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128 Unidade III Unidade III 7 PERFIL BIOQUÍMICO DAS ENFERMIDADES ÓSSEAS 7.1 Metabolismo dos íons (cálcio e fósforo) O cálcio e o fósforo são os principais minerais responsáveis pela saúde óssea. A matriz óssea é formada de uma parte flexível e orgânica, com cerca de 35% da composição do osso apresentando colágeno tipo 1, e uma parte rígida e inorgânica, cerca de 65%, impregnada por cristais de hidroxiapatita – Ca10(PO4)6(OH)2 – e substância fundamental amorfa (SFA), nada mais que um gel incolor, hidratado, composto de proteoglicanas, glicosaminoglicanas (condroitin e queratan sulfato), proteínas envolvidas na mineralização (osteocalcina), proteínas ligantes de cálcio (osteoconectina, sialoproteína), proteínas de adesão celular (osteopontina, fibronectina), citocinas, fatores de crescimento, enzimas e água. Observação O colágeno contém muitos aminoácidos prolina e lisina que serão hidroxilados (ou seja, sofrerão a adição de hidroxila) pela ação da vitamina C. Esses íons -OH irão colaborar para o aumento do número de pontes de hidrogênio entre as três cadeias polipeptídicas do colágeno. As células chamadas osteoblastos promovem a síntese das fibras de colágeno e a concentração do cálcio e do fósforo provenientes do sangue (precipitando-se na forma de cristais de hidroxiapatita). Os osteoblastos transformam-se em osteócitos que não produzem mais a matriz óssea, mas atuam na sua manutenção, havendo, após a morte dessas células, a reabsorção da matriz. As células responsáveis por tal reabsorção, retirando a hidroxiapatita, degradando o colágeno e liberando esses produtos no sangue, são os osteoclastos. Logo após esse processo de absorção, ocorre a remodelação do tecido ósseo. Os cristais de hidroxiapatita são compostos de cálcio e fósforo, os chamados minerais principais ou elementos essenciais (pois, caso haja uma ingestão insuficiente de qualquer um deles, por meio da dieta, doenças carenciais poderão se desenvolver). Outros exemplos de elementos principais ou essenciais são magnésio, sódio, potássio, ferro, enxofre e cloro. Já os elementos traço são aqueles que o corpo humano necessita em quantidades muito pequenas (por isso, às vezes são chamados de oligoelementos), como é o caso de iodo, cobre, zinco, manganês, cobalto, molibdênio, cromo, flúor, níquel, vanádio, silício, boro e alumínio. 7.1.1 Metabolismo do cálcio Podemos dizer que o elemento cálcio é o mineral mais importante para o funcionamento do corpo humano. Cerca de 1% a 2% do peso corpóreo de um adulto está relacionado a esse íon, presente, majoritariamente, na forma de ossos e dentes. Mas o cálcio não participa apenas da rigidez dos ossos 129 BIOQUÍMICA CLÍNICA e dentes, desempenhando também outras funções como excitabilidade neuromuscular, permeabilidade da membrana, coagulação sanguínea, sinalizador celular e cofator enzimático. As necessidades diárias de ingestão de cálcio variam conforme a faixa etária, sendo maior na infância e adolescência (por causa do crescimento ósseo), na gravidez e na lactação (situações em que há uma deficiência de cálcio), e na atividade física (quando há absorção de cálcio). A recomendação para adultos (homens e mulheres) é de 1.000 mg/dia de cálcio, enquanto os adolescentes devem consumir 1.300 mg/dia. Alguns estudos sugerem que tanto o excesso quanto a falta não fazem bem à saúde, havendo risco de fraturas com uma ingestão diária abaixo de 800 mg e risco de problemas digestivos, cálculos renais, arritmias cardíacas e infarto do miocárdio, por deposição de cálcio na parede das artérias, quando tal ingestão excede os limites adequados. Leite e derivados são importantes fontes de cálcio, mas a cada dia vemos mais pessoas com intolerância à lactose, dificultando a ingestão de cálcio por essa via. Nesse caso, outras fontes possíveis são folhas escuras (como espinafre e acelga), soja, feijão-branco, gergelim, grão-de-bico, brócolis, linhaça e aveia, entre outros. A absorção do cálcio se dá no intestino delgado, sendo realizada de forma ativa pela mediação da vitamina D (chamada de 1,25-dihidroxivitamina D ou 1,25(OH)2D) e a ligação a uma proteína ligadora de Ca (Ca-Bp), e de forma passiva pela difusão simples ou facilitada com a ajuda do paratormônio (PTH) e do hormônio do crescimento (GH). Hormônios como glicocorticoides, excesso de hormônios tireoidianos e possivelmente calcitonina diminuem a absorção desse íon. A sua biodisponibilidade (que é a digestibilidade ou solubilidade para sua absorção) pode ser influenciada negativamente caso ocorra formação de sais insolúveis do cálcio com ácido fítico ou oxálico (que podem ser encontrados em fibras, importantes para o funcionamento do intestino) e formação de sabões (sabão de cálcio) pelo excesso de gordura, além de presença de cafeína e ferro. Saiba mais Nem todo cálcio ingerido é absorvido pelo corpo. Com o aumento da idade, podem ocorrer deficiência dietética de cálcio e diminuição na produção de vitamina D (provavelmente pela menor exposição aos raios solares). Completando o quadro, comumente há uma piora da função renal (e consequentemente da produção renal de vitamina D). No caso das mulheres, deve-se contar ainda com um agravante: em razão da menopausa, há uma diminuição do estrógeno, hormônio relacionado à retenção do cálcio no osso, processo esse que acaba estimulando a osteoporose. Você pode conhecer mais detalhes sobre o assunto por meio do artigo indicado a seguir. BUZINARO, E. F.; ALMEIDA, R. N. A.; MAZETO, G. M. Biodisponibilidade de cálcio dietético. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Matabologia, v. 50, n. 5, p. 852-861, 2006. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0004-27302006000500005. Acesso em: 20 dez. 2020. 130 Unidade III O cálcio do sangue encontra-se na forma ionizada (Ca2+) e ligado à albumina. Ele vai para o líquido extracelular (LEC) e entra nas células. (LIC ou líquido intracelular). Esse mineral pode: • ir para os dentes e ossos com a ajuda da vitamina D; • ir para o fígado (bile) e daí para o intestino, sendo liberado nas fezes; • ser filtrado nos rins e reabsorvido graças ao PTH e à vitamina D. Rins Paratireoide Tireoide Intestino Cálcio Ca2+ Sangue Osso Dente Fígado PTH Urina Calcitonina Boca Ânus Vit D Bile LEC LIC Figura 56 – Esquema do metabolismo do cálcio com a entrada e saída do osso (LEC=líquido extracelular, LIC= líquido intracelular, PTH = paratormônio) Quando baixa a calcemia, a glândula paratireoide libera o PTH e as células produtoras de calcitonina da tireoide são inibidas. Quando a calcemia está elevada, ocorre o contrário: a calcitonina é secretada e a paratireoide é inibida. O hormônio PTH aumenta o nível de cálcio no sangue atuando no osso, no rim (visa à reabsorção) e no intestino (PTH e vitamina D aumentam a absorção intestinal), enquanto a calcitonina diminui o cálcio no sangue (hormônio hipocalcemiante). Observação Sustentação de peso e estiramento muscular, repouso, falta de gravidade e imobilização causam rarefação do osso, enfraquecendo-o. Hipercalcemia O excesso de cálcio no sangue pode ocorrer nas seguintes situações: • maior entrada de cálcio no sangue e sua deposição no osso; • saída pela urina deficiente. 131 BIOQUÍMICA CLÍNICA Normalmente, a reabsorção óssea ligada ao câncer é o maior fator de hipercalcemia, mas essa condição também pode estar relacionada ao hiperparatireoidismo, à imobilização prolongada ou mesmo à ingestão exagerada de cálcio (na forma de antiácidos). Os sintomas iniciais incluem fadiga, náuseas, vômitos, poliúria, polidipsia, desidratação, cefaleia, perda de memória, torpor, problemas cardíacos e coma. Para diagnóstico laboratorial, pode-se pedir dosagem de cálcio total e ionizado no soro, além de se analisarem a filtração glomerular (depuração de creatinina), a dosagem do PTH e a dosagem de vitamina D. Os achados de ultrassom de pescoço com cintilografia, ultrassonografia de rins e vias urinárias podem ajudar na avaliaçãodo quadro clínico. A hipercalcemia pode ser tratada com hidratação e diuréticos de alça, como a furosemida, para aumentar a excreção urinária desse mineral. Hipocalcemia Trata-se de um quadro clínico que ocorre associado à alteração do fósforo (hipocalcemia com elevação ou com redução do fósforo no sangue). O quadro de hipocalcemia e hiperfosfatemia pode estar associado a hipoparatireoidismo, situações de pós-operatório e pós-radioterapia etc. Já o quadro de hipocalcemia e hipofosfatemia está associado com carência de vitamina D (ou pouca exposição aos raios solares), problemas de má absorção intestinal e doenças hepáticas. Os sintomas vão de fraqueza muscular até a perda de memória, confusão mental, alucinação, tremores, convulsões e depressão. No laboratório clínico, pode-se pedir dosagem de cálcio total e iônico, albumina sérica, fósforo e PTH, além da dosagem de magnésio, creatinina e vitamina D. Nos achados radiológicos, podemos citar calcificações intracranianas e alterações no eletrocardiograma. Por fim, o tratamento é realizado com a infusão de sais de cálcio no sangue ou vitamina D. 7.1.2 Metabolismo do fósforo O fósforo não está em sua forma livre no sangue, mas, sim, na forma de fosfato, mais precisamente em compostos relacionados à energia do corpo (como ATP e fosfocreatina), à ativação de substâncias (como aminoácidos, glicose, nucleotídeos e fosfolipídios), além de fazer parte da constituição de ossos e dentes. Os alimentos que apresentam cálcio são os mesmos que apresentam fósforo: cereais, nozes, amendoim, amêndoas, leite e seus derivados (incluindo sorvetes e iogurtes), vísceras (miolos, fígado, coração, língua, rins etc.), ervilha, feijão, chocolate, farinha de trigo integral, refrigerantes à base de cola, cerveja e alguns legumes, todos eles apresentam níveis elevados de fósforo. Atualmente, também é usado como aditivo alimentar por retardar a rancidez e remover os íons ferro e cobre, que são responsáveis pela auto-oxidação de lipídios na carne (como em presuntos e frangos congelados pré-embalados). 