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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MÔNICA OLIVEIRA ALVES A GEOGRAFIA DO CÂNCER DE MAMA NO NORTE DE MINAS GERAIS MONTES CLAROS, 2016 1 MÔNICA OLIVEIRA ALVES A GEOGRAFIA DO CÂNCER DE MAMA NO NORTE DE MINAS GERAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de Concentração: Dinâmica e Análise Espacial Linha de Pesquisa: Território, Cultura e Meio Ambiente Orientador: Profª. Drª. Sandra Célia Muniz Magalhães MONTES CLAROS, 2016 2 A474g Alves, Mônica Oliveira. A geografia do câncer de mama no Norte de Minas Gerais [manuscrito] / Mônica Oliveira Alves. – Montes Claros, 2016. 165 f. : il. Bibliografia: f. 142-150. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes, Programa de Pós-Graduação em Geografia/PPGEO, 2016. Orientadora: Profa. Dra. Sandra Célia Muniz Magalhães. 1. Câncer de mama – Norte de Minas Gerais (MG). 2. Políticas públicas de saúde. 3. Acesso à saúde. I. Magalhães, Sandra Célia Muniz. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título. Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge 3 MÔNICA OLIVEIRA ALVES A GEOGRAFIA DO CÂNCER DE MAMA NO NORTE DE MINAS GERAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Geografia. . Área de Concentração: Dinâmica e Análise Espacial Linha de Pesquisa: Território, Cultura e Meio Ambiente Aprovado em ___/____/____ BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________ Profª. Drª. Sandra Célia Muniz Magalhães – Orientadora – UNIMONTES __________________________________________________________ Prof. Dr. Samuel do Carmo Lima – IG/UFU __________________________________________________________ Profª. Drª. Anete Marília Pereira - UNIMONTES MONTES CLAROS, 2016 4 Dedico este trabalho a todas as pessoas que estão lutando contra o câncer, em especial às mulheres com câncer de mama que participaram desta pesquisa, não me esquecendo daqueles que já perderam suas vidas em decorrência da doença, entre os quais está o meu pai. 5 AGRADECIMENTOS De forma especial, agradeço: A Deus, por ter me permitido chegar até aqui, e por Seu amor incondicional, pois mesmo sem eu merecer, cuida de mim e não me abandona nunca. Aos meus familiares: meus filhos Iago e Mateus, minha mãe Joselita, meus irmãos Mágna, Márcia e Max. Obrigada pelo apoio, companheirismo, amizade, compreensão e orações. A minha orientadora, Professora Doutora Sandra Célia Muniz Magalhães, pela confiança depositada em mim, mesmo diante das minhas limitações, pelo carinho, disponibilidade, amizade e ensinamentos. Aos Professores Doutores Samuel do Carmo Lima e Anete Marília Pereira, por aceitarem contribuir com este trabalho como membros da banca de defesa. A Professora Doutora Maria Araci Magalhães, pelas importantes contribuições e sugestões que fizeram como membros da banca de qualificação. A Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – FAPEMIG, pelo apoio financeiro. A todos os professores do curso Mestrado em Geografia da Unimontes, em especial a Sandra Célia Muniz Magalhães, Marcos Esdras Leite, Rômulo Soares Barbosa, Anete Marília Pereira e Iara Soares de França. Aprendi muito com todos vocês. A todos os colegas do mestrado, em especial, a “Dane”, pela amizade, carinho, companheirismo e parceria durante toda esta caminhada. Agradeço de forma especial a Drª Bertha Andrade Coelho, pela amizade, disponibilidade e pelas relevantes contribuições dadas a este trabalho. A Thiago Simões, coordenador do PROMAMA a Fundação de Saúde Dílson de Quadros Godinho, obrigada pelo carinho, apoio e paciência. A Drª Príscila Bernadina Miranda Soares, pela parceria e contribuições no desenvolvimento desta pesquisa. 6 Agradeço a toda equipe da Fundação de Saúde Dílson de Quadros Godinho, em especial à Fátima do RHC, obrigada pela colaboração e paciência. Agradeço a toda equipe da Santa Casa de Montes Claros que esteve envolvida de alguma forma nesta pesquisa. A toda equipe do Laboratório de Geografia Médica e Promoção da Saúde – LABGEOMEPS, agradeço o carinho de todos vocês. A André Medeiros, obrigada pelo apoio na confecção dos mapas utilizados neste trabalho. Seu auxílio foi de fundamental importância. A toda equipe de trabalho do IBGE – Agência de Montes Claros, especialmente a Paulo Cícero e a Cláudia Nassau, agradeço pelas contribuições e pela amizade. Enfim, expresso os meus sinceros agradecimentos a todos àqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para a concretização deste trabalho. 7 “A cura está ligada ao tempo e, às vezes, também às circunstâncias”. (HIPÓCRATES) 8 RESUMO As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) se apresentam como a principal causa de morbimortalidade no mundo. No Brasil, tais doenças são consideradas como o problema de saúde pública de maior magnitude representando a principal causa de óbitos no país, além de provocar sequelas e incapacidades físicas e mentais irreversíveis nos indivíduos adoecidos. Dentre as doenças que compõem as DCNTs destacam-se os cânceres, principalmente o câncer de mama, que é o segundo tipo mais frequente em mulheres no mundo, respondendo por inúmeros casos novos a cada ano. No Brasil, a doença é a principal causa de morte em mulheres por câncer, provavelmente porque o diagnóstico ainda é realizado tardiamente. Fato que se agrava quando se trata de regiões onde os baixos indicadores sociais e as iniquidades em saúde se constituem como barreiras no acesso dos usuários aos serviços desse setor, como ocorre no Norte de Minas Gerais. Nesse contexto, esta pesquisa objetivou analisar a dinâmica do câncer de mama na Região Ampliada de Saúde Norte de Minas Gerais, verificando as condições de acesso da população afetada pela doença aos serviços de saúde. Os procedimentos metodológicos utilizados consistiram em pesquisa bibliográfica e documental, mapeamentos, registros iconográficos, visitas técnicas nas unidades de assistência oncológica da região para coleta de dados, observação in loco, aplicação de questionários à mulheres em tratamento para o câncer de mama e entrevistas com profissionais de saúde que atuam no setor oncológico. Os resultados obtidos mostram que a maior ocorrência da doença se deu nos municípios com grandes contingentes populacionais, como Montes Claros, que apresentou a maior ocorrência da doença entre os anos de 2004 a 2014, seguidos dos municípios de Pirapora, Januária, Bocaiúva e Janaúba. Quanto à incidência, os municípios que apresentaram as maiores taxas foram Guaraciama, Montes Claros, Pai Pedro, Capitão Enéas, Joaquim Felício e Pirapora. Foi possível observar a existência de um aumento linear nos registros dos casos novos de câncer de mama na RAS Norte/MG para o período analisado e que a faixa etária predominante envolve mulheres com idades entre 40 a 69 anos. Os resultados não evidenciaram nenhum fator de risco para o desenvolvimento da doença, confirmando ser este um tipo decâncer de origem multifatorial. Em relação ao acesso aos serviços de saúde, percebe-se que os baixos indicadores sociais e as grandes distâncias percorridas pelos doentes em busca de tratamento, aliados à falta de informação, tem contribuído para agravar o quadro da doença na região. Apesar da existência de políticas públicas de saúde para o controle, prevenção e diagnóstico precoce da doença no Brasil, estas não são totalmente eficazes, havendo a necessidade de ampliação das ações e programas de prevenção e rastreamento precoce e de divulgação das informações sobre a importância destas práticas. O câncer de mama é uma doença “silenciosa” que, na maioria das vezes, só é descoberta em estádios avançados, dificultando sua cura. Isto explica porque este ainda é o tipo de câncer que mais mata mulheres no mundo. Palavras-chave: Câncer de mama. Políticas públicas de saúde. Acesso à saúde. Norte de Minas Gerais. 