estado do Espírito Santo, da qual resultou: sanção de multa e publicação extraordinária da decisão condenatória. (Fonte: http://www.cgu.gov.br/noticias/2016/03/cgu-disponibiliza-cadastro-de- empresas-punidas-com-base-na-lei-anticorrupcao) Acesso ao CNEP: http://www.portaldatransparencia.gov.br/cnep https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG https://goo.gl/DGXmEG http://www.portaldatransparencia.gov.br/cnep FÁBIO MADRUGA CONCURSOS O art. 7º, por sua vez, trata da dosimetria das sanções e prevê os critérios a serem considerados em sua aplicação, tais como: a gravidade da infração, a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator e a consumação ou não da infração, dentre outros. Ao prever a consumação da infração como fator qualificador, a lei, intuitivamente, permite, portanto, a sanção da mera conduta, sem a necessidade de consumação do ilícito. Vejamos: Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: (...) III - a consumação ou não da infração; (...) Assim, na esteira de muitas outras normas administrativas, a Lei Anticorrupção pune a ação ou a omissão ilícita, independentemente dos resultados. Estes somente serão considerados na dosimetria da sanção, conforme já estudado. A lei do CADE (Lei nº 12.529/11) ou Lei da Concorrência, que rege o comportamento das empresas no mercado, no intuito de evitar o abuso do poder econômico e garantir a ordem econômica também adota o sistema de inexigibilidade de intenção e consumação dos ilícitos puníveis. As autoridades de defesa da concorrência no Brasil já preveniram e evitaram prejuízos, condenaram ou negociaram acordos com empresas, cooperativas, associações ou sindicatos envolvendo uma substancial parcela do PIB brasileiro. Você já ouviu falar em Compliance? Na contramão da corrupção, diversas empresas têm buscado práticas que vão ao encontro da legalidade, isto é, procuram desenvolver suas atividades em conformidade com as leis e com os regulamentos internos e externos. https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/6DtxoV https://goo.gl/6DtxoV FÁBIO MADRUGA CONCURSOS São os chamados programas de compliance, que têm o intuito de observar e cumprir todas as normas jurídicas em vigor. São esforços das empresas, sindicatos, cooperativas e associações para criar regras e procedimentos internos que garantam a observância e o cumprimento da legislação e evitem a prática, ainda que inconsciente ou culposa, de ilícitos puníveis. As pessoas jurídicas estão, finalmente, se dando conta de que é melhor (e mais barato) “prevenir do que remediar”. Esse tipo de iniciativa, inclusive, pode atenuar possíveis sanções às empresas (art. 7°, VIII). 2.4. considerações finais Nesta aula estudamos: As diferenças entre a responsabilização por danos causados ao Estado e a responsabilidade civil do Estado; A responsabilização objetiva da pessoa jurídica por danos causados ao erário; e A inexigibilidade de consumação dos ilícitos puníveis pela Lei Anticorrupção. Na próxima aula estudaremos a interface entre a Lei Anticorrupção e a Lei de Licitações, os seus respectivos dispositivos aplicáveis, os limites de competência e processamento e o papel do Ministério Público.
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