132 Unidade III Os sintomas da deficiência de fósforo são diminuição de apetite, anemia, fraqueza muscular, dor nos ossos e maior suscetibilidade a infecções. Quanto ao seu metabolismo, trata-se de um processo relacionado diretamente ao PTH, como representado na figura a seguir Rins Paratireoide Intestino Fosfato PO4 2- Sangue Osso Dente Fígado PTH Urina Boca Ânus Vit D Bile LEC LIC Figura 57 – Visão geral do metabolismo do fósforo. A deficiência de vitamina D provoca uma diminuição na eficiência da absorção intestinal de cálcio e fósforo, resultando em um aumento nos níveis de PTH Hiperfosfatemia O aumento de fosfato no sangue pode ser decorrente dos seguintes fatores: • não ser excretado na quantidade correta, tendo sua concentração no sangue aumentada (caso da doença renal crônica, do hipoparatireoidismo, da hemólise, da rabdomiólise, da hipertermia maligna, da leucemia e do linfoma); • haver aumento na ingesta; • haver tratamento com vitamina D; • haver redistribuição do fósforo intracelular (acidose respiratória). A hiperfosfatemia grave pode induzir a hipocalcemia (lembre-se da função do PTH no metabolismo desses dois íons), causando tetania e calcificações ectópicas (articulações e tecidos moles, assim como pulmão, rim e conjuntiva), com a possibilidade de calcificações pseudotumorais. No laboratório clínico, podemos diagnosticar esse quadro pelas dosagens de fósforo, cálcio total e iônico, albumina, magnésio e PTH analisadas em conjunto com achados radiográficos evidenciando calcificações de tecidos moles, articulações e depósitos pseudotumorais. Quanto ao tratamento, agentes quelantes de fósforo orais, como sais de alumínio, sais de cálcio e sais de magnésio, são comumente usados. 133 BIOQUÍMICA CLÍNICA Hipofosfatemia O decréscimo de fosfato no sangue pode ser decorrente dos seguintes fatores: • ingestão de fósforo insuficiente; • deficiência de vitamina D; • aumento da excreção renal (por hiperparatireoidismo ou insuficiência renal aguda), redução da absorção intestinal, diabetes mellitus, sepse, leucemias, problemas hepáticos e casos de alcoolismo. Os sintomas da hipofosfatemia podem chegar a encefalopatia metabólica, hemólise, trombocitopenia e alterações da contratilidade muscular (podendo influenciar na contratilidade do miocárdio). Para diagnóstico laboratorial, podemos citar dosagens de fósforo, cálcio total e iônico, albumina, magnésio, PTH, baixo número de glóbulos vermelhos e de plaquetas, além de achados radiográficos. A reposição oral de sais de fósforo é o método mais usado para tratamento. 7.2 Patologias mais comuns ligadas ao metabolismo de cálcio e fósforo 7.2.1 Osteoporose Situação em que há redução da densidade dos ossos, enfraquecendo-os e possibilitando fraturas. Vale destacar que os sintomas não se apresentam até ocorrer a fratura e que, embora a maior parte das fraturas seja dolorosa, algumas não causam dor, mas podem gerar deformidades. O envelhecimento, a deficiência de estrogênio, o baixo nível de vitamina D ou de ingestão de cálcio, além de alguns distúrbios, podem diminuir os valores dos componentes que mantêm a densidade óssea e a força. A osteoporose pode, geralmente, ser prevenida e tratada gerenciando-se os fatores de risco e garantindo a adequada ingestão de cálcio e de vitamina D, bem como através da prática de exercícios de suporte de peso e da ingestão de bifosfonatos ou outros medicamentos. Sabe-se que na infância e na juventude, a formação de ossos sobrepõe-se ao seu processo de degradação, aumentando em densidade progressivamente até cerca de 30 anos (período que estão mais fortes). No entanto, depois desse período, a degradação excede a formação, de forma que os ossos passam a ter sua densidade diminuída. Se o corpo for incapaz de manter uma quantidade adequada de formação óssea, os ossos continuam perdendo densidade e podem se tornar cada vez mais frágeis, levando à osteoporose. Na juventude, os ossos crescem (em largura e comprimento) à medida que o corpo cresce, já em idosos os ossos podem, algumas vezes, aumentar em largura, mas não em termos de comprimento. 134 Unidade III Observação Você já reparou que seus dentes se “movem”, podendo ficar “encavalados”? A explicação para isso é a remodelação óssea. Para que os ossos possam se ajustar às novas exigências, eles são degradados e remodelados, continuamente. Nesse processo, pequenas áreas do tecido ósseo são removidas continuamente e um novo tecido ósseo é depositado, afetando não apenas a forma como também a densidade dos ossos. Antes de prosseguirmos, é preciso assinalar que há dois tipos de osteoporose: a primária (espontânea) e a secundária (causada por outra doença ou medicamento). Baixos níveis de estrogênio estão associados à osteoporose em mulheres e homens, no entanto, no caso dos homens, se tal fato somar-se à baixa de hormônios sexuais masculinos, o quadro será pior. Como dito anteriormente, o risco de desenvolver osteoporose está relacionado com o uso de alguns medicamentos, mas também com o uso de tabaco, o consumo excessivo de álcool, o histórico familiar de osteoporose, alguns tipos de doença (como doença renal crônica e distúrbios hormonais – especialmente doença de Cushing, hiperparatireoidismo, hipertireoidismo, hipogonadismo, níveis elevados de prolactina e diabetes mellitus) e certos tipos de câncer (como mieloma múltiplo). Nos ossos longos, como os dos braços e das pernas, a fratura ocorre normalmente nas extremidades dos ossos, não em sua região central, e nas vértebras, ocorrem geralmente no meio ou na parte inferior das costas. Se várias vértebras quebrarem, uma curvatura anormal da coluna vertebral pode se desenvolver (corcunda de viúva), causando tensão muscular e dor, bem como deformidade. Quanto aos exames, podem ser feitas dosagens sanguíneas de cálcio, vitamina D e hormônios, além de perfil hepático e renal (no caso de osteoporosesecundária). Cabe ressaltar que todas as mulheres com 65 anos ou mais devem fazer o exame de densidade óssea (teste indolor, com pouca radiação), exame de grande importância por poder diagnosticar a osteopenia (quando a densidade óssea está diminuída, mas não como na osteoporose). 7.2.2 Osteomalácia Osteo significa osso e malácia, amolecimento. Tal quadro pode ser descrito como o enfraquecimento e a desmineralização dos ossos no adulto, circunstância que os deixa fracos e sujeitos a fraturas. Na prática, pode se apresentar como uma osteopenia e o paciente pode ter dor óssea. As principais causas da osteomalácia são deficiência de vitamina D, falta de exposição ao sol (a vitamina D é ativada pelos raios ultravioletas) ou falta de cálcio na dieta. Entre outras possíveis causas temos hepatopatias crônicas, insuficiência renal, câncer, acidose, uso prolongado de anticonvulsivantes etc. Como o osso contém fósforo, a deficiência desse mineral na dieta está relacionada com a saúde óssea também. 135 BIOQUÍMICA CLÍNICA Sensação de dormência ao redor dos lábios, nos braços ou nas pernas e espasmos musculares nas mãos, pés e garganta, além de dores ósseas e fraqueza muscular são os principais sintomas da osteomalácia. Para fazer o diagnóstico, além da análise dos sintomas, os índices plasmáticos de cálcio, fósforo e da fosfatase alcalina, considerados em conjunto com os exames de imagem, fecham o quadro clínico. O tratamento dessa patologia geralmente está ligado ao aumento de fosfatos e de vitamina D na dieta, por meio de alimentos como manteiga, ovos, óleo de fígado de peixe, derivados de leite, sucos de frutas e peixes como atum e salmão. Por fim, a prevenção da osteomalácia baseia-se em dietas com cálcio, fósforo e vitamina D, além de exercícios ao sol. 7.2.3 Raquitismo O raquitismo consiste em uma patologia relacionada a defeitos na mineralização óssea, defeitos esses iniciados na infância. Como causas, podemos citar deficiências nutricionais (de vitamina D, cálcio e fósforo), doenças gastrointestinais crônicas (particularmente a cirrose biliar primária), nutrição parenteral prolongada, lesões tubulares renais e insuficiência renal crônica. Observação O raquitismo em adultos é conhecido como osteomalácia ou ossos moles. Os sintomas mais comuns são deformidades ósseas, como maior espessura, maior extensão e menor grau de mineralização. O diagnóstico físico é feito com base em fraqueza muscular, dor óssea generalizada, deformidades de ossos longos e fraturas patológicas, levando a déficit de crescimento e anormalidades cranianas. Nesse quadro, os achados radiológicos mostram alterações mais frequentes em ossos longos. No laboratório clínico verificamos valores baixos ou normais de cálcio e fósforo e níveis elevados da fosfatase alcalina no sangue, refletindo o aumento da remodelação óssea, além de PTH elevado no sangue e níveis baixos de vitamina D. O exame de densitometria óssea não irá apresentar osteopenia nem osteomalácia no caso do raquitismo hipofosfatêmico, embora as manifestações clínicas e radiológicas sejam parecidas com o raquitismo por falta de cálcio, mas, como a calcemia é normal, não há estímulo na paratireoide (hiperparatiroidismo secundário), não havendo reabsorção óssea. Vários tipos de câncer podem levar ao raquitismo hipofosfatêmico oncogênico, pois essas células transformadas produzem proteínas (fatores) que agem nos túbulos renais, inibindo a reabsorção proximal de fósforo. A vitamina D pode ser obtida por duas vias: síntese a partir do acetil Co-A e ativada pela exposição solar (durante 20 minutos, sem protetor solar) ou através da alimentação (sendo necessária sua ativação também). Como a síntese pode ser realizada também nos rins, pacientes com insuficiência renal crônica não são capazes de produzir vitamina D ativa suficiente. A vitamina D inibe a produção do PTH e mantém as concentrações de cálcio e fósforo normais no osso. 136 Unidade III Saiba mais A vitamina D é muito mais que uma vitamina; certos pesquisadores veem-na, inclusive, como se fosse um hormônio. Sua carência está relacionada não só com a saúde óssea, mas também com o risco de desenvolvimento de alguns tipos de câncer, com o aparecimento de diabetes, hipertensão e abortos no início da gestação, pode ainda estar relacionada com doenças neurodegenerativas e autoimunes, como esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson. Você pode obter mais detalhes sobre esse assunto por meio do artigo indicado a seguir. GRANT, W. Vitamin D may reduce the risk of dominantly inherited Alzheimer’s disease. Disponível em: https://celsogallicoimbra.com/2012/0 7/26/vitamina-d-e-alzheimer-vitamin-d-may-reduce-the-risk-of-do minantly-inherited-alzheimers-disease/. Acesso em: 20 dez. 2020. 