9 ABSTRACT Chronic Noncommunicable Diseases (NCDs) are the main cause of morbidity and mortality in the world. In Brazil, these diseases are considered a public health problem of greater magnitude, representing the main cause of deaths in the country, besides causing sequelae and irreversible physical and mental disabilities in diseased individuals. Among the NCDs, cancers stand out, especially breast cancer, which is the second most common in women in the world, accounting for numerous new cases each year. In Brazil, this disease is the main cause of cancer death in women, probably because the diagnosis is still performed late. This fact is aggravated when related to regions where low social indicators and health inequities are barriers in user access to the services of this sector, as it occurs in the north of Minas Gerais. In this context, this research aimed to analyze the dynamics of breast cancer in the Extended Health Region - North of Minas Gerais (EHR), checking the population’s access conditions affected by the disease to health services. The methodological procedures consisted of documentary and literature research, mapping, iconographic records, technical visits in cancer assistance units in the region for data collection, on-site observation, questionnaires for women undergoing treatment for breast cancer and interviews with health professionals of the oncological sector. The results show that the highest prevalence of the disease occurred in cities with large populations, such as Montes Claros, that presented the highest ocurrence of the disease within the years 2004-2014, followed by the municipalities of Pirapora, Januária, Bocaiúva and Janaúba. Regarding the incidence, the municipalities with the highest rates were Guaraciama, Montes Claros, Pai Pedro, Capitão Enéas, Joaquim Felício and Pirapora. It was observed that there is a linear increase in registrations of new cases of breast cancer in EHR North/MG for the period investigated and that the predominant age group involves women from age 40 to 69. The results showed no risk factor for the development of the disease, confirming that this is a multifactorial origin type of cancer. With regard to access to health services, it is clear that low social indicators and the great distances traveled by patients seeking treatment, combined with the lack of information, has helped to aggravate the disease framework in the region. Concerning access to health services, it is clear that low social indicators and the great distances traveled by patients seeking treatment, combined with the lack of information, has contributed to aggravate the disease framework in the region. Despite the existence of public health policies for the control, prevention and early diagnosis of the disease in Brazil, these are not completely effective, being necessary expansion of actions, prevention programs and early screening and divulgation of information about the importance of these practices. Breast cancer is a "silent" disease that most often is discovered only in advanced stages, making it difficult to cure. This explains why this is still the type of cancer that kills more women worldwide. Keywords: Breast cancer. Public health policies. Access to health care. North of Minas Gerais. 10 LISTA DE FIGURAS Figura – 01: Estimativas das taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes e do número de casos novos de câncer, Brasil, ano 2016, segundo sexo e localização primária............................................................................... 23 Figura – 02: Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes no Brasil estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma......... 24 Figura – 03: Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes na Região Sudeste, estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma............................................................................................... 24 Figura – 04 Taxas brutas de incidência estimadas para 2016 por sexo, para Minas Gerais e capital....................................................................................... 25 Figura – 05 Fachada da UBS do município de Guaraciama..................................... 31 Figura – 06 Divisão temática e metodológica predominante em cada vertente da Geografia da Saúde................................................................................ 48 Figura – 07 Taxa bruta de incidência do câncer de mama feminino no Brasil, por 100 mil mulheres, por unidades da federação, estimada para o ano de 2016........................................................................................................ 61 Figura – 08 Mapa de localização da RAS Norte de Minas....................................... 92 Figura – 09 Divisão microrregional da RAS Norte de Minas................................... 94 Figura – 10 Dimensões do acesso e seus indicadores............................................... 100 Figura – 11 Ocorrência de casos novos de câncer de mama na RAS Norte/MG – 2004 a 2014............................................................................................ 102 Figura – 12 Taxa de incidência do câncer de mama, por 1000 mulheres, na RAS Norte/MG – 2004 a 2014....................................................................... 103 Figura – 13 População feminina, 35 a 69 anos, em 2010.......................................... 105 Figura – 14 Taxa de envelhecimento dos municípios da RAS Norte/MG – 2010.... 110 Figura – 15 Rede rodoviária da RAS Norte de Minas............................................... 116 Figura – 16 Ônibus dos Consórcios Intermunicipais de Saúde................................. 118 Figura – 17 Municípios da RAS Norte/MG – IDHM Renda, 2010.......................... 