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História geral e do Brasil - Vol 1 Claudio Vicentino-14

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66	 civilizações	antigas
Vimos que a história tradicional do Ocidente, marcada por uma vi-
são eurocentrista, quase sempre tratou como não relevante a história de 
outras regiões. Esse olhar, que tem subordinado e diminuído a importân-
cia de outros povos e que apresenta a Europa como eixo do movimento 
evolutivo, foi impulsionado desde a Antiguidade, época em que a região 
mediterrânea era defi nida como o centro do mundo. A África, desde en-
tão, passou a ser vista como distante, como a região dos “homens de faces 
queimadas”.1
Trazendo um pouco dos estudos antes vistos como “secundários”, 
pretendemos colaborar para o entendimento de que a história dos conti-
nentes americano e africano não é homogênea.
antiguidadE clÁssica: grÉcia E roma
As civilizações grega e romana são consideradas a base histórica e 
cultural do que hoje chamamos de Ocidente. Das civilizações antigas, es-
sas são as mais acessíveis aos pesquisadores porque muitas fontes escri-
tas e ruínas foram preservadas.
Mas, acima de tudo isso, um fator fundamental explica porque co-
nhecemos melhor a Grécia e Roma do que todas as outras civilizações 
antigas. O que acontece é que a moderna História começa a surgir na Eu-
ropa por volta do século XVIII, e as primeiras buscas por origens feitas 
pelos colecionadores, eruditos e escritores de então se referiam ao legado 
das civilizações europeias antigas: Grécia e Roma. O próprio fato de serem 
civilizações importantes na origem do cristianismo, religião fundamental 
para entender a história europeia ocidental, também foi um incentivo a 
essas pesquisas, somado ao fato de que estudiosos e ordens religiosas cris-
tãs ajudaram a preservar boa parte das obras da cultura clássica.
Juntando experiências históricas tão diversas 
como essas que mencionamos nesta seção Discutindo 
a História, você poderá entender de forma mais ampla 
o surgimento das cidades, o domínio crescente sobre a 
natureza, a formação de cidades-Estado, reinos e gran-
des impérios, a complexidade crescente da arte e da 
cultura, o aprimoramento das regras de convivência – 
em síntese, as bases mais remotas do mundo em que 
vivemos.
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1 Conforme DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 56.
p	 Máscara	iorubá	em	bronze,	do	século	
vi,	originária	da	atual	nigéria.
∏	 Pergaminho	vem	do	grego	pergaméne,	termo	que	surgiu	na	ci-
dade	grega	de	Pérgamo,	onde	foi	fabricado	pela	primeira	vez.	
É	 o	 nome	 dado	 a	 uma	 pele	 de	 animal,	 geralmente	 de	 cabra,	
carneiro,	cordeiro	ou	ovelha,	utilizada	para	o	registro	escrito.	
Desde	o	 século	 iv	a.c.	e	 até	a	 difusão	 do	papel,	por	 volta	do	
século	Xiii,	foi	a	base	mais	utilizada	para	o	registro	manuscri-
to.	Muitos	 textos	clássicos	das	civilizações	gregas	e	romanas	
foram	registrados	em	pergaminhos.	ao	lado,	fragmento	de	um	
pergaminho	egípcio,	de	cerca	de	1285	a.c.
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a vida em cidades3
capítulo
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p	 rua	da	cidade	de	Jodhpur,	no	ra-
jastão	(Índia),	em	2012.	ao	fundo,	
o	forte	Mehrangarh.
para pEnsar HistoricaMEntE
cidades na História
A probabilidade de você estar lendo estas linhas em uma cidade é de 
aproximadamente 85%. Sabemos disso porque essa é a taxa de urbaniza-
ção do Brasil, ou seja, a porcentagem de pessoas que moram em cidades. 
O índice é superior à média dos países da Europa, que têm 75% de urbani-
zação, e está bem acima da média mundial de 52%.
Para que você tenha uma ideia de como esse cenário urbano se mo-
difi cou ao longo do tempo, em 1800 a taxa mundial de urbanização era de 
cerca de 2%. E houve um tempo em que não existiam cidades tal como as 
conhecemos hoje.
Neste capítulo você conhecerá um pouco mais sobre a formação das 
cidades e poderá refl etir sobre a situação histórica que, em algumas re-
giões e em determinadas épocas, favoreceu essa organização dos grupos 
humanos.
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dos gruPos nÔmadEs Às cidadEs
Como você viu antes, em alguns momentos (e 
esses momentos foram vários, em tempos diferentes 
e em distintas partes do globo) certos agrupamentos 
humanos começaram a trocar a caça e a coleta pela 
pecuária e pela agricultura. Com essas novas ativida-
des, já não precisavam se locomover constantemente 
em busca de alimento, tornando-se sedentários, isto 
é, estabelecendo moradias fi xas. Isso não signifi ca que 
a mudança tenha sido repentina, ou que as atividades 
de caça e coleta tenham sido totalmente eliminadas. 