7.3 Marcadores bioquímicos de metabolismo ósseo atualmente em uso Os principais marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo atualmente em uso são divididos entre os que refletem formação e os que refletem reabsorção do osso. A remodelação óssea apresenta um ritmo circadiano, com maiores níveis durante a noite, motivo pelo qual a primeira urina da manhã (ou a amostra de soro coletada nesse horário) reflete o pico de reabsorção óssea, apresentando valores seguramente mais altos que uma amostra colhida em outro horário. Os melhores marcadores séricos de formação (fosfatase alcalina óssea e osteocalcina) devem ser considerados mediante a interpretação dos valores de meia-vida biológica, pois a fosfatase alcalina óssea tem em torno de 1,6 dia, e a osteocalcina menos de uma hora de existência. Dessa forma, crises agudas estão relacionadas com os níveis de osteocalcina. Deve-se ressaltar que o ciclo menstrual pode influenciar nos níveis de marcadores bioquímicos, estando esses mais elevados durante a fase lútea (em comparação com a fase folicular). 7.3.1 Marcadores de reabsorção óssea A seguir temos os principais marcadores de reabsorção óssea. Vejamos cada um deles. • Fosfatase alcalina óssea: apresenta sequência igual à da isoenzima hepática (fosfatase alcalina hepática), estando em quantidades equivalentes no soro, mas podendo ser separadas por meio das diferenças na glicosilação após sua síntese. 137 BIOQUÍMICA CLÍNICA • Osteocalcina: é uma proteína de matriz óssea marcadora da atividade do osteoblasto, ou seja, está envolvida na formação do osso, não sendo um marcador de reabsorção óssea. É destruída quando há reabsorção pelos osteoclastos. • Hidroxiprolina urinária: com o desenvolvimento dos métodos mais específicos para avaliação da reabsorção óssea, essa técnica tem sido abandonada. • Interligadores do colágeno (cross-links): estruturas interligadoras composta de três radicais hidroxilisina (chamada de piridinolina) ou uma lisina e duas hidroxilisinas (deoxipiridinolina). As piridinolinas atuam como interligadores nos colágenos tipo I, II e III, sendo encontrada na maioria dos tecidos. Quando acontece a reabsorção óssea, os osteoclastos secretam uma mistura de proteases ácidas e neutras que degradam as fibrilas colágenas em fragmentos de diferentes tamanhos, os quais são lançados no sangue, chegam ao fígado e são metabolizados; então, os metabólitos produzidos vão para o sangue e para os rins, onde serão excretados. Os exames de check-up com marcadores bioquímicos e uso de imagem têm a função de diagnóstico e seguimento/tratamento da osteoporose. 7.4 Perfil funcional tireodiano: triiodotironina total e livre, tetraioiodotironina e calcitonina A glândula tireoide localiza-se sobre a traqueia e apresenta dois lobos (um de cada lado da laringe) pesando aproximadamente 20 gramas, com formato de borboleta. Os hormônios da tireoide (T3 e T4) atuam em várias reações químicas do organismo: regulando o metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas; influenciando desde o crescimento e desenvolvimento do organismo até questões como ciclo menstrual, fertilidade, perda de cabelos, emagrecimento etc. Podem ocorrer sintomas psicológicos tanto no hipotireoidismocomo no hipertireoidismo, entre os quais dificuldade de raciocínio, insônia, ansiedade até depressão grave. A tireoide é formada por células chamadas de parafoliculares (que produzem calcitonina) e células foliculares, que contêm substância amorfa de nome colóide, composto de glicoproteína chamada tireoglobulina (Tg) na qual o íon iodeto, que veio do plasma, se liga em suas tirosinas na forma de iodo por intermédio da enzima peroxidase que oxida iodeto em iodo. Essa enzima é estimulada pelo hormônio da hipófise TSH - hormônio estimulante da tireoide, que por sua vez é estimulada por fator de liberação de tireotropina (TRF) produzido no hipotálamo. Lembrete O hormônio hipocalcemiante, já citado anteriormente, inibe a ação dos osteoclastos, ou seja, inibe a reabsorção óssea. 138 Unidade III A Tg é uma forma de armazenamento de precursores de T3 e T4, pois dispõe de monoiodotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT), que se combinam da seguinte forma: MIT + DIT = T3 e DIT + DIT = T4 Lembrete O T3 (hormônio tri-iodotironina) possui três átomos de iodo em sua molécula, enquanto o T4 (tetra- iodotironina ou tiroxina) possui quatro iodos. Quando os níveis de T3 e T4 no sangue aumentam, o hipotálamo para de secretar TRF, que não estimula mais o TSH. O T4 é metabolizado no fígado em sua forma mais ativa: o T3. Apesar de a maior parte do T3 ser derivada do T4, a tireoide também produz esse hormônio, ainda que em menores quantidades. 7.4.1 Patologias relacionadas com o funcionamento da tireoide Hipotireoidismo O hipotireoidismo é causado por qualquer alteração estrutural ou funcional que interfira na produção de níveis adequados do hormônio tireoidiano. As principais causas associadas são: tireoidite de Hashimoto, doença autoimune, deficiência de iodo, disgenesia tireoidiana e falência hipofisária. O hipotireoidismo associado à tireoidite de Hashimoto é considerado a forma mais comum de hipotireoidismo. Nesse caso, anticorpos circulantes (sobretudo anticromossomais), antiperoxidase tireoidiana e antitiroglobulina são produzidos e direcionados contra a tireoide, normalmente associando-se ao aparecimento do bócio. É comum na tireoidite de Hashimoto notar o aumento indolor da tireoide, bastante comum em mulheres na meia-idade. Os sintomas variam conforme a idade em que se inicia a insuficiência da glândula tiroide, no entanto, entre os principais sinais e sintomas temos: fraqueza, fadiga, sinais da presença de mixedema (como pele áspera, seca, descamativa, sem elasticidade), rouquidão, anorexia, distensão abdominal e nistagmo. 139 BIOQUÍMICA CLÍNICA Figura 58 – Bócio indicando hipofunçao tireoidiana O hipotireoidismo congênito (ou cretinismo) afeta o crescimento (levando à pequena estatura do indivíduo, uma vez que o esqueleto apresenta um crescimento deficiente), causando ainda debilidade mental, cabeça com um tamanho maior que o comum, assim como pernas curtas e falhas na dentição. No hipotireoidismo adulto os efeitos fisiológicos são outros, como queda da frequência cardíaca, apatia, aumento de peso e tumefação da pele (mixedema). Observação O teste do pezinho é um exame laboratorial simples, mas com um importante objetivo: detectar doenças congênitas, doenças relacionadas a distúrbios do metabolismo e infecções. Tal exame se dá pela análise de gotas de sangue do recém-nascido. Hipertireoidismo Os sintomas mais frequentes são: intolerância ao calor, metabolismo basal alto, aumento da frequência cardíaca, perda de peso, tremor nas mãos, nervosismo e outras perturbações psíquicas. Também podem estar presentes protusão dos globos oculares (exoftalmia) e bócio (papo). Observação O bócio pode ser endêmico, como resultado da falta de iodo em determinadas áreas geográficas. A falta de iodo no organismo impede a transformação da tiroglobulina em tiroxina, e o baixo teor de tiroxina no sangue, por sua vez, provoca a liberação constante de tirotrofina pela hipófise (feedback). Essa estimulação prolongada da glândula tireoidea, por fim, leva à hiperplasia (bócio). 140 Unidade III Doença de Graves A doença de Graves é a principal causa de hipertireoidismo. É uma doença autoimune de etiologia não esclarecida, com predisposição genética e influenciada por muitos fatores, podendo, inclusive, afetar a visão do indivíduo (nesse caso, temos a chamada oftalmopatia de Graves, que é alteração na órbita do olho). Para se fazer o diagnóstico de doença de Graves, deve-se analisar sintomas e fazer o levantamento de hormônios da tireoide no sangue (como TSH, T4 e anticorpos contra a tireoide). Como a tireoidite de Hashimoto, outro exemplo de doença autoimune que atinge a tireoide, a doença de Graves é uma condição autoimune na qual o sistema imunológico estimula excessivamente a tireoide, fazendo com que ela produza grandes quantidades de hormônio tireoidianos, consequentemente aumentando o volume da tireoide. Para diagnóstico de doença de Graves, costuma-se medir dois anticorpos: • anticorpo antirreceptor de TSH (denominado de TRAB) no soro, indicando doença autoimune em atividade; esse anticorpo ataca os receptores de TSH na tireoide e pode estimulá-los ou bloqueá-los (quando estimula os receptores causa hipertireoidismo e quando os bloqueia causa hipotireoidismo); • anticorpos antitireoglobulina (TgAb), que se mostram elevados em outra patologia autoimune que afeta a tireoide, a tireoidite de Hashimoto. O resultado de TSH reduzido com nível elevado de tiroxina livre (T4 livre) confirma o diagnóstico clínico de hipertireoidismo. No início da doença, a triiodotironina (T3 livre) eleva-se e o nível de T4 livre fica normal. No doente com hipertireoidismo e bócio difuso, os sinais de oftalmopatia e dermopatia são suficientes para confirmar o diagnóstico. Concentrações elevadas de anticorpos anti-TPO e cintilografia detectam bócio difuso (mostrando captação de iodo difusa). Tireodite de Hashimoto A tireoidite de Hashimoto (ou tireoidite linfocítica crônica) consiste na inflamação da tireoide causada por um erro do sistema imunológico (doença autoimune), com o organismo fabricando anticorpos contra a tireoide. Essa doença está relacionada com áreas onde há deficiência de iodo, levando as pessoas a apresentarem bócio e hipotireoidismo. 