121 Figura – 18 Espacialização dos CACONs/ UNACONs em Minas Gerais................ 127 Figura – 19 Fachada das unidades de atendimento oncológico em Montes Claros/MG.............................................................................................. 128 Figura – 20 Municípios da RAS Norte/MG – IDHM Educação, 2010..................... 130 Figura – 21 5ª edição do Mutirão de Prevenção ao Câncer Montes Claros/MG - 2015........................................................................................................ 133 11 LISTA DE QUADROS Quadro 01 Principais políticas sociais no âmbito da saúde, instituídas a partir de 1970............................................................................................................ 76 Quadro 02 Recomendações para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil........................................................................................................... 82 Quadro 03 Fases da abordagem do câncer de mama.................................................... 12512 LISTA DE TABELAS Tabela 01 Regiões de Saúde da RAS Norte de Minas e seus municípios componentes................................................................................................ 93 Tabela 02 Ocorrência de câncer de mama por faixa etária – 2004 a 2014.................. 106 Tabela 03 Fatores de risco para o câncer de mama...................................................... 108 Tabela 04 Faixas de análise do IDHM.......................................................................... 120 13 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 Estimativa dos casos de câncer de mama, todas as idades, por continente, em 2012................................................................................. 21 Gráfico 02 Evolução dos registros de câncer de mama na RAS Norte/MG – 2004 a 2014.......................................................................................................... 107 Gráfico 03 Fatores de risco para o câncer de mama................................................... 108 Gráfico 04 Tipo de transporte utilizado para acesso à saúde...................................... 117 Gráfico 05 Renda per capita da família das usuárias participantes da pesquisa.................................................................................................... 122 Gráfico 06 Nível de escolaridade das usuárias participantes da pesquisa.................. 131 Gráfico 07 Principal forma de acesso à informação das usuárias participantes da pesquisa.................................................................................................... 132 14 LISTA DE SIGLAS A. C. Antes de Cristo AE Avaliação Econômica ALC América Latina e Caribe ATS Avaliação de Tecnologias em Saúde C50 Neoplasia Maligna da Mama CACON Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia CF Constituição da República Federativa do Brasil CCM Campanha Nacional de Combate ao Câncer CEP Comitê de Ética em Pesquisa CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão CNCC Campanha Nacional de Combate ao Câncer CNDM Conselho Nacional de Direitos da Mulher CNS Conferência Nacional de Saúde DATASUS Departamento de Informática do SUS/MS DECIT Departamento de Ciência e Tecnologia DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis DNDCD Divisão Nacional de Doenças Crônicas e Degenerativas HBCC Síndrome de Câncer de Mama e Colorretal Hereditários HBOC Síndrome de Câncer de Mama e Ovário Hereditários IARC International Agency for Research on Cancer IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDHM Índices de Desenvolvimento Humano Municipal INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INCA Instituto Nacional do Câncer MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social NOAS Norma Operacional da Assistência à Saúde OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas PAISM Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher PDR Plano Diretor de Regionalização PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento PNAO Política Nacional de Atenção Oncológica PNPCC Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer PPA Plano de Pronta Ação PRO-ONCO Programa de Oncologia do Instituto Nacional de Câncer PT Portaria RHC Registro Hospitalar de Câncer RAS Região Ampliada de Saúde 15 SAS Secretaria de Atenção à Saúde SES/MG Secretaria de Estado da saúde de Minas Gerais SIG Sistema de Informação Geográfica SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida SIH Sistema de Informações Hospitalares SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SISMAMA Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama SNS Sistema Nacional de Saúde SUDS Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UBS Unidade Básica de Saúde UFU Universidade Federal de Uberlândia UNACON Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia UNESPE Universidade Estadual de São Paulo em Presidente Prudente UGI União Geográfica Internacional 16 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 16 Câncer: uma doença milenar........................................................................... 17 A dinâmica do câncer de mama no Brasil e no mundo................................... 20 Justificativa...................................................................................................... 26 Objetivos.......................................................................................................... 27 Objetivo geral.................................................................................................. 27 Objetivos específicos....................................................................................... 27 Procedimentos metodológicos......................................................................... 27 Estrutura.......................................................................................................... 33 1. GEOGRAFIA E SAÚDE: Abordagens teórico-metodológicas........................... 35 1.1 Origem e evolução da Geografia da Saúde..................................................... 35 1.2 Geografia Médica ou Geografia da Saúde?..................................................... 45 1.3 A dimensão espacial dos estudos geográficos da saúde.................................. 51 1.4 As contribuições da Geografia para o estudo do câncer................................. 60 2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL: o caso do câncer de mama............................................................................................................................ 66 2.1 A saúde e sua promoção.................................................................................. 