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66 civilizações antigas Vimos que a história tradicional do Ocidente, marcada por uma vi- são eurocentrista, quase sempre tratou como não relevante a história de outras regiões. Esse olhar, que tem subordinado e diminuído a importân- cia de outros povos e que apresenta a Europa como eixo do movimento evolutivo, foi impulsionado desde a Antiguidade, época em que a região mediterrânea era defi nida como o centro do mundo. A África, desde en- tão, passou a ser vista como distante, como a região dos “homens de faces queimadas”.1 Trazendo um pouco dos estudos antes vistos como “secundários”, pretendemos colaborar para o entendimento de que a história dos conti- nentes americano e africano não é homogênea. antiguidadE clÁssica: grÉcia E roma As civilizações grega e romana são consideradas a base histórica e cultural do que hoje chamamos de Ocidente. Das civilizações antigas, es- sas são as mais acessíveis aos pesquisadores porque muitas fontes escri- tas e ruínas foram preservadas. Mas, acima de tudo isso, um fator fundamental explica porque co- nhecemos melhor a Grécia e Roma do que todas as outras civilizações antigas. O que acontece é que a moderna História começa a surgir na Eu- ropa por volta do século XVIII, e as primeiras buscas por origens feitas pelos colecionadores, eruditos e escritores de então se referiam ao legado das civilizações europeias antigas: Grécia e Roma. O próprio fato de serem civilizações importantes na origem do cristianismo, religião fundamental para entender a história europeia ocidental, também foi um incentivo a essas pesquisas, somado ao fato de que estudiosos e ordens religiosas cris- tãs ajudaram a preservar boa parte das obras da cultura clássica. Juntando experiências históricas tão diversas como essas que mencionamos nesta seção Discutindo a História, você poderá entender de forma mais ampla o surgimento das cidades, o domínio crescente sobre a natureza, a formação de cidades-Estado, reinos e gran- des impérios, a complexidade crescente da arte e da cultura, o aprimoramento das regras de convivência – em síntese, as bases mais remotas do mundo em que vivemos. T h e A rt A rc h iv e/ O th er Im ag es /G al er ia A n te n n a, D ak ar , S en eg al . M u se u d o L o u vr e, P ar is /T h e B ri d g em an /K ey st o n e 1 Conforme DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 56. p Máscara iorubá em bronze, do século vi, originária da atual nigéria. ∏ Pergaminho vem do grego pergaméne, termo que surgiu na ci- dade grega de Pérgamo, onde foi fabricado pela primeira vez. É o nome dado a uma pele de animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha, utilizada para o registro escrito. Desde o século iv a.c. e até a difusão do papel, por volta do século Xiii, foi a base mais utilizada para o registro manuscri- to. Muitos textos clássicos das civilizações gregas e romanas foram registrados em pergaminhos. ao lado, fragmento de um pergaminho egípcio, de cerca de 1285 a.c. HGB_v1_PNLD2015_058a115_U2_C3.indd 66 3/8/13 9:40 AM a viDa eM ciDaDes 67 a vida em cidades3 capítulo A rt er ra P ic tu re L ib ra ry /A la m y/ O th er Im ag es p rua da cidade de Jodhpur, no ra- jastão (Índia), em 2012. ao fundo, o forte Mehrangarh. para pEnsar HistoricaMEntE cidades na História A probabilidade de você estar lendo estas linhas em uma cidade é de aproximadamente 85%. Sabemos disso porque essa é a taxa de urbaniza- ção do Brasil, ou seja, a porcentagem de pessoas que moram em cidades. O índice é superior à média dos países da Europa, que têm 75% de urbani- zação, e está bem acima da média mundial de 52%. Para que você tenha uma ideia de como esse cenário urbano se mo- difi cou ao longo do tempo, em 1800 a taxa mundial de urbanização era de cerca de 2%. E houve um tempo em que não existiam cidades tal como as conhecemos hoje. Neste capítulo você conhecerá um pouco mais sobre a formação das cidades e poderá refl etir sobre a situação histórica que, em algumas re- giões e em determinadas épocas, favoreceu essa organização dos grupos humanos. HGB_v1_PNLD2015_058a115_U2_C3.indd 67 3/8/13 9:40 AM 68 civilizações antigas dos gruPos nÔmadEs Às cidadEs Como você viu antes, em alguns momentos (e esses momentos foram vários, em tempos diferentes e em distintas partes do globo) certos agrupamentos humanos começaram a trocar a caça e a coleta pela pecuária e pela agricultura. Com essas novas ativida- des, já não precisavam se locomover