141 BIOQUÍMICA CLÍNICA Saiba mais Em 1953 foi promulgada no Brasil uma lei que obriga a iodação do sal; logo após, vários países resolveram adotar o mesmo procedimento. O sal de cozinha brasileiro apresenta uma quantidade de iodo que varia entre 15 mg/kg e 45 mg/kg. Com essa medida, os casos de bócio por falta de iodo diminuíram, no entanto, os casos de bócio persistem, ainda que por outras causas (como hipertireoidismo, tireoidite de Hashimoto, tumores, infecções e o uso de alguns medicamentos). BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 6.150, de 3 de dezembro de 1974. Dispõe sobre a obrigatoriedade da iodação do sal, destinado ao consumo humano, seu controle pelos órgãos sanitários e dá outras providências. Brasília, 1974. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6150. htm#:~:text=O%20PRESIDENTE%20DA%20REP%C3%9ABLICA%20 %2C%20fa%C3%A7o,metaloide%20por%20quilograma%20do. Acesso em: 20 dez. 2020. A dieta com pouco iodo pode levar a natimortos, no caso de gestantes, além do nascimento de crianças com baixo peso, aumento da probabilidade de abortos e também de mortalidade materna. Entre os distúrbios por deficiência de iodo (DDI), podemos citar também: cretinismo em crianças (retardo mental grave e irreversível), surdo-mudez e anomalias congênitas, bem como a manifestação clínica mais visível, o bócio (crescimento da glândula tireoide). A antiperoxidase tireoidiana (anti-TPO) é um anticorpo que ataca a glândula tireoide e, se estiver alto em relação ao nível de referência, indica lesão autoimune da glândula, que pode se dar, como visto anteriormente, em decorrência da tireoidite de Hashimoto ou da doença de Graves. Cansaçoe intolerância ao frio são sintomas iniciais e os pacientes deverão tomar hormônio tireoidiano pelo resto da vida. Níveis sanguíneos dos hormônios tireoidianos tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) e do hormônio estimulante da tireoide (TSH), além dos anticorpos antitireoidianos, conduzem ao diagnóstico final. Algumas pessoas apresentam uma função normal da tireoide, mas, em razão do desenvolvimento de doenças preexistentes como diabetes ou outras doenças autoimunes (caso de anemia perniciosa, artrite reumatoide, síndrome de Sjögren ou lúpus eritematoso sistêmico) a glândula se torna hipoativa. A esse rol podemos adicionair ainda casos de anomalias cromossômicas como síndrome de Down, síndrome de Turner e síndrome de Klinefelter. 142 Unidade III De forma geral, os exames de laboratório que refletem o perfil da tireoide são TSH, T3 Total, T3 Livre, T4 Total e T4 Livre, além da determinação de anticorpos contra a tireoide. Para saber a causa da disfunção, deve-se pedir exames complementares (hemograma, exames imunológicos e de imagem). É importante ressaltar que o TSH é o teste mais confiável para detectar hipo e hipertireoidismo. Quando uma pessoa apresenta sintomas ligados ao hipertireoidismo, como nervosismo, perda de peso, irritabilidade e náuseas, pede-se TSH ou T4, e T3, que pode estar aumentado, diminuído ou normal (não esqueça que o T4 se transforma em T3 quando necessário). Vejamos algumas possibilidades. • T3 total: T3 livre (hormônio que está ativo) + T3 ligado a proteínas. • T3L ou simplesmente T3 alto: confirma o diagnóstico de hipertireoidismo (doença de Graves). • T3L ou simplesmente T3 baixo: pode indicar tireoidite de Hashimoto, hipotireoidismo neonatal ou hipotireoidismo secundário. • T3 reverso: é a forma inativa do hormônio derivada da conversão do T4; nos pacientes com hipotireoidismo tem índices baixos e nos pacientes com hipertireoidismo está elevado. • T4 total (T4 livre + T4 ligado a proteínas): o T4 é transportado pelo sangue até os órgãos ligado a proteínas, mas está inativo, tornando-se ativo ao chegar nos tecidos, sendo, então, liberado. • T4 livre: hormônio ativo (menos de 1% do T4 total). • Anticorpo anti-peroxidase (anti-TPO): detecta tireoidite de Hashimoto. • Anticorpo anti-tireoglobulina (anti-Tg): qualquer alteração da tireoide, possivelmente tireoidite de Hashimoto. • Anticorpo antirreceptor de TSH (anti-TRAB): relacionado com casos de hipertireoidismo (doença de Graves). Ultrassonografia da tireoide (para avaliar o tamanho da glândula e a presença de alterações como cistos, tumores, bócio ou nódulos), bem como cintilografia da tireoide (investigação de nódulos suspeitos de câncer) e punção da tireoide (identificação citológica do nódulo ou cisto confirmando se é benigno ou maligno) ajudam a fechar o diagnóstico. 143 BIOQUÍMICA CLÍNICA Saiba mais Da mesma forma que se faz o autoexame das mamas, pode-se fazer o autoexame da tireoide a fim de verificar a existência de cistos ou nódulos na glândula (principalmente, por mulheres com mais de 35 anos ou com histórico familiar de problemas na tireoide). Conheça o passo a passo acessando o endereço indicado a seguir. Nele você encontrará ainda mais informações sobre a tireoide. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA. Autoexame. Disponível em: http://tireoide.org.br/auto-exame/. Acesso em: 20 dez. 2020. 7.5 Perfil funcional das paratireoides e situações patológicas: hipoparatireodismo e hiperparatireodismo As paratireoides são quatro pequenas glândulas localizadas sobre a tireoide e pesam cerca de 140 mg. Apesar de compartilharem o mesmo sítio anatômico, têm funções diferentes. O único hormônio produzido, o paratormônio (PTH), está relacionado com o metabolismo do cálcio e do fósforo, aumentando a eliminação de cálcio e fósforo pela urina e retirando o cálcio dos ossos, além de favorecer a absorção de cálcio pelo intestino, junto com a vitamina D ativada. 0,8 4,4 0 8 16 244 12 20 Tempo Fosfato Cálcio In je çã o de h or m ôn io pa ra tir eó id eo Cá lc io 5,2 6,0 4,8 5,6 6,4 1,2 1,0 1,4 Figura 59 – Gráfico mostrando o efeito da administração de paratormônio sobre as concentrações de cálcio e fosfato no plasma sanguíneo Como o PTH age nos rins, se a pessoa tiver problemas renais, esse hormônio não induzirá a produção de vitamina D nem a excreção de fósforo sérico na urina. Sendo assim, a única função desse hormônio será tirar o cálcio dos ossos, deixando o fósforo ainda alto no sangue. Dessa forma, a paratireoide 144 Unidade III fica sempre estimulada a produzir mais e mais hormônio na tentativa de retirar o fósforo do sangue, desencadeando o hiperparatireoidismo. Lembrete O paciente com insuficiência renal não produz vitamina D em quantidade suficiente para manter seus ossos saudáveis. Pelo contrário, ele produz um excesso de PTH, que leva à desmineralização dos ossos. Hipoparatireoidismo O trauma cirúrgico em cirurgias de tireoide/paratireoide e neoplasias de cabeça e pescoço são as causas mais frequentes de hipoparatireoidismo, já as doenças autoimunes das paratireoides são a segunda causa mais frequente. Quando há deficiência de paratormônio, ocorre a redução do cálcio sanguíneo, aumentando o nível do fósforo sérico e diminuindo a excreção renal do cálcio e do fósforo. Tal quadro, por sua vez, leva à tetania muscular por hiperexcitabilidade dos tecidos nervoso e muscular, causada, basicamente, pela insuficiência dos íons de cálcio no sangue. Níveis baixos de PTH, a dosagem de albumina (para cálculos de correção do cálcio), fósforo, magnésio, vitamina D e dosagem de cálcio em urina de 24 horas são importantes fatores para o diagnóstico de hipoparatireodismo. Os sintomas mais frequentes são espasmos musculares, tetania e convulsões, além de alterações no eletrocardiograma. O hipoparatireoidismo é essencialmente muito mais comum que o hiperparatireoidismo, existindo inúmeras causas genéticas associadas. O hipoparatireoidismo pode ser induzido cirurgicamente quando na tireoidectmia há a remoção, por vezes negligente, das paratireoides, também pode se desenvolver em decorrência de doença autoimune e mutação autossômica dominante atrelada a uma maior sensibilidade ao cálcio com diminuição da síntese de PTH associada. Entre os sinais e sintomas, destacam-se: hipocalcemia, irritabilidade neuromuscular, formigamento nas extremidades dos dedos, laringoespasmo e má absorção intestinal. No entanto, vale ressaltar que o hipoparatireoidismo pode ser assintomático. As complicações possíveis incluem arritmias, catarata, déficit do crescimento, retardo mental e sintomas parkinsonianos. Hiperparatireoidismo Quando as glândulas paratireoides funcionam em excesso, produzindo muito PTH, a pessoa se sente fraca, sem apetite, apresentando emagrecimento, coceira, náuseas, vômitos, aumento do volume urinário, sonolência, confusão mental, depressão, delírios e dores ósseas, podendo chegar a insuficiência renal, atrofia muscular, alterações visuais, hipertensão arterial e alterações do eletrocardiograma. 