66 2.2 Políticas públicas de saúde.............................................................................. 71 2.3 Políticas públicas de saúde no Brasil.............................................................. 75 2.4 Contexto histórico das políticas públicas de saúde para o controle do câncer de mama no Brasil........................................................................................... 79 2.5 A regionalização da saúde no Norte de Minas Gerais..................................... 88 3. A GEOGRAFIA DO CÂNCER DE MAMA NO NORTE DE MINAS GERAIS: Do direito ao acesso à saúde...................................................................... 96 3.1 Acesso à saúde: um conceito multidimensional.............................................. 96 3.2 Espacialização dos registros de câncer de mama na RAS Norte de Minas Gerais.............................................................................................................. 101 3.3 As barreiras enfrentadas pelas mulheres com câncer de mama na tentativa de acesso aos serviços de saúde na RAS Norte de Minas Gerais................... 114 3.3.1 Barreiras geográficas....................................................................................... 114 3.3.2 Barreiras financeiras........................................................................................ 119 3.3.3 Barreiras organizacionais................................................................................ 124 3.3.4 Barreiras de informação.................................................................................. 129 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 137 REFERÊNCIAS...........................................................................................................142 ANEXOS....................................................................................................................... 151 APÊNDICES................................................................................................................ 154 17 INTRODUÇÃO As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as principais causas de morbimortalidade no mundo. Segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), as mortes por DCNT representarão 73% dos óbitos no ano de 2020 em todo o planeta. Nas últimas décadas, os óbitos causados por tais doenças corresponderam a 72% do total das causas de mortes em países da América Latina e Caribe (ALC) (PAHO, 2003; PAHO, 2007; OMS, 2011). Consideradas como o problema de saúde pública de maior magnitude no Brasil, essas doenças são responsáveis por 70% das causas de óbitos no país (BRASIL, 2011) e, mesmo que ainda se apresente índices preocupantes de “[...] doenças infecciosas, desnutrição, causas externas e condições maternas e perinatais, as doenças crônicas representam em torno de 66% da carga de doenças” (GOULART, 2011, p. 13). Além das mortes, as DCNT podem provocar sequelas e incapacidades físicas e mentais irreversíveis nos indivíduos adoecidos, motivo pelo qual representam grandes impactos econômicos, não somente sobre o sistema público de saúde, mas também na economia do grupo familiar, na produtividade e oferta de trabalho, e educação dos indivíduos (GOULART, 2011). Para o ano de 2020, estima-se que as DCNT serão a primeira causa de incapacidade em todo o mundo, tornando-se o problema mais dispendioso para os sistemas de saúde, caso não sejam gerenciadas adequadamente (SILVA; ROSA, 2013). Deve-se enfatizar que grande parte dessas enfermidades pode ser evitada, mas estão se tornando um dos mais difíceis desafios enfrentados pelos sistemas de saúde em todo o mundo. A OMS propõe algumas medidas de controle e prevenção para as DCNT mais frequentes, considerando que estas apresentam fatores de risco semelhantes, caso do diabetes, doença cardiovascular e câncer, com foco na redução da hipertensão arterial, tabagismo, uso de álcool, inatividade física, dieta inadequada, obesidade e hipercolesterolemia (SILVA et al., 2013; PAHO, 2007 ). Fazem parte do grupo das DCNT as doenças cardiovasculares, diabetes, doenças mentais, doenças respiratórias crônicas e câncer ou neoplasia maligna (GOULART, 2011). No entanto, na ALC as mais recorrentes são: as doenças cardiovasculares, das quais o acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração são as mais frequentes em termos de mortalidade, e hipertensão em termos de prevalência; o diabetes, que pode aumentar drasticamente a 18 mortalidade prematura e incapacidade; e câncer, sendo o câncer cervical e, particularmente, o câncer de mama entre as mulheres; e o câncer de estômago, pulmão, cólon e da próstata entre os homens (PAHO, 2003). Câncer: uma doença milenar O câncer não é uma única doença e sim várias. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) considera a doença como um conjunto de mais de 100 doenças que se caracterizam pelo crescimento desordenado de células. Goulart (2011, p. 10) define câncer como uma “Multiplicação anormal de células em determinados órgãos do corpo, afetando as células normais e produzindo novos focos invasivos à distância, as metástases”. Este autor também afirma que existe mais de uma centena de variações da doença, ocasionados por fatores de risco igualmente multivariados. Existem ainda outros pontos unificadores desse grupo de doenças, além dos biológicos, como fatores políticos, culturais e ambientais. Trata-se de, assim, de [...] uma doença antiga — outrora uma doença clandestina, sobre a qual se falava aos sussurros — que se metamorfoseou numa entidade letal, amplamente predominante e que muda de forma, imbuída de tal potência metafórica e política que costuma ser descrita como a peste definidora da nossa geração (MUKHERJEE, 2012, p. 7). Sabe-se que o câncer é uma patologia milenar. Acredita-se que as primeiras mensurações sobre a doença datam de vários séculos a.C. Esses registros foram encontrados em um papiro escrito por Imhotep1, um médico egípcio que viveu em torno de 2625 a.C. Nesses escritos, Imhotep apresenta 48 casos, sendo que para o caso 45, ele descreve: “[...] massas salientes no peito, frias, sem aumento de temperatura, sem granulações, salientes ao toque, sem líquido em seu interior, que se espalham, são tumores salientes no peito que correspondem à existência de inchaços grandes, espalhados, frios e duros”. Talvez sejam essas as primeiras descrições que caracterizam o câncer de mama. Outro fato interessante nesses escritos, é que para todos os outros 47 casos, Imhotep indica algum tipo de tratamento ou cuidados paleativos. No caso 45, na parte destinada à indicação de alguma terapia, ele simplesmente escreve “Não existe” (MUKHERJEE, 2012). 