constantemente em busca de alimento, tornando-se sedentários, isto é, estabelecendo moradias fi xas. Isso não signifi ca que a mudança tenha sido repentina, ou que as atividades de caça e coleta tenham sido totalmente eliminadas. Os especialistas concordam que essas formas convi- veram, mas aos poucos a fi xação à terra foi se tornan- do predominante. Com a fi xação dos grupos humanos em um mes- mo lugar, surgiram aldeias. Nelas já estavam presen- tes as principais características da cidade: perímetro defi nido, separado dos campos agrícolas e pastos circundantes, moradias permanentes, depósitos para guardar bens (objetos, alimentos) e cemitérios. Nes- se momento, a separação dos espaços rural e urbano não está plenamente estabelecida. Essa nova confi guração da sociedade humana foi propiciada pelo desenvolvimento da agricultura e da conservação de alimentos, no Período Neolítico. Graças à armazenagem de alimentos podia-se agora ter alguma segurança diante do risco de más colhei- tas, especialmente os cereais, como o trigo e o milho. Além disso, a produção de alimentos controlada pelas pessoas permitia alimentar aqueles que não trabalha- vam diretamente na agricultura. Como nem todos precisavam dedicar-se à agricultura, as atividades se diversifi caram. Boas colheitas dependiam da irrigação do solo, por isso era comum que essas comunidades se locali- zassem perto de rios que tinham fl uxo abundante de água, pelo menos durante parte do ano. Estima-se que as aldeias do Neolítico tenham surgido há 11 mil anos. Uma delas, a de Çatal Huyuk, foi descoberta na década de 1960, após escavações na Turquia. Calcula-se que ela tenha existido há cerca de 10 mil anos, reunindo de 5 mil a 10 mil habitantes. Em escavações recentes, pesquisadores iugoslavos encontraram, na atual Sérvia, outro sítio da Antigui- dade, um conjunto de vilas denominado Lepenski Vir; estima-se que ele tenha existido há 8,5 mil anos. Até as descobertas dessas povoações, considera- va-se que as primeiras cidades teriam se desenvolvido na região do atual Iraque – conhecida como Mesopo- tâmia – há cerca de 5,5 mil anos. E, em períodos mais recentes (desde cerca de 4 mil anos atrás), registrou- -se a existência de cidades nas regiões da Índia, da China, do Egito e da América Central. ∏ escavações em çatal huyuk, atual turquia. Foto de 2012. p representação de uma cabeça de peixe. escultura datada de cerca de 5600 a.c.-4300 a.c., encontra- da no sítio de lepenski vir, atual sérvia. M ar io n B u ll/ A la m y/ O th er Im ag es E ri ch L es si n g /L at in st o ck /M u se u N ac io n al , B el g ra d o , S ér vi a. HGB_v1_PNLD2015_058a115_U2_C3.indd 68 3/8/13 9:40 AM a viDa eM ciDaDes 69 1 leitura e reflexão Leia o texto a seguir, de Lewis Mumford, e depois responda às questões. ExErcícios dE História A cidade, como se encontra na História, é o ponto de concentração máxima do poder e da cultura de uma comunidade. É o lugar onde os raios difusos de muitas formas separadas de vida entram em foco, com ganhos tanto em efetividade social quanto em signifi cância. A cidade é a forma e o símbolo de uma rela- ção social integrada: é o assento do templo, do mercado, o palácio da justiça, a academia do aprendizado. Aqui na cidade os bens da civilização são multiplicados e diversifi cados;aí é onde a experiência humana é transformada em signos viáveis, símbolos, padrões de conduta, sistemas de ordem. Aí é onde as ques- tões da civilização são postas em foco: aí, também, o ritual ganha lugar no drama ativo de uma sociedade plenamente diferenciada e autoconsciente. Cidades são produto da terra. Elas refl etem a habilidade do camponês em dominar a terra: tecnicamente eles apenas se valem de sua habilidade de aproveitar o solo para usos produtivos, ao guardar seu gado para segurança, ao regular as águas que umedecem seus campos, ao providenciar depósitos e celei- ros para suas colheitas. Cidades são emblemas daquela vida sedentária que começa com a agricultura permanente: uma vida conduzida com a ajuda de abrigos permanentes, utilidades permanentes como pomares, vinhedos, e para intercâmbio e para novas combinações não dadas nos trabalhos de irrigação, e construções permanentes para proteção e armazenamento. Cada fase na vida na zona rural contribui para a existência das cidades. O que o pastor, o lenhador e o mineiro sabem se transforma e se “sublima” por meio da cidade em elementos duráveis na herança hu- mana: os tecidos e a manteiga de um, os fossos e