145 BIOQUÍMICA CLÍNICA O hiperparatireoidismo pode ocorrer de forma primária, secundária e raramente terciária. Em sua forma primária, trata-de de uma consequência da superprodução independente de paratormônio (PTH); já nas formas secundária ou terciária, normalmente ocorre como uma complicação da insuficiência renal crônica. O hiperparatireoidismo primário é uma causa bastante comum, incluindo hipercalcemia, e é resultante de uma secreção excessiva do paratormônio. Os sinais e sintomas de hiperparatireoidismo primário incluem poliúria, noctúria, dor lombar crônica, pancreatite e fraqueza muscular. Em razão do hiperfuncionamento das glândulas paratireoides podem surgir várias lesões subjacentes como adenoma, hiperplasia primária (difusa ou nodular) e carcinoma paratireoidiano. As características clínicas do hiperparatireoidismo secundário são geralmente manifestas pelos sintomas da falênciarenal crônica. O hiperparatireoidismo secundário pode promover as mesmas complicações que podem ser observadas nas situações de desequilíbrio de cálcio, com deformidades esqueléticas, sobretudo de ossos longos como no raquitismo. No hiperparatiroidismo primário, há o aumento de cálcio no sangue (hipercalcemia) e na urina (hipercalciúria), perda óssea de cálcio e pedras nos rins (cálculo renal). Esse quadro clínico pode ser provocado por tumores benignos (adenomas). Geralmente é assintomático e são encontradas pedras nos rins constantemente, além de problemas ósseos que podem vir acompanhados de depressão e confusão mental, evoluindo para doenças cardiovasculares e alterações ósseas. No hiperparatiroidismo secundário, relacionado à perda da função renal, pode ocorrer hipocalcemia e hiperfosfatemia. Ultrassonografia, cintilografia, tomografia e ressonância magnética podem mostrar alterações na região do pescoço. 7.6 Metabolismo do ferro O ferro é um elemento químico vital para a sobrevivência celular. Ele está envolvido na síntese de hemoglobina e mioglobina e na prevenção de doenças como as anemias. No entanto, seu excesso também pode contribuir para a formação de radicais livres, promovendo, dessa forma, um agravamento do processo inflamatório. O ferro participa de uma série de reações químicas, sendo encontrado em inúmeras proteínas (como as flavoproteínas e as hemeproteínas) e participando ainda da transferência de elétrons na cadeia respiratória, do transporte de oxigênio pela hemoglobina ou como cofator de enzimas (caso das catalases e das peroxidases). 7.6.1 Absorção e metabolismo do ferro O ferro pode ser adquirido de duas formas: por meio da dieta ou pela degradação dos eritrócitos (a qual promove a liberação do ferro presente na hemoglobina). Na dieta, podemos encontrar o ferro heme e o ferro não heme. O ferro não heme é o ferro inorgânico encontrado como ferro férrico (Fe3+), proveniente de vegetais e grãos; já o ferro heme está presenta na carne vermelha, no frango, em peixes, 146 Unidade III ovos e laticínios. Além disso, fatores como idade, sexo, fatores hormonais, gestação e procedimentos cirúrgicos (como a gastrectomia) também influenciam a taxa de ferro varia de indivíduo para indivíduo. Mas como ocorre a absorção do ferro? O ferro sofre ação do suco gástrico, que o estabiliza, promovendo sua ligação a mucina; então, ele é absorvido pela borda em escova dos enterócitos do duodeno e do jejuno. Na borda em escova, o ferro sofre ação da redutase férrica, que converte o ferro férrico (Fe3+) em ferro ferroso (Fe2+). A partir daí, o ferro pode seguir dois caminhos: ficar no enterócito armazenado sob a forma de ferritina liberada da protoporfirina pela heme oxigenase ou atravessar a membrana basolateral indo em direção ao plasma. Lembrete Fatores como idade, sexo, fatores hormonais, gestação e procedimentos cirúrgicos também influenciam a taxa de ferro de um indivíduo. Há substâncias que podem facilitar a absorção do ferro (como ácido ascórbico, sorbitol, hidroquinona, lactato e frutose), permitindo, assim, um melhor aproveitamento do ferro consumido (seja pela dieta normal ou pela ingestão de suplementos). Mas como o ferro se desvencilha do enterócito, em direção ao sangue? Para isso, o ferro precisa atravessar duas membranas celulares, a membrana apical e membrana basolateral. Na membrana apical há um transportador conhecido como DTM1 (transportador de metal divalente 1), que age concomitantemente em relação à redutase férrica; na membrana basolateral é a ferroportina acoplada à hefaestina, uma proteína transmembrana, que será responsável pela oxidação do Fe3+, facilitando sua ligação à transferrina (TFR). Hefaestina Ferroportina FerritinaRedutase e férrica Fe2+ Fe2+ DTM1 M em br an a ap ic al M em br an a ba so la te ra l Fe3+ Fe3+ Transferina Fe3+Transferina Enterócito Figura 60 – Transporte de ferro para o enterócito 147 BIOQUÍMICA CLÍNICA Após atravessar o enterócito, o ferro é transportado pela transferrina para a medula óssea, em particular para os eritroblastos que se diferenciam em eritrócitos. Uma vez nos eritroblastos, a TFR liga-se ao seu receptor RTFr (receptor de transferrina), na qual o complexo transferrina/ferro é endocitado em decorrência da acidificação do meio, promovendo, então, o desacoplamento do transportador TFR. Por fim, esse ferro liberado será transportado para a mitocôndria, onde será acoplado à protoporfirina para a síntese do heme. 7.6.2 Biossíntese e catabolismo do heme O heme, um anel de porfirina com um átomo de ferro, é sintetizado a partir da glicina e da succinil- CoA, as quais se condensam formando o ácido-delta-aminolevulínico (δ-ALA), que é catalisado pela enzima δ-ALA-sintase com a participação do piridoxal fosfato. Posteriormente, ocorre a condensação de duas moléculas de δ-ALA, catalisadas pela δ-ALA-desidratase, formando o pirrol porfobilinogênio, o qual fornecerá quatro anéis a partir dos quais será composta uma série de porfirinogênio. As cadeias laterais desses porfirinogênios são grupos acetila e propionil. Os grupos acetila sofrem descarboxilação formando grupos metila, já o propionil, por sua vez, é descarboxilado e oxidado para compor os grupos vinil, formando o protoporfirinogênio. As pontes de metileno, então, são oxidadas para formar a protoporfirina IX, assim, o Fe2+ é incorporado a essa protoporfirina para ser catalisado pela heme–sintase. Glicina + succinil CoA ↓ Ácido delta aminolevulínico ↓ Porfobilinogênio ↓ Uroporfirinogênio III ↓ Coproporfirinogênio III ↓ Protoporfirinogênio IX ↓ Protoporfirina IX ↓ Porfirina ↓ Heme Figura 61 – Síntese do heme A partir da degradação do heme, obtêm-se vários compostos, entre eles o monóxido de carbono e a biliverdina. A biliverdina é reduzida a bilirrubina, a qual será transportada para o fígado formando um complexo com a albumina sérica. Dessa forma, a bilirrubina indireta é convertida em direta (convertida em urobilinogênio), sendo excretada em parte na urina e em parte nas fezes (como estercobilina). 7.6.3 Avaliação laboratorial do ferro A investigação laboratorial é o ponto de partida para avaliar os distúrbios do metabolismo do ferro. Isso porque tanto sua deficiência quanto seu excesso podem gerar inúmeras complicações: anemias, 148 Unidade III alterações na diferenciação das células da linhagem eritroide e alterações na formação de hemoglobina e na cadeia respiratória no caso de deficiência; formação de radicais livres que contribuem para o agravamento de doenças neurodegenerativas (como esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson) em casos de excesso. Agora que você já compreendeu a importância do ferro no metabolismo, vejamos os testes laboratoriais relacionados a fim de compreender os resultados, determinar corretamente o diagnóstico do paciente e propor a terapêutica mais adequada para o caso (farmacológica ou não). Dosagem de ferro sérico A dosagem de ferro sérico corresponde à determinação do ferro circulante incorporado à transferrina, no entanto, para obtermos uma dosagem precisa, faz-se necessário o desacoplamento dessa proteína carreadora. Dessa forma, teremos um decréscimo do pH com a adição de ácido ascórbico ou outro reagente, uma vez que o ferro livre irá se complexar a um cromógeno (que pode ser ferrozina ou batofenantrolina), sendo, em seguida, analisado por um espectrofotômetro, o qual determinará a quantidade exata de ferro sérico presente no soro do paciente. É importante lembrar que o paciente deve estar em jejum de pelo menos três horas para colher o material biológico, da mesma forma que é imprescindível que a coleta seja feita, no máximo, até as 11 horas da manhã, devido ao ciclo circadiano. Caso contrário, poderá haver um erro no resultado laboratorial, o qual, então, não corresponderá ao verdadeiro quadro clínico do paciente, principalmente no caso de suspeita de tumores ou processos inflamatórios agudos e crônicos. Dosagem de transferrinasérica A transferrina, como descrito anteriormente, é uma proteína carreadora, sendo assim, sua síntese é proporcional à quantidade de ferro presente no organismo. Sua taxa pode ser quantificada por meio de imunonefelometria. Ferritina Sua quantificação é importante para determinar os estoques de ferro no organismo, por exemplo, sabe-se que 1 µg/L de ferritina equivale a algo entre 8 e 10 mg de ferro em estoque e também para se fazer o diagnóstico diferencial das anemias. Outro fator a ser considerado é que, havendo concentrações elevadas de ferritina, deve-se pensar nas possibilidades de hemocromatose, causas hereditárias e doenças crônicas (como hepatite e cirrose). Capacidade total de ligação do ferro (TIBC) É a quantidade máxima de ferro que pode se ligar à transferrina, ou seja, é um teste laboratorial no qual a transferrina é quantificada de forma indireta. 149 BIOQUÍMICA CLÍNICA Saturação de transferrina Trata-se de uma relação matemática entre o ferro sérico e a transferrina que avalia a deficiência ou a sobrecarga de ferro no organismo, além de doenças secundárias ao processo inflamatório. É caracterizada pela fórmula a seguir. % Saturação = Ferro sérico x 100 TIBC É válido ressaltar que a determinação desse teste pode ser feita por ELISA ou por nefelometria. 