1 Imhotep, um egípcio do Antigo Império que não pertencia à família real. Vivia na corte do rei e se interessou por neurocirurgia, arriscou-se na arquitetura e fez incursões em astrologia e astronomia. Mesmo os gregos, ao depararem com seu intelecto impetuoso e veemente quando marchavam pelo Egito séculos depois, classificaram- no como um feiticeiro antigo e fundiram-no com seu próprio deus médico, Asclépio ((MUKHERJEE, 2012, p. 42). 19 Passados quase dois mil anos, inferências sobre um possível caso de câncer aparecem na obra Historia escrita pelo historiador grego Heródoto por volta de 440 a.C. O caso relatado refere- se à Atossa, a rainha persa, filha do rei Ciro e esposa do rei Dario, que provavelmente tinha câncer de mama. Dada a sua condição social, a rainha poderia ter sido tratada pelo mais competente corpo médico da Grécia naquele tempo. Contudo, talvez por vergonha, Atossa se submetia a quarentenas e ocultava a mama doente enfaixando-a. Um dia, talvez já cansada pelos maltratos da doença, num momento de fúria, receita para si mesma a mais primitiva forma de mastectomia, quando ordenou a um escravo que extirpasse sua mama com uma faca (MUKHERJEE, 2012). São muitos os relatos sobre o câncer feitos por egípcios, persas, indianos, entre outros, na antiguidade. Contudo, foram os estudos realizados pela escola hipocrática, por volta do século IV a.C. que melhor o definiu. Nessa época, a doença foi caracterizada como um tumor duro que reaparecia depois de extirpado, ou se espalhava por outras partes do corpo levando à morte. Os hipocráticos pensavam o câncer como um processo de desequilíbrio dos fluidos presentes no organismo (TEIXEIRA; FONSECA, 2007). Também foi na época de Hipócrates que o câncer recebeu pela primeira vez uma nomenclatura específica. A doença foi denominada pelo médico grego como karkinos, palavra grega que significa caranguejo, e do latim câncer, de onde se deriva o termo carcinoma, isso porque, para Hipócrates, o tumor se assemelhava a um caranguejo enterrado na areia com as patas abertas em círculos. Outro termo de origem grega, ligado ao câncer, é onkos, que significa uma massa, um fardo, um peso a ser carregado pelo corpo, de onde se deriva o termo oncologia (MUKHERJEE, 2012). Hipócrates propôs o corpo humano como uma composição de quatro fluidos chamados humores corporais, sendo o sangue de cor vermelha, a bile negra, a bile amarela e a fleuma de cor branca. Assim, para que um indivíduo esteja saudável, todos esses fluidos devem estar em equilíbrio. Contudo, o excesso de pelo menos um desses fluidos caracteriza um indivíduo doente. Baseado nesse pensamento, o médico grego Claudius Galeno, em 168 d.C., propôs que o câncer, assim como a depressão, era causado pelo desequilíbrio da bile negra, relacionando a ocorrência das duas doenças com uma causa universal. O tratamento para o câncer nesseperíodo era feito, ora por administração de medicamentos naturais como as sangrias, ora por intervenções cirúrgicas muito dolorosas pela falta de anestésicos e antibióticos. Há relatos da descrição de mastectomias onde as mulheres 20 gritavam tanto que o cirurgião chegava ao ponto de desmaiar, comprometendo o procedimento cirúrgico (MUKHERJEE, 2012; TEIXEIRA; FONSECA, 2007). Não foram muitos os estudos que se seguiram após a era cristã em relação ao câncer. E todos que apareciam estavam baseados nas ideias de Hipócrates e de seus seguidores. A partir do século XVIII, com o desenvolvimento da anatomia patológica e dos conhecimentos sobre as células, o câncer passou a ser visto como uma doença de caráter local, fato que coincidiu com o início do desenvolvimento tecnológico, que viria a revolucionar as ciências, contribuindo para os estudos sobre a doença, tanto no que se refere ao tratamento, como no diagnóstico e na prevenção. A descoberta de novos medicamentos, o raio X, a quimioterapia, a radioterapia, desenvolvimento de equipamentos que permitem a detecção precoce da doença, são exemplos das inovações que surgiram com a revolução tecnológica (TEIXEIRA; FONSECA, 2007). Contudo, a cura e a causa dos mais diversos tipos de câncer que se apresentam hoje, ainda são vistos como desafios para os estudiosos do tema. Afirma-se que determinados tipos da doença têm um prognóstico relativamente bom, com reais possibilidades de cura, desde que sejam detectados e tratados precocemente, como é o caso do câncer de mama. Um dos primeiros estudos sobre câncer no Brasil foi produzido pelo médico Azevedo Sodré e apresentado no II Congresso Médico Latino-Americano, em Buenos Aires, sendo publicado em 1904. Nesse trabalho, Sodré afirmava que havia no Brasil uma baixa incidência da doença, principalmente na região Norte, e denunciava a dificuldade para se obter dados relativos à mesma no país. As afirmações de Sodré foram refutadas na Segunda Conferência Internacional do Câncer, ocorrida em Paris em 1910, através de um novo estudo sobre a ocorrência do câncer no Brasil, elaborado pelo médico paulista Olympio Portugal. Este apresentou novos dados comprovando que a incidência da doença no país era alta, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A partir daí, os estudos sobre câncer ganharam visibilidade no cenário nacional, sendo incorporados pela saúde pública a partir da década de 1920. O câncer passou então a ser entendido como um mal prevenível, cujo combate deveria estar pautado no diagnóstico precoce e no tratamento, feitos por médicos estudiosos da doença e das formas adequadas para combatê-la (TEIXEIRA; FONSECA, 2007; CESTARI; ZAGO, 2005; ANDRADE; LANA, 2010). No Brasil, o câncer sempre foi visto de diferentes formas, 21 De tumor maligno e incurável à neoplasia, de tragédia individual à problema de saúde pública, sua história foi marcada pelo incessante esforço da medicina em controlá-lo pela via da prevenção, aliada ao uso das mais modernas tecnologias médicas de tratamento. No entanto, as dificuldades técnicas para a cura de muitas de suas formas, o alto custo das tecnologias empregadas com esse objetivo e seu caráter individual mostram-se como limitadores da ação terapêutica, fazendo com que a doença se vincule cada vez mais ao campo da prevenção e da saúde pública (TEIXEIRA; FONSECA, 2007, p. 09). O câncer passou, então, a compor o calendário dos estudos e eventos médicos do país como o Primeiro Congresso Brasileiro de Câncer, realizado em 1935 no Rio de Janeiro, despertando o interesse não só da medicina, mas dos diversos setores da sociedade. Nas últimas décadas, a doença tem chamado a atenção de sanitaristas, gestores públicos, epidemiologistas, geógrafos da saúde, entre outros, dado o caráter epidêmico com que vem se apresentando. A dinâmica do câncer de mama no Brasil e no mundo O câncer ou neoplasia maligna, embora seja uma patologia conhecida há séculos, tem ocupado posição de destaque nos estudos referentes à saúde por todo o mundo, uma vez que se tornou um problema de saúde pública, devido ao caráter epidêmico