açudes de outro, os barris de madeira e tornos do outro, os metais e as joias de um outro são fi nalmente convertidos em instrumentos da vida urbana: fundamen- tando a existência econômica das cidades, contribuindo com arte e saber para sua rotina diária. Dentro da cidade a essência de cada tipo de solo, labor e objetivo econômico é concentrada: então surgem grandes possibilidades de intercâmbio e novas combinações não dadas no isolamento de seus habitat originais. Cidades são produto do tempo. Elas são os moldes nos quais os tempos de vida dos homens são conge- lados e solidifi cados, dando forma defi nitiva, por meio da arte, a momentos que de outra forma desapa- receriam com a vida e não deixariam formas de renovação ou maior participação atrás de si. Na cidade, o tempo torna-se visível: construções e monumentos e ruas públicas, mais abertas que o registro es- crito, mais sujeitas ao olhar de muitos homens que os artefatos da zona rural, deixam uma marca sobre as mentes, tanto do ignorante quanto do indiferente. Por meio do fato material da preserva- ção, o tempo desafi a o tempo, o tempo se choca com o tempo: hábitos e valores sobrevivem ao grupo vivente, marcando em diferentes estratos do tempo o caráter de uma dada geração. MUMFORD, Lewis. The Culture of Cities. New York: Harcourt Brace, 1996. p. 3-4. P Pa ra m o u n t P ic tu re s/ A lb u m /L at in st o ck o fórum romano em cena do fi l- me A queda do Império Romano, de anthony Mann, estados uni- dos, 1964. P HGB_v1_PNLD2015_058a115_U2_C3.indd 69 3/8/13 9:40 AM 70 civilizações antigas a) Segundo o autor, o que significa dizer que “as cidades são produto da terra”? E afirmar que “as cidades são produto do tempo”? b) Selecione do texto um trecho que melhor defina cidade para você. c) De que maneira você se relaciona com sua cidade? Que locais urbanos ou rurais de sua cidade revelam vestígios históricos? 2 análise de imagem e redação A urbanização e as invenções tecnológicas não trouxeram apenas avanços nem deixaram apenas monumentos de beleza e importância histórica. a) Observe os quadrinhos acima e retome os conceitos de civilização da seção Discutindo a História. b) Em seguida, faça uma redação explicando por que a história das criações humanas não significou ne- cessariamente progresso e bem-estar social. 3 leitura de texto e pesquisa Veja a seguir uma hipótese sobre o surgimento das cidades. a) Segundo o texto, qual seria o papel das mulheres no surgimento das cidades? b) Faça um levantamento das informações que você tem sobre o surgimento de sua cidade. Depois, expo- nha aos colegas o que você descobriu. ∏ Das primeiras concentra- ções urbanas à intensa urbanização das cidades contemporâneas, muitos desafios foram criados: a degradação ambiental, as dificuldades de desloca- mentos nas grandes cida- des, a destruição de regis- tros e referências históri- cas, entre outros aspectos a serem enfrentados pela humanidade. © B en et t/ A ce rv o d o c ar tu n is ta Em seu clássico a cidade na história, Lewis Mumford defende algumas teses fascinantes sobre a origem das cidades. Entre outras, afirma que a cidade dos mortos (necrópolis) antecedeu a cidade dos vivos (pólis). As verdadeiras fundadoras de cidades e civilizações teriam sido as mulheres, que cultuavam seus mortos em lugares aos quais, mesmo em períodos de nomadismo, voltavam com regularidade, erguen- do santuários para aqueles que haviam partido deste mundo. As mulheres ainda procuravam lugares seguros e protegidos para dar à luz, lugares esses simbolizados pelo círculo remetendo à cidade com muralhas. A cruz, a grade ou o tabuleiro representariam de forma mais imediata as ruas da cidade e, metaforicamente, a ousadia, o expansionismo dos homens, sua atitude conquistadora e guerreira. Por isso, não surpreende que os hieróglifos de mulher, casa e cidade se confundem. Esse mesmo símbolo já foi encontrado em Nimrod, em escavações na Mesopotâmia, sob a forma de um baixo-relevo assírio, mostrando que a existência de cidades no Oriente Próximo antecedeu por milênios a existência das cidades ocidentais, incluindo as cidades da Antiguidade clássica como Ate- nas e Roma. FREITAG, Bárbara. Utopias urbanas. Conferência de encerramento do IX Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia, em 2001. Disponível em: <http://e-groups.unb.br/ ics/sol/itinerancias/grupo/barbara/utopias.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012. 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