7.6.4 Correlações clínicas do perfil do ferro em algumas doenças A anemia é definida como uma síndrome caracterizada pela diminuição de massa eritrocitária total. Laboratorialmente, é definida como hemoglobina menor que 12 g/dl em mulheres ou 13 g/dl em homens. Na gravidez existe anemia relativa, por hemodiluição, além daquela por carência nutricional, principalmente, por deficiência de ferro e ácido fólico. Na gestação, os limites considerados normais para o valor da hemoglobina caem para 10% e os do hematócrito para 30%. A avaliação inicial do paciente com anemia inclui anamnese e exame físico minuciosos, além de exames laboratoriais. Os sintomas relacionados à anemia dependem da idade, da capacidade física, do grau de anemia e do tempo de evolução. Pacientes com evolução aguda apresentam valores mais altos de hemoglobina, enquanto que os de evolução crônica exibem valores mais baixos. Os sintomas usuais incluem astenia, cansaço, fraqueza, falta de ar e palpitações. No exame físico, o achado mais característico é a palidez mucocutânea. A investigação laboratorial inicial consiste na realização dos seguintes exames: • hematócrito, hemoglobina e contagem de eritrócitos para avaliar o grau de anemia; • índices hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) para determinar se os eritrócitos são, em média, normocíticos (70 < VCM < 90), macrocíticos (VCM > 90) ou microcíticos (VCM < 70) e se são hipocrômicos (o aumento da amplitude de distribuição do volume dos eritrócitos (RDW) é uma medida de anisocitose); • contagem de reticulócitos para estimar se a resposta medular sugere incapacidade da produção, hemólise ou perda sanguínea recente; • exame microscópico da distensão sanguínea (lâmina de sangue periférico) para avaliar o aspecto dos eritrócitos e as alterações concomitantes dos leucócitos e das plaquetas. 150 Unidade III As síndromes anêmicas podem ser classificadas quanto à proliferação (pelo índice de reticulócitos) e quanto à morfologia (pela ectoscopia da hemácia ou valores de VCM e HCM). Anemia Hb < 10 g% Ht < 30% Reticulócitos < 2 Normocítica VCM = 70 a 90 - Anemia de doença crônica - Doença renal - Lesão medular Microcítica VCM < 70 - Deficiência de ferro - Talassemia minor - Anemia sideroblástica Macrocítica VCM > 90 - Deficiência de vitamina B12 - Deficiência de folato - Mielodisplasia Reticulócitos > 2 - Hemorragia aguda - Anemia hemolítica Figura 62 – Causas de anemia e sua classificação de acordo com a contagem de reticulócitos e com a morfologia das hemácias Anemia ferropriva A deficiência de ferro representa a causa mais comum de anemia. Para diagnóstico, realiza-se em casos de anemia microcítica e hipocrômica. Na anemia ferropriva, os níveis de Ferritina estão abaixo de 10 ng%, o ferro sérico abaixo de 30 mcg%, o que denota baixo estoque e alta capacidade de ligação ao ferro (TBIC). Sob o ponto de vista profilático, deve-se seguir com ferro oral, durante a gestação e a lactação, mantido por de três a seis meses após a recuperação dos níveis hematimétricos, a fim de manter reserva mínima de ferro (300 mg/dia de sulfato ferroso, 60 mg de ferro elementar). O tratamento é feito através de suporte nutricional e da reposição de ferro, preferencialmente por via oral: 900 mg/dia (180mg de ferro elementar), divididos em três tomadas. Nos casos de intolerância gastrointestinal ou de falha de resposta ao ferro oral, pode ser utilizado ferro por via parenteral: 10 ml ou 200 mg de hidróxido de ferro diluídos em 200 ml de soro fisiológico, durante uma hora, com administração semanal e em ambiente hospitalar. A transfusão de hemácias deverá ser reservada para pacientes com sintomas que denotam grave hipóxia tecidual. 151 BIOQUÍMICA CLÍNICA Anemia de doenças crônicas As anemias de doenças crônicas normalmente evoluem como uma anemia normocítica e normocrômica, geralmente de leve a moderada. Sua causa é multifatorial e as doenças infecciosas, as doenças autoimunes, as neoplasias e a insuficiência renal crônica são condições associadas. Nesse quadro, os exames laboratoriais demonstram ferritina normal, podendo também encontrar-se elevada, e ferro sérico baixo (em decorrência de desordem no metabolismo do ferro). O tratamento de suporte pode ser realizado com reposição de eritropoetina para os casos em que há deficiência e administração de ferro por via parenteral, enquanto a transfusão de concentrados de hemácias deve ser reservada para os pacientes sintomáticos. Hemocromatose É uma doença genética causada por deficiência de hepcidina, que resulta no acúmulo de ferro sistêmico. A hepcidina é uma das proteínas responsável pelo transporte de ferro sérico; quando sua fabricação é reduzida ou seu funcionamento é modificado, há efluxo de ferro pelo intestino por meio de outra proteína, a ferroportina. A doença é, predominantemente, encontrada em indivíduos de etnia branca, manifestando-se mais no sexo masculino. As mutações associadas à hemocromatose são, principalmente, no gene HFE, como a homozigose C282Y e heterozigose C282Y/H63D. No que diz respeito às manifestações clínicas associadas à hemocromatose, notamos por vezes a presença de pacientes assintomáticos e, quando sintomáticos, normalmente com comprometimento significativo de órgão-alvo. São manifestações da doença: hepatomegalia, cirrose, carcinoma hepatocelular, dor articular, osteoporose, unhas brancas/esbranquiçadas, coiloníquia, xerodermia, diabetes mellitus, fadiga etc. A investigação deve ser iniciada com sintomas e/ou sinais que sugiram hemocromatose; a saturação de transferrina pode ser a alteração laboratorial inicial para o desenvolvimento de hemocromatose, antes do aumento da ferritina. Indivíduos brancos (caucasianos) devem ser testados para mutação C282Y quando a ferritina encontra-se aumentada, independentemente dos níveis de transferrina; indivíduos não brancos com ferritina aumentada são investigados partindo da RNM de ferro. As alterações de deposição de ferro e a idade indicarão qual tipo de modificação genética deve ser pesquisada. O diagnóstico de hemocromatose se dá observando os passos listados a seguir. • Ferritina e saturação de transferrina normais ou reduzidas: diagnóstico improvável de hemocromatose. • Ferritina normal e saturação de transferrina aumentada: avaliar se o indivíduo é branco ou não branco. • Indivíduos brancos devem ser testados para C282Y (apenas homozigotos serão classificados como hemocromatose tipo 1; indivíduos não brancos com ferritina crescente entrarão na investigação do grupo a seguir). 152 Unidade III • Ferritina e saturação da transferrina aumentadas: indivíduos brancos devem ser testados para C282Ye indivíduos não brancos devem ser submetidos a RMN de ferro (a idade de cada indivíduo definirá o tipo de mutação a ser pesquisada posteriormente). • Ferritina aumentada e saturação de transferrina normal ou diminuída: solicitar RNM ferro (a avaliação do exame quanto ao acometimento do fígado e do baço determinará o tipo de mutação a ser pesquisada). Objetivando uma melhor compreensão acerca da participação do ferro no desenvolvimento ou agravamento de inúmeros processos patológicos, o quadro a seguir apresenta, resumidamente, as principais diferenças entre uma anemia carencial (ferropriva), uma anemia associada a doença crônica e a hemocromatose (normal, baixo e aumentado referem-se aos valores de referência adotados e padronizados pelo laboratório). Quadro 5 – Diferença dos parâmetros bioquímicos para as respectivas patologias Anemia ferropriva Anemia em doenças crônicas Hemocromatose Ferro sérico Diminuído Normal ou baixo Norma ou aumentado Ferritina Diminuído Normal ou aumentado Aumentado Transferrina Aumentado Normal ou baixo Normal ou baixo Saturação de transferrina Diminuído Normal ou baixo Aumentado TIBC Aumentado Normal ou baixo Normal ou baixo Adaptado de: Lorenzi (2006); Motta (2003). De acordo com esse quadro, existem várias causas que podem desencadear a perda ou ao aumento significativo de ferro. As mais comuns são carência nutricional, gestação, gastrectomia (total ou parcial) e hemorragias (internas ou externas). Outras causas podem ainda levar a complicações como redução intensa da oferta de oxigênio, acidemia, queda da capacidade do tamponamento da hemoglobina, aplasia medular, tumores e algumas doenças de características hereditárias. Lembrete A presença de processos inflamatórios, infarto do miocárdio e neoplasias podem reduzir os níveis de ferro sérico. Em contrapartida, podemos encontrar aumento na concentração de ferro em doenças hepáticas, eritropoiese ineficaz e sobrecarga de ferro. A anemia ferropriva por carência nutricional é a forma com tratamento mais simples (dieta adequada e suplemento a base de ferro). Em casos de sobrecarga de ferro, faz-se necessário o uso de quelantes, reduzindo, assim, os níveis séricos desse componente. 153 BIOQUÍMICA CLÍNICA 8 MARCADORES TUMORAIS As células lábeis e estáveis podem se dividir por mitose, com a função de renovar-se, já as células permanentes não possuem tal habilidade, pois seus núcleos não são providos dos meios necessários para dar início a essa divisão, caso dos neurônios e das fibras musculares estriadas. Quando ocorre a divisão descontrolada de um grupo celular falamos que essa proliferação leva a um tumor, que pode ser benigno ou maligno. Figura 63 – Esquema do ciclo celular e as fases No caso de um tumor benigno (neoplasia benigna), as células dividem-se normalmente, havendo o crescimento de um grupo de células semelhantes àquelas das quais se originaram. Nesse quadro, temos um prognóstico bom, e as células em excesso podem ser retiradas por meio de cirurgia, como no caso de lipomas (que ocorrem no tecido gorduroso), miomas (no tecido muscular liso) e adenomas (nas glândulas). No caso de um tumor maligno (câncer ou neoplasia maligna), a velocidade de proliferação do grupo celular é muito alta e incontrolável, com as células novas apresentando características próprias (ou seja, diferentes da célula que as originou); com a proliferação dessas células, enzimas e outras proteínas são produzidas de modo a influenciar vias metabólicas. Devemos salientar ainda a influência de fatores que propiciam essas mudanças, como hábitos pessoais não saudáveis, estresse e doenças crônicas, fatores os quais estimulam o crescimento do tumor. Pelo fato de estarem fracamente ligadas à matriz celular, tais células podem se desprender e invadir órgãos vizinhos ou até chegar ao sangue e invadir órgãos mais distantes (metástase). 154 Unidade III O tumor primário, quando tem aproximadamente dois milímetros, já fabrica proteínas e enzimas anormais influenciando vias de sinalização que geram mais tumores. Ao atingir quatro milímetros, já é possível detectar essas substâncias por meio de análises laboratoriais e de imagens. A grande questão é que o tempo para o tumor passar de dois para quatro milímetros pode ser de meses a anos. O câncer (ou tumor maligno) pode ser não invasivo (ou in situ), caso em que essas células estão circunscritas a um único local, ou seja, não se espalharam, o que torna mais simples sua retirada por meio de um procedimento cirúrgico. Já o câncer invasivo pode iniciar metástase ou disseminação (como explicado anteriormente). Observação Existem várias teorias para o início da carcinogênese, entre as quais as modificações, por diferentes causas, em genes: modificações que inibem a proliferação celular (supressores de tumor), modificações que ativam a proliferação celular (chamados de proto-oncogenes e, quando ativados, oncogenes) e modificações de reparo do DNA. As causas de câncer são classificadas em externas e internas. No caso das externas, temos riscos ambientais como radiação, substâncias químicas, tabaco e até contaminação por alguns vírus. É necessário lembrar, ainda, que o próprio envelhecimento afeta o processo de divisão celular, aumentando as chances de erros nessas divisões e causando, consequentemente, genes mutados que irão progredir para um câncer. Quanto às causas internas, temos mutações genéticas (pois erros não serão corrigidos) e fatores hereditários. Alguns dos sintomas mais comuns que podem levar ao médico são: dor, fadiga, falta de apetite, constipação intestinal, vesículas na mucosa oral, diarreia e sangramento. Carcinomas são tipos de cânceres que estão em tecidos epiteliais (como pele ou mucosas), já os sarcomas estão nos tecidos conjuntivos (por exemplo, osso, músculo ou cartilagem). Ainda temos outros tipos de câncer, como leucemias (na medula óssea), linfomas e mielomas (no sistema imunológico). Quando se trata de um tumor benigno, usa-se o sufixo oma com a designação referente ao tipo de tecido acometido. Por exemplo, tecido cartilaginoso (condroma), tecido gorduroso (lipoma), tecido glandular (adenoma) – podendo-se, ainda, explicitar o local do câncer, como em “adenocarcinoma de pulmão”. No caso de tumores malignos, se o local acometido forem epitélios de revestimento, teremos carcinomas; no caso de epitélio glandular, teremos adenocarcinomas e, por fim, caso se trate de tecido conjuntivo, será adicionado o sufixo sarcoma (por exemplo, osteossarcoma – tecido ósseo). E, da mesma forma que em tumores benignos, pode-se explicitar o local do câncer, como osteossarcoma de fêmur. Para que o tratamento seja mais eficaz, o câncer deve ser detectado o quanto antes. Daí a importância da regularidade dos exames de check-up, uma vez que possibilitam o diagnóstico precoce. Recentemente, tornou-se mais comum o chamado rastreamento (ou screening), que examina proteínas ou genes alterados que, já se sabe, estão ligados ao câncer e, assim, analisar a chance de a doença se desenvolver. 155 BIOQUÍMICA CLÍNICA Para se confirmar que o tratamento, seja radioterapia ou quimioterapia, é adequado e está surtindo efeito (ou seja, para ter certeza de que a doença está controlada), os exames devem ser realizados de forma rotineira. 8.1 Vias de sinalização Todas as reações no organismo são desencadeadas por um estímulo. Havendo um fator de crescimento em quantidades e locais não usuais de um hormônio ou se agentes carcinogênicos ligarem-se a um receptor (como a tirosina quinase), proteínas serão estimuladas (fosforiladas ou nitradas), ativando outras e mais outras, até que um dos produtos chegue ao núcleo, ativando (ou inibindo) alguns genes relacionados com o ciclo celular. Esse processo, chamado de via de sinalização, caso desequilibrado, pode levar a célula a se transformar em câncer. SOS RAS RAF MEK ERK GRB2 DNA RNA Oncoproteínas Receptor Sinal Figura 64 – Esquema simplificado de uma via de sinalizaçãoque pode levar à formação de câncer 8.2 Diagnóstico Temos vários exames que podem identificar o câncer, como diagnóstico de imagem (ressonância, radiografia e tomografia), exame histopatológico e exames bioquímicos. 156 Unidade III Observação A União Internacional Contra o Câncer (UICC) preconizou um sistema de estadiamento chamado de Sistema TNM de Classificação dos Tumores Malignos. Para fazer a análise, deve-se examinar a sua extensão (T), a contaminação dos linfonodos perto de onde ele está (N) e a presença ou ausência de metástase a distância (M). Mediante o agravamento, há graduações: T0 a T4, N0 a N3 e de M0 a M1, respectivamente. 8.2.1 Marcadores tumorais (MT) As células normais ou neoplásicas produzem certas proteínas continuamente, sendo que, quando são produzidas em grande quantidade aumentada no sangue (periférico e medula) ou em outros fluidos corporais (como urina, liquor, líquido ascético), passam a se relacionar com a malignidade (como enzimas, hormônios, por exemplo), e podem ser dosadas por vários métodos (bioquímicos, imunológicos, citológicos ou moleculares). A detecção por marcadores tumorais é muito mais precoce, pois, com poucas células, já se pode ter a confirmação (por imagem, a verificação só pode ser realizada quando o tumor já está com muitas células, ou seja, num estágio mais adiantado). A detecção precoce e o seu monitoramento após a cirurgia e o tratamento medicamentoso são fundamentais para eliminar o tumor, e os marcadores tumorais (MT) sensíveis e específicos podem ajudar nesse processo, junto com os exames de imagem. Em sua grande maioria, são detectados por quimiluminescência, mas também podem ser analisados por radioimunoensaio. Um bom marcador tumoral deve ter sensibilidade e especificidade superiores a 90%, ou seja, boa sensibilidade (capacidade em detectar precocemente a existência de um tumor) e boa especificidade (capacidade de mostrar-se negativo na ausência do tumor). Esses marcadores auxiliam no diagnóstico, não estando relacionados a um exame de prevenção de câncer. Vários marcadores tumorais podem estar aumentados em um único tipo de câncer, por conta das várias alterações moleculares que produzem várias proteínas. Nesse caso, aquelas liberadas em maior intensidade devem ser o melhor marcador para aquele tipo específico de tumor maligno. De maneira geral, podem ser separados mediante alguns pontos como os indicados a seguir. • Pelo produto das células tumorais (enzimas, hormônios, antígenos oncofetais, marcadores de superfície celular e produtos de oncogenes) DNA RNA Proteína TraduçãoTranscrição Replicação Transcrição reversa DNA Figura 65 – Esquema dos processos que envolvem os genes (DNA). Imaginando-se que ocorra uma mutação no DNA, tal mutação irá se propagar para o RNAm, modificando a proteína 157 BIOQUÍMICA CLÍNICA Pela resposta da célula quando ela se transforma. Marcador tumoral celular: antígenos localizados na membrana celular, como o que ocorre na leucemia, como hormônios e receptores de fatores de crescimento; marcadores humorais: substâncias que são sintetizadas pelo tecido tumoral ou substâncias formadas pelo organismo em reação ao tumor; marcadores genéticos: que são super expressos e codificam para proteínas do desenvolvimento tumoral. Observação Atualmente há estratégias relacionadas com as técnicas de genômica, proteômica e metabolômica para diagnóstico do câncer. Na genômica, estudam-se alterações em genes modificados em diversos tumores, por exemplo, BRCA1/2, HER-2, HE-4, BCR/ABL, BRAF V600 (restritos a um tipo/localização de tumor) e p53, MYC, RAS (associados para mais de um tipo de tumor). Na proteômica, estudam-se quais proteínas estariam afetadas antes de o tumor se desenvolver e quando ele está ativo, fato que levaria a um check-up de prevenção e ao acompanhamento da evolução do tumor. Na metabolômica, é estudado o metabolismo da célula do câncer, enfatizando a análise de vias de sinalização (genômica) e produção de proteína ou enzimas (proteômica). Marcadores tumorais: enzimas Vejamos a seguir algumas das principais enzimas que são marcadores tumorais. • LD-desidrogenase lática (ou lactato desidrogenase) é uma enzima do metabolismo dos carboidratos (fermentação lática), liberada quando ocorre lesão ou destruição celular. Sua concentração no sangue é alta em quase todos tipos de câncer (como também em muitas outras doenças), portanto não pode ser usada para diagnosticar um tipo particular de câncer. Níveis séricos elevados: vários tipos de câncer (como leucemias, linfomas não Hodgkin, câncer de fígado, testículo, mama, estômago, cólon, pulmão e neuroblastoma). Algumas situações podem interferir em uma análise correta como hepatite, infarto agudo do miocárdio, anemias hemolíticas, lesões musculares, drogas ou medicamentos como aspirina, narcóticos, álcool e anestésicos. • A catepsina D-enzima é produzida por certas células de câncer de mama que indicam prognóstico ruim, pois sugere-se que a catepsina D degrada os proteoglicanos da matriz da membrana basal estimulando a angiogênese e a metástase, consequentemente, o espalhamento do câncer. Níveis séricos aumentados: câncer de mama. • Enolase neuro-específica (NSE): enzima glicolítica encontrada em tecido neuronal e nas células do sistema neuroendócrino. Sua determinação pode ajudar no diagnóstico e na avaliação da resposta ao tratamento. Níveis séricos elevados: neuroblastoma, câncer de pulmão de pequenas células, câncer medular de tireoide, tumores carcinoides, tumores endócrinos pancreáticos e melanoma. 