com que tem se apresentado. Estudos apontam que no ano de 2030, a carga global de câncer será de 21,4 milhões de casos novos e 13,2 milhões de mortes pela doença, decorrentes do crescimento e do envelhecimento populacional (INCA, 2014). A OMS, através do documento World cancer report 2014 da International Agency for Research on Cancer (IARC), mostra que em 2012, a carga mundial de câncer subiu para cerca de 14 milhões de novos casos por ano, e deverá subir para 22 milhões por ano nas próximas duas décadas. Para o mesmo período, as mortes por câncer deverão aumentr de 8,2 milhões por ano para 13 milhões por ano. Globalmente, em 2012, os tipos de câncer mais diagnosticados foram os de pulmão (1,8 milhões de casos, 13,0% do total), mama (1,7 milhões, 11,9%) e intestino grosso (1,4 milhões, 9,7%). As causas mais comuns de morte por câncer foram cânceres do pulmão (1,6 milhões, 19,4% do total), fígado (0,8 milhões, 9,1%), e estômago (0,7 milhões, 8,8%). Para a região da ALC, o projeto Globocan/IARC2 estimou a ocorrência de 1,1 milhões de casos novos de câncer somente para o ano de 2012. O tipo mais incidente estimado entre 2 O GLOBOCAN é um projeto realizado pela International Agency for Research on Cancer (IARC), e tem como objetivo fornecer estimativas contemporâneas da incidência, mortalidade e prevalência dos principais tipos de câncer, a nível nacional, para 184 países do mundo. As estimativas GLOBOCAN são apresentados para 2012 (IARC/OMS, 2012). mulheres foi o de mama (152 mil estimados para os homens, o câncer de próstata foi o mais frequente (28,6%), seguido pelos cânceres de pulmão (9,8%), intestino (8,0%), estômago (6,8%) e bexiga (3,3%). população feminina, dos 560 mil casos novo mama (27%), colo do útero (12,2%), intestino (7,9%), pulmão (5,7,%) e estômago (4,3%) (IARC/OMS, 2012; INCA, 2015) Pode-se observar que ainda persistem, em nível global, os tipos de câncer relacionados com condições socioeconômicas menos favoráveis, como o do colo do útero e o do estômago. Nota-se que o câncer do colo do útero, o segundo mais incidente e a segunda causa de morte por câncer em mulheres, continua contribuindo de forma importante para a carga da nessa população. No entanto, é notável que ocorrem em países em desenvolvimento se assemelha ao perfil os cânceres de próstata, mama e intestino O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo casos novos a cada ano. O mama para todas as idades, em 2012, em todos os continentes. Gráfico 01: Estimativa dos casos de c Fonte: GLOBOCAN/IARC, 2012. 22 mama (152 mil casos novos). Dos cerca de 530 mil casos novos de câncer estimados para os homens, o câncer de próstata foi o mais frequente (28,6%), seguido pelos cânceres de pulmão (9,8%), intestino (8,0%), estômago (6,8%) e bexiga (3,3%). os 560 mil casos novos casos estimados, os mais frequentes foram mama (27%), colo do útero (12,2%), intestino (7,9%), pulmão (5,7,%) e estômago (4,3%) INCA, 2015). se observar que ainda persistem, em nível global, os tipos de câncer relacionados com ondições socioeconômicas menos favoráveis, como o do colo do útero e o do estômago. se que o câncer do colo do útero, o segundo mais incidente e a segunda causa de morte por câncer em mulheres, continua contribuindo de forma importante para a carga da nessa população. No entanto, é notável que o perfil de determinados tipos de câncer em países em desenvolvimento se assemelha ao perfil de países desenvolvidos, cânceres de próstata, mama e intestino (INCA, 2015). ma é o segundo tipo mais frequente no mundo, respondendo por 22% dos O gráfico 01 apresenta a estimativa para ocorrência do câncer de mama para todas as idades, em 2012,em todos os continentes. 01: Estimativa dos casos de câncer de mama, todas as idades, por continente, em 2012. Fonte: GLOBOCAN/IARC, 2012. os cerca de 530 mil casos novos de câncer estimados para os homens, o câncer de próstata foi o mais frequente (28,6%), seguido pelos cânceres de pulmão (9,8%), intestino (8,0%), estômago (6,8%) e bexiga (3,3%). Na casos estimados, os mais frequentes foram mama (27%), colo do útero (12,2%), intestino (7,9%), pulmão (5,7,%) e estômago (4,3%) se observar que ainda persistem, em nível global, os tipos de câncer relacionados com as ondições socioeconômicas menos favoráveis, como o do colo do útero e o do estômago. se que o câncer do colo do útero, o segundo mais incidente e a segunda causa de morte por câncer em mulheres, continua contribuindo de forma importante para a carga da doença determinados tipos de câncer que países desenvolvidos, como respondendo por 22% dos 01 apresenta a estimativa para ocorrência do câncer de âncer de mama, todas as idades, por continente, em 23 Percebe-se, pelo gráfico 01, que a estimativa de maior ocorrência do câncer de mama em 2012 refere-se ao continente asiático, seguido pela Europa e América do Norte. A América Latina e Caribe ocuparam a quarta posição com 152.000 casos estimados. De acordo com Mendonça et al. (2004, p. 1232) este é o “[...] tipo de neoplasia maligna mais comum entre as mulheres em todo o mundo e sua ocorrência varia amplamente entre regiões”. Sobre a incidência da doença no mundo, as mesmas autoras afirmam que: As populações que apresentam maior risco encontram-se na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, enquanto que populações asiáticas têm taxas cinco vezes menores. No entanto, nas últimas décadas, no Japão, vem sendo observado aumento na incidência bem como em outras regiões caracterizadas de baixa incidência, como China e Índia. Ao mesmo tempo em que a incidência tende, com algumas exceções, a aumentar, a mortalidade, em países desenvolvidos (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, Dinamarca e Noruega), vem declinando em cortes sucessivos de idade (MENDONÇA et al., 2004, p. 1232). Nos Estados Unidos, a Sociedade Americana do Câncer - American Cancer Society (2015) - estima que 1 em 8 (12%) mulheres americanas vão desenvolver câncer de mama invasivo durante sua vida. Estima-se ainda que, no ano de 2015, cerca de 231.840 novos casos de câncer de mama invasivo seriam diagnosticados em mulheres e cerca de 40.290 morreriam pela doença no país. A Sociedade Canadense do Câncer – Canadian Cancer Society (2015) – estimou que 25.000 mulheres seriam diagnosticadas com câncer de mama (26% de todos os novos casos de câncer em mulheres) em 2015 no Canadá. Cerca de 5.000 mulheres morreriam pela doença (14% de todas as mortes por câncer em mulheres) no mesmo ano. Em média, a cada dia 67 mulheres canadenses serão diagnosticadas e 14 vão morrer de câncer de mama no país. Dados disponíveis no site Pesquisa do Câncer do Reino Unido - Cancer Research UK (2014) – mostram que o câncer de mama é a segunda causa de morte por câncer em mulheres no Reino Unido, sendo