Os especialistas concordam que essas formas convi-
veram, mas aos poucos a fi xação à terra foi se tornan-
do predominante.
Com a fi xação dos grupos humanos em um mes-
mo lugar, surgiram aldeias. Nelas já estavam presen-
tes as principais características da cidade: perímetro 
defi nido, separado dos campos agrícolas e pastos 
circundantes, moradias permanentes, depósitos para 
guardar bens (objetos, alimentos) e cemitérios. Nes-
se momento, a separação dos espaços rural e urbano 
não está plenamente estabelecida.
Essa nova confi guração da sociedade humana 
foi propiciada pelo desenvolvimento da agricultura 
e da conservação de alimentos, no Período Neolítico. 
Graças à armazenagem de alimentos podia-se agora 
ter alguma segurança diante do risco de más colhei-
tas, especialmente os cereais, como o trigo e o milho. 
Além disso, a produção de alimentos controlada pelas 
pessoas permitia alimentar aqueles que não trabalha-
vam diretamente na agricultura. Como nem todos 
precisavam dedicar-se à agricultura, as atividades se 
diversifi caram.
Boas colheitas dependiam da irrigação do solo, 
por isso era comum que essas comunidades se locali-
zassem perto de rios que tinham fl uxo abundante de 
água, pelo menos durante parte do ano.
Estima-se que as aldeias do Neolítico tenham 
surgido há 11 mil anos. Uma delas, a de Çatal Huyuk, 
foi descoberta na década de 1960, após escavações na 
Turquia. Calcula-se que ela tenha existido há cerca 
de 10 mil anos, reunindo de 5 mil a 10 mil habitantes. 
Em escavações recentes, pesquisadores iugoslavos 
encontraram, na atual Sérvia, outro sítio da Antigui-
dade, um conjunto de vilas denominado Lepenski Vir; 
estima-se que ele tenha existido há 8,5 mil anos.
Até as descobertas dessas povoações, considera-
va-se que as primeiras cidades teriam se desenvolvido 
na região do atual Iraque – conhecida como Mesopo-
tâmia – há cerca de 5,5 mil anos. E, em períodos mais 
recentes (desde cerca de 4 mil anos atrás), registrou-
-se a existência de cidades nas regiões da Índia, da 
China, do Egito e da América Central.
∏	 escavações	 em	 çatal	 huyuk,	 atual	
turquia.	Foto	de	2012.
p	representação	de	uma	cabeça	de	
peixe.	escultura	datada	de	cerca	
de	5600	a.c.-4300	a.c.,	encontra-
da	no	sítio	de	lepenski	vir,	atual	
sérvia.
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1 leitura e reflexão
	 Leia	o	texto	a	seguir,	de	Lewis	Mumford,	e	depois	responda	às	questões.
ExErcícios dE História
A cidade, como se encontra na História, é o ponto de concentração máxima do poder e da cultura de uma 
comunidade. É o lugar onde os raios difusos de muitas formas separadas de vida entram em foco, com 
ganhos tanto em efetividade social quanto em signifi cância. A cidade é a forma e o símbolo de uma rela-
ção social integrada: é o assento do templo, do mercado, o palácio da justiça, a academia do aprendizado. 
Aqui na cidade os bens da civilização são multiplicados e diversifi cados;aí é onde a experiência humana 
é transformada em signos viáveis, símbolos, padrões de conduta, sistemas de ordem. Aí é onde as ques-
tões da civilização são postas em foco: aí, também, o ritual ganha lugar no drama ativo de uma sociedade 
plenamente diferenciada e autoconsciente.
Cidades são produto da terra. Elas refl etem a habilidade do camponês em dominar a terra: tecnicamente 
eles apenas se valem de sua habilidade de aproveitar o solo para usos produtivos, ao guardar seu gado 
para segurança, ao regular as águas que umedecem seus campos, ao providenciar depósitos e celei-
ros para suas colheitas. Cidades são emblemas daquela vida sedentária que começa com a agricultura 
permanente: uma vida conduzida com a ajuda de abrigos permanentes, utilidades permanentes como 
pomares, vinhedos, e para intercâmbio e para novas combinações não dadas nos trabalhos de irrigação, 
e construções permanentes para proteção e armazenamento.
Cada fase na vida na zona rural contribui para a existência das cidades. O que o pastor, o lenhador e o 
mineiro sabem se transforma e se “sublima” por meio da cidade em elementos duráveis na herança hu-
mana: os tecidos e a manteiga de um, os fossos e açudes de outro, os barris de madeira e tornos do outro, 
os metais e as joias de um outro são fi nalmente convertidos em instrumentos da vida urbana: fundamen-
tando a existência econômica das cidades, contribuindo com arte e saber para sua rotina diária. Dentro da 
cidade a essência de cada tipo de solo, labor e objetivo econômico é concentrada: então surgem grandes 
possibilidades de intercâmbio e novas combinações não dadas no isolamento de seus habitat originais.