158 Unidade III • Fosfatase ácido prostática (PAP): inicialmente descoberta na próstata, mas pode ser encontrada em eritrócitos, plaquetas, leucócitos, medula óssea, osso, fígado, baço, rim e intestino. Níveis séricos elevados: câncer de próstata, osteossarcoma, hiperparatireoidismo, mieloma múltiplo e metástases ósseas de outros tumores, mas também pode estar elevada em hipertrofia prostática benigna (HPB), osteoporose (espalhado pelo osso), por essa razão, foi substituída por PSA. • Fosfatase alcalina placentária (PLAP): produzida a partir da 12ª semana de gestação pela placenta, mas indivíduos fumantes também podem apresentar elevação no sangue. Níveis séricos elevados: seminomas (surgem dentro das gônadas, testículos ou ovários), câncer de ovário, testículo, pulmão e trato gastrointestinal. • Fosfatase alcalina (ALP): encontrada em fígado, ossos, rins, intestino e placenta, mas as maiores concentrações de fosfatase alcalina estão no fígado e nos ossos. Níveis séricos elevados: câncer hepático primário ou metastático, câncer ósseo, leucemias, sarcomas e linfomas com infiltração hepática. • Creatina quinase (CK-BB) ou creatina fosfoquinase (CPK): possui três isoenzimas (CK-MM, CK-MB e CK-BB, relacionadas com músculo esquelético, cardíaco e cerebral, respectivamente). A CK-BB pode ser encontrada principalmente no cérebro, mas também nos pulmões. Níveis séricos elevados: câncer de cérebro, de pulmão de pequenas células, de seio, de ovário e de rim. Marcadores tumorais: hormônios Vejamos a seguir alguns dos principais hormônios que são marcadores tumorais. • Calcitonina: produzida pela glândula tireoide quando a calcemia está elevada, inibindo a liberação de cálcio pelo osso e diminuindo o nível do cálcio sérico. Níveis séricos elevados: câncer de mama, carcinoide, hepatoma, hipernefroma, câncer de pulmão, gastrinoma, tumores gastrointestinais e o carcinoma medular da tireoide, mas pode se apresentar elevada em outras situações, como doença não malígna do pulmão, pancreatite, doença de Paget óssea, hiperparatireoidismo e mesmo durante a gravidez. • Tireoglobulina: glicoproteína produzida pelas células foliculares da tireoide. Níveis séricos aumentados: pode ser doença maligna ou benigna na tireoide. Geralmente é feita também a varredura com iodo marcado (I131) para confirmar alguma suspeita. • Catecolaminas: sintetizadas na medula da suprarrenal ou nocérebro, a epinefrina (adrenalina), norepinefrina (noradrenalina) e a dopamina. Podem ter efeitos excitatórios ou inibitórios do sistema nervoso periférico e do sistema nervoso central. Dosam-se os metabólitos desses compostos como ácido vanilmandélico-VMA e ácido homovanílico-HVA. Geralmente excretados na urina. Níveis séricos aumentados: pacientes com neuroblastoma. 159 BIOQUÍMICA CLÍNICA • ACTH: hormônio produzido pela hipófise que estimula a produção de cortisol. Níveis séricos aumentados: câncer de pâncreas, mama, estômago, cólon carcinoma de pequenas células do pulmão, mas pode estar aumentado em condições benignas como DPOC, depressão mental, obesidade, hipertensão, diabetes mellitus e estresse. • Serotonina (5-HIAA): a partir do aminoácido triptofano é produzida a serotonina, neurotransmissor que regula vários processos bioquímicos como sono e humor. Níveis séricos aumentados: síndrome carcinoide (conjunto de sintomas provenientes de tumores neuroendócrinos, especialmente aqueles do intestino delgado). O aumento de 5-HIAA, excretado pelo rim, pode ocorrer por pessoas que ingeriram alimentos ricos em serotonina como banana, kiwi, abacate e nozes. Marcadores tumorais: glicoproteínas Vejamos a seguir algumas das principais glicoproteínas que são marcadores tumorais. • Antígeno arcinoembrionário (CEA ou ACE): encontrada na superfície da membrana celular, mas pode ser encontrada também no sangue de pessoas saudáveis. Níveis séricos aumentados: câncer de cólon, pâncreas (pancreatite), estômago (úlcera péptica), pulmão (bronquite), mama, mas também em fumantes, pessoas com colite ulcerativa, diverticulite, doença inflamatória intestinal e doenças do fígado (alcoolismo, hepatite crônica ativa, doença biliar primária e infecção do pulmão). • Alfa-feto proteína (AFP): proteína fetal com pico na 14ª semana de gestação, diminuindo perto do nascimento e com meia-vida sérica de aproximadamente cinco dias; fica baixa em crianças e adultos saudáveis. Níveis séricos aumentados: adultos com carcinoma hepatocelular ou câncer de célula germe de ovário ou testículo (câncer que começa nas células que dão crescimento aos óvulos e aos espermas), mas apresenta-se alto também em gestação, hepatite e cirrose. Pode avaliar também o estágio, o prognóstico e a resposta à terapêutica. • Gonadotropina coriônica (ß-hCG): hormônio normalmente produzido pela placenta, com meia vida de 12 a 20 horas. Níveis séricos aumentados: tumores de pulmão, mama, trato gastrointestinal, ovário, testículo, pâncreas, melanoma e doenças linfoproliferativas, mas pode estar elevado em doenças benignas como doença inflamatória do intestino, úlceras duodenais e cirrose, além de ser usado para confirmar gestação. Pode ser usado para avaliar o estágio, o prognóstico e a resposta à terapêutica. • Antígeno prostático-específico (PSA): glicoproteína produzida pela próstata com alterações benignas ou malignas com meia-vida sérica entre dois e três dias. Níveis séricos aumentados: câncer de próstata, inclusive usado para monitorar o tratamento câncer de próstata, mas também em hipertrofia prostática benigna, prostatite, trauma, manipulação da próstata e ejaculação. • Antígeno do carcinoma de células escamosas (SCC-A ou SCC-Ag): glicoproteína encontrada na superfície celular. Níveis séricos aumentados: câncer de cabeça e pescoço (células escamosas), 160 Unidade III carcinomas de células escamosas do colo uterino, pulmão, cabeça e pescoço, apesar de ter baixa especificidade e sensibilidade em estágios precoces. Marcadores tumorais: mucinas São antígenos com alto peso molecular e conteúdo em carboidratos que varia de 60 a 80%. Células presentes na superfície epitelial expressam essas glicoproteínas • Antígeno carbohidrato (CA 15-3): encontrado na superfície celular. Níveis séricos aumentados: câncer de mama (mais sensível e específico, sendo superior ao CEA (antígeno carcinoembrionário), pâncreas, pulmão, fígado, ovário e colo uterino ou em doenças benignas de mama, hepatopatias e pulmão. • Antígeno mucinóide (MCA): encontrado também na superfície celular. Níveis séricos aumentados: carcinoma mamário, câncer de ovário, colo uterino, endométrio e próstata. Contudo, pode aumentar durante a gravidez e em doenças benignas de mama. Ocorre a correlação entre esse marcador e níveis de CA 15-3. • Antígeno Carboidrato 19-9 (CA 19-9): encontrado na superfície celular do trato gastrointestinal. Níveis séricos aumentados: câncer gastrointestinal, pulmão, pâncreas, ovários, colorretal, vesícula e duto biliar, mama, pulmão e cabeça e pescoço, mas também em endometriose, cirrose hepática, pancreatite, doença inflamatória intestinal e doenças autoimunes. Pode ser usado no prognóstico e monitoração da terapia. • Antígeno associado ao tumor da bexiga (bladder tumor antigen - BTA): usando urina, dosa-se essa proteína superficial da mucosa de células cancerosas da bexiga, mas não por normais. Níveis séricos aumentados: tumores de bexiga, mas pode ter valor elevado em litíase urinária, irritação da bexiga e sonda vesical por período longo. • Dupan-2: antígeno glicoproteico que, em combinação com CA 19-9, pode constatar o câncer de pâncreas. Níveis séricos aumentados: câncer de pâncreas e do trato gastrointestinal, mas também em situações benignas do sistema hepatobiliar. • CA 125: antígeno glicoproteico de alto peso molecular presente na superfície celular do carcinoma ovariano e que tem meia-vida sérica de cerca de quatro dias. Níveis séricos aumentados: principalmente para câncer de ovário, mas pode ser útil em câncer de endométrio, pâncreas, estômago, fígado, cólon, reto, mama e pulmão. Pode também dar positivo em situações de ovulação, gravidez, endometriose, cistos de ovário, cirrose hepática. É usado tanto em análise do prognóstico, terapêutica, como em avaliação do sucesso cirúrgico. • Antígeno carcino embriogênico (CEA): quando elevado no sangue denota câncer colorretal e vários tipos de câncer, mas outras situação não patológicas podem elevar essa proteína no sangue, como tabagismo, doença de Crohn, hepatopatias e insuficiência renal. Usado para avaliar o tratamento e no monitoramento do tumor. 161 BIOQUÍMICA CLÍNICA • CA 50: glicoproteína expressa na maioria dos carcinomas epiteliais como câncer gastrointestinal e de pâncreas. Sua sensibilidade e especificidade são muito semelhantes à do CA 19-9 no que se refere ao câncer de pâncreas e gastrointestinal. Níveis séricos aumentados: tumores gastrointestinais, câncer de mama, ovário, mas pode estar elevado em outras doenças como pancreatite e doenças hepáticas. • CA 72-4 (ou TAG 72): antígeno relacionado com o aparecimento de câncer de cólon, estômago, pâncreas e trato digestivo e câncer de ovário. A pesquisa dessa proteína auxilia na percepção de recidiva do câncer, mas outras situações também podem alterar seus níveis, como hepatopatias, pancreatite e inflamações gastrointestinais. Marcadores tumorais: moléculas do sistema imunológico Vejamos a seguir algumas das principais moléculas do sistema imunológico que são marcadores tumorais. • B2 microglobulina(B2-MG): proteína que se relaciona com prognóstico ruim de pacientes com linfoma. Níveis séricos aumentados: mieloma múltiplo, linfoma e tumores sólidos, bem como doenças não malignas. Níveis séricos elevados: mieloma múltiplo, leucemia linfocítica crônica e alguns linfomas. Essa determinação leva ao prognóstico e contribui para o monitoramento do tratamento. • Imunoglobulinas: em determinados tumores pode ocorrer o aparecimento de imunoglobulinas anormais (gamopatias). Níveis séricos aumentados: mieloma múltiplo. Pode auxiliar no diagnóstico e na avaliação da terapia. Entre os marcadores mais recentes usados na prática do laboratório de análises clínicas, podemos citar: • Anaplastic lymphoma kinase (ALK): oncogene encontrado direto no tumor onde é pesquisada a alteração tipo rearranjo (mais comum: inversão e translocação do braço curto do cromossomo 2)
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