responsável por 15% dos óbitos em 2012. Isto significa que 11.643 mulheres morreram pela doença no referido ano. Em toda a Europa, foram cerca de 131.000 mortes por câncer de mama em 2012. No Brasil, o câncer de mama representa a primeira causa de óbito por câncer na população feminina. Em 2013, ocorreram 14.388 mortes pela doença no país, sendo 181 homens e 14.207 mulheres (INCA, 2014). As taxas de mortalidade pela doença continuam elevadas, isto provavelmente porque o diagnóstico ainda seja realizado, na maioria dos casos, em estádios 24 avançados. Este tipo de câncer continua sendo o mais incidente, entre a população feminina, excetuando se o câncer de pele não melanoma (Fig. 01). Figura 01: Estimativas das taxas brutas de incidência por 100 mil habitantes e do número de casos novos de câncer, Brasil, ano 2016, segundo sexo e localização primária* Fonte: INCA, 2015. Nota-se, através da figura 01, que o câncer de mama apresenta uma taxa bruta de incidência discrepante em relação aos outros tipos de neoplasias em mulheres, sendo 56,20 casos por cem mil mulheres estimados para o ano de 2016 no Brasil. Dos 600 mil casos novos de câncer estimados para o biênio 2016/2017 no país, 57.960 mil serão casos novos de câncer de mama feminino, o que representa 28,1% dos casos de câncer em mulheres (INCA, 2015), como pode ser observado na figura 02. 25 Figura 02: Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes no Brasil estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma* Fonte: INCA, 2015. A figura 02 mostra a distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes em homens e mulheres para o ano de 2016, no Brasil, onde é possível observar a maior incidência do câncer de mama na população feminina. Schneider e D’Orsi (2009, p. 1285) enfatizam que “[...] o câncer de mama é considerado um grave problema de saúde pública mundial, não só pelo número crescente de casos diagnosticados a cada ano, mas também pelo investimento financeiro que é solicitado para equacionar as questões de diagnóstico e tratamento”. Em relação às regiões brasileiras, o câncer de mama também é o mais incidente entre as mulheres, ocupando o primeiro lugar em todas as regiões brasileiras, exceto na região Norte, onde o tipo mais incidente da doença, na população feminina, é o câncer de colo do útero (PORTO et al., 2013). Para o biênio 2016/2017, as estimativas corroboram esta informação, como pode ser verificado na figura 03. Figura 03: Distribuição proporcional dos dez tipos de câncer mais incidentes na Região Sudeste, estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma* Fonte: INCA, 2015. Segundo os dados dispostos na figura 03, são esperados 29.760 casos novos de câncer de mama, sendo este o mais incidente entre as mulheres para o período estimado, seguido pelo 26 câncer de cólon e reto (9910 casos novos), e, em terceiro lugar estaria o câncer do colo do útero (4940 casos novos) na Região Sudeste. Já na Região Norte do país, o câncer de mama ocupa o segundo lugar nas estimativas de casos novos, precedido pelo câncer do colo do útero. Para o Estado de Minas Gerais, as estimativas mostram que a situação do câncer de mama segue os mesmo padrões do Brasil e do mundo, onde ocupa a primeira colocação como o tipo mais incidente e que causa mais mortalidade entre a população feminina, fato que pode ser observado na figura 04. Figura 04: Taxas brutas de incidência estimadas para 2016 por sexo, para Minas Gerais e capital* Fonte: INCA, 2015. Para o Estado de Minas Gerais, estão estimados cerca de 60.750 casos novos de câncer, sendo 28.390 casos novos em homens e 32.360 casos novos em mulheres. Considerando todas as neoplasias malignas, as taxas brutas de incidência seriam de 273,62 casos novos por 100 mil homens e 302,05 casos novos por 100 mil mulheres. Quanto ao câncer de mama, para o biênio 2016/2017, estão estimados cerca de 5.160 casos novos de câncer de mama em mulheres por localização primária no Estado, com uma taxa bruta de incidência de 48,19 casos por cem mil mulheres (Fig. 04). Destes, 1.030 se referem somente à capital mineira, com uma taxa bruta de incidência de 75,59 casos por cem mil mulheres (INCA, 2015). Diante desses dados, percebe-se a importância epidemiológica do câncer e a sua magnitude como problema de saúde pública, principalmente em países em desenvolvimento. A OMS 27 afirma que os países em desenvolvimento são afetados, desproporcionalmente, pelo aumento do número de casos de câncer, em consequência do crescimento e envelhecimento da população. Segundo o documento, mais de 60% do total de casos no mundo ocorrem na África, Ásia e América Central e do Sul, e estas regiões são responsáveis por cercade 70% das mortes por câncer do mundo, situação que é agravada pela falta de detecção precoce e acesso ao tratamento (OMS, 2014). Tal fato ratifica a relevância de estudos que possam contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas mais pontuais e eficazes no controle da doença, em diversas escalas, principalmente em regiões pouco desenvolvidas social e economicamente, como é o caso do Norte de Minas Gerais. Conhecer a situação do câncer em uma dada região pode permitir que as várias esferas de governo desenvolvam estratégias de controle e prevenção mais pontuais para o enfrentamento do problema. Evidencia-se aqui a importância dos estudos geográficos espaciais e regionais no âmbito da saúde. Justificativa O Estado de Minas Gerais possui uma extensão territorial de 586.528,293 km2, dividido em 853 municípios, com uma população total de 19.597.330 em 2010 (IBGE, 2014). As regiões mineiras apresentam características divergentes entre si, tanto no que se refere à distribuição populacional quanto nos aspectos socioeconômicos. A região Norte, por exemplo, apresenta uma grande extensão territorial, com um contingente populacional relativamente pequeno, o que caracteriza um quadro de pequena densidade demográfica e de grandes distâncias entre seus municípios (MINAS GERAIS, 2011). O Norte de Minas está entre as regiões que apresentam os mais baixos indicadores sociais no país, com municípios como Bonito de Minas, Montezuma e Ninheira que, no ano de 2010, apresentaram os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM da região e do Estado (MINAS GERAIS, 2013). É possível observar que a região em estudo segue a tendência mundial de prevalência do câncer de mama na população feminina, sendo a principal causa de morte em mulheres por câncer. Pode-se verificar, ainda, que o número de casos da doença cresce consideravelmente a cada ano na região. Deve-se enfatizar que no Norte de Minas há apenas dois hospitais habilitados para tratamentos de alta complexidade do câncer, a Fundação de Saúde Dílson de Quadros Godinho e a Irmandade Nossa Senhora das Mercês, ambos situados na cidade de Montes 28 Claros. Sendo assim, acredita-se que o agravamento do câncer de mama na região está relacionado com o diagnóstico tardio e com as dificuldades encontradas pela população afetada pela doença ao recorrer aos serviços de saúde. Dentro desse cenário, algumas indagações norteiam a proposta desta pesquisa, tais como: Os registros dos dados acerca da ocorrência do câncer de mama correspondem a real situação da morbimortalidade causada pela doença na região? Quais são os municípios de maior incidência do câncer de mama no Norte de Minas? Quais são os fatores ambientais, socioeconômicos ou culturais aos quais a população afetada pela doença na região esteve exposta? O acesso da população doente aos serviços de saúde é satisfatório? As políticas públicas para prevenção e controle da doença no Norte de Minas são eficientes? Este trabalho se faz socialmente relevante na medida em que poderá contribuir com os órgãos públicos de saúde no conhecimento dos municípios norte-mineiros de maior ocorrência/incidência do câncer de mama, bem como das principais dificuldades encontradas pelos doentes ao recorrerem aos serviços de saúde na região. Dessa forma, poderão ser elaboradas políticas públicas mais pontuais e eficazes de prevenção, controle e tratamento da doença, garantindo melhor acesso da população aos serviços de saúde. Objetivos • Objetivo Geral Analisar a dinâmica do câncer de mama na Região Ampliada de Saúde Norte de Minas Gerais – RAS Norte/MG. • Objetivos específicos Discutir as políticas públicas de saúde para o controle do câncer de mama no Brasil; Verificar as condições de acesso da população afetada pelo câncer de mama aos serviços de saúde na região em estudo; Relacionar as barreiras de acesso aos serviços de saúde com o agravamento do câncer de mama na RAS Norte/MG. Procedimentos Metodológicos 29 O ato de pesquisar permite a descoberta de novas informações em qualquer campo do conhecimento, sendo a pesquisa um procedimento reflexivo, sistemático e crítico. Lakatos; Marcone (2003, p. 155) afirmam que “A pesquisa, portanto, é um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais”. Dessa forma, a pesquisa pode ser classificada quanto aos objetivos e quanto aos procedimentos técnicos (GIL, 2008). Em relação aos objetivos, a pesquisa é considerada como exploratória, tendo como objetivo proporcionar ou explicitar maior familiaridade ao tema estudado, envolvendo levantamento bibliográfico, entrevista com pessoas com experiência acerca do problema pesquisado, assumindo geralmente as forma de estudo de caso (GIL, 2008). Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa pode ser descritiva ou explicativa. A primeira descreve as características de determinados fenômenos, enquanto que a pesquisa explicativa busca identificar os fatores que geram ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos (GIL, 2008). Já a pesquisa explicativa visa identificar, analisar, interpretar os fatos e suas causas. Este tipo de pesquisa envolve mais investimento em síntese, teorização e reflexão acerca do objeto estudado, na tentativa de explicar o porquê dos acontecimentos (LAKATOS; MARCONE, 2003). Nesse sentido, o presente trabalho se apresenta como um estudo exploratório, de natureza explicativa e análise quanti-qualitativa, realizado a partir de informações sobre a ocorrência/incidência de câncer de mama no Norte de Minas Gerais, entre os anos de 2004 a 2014. O recorte espacial elegido para a realização da pesquisa é a Região Ampliada de Saúde Norte de Minas Gerais (RAS Norte/MG), instituída de acordo com a regionalização proposta pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais – SES/MG, a partir do Plano Diretor de Regionalização (PDR). Essa região é composta por 86 municípios, sendo três a menos que a região Norte de Minas instituída pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1990. No caso, não fazem parte da RAS Norte/MG os municípios de Riachinho e Chapada Gaúcha, que pertencem à Região Noroeste de Minas; e Divisa Alegre e Águas Vermelhas pertencentes à Região Jequitinhonha. Foi incluído o município de Joaquim Felício na Região de Saúde de Montes Claros (MINAS GERAIS, 2011). 30 Para o embasamento teórico do estudo, foi realizada a pesquisa bibliográfica através de livros, periódicos, relatórios técnicos, revistas especializadas, entre outros, acerca da temática estudada. Segundo Gil (2008), a pesquisa bibliográfica tem como base o material já elaborado, como livros e artigos científicos e “Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas” (LAKATOS; MARCONE 2003, p. 183). Também se realizou a pesquisa documental, a partir da análise de leis, normas, portarias, entre outros, que regem o sistema de saúde pública do Brasil. Para espacialização da ocorrência da doença na RAS Norte de Minas, foi realizada a coleta de dados entre os meses de junho a dezembro de 2015, diretamente no Registro Hospitalar de Câncer (RHC) dos dois hospitais especializados para o tratamento da doença na região (Fundação de Saúde Dílson de Quadros Godinho e a Irmandade Nossa Senhora das Mercês de Montes Claros). Os dados coletados referem-se a todos os casos novos de câncer de mama em mulheres, notificados pelos serviços especializados de atendimento ao usuário com câncer das referidas unidades de saúde, registrados no período de 2004 a 2014, atendidos pelo Sistema Único de Saúde.Além dos casos novos, foram levantadas outras variáveis como município de origem, idade, sexo, data do diagnóstico, estadiamento3 e início do tratamento. Os registros no RHC são feitos através dos prontuários dos usuários acometidos pela doença que procuram por tratamento nessas unidades hospitalares. O câncer de mama é classificado como C50, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CID-10. Os dados levantados foram submetidos ao cálculo para se estimar a taxa de incidência da doença por município da região, de acordo com a seguinte fórmula: ���� �� �� ��ê� �� = �º �� ���� �� ���� í �� � 1000�é��� � . �� ��� � �� ���� í �� O cálculo da incidência foi realizado por município, a partir do número total de casos novos registrados, no intervalo de tempo considerado, multiplicado por 1000, dividido pela média da 3 O termo estadiamento é utilizado internacionalmente para avaliar o grau de disseminação do câncer. A necessidade de classificar o câncer em estádios advém da constatação de que as taxas de sobrevida são diferentes dependendo da situação em que a doença é diagnosticada. O estádio de um tumor reflete a extensão da doença, a taxa de crescimento, o tipo de tumor e sua relação com o hospedeiro (INCA, 2015). 31 população considerada de risco, para o período em análise. O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento do câncer de mama para mulheres de 40 a