Cidades são produto do tempo. Elas são os moldes nos quais os tempos de vida dos homens são conge-
lados e solidifi cados, dando forma defi nitiva, por meio da arte, a momentos que de outra forma desapa-
receriam com a vida e não deixariam formas de renovação ou maior participação atrás de si. Na cidade, 
o tempo torna-se visível: construções e monumentos e ruas públicas, mais abertas que o registro es-
crito, mais sujeitas ao olhar de muitos homens que os artefatos da zona rural, deixam uma marca sobre 
as mentes, tanto do ignorante 
quanto do indiferente. Por meio 
do fato material da preserva-
ção, o tempo desafi a o tempo, 
o tempo se choca com o tempo: 
hábitos e valores sobrevivem 
ao grupo vivente, marcando em 
diferentes estratos do tempo o 
caráter de uma dada geração.
MUMFORD,	Lewis.	The Culture of 
Cities.	New	York:	Harcourt	Brace,	
1996.	p.	3-4.
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o	fórum	romano	em	cena	do	fi	l-
me	 A queda do Império Romano,	
de	 anthony	 Mann,	 estados	 uni-
dos,	1964.
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70	 civilizações	antigas
a)	 Segundo	o	autor,	o	que	significa	dizer	que	“as	cidades	são	produto	da	terra”?	E	afirmar	que	“as	cidades	
são	produto	do	tempo”?
b)	Selecione	do	texto	um	trecho	que	melhor	defina	cidade	para	você.		
c)	 De	que	maneira	você	se	relaciona	com	sua	cidade?	Que	locais	urbanos	ou	rurais	de	sua	cidade	revelam	
vestígios	históricos?
2 análise de imagem e redação
	 A	 urbanização	 e	 as	 invenções	 tecnológicas	 não	 trouxeram	 apenas	 avanços	 nem	 deixaram	 apenas	
monumentos	de	beleza	e	importância	histórica.
a)	 Observe	os	quadrinhos	acima	e	retome	os	conceitos	de	civilização	da	seção	Discutindo a História.
b)	Em	seguida,	faça	uma	redação	explicando	por	que	a	história	das	criações	humanas	não	significou	ne-
cessariamente	progresso	e	bem-estar	social.
3 leitura de texto e pesquisa
	 Veja	a	seguir	uma	hipótese	sobre	o	surgimento	das	cidades.
a)	 Segundo	o	texto,	qual	seria	o	papel	das	mulheres	no	surgimento	das	cidades?
b)	Faça	um	levantamento	das	informações	que	você	tem	sobre	o	surgimento	de	sua	cidade.	Depois,	expo-
nha	aos	colegas	o	que	você	descobriu.
∏	 Das	 primeiras	 concentra-
ções	 urbanas	 à	 intensa	
urbanização	 das	 cidades	
contemporâneas,	 muitos	
desafios	 foram	 criados:	 a	
degradação	 ambiental,	 as	
dificuldades	 de	 desloca-
mentos	nas	grandes	cida-
des,	a	destruição	de	regis-
tros	 e	 referências	 históri-
cas,	entre	outros	aspectos	
a	 serem	enfrentados	pela	
humanidade.
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Em seu clássico a	cidade	na	história, Lewis Mumford defende algumas teses fascinantes sobre a origem 
das cidades. Entre outras, afirma que a cidade dos mortos (necrópolis) antecedeu a cidade dos vivos 
(pólis). As verdadeiras fundadoras de cidades e civilizações teriam sido as mulheres, que cultuavam seus 
mortos em lugares aos quais, mesmo em períodos de nomadismo, voltavam com regularidade, erguen-
do santuários para aqueles que haviam partido deste mundo. As mulheres ainda procuravam lugares 
seguros e protegidos para dar à luz, lugares esses simbolizados pelo círculo remetendo à cidade com 
muralhas. A cruz, a grade ou o tabuleiro representariam de forma mais imediata as ruas da cidade e, 
metaforicamente, a ousadia, o expansionismo dos homens, sua atitude conquistadora e guerreira. Por 
isso, não surpreende que os hieróglifos de mulher, casa e cidade se confundem.
Esse mesmo símbolo já foi encontrado em Nimrod, em escavações na Mesopotâmia, sob a forma de 
um baixo-relevo assírio, mostrando que a existência de cidades no Oriente Próximo antecedeu por 
milênios a existência das cidades ocidentais, incluindo as cidades da Antiguidade clássica como Ate-
nas e Roma.
FREITAG,	Bárbara.	Utopias urbanas.	Conferência	de	encerramento	do	IX	Encontro	da		
Sociedade	Brasileira	de	Sociologia,	em	2001.	Disponível	em:	<http://e-groups.unb.br/	
ics/sol/itinerancias/grupo/barbara/utopias.pdf>.	Acesso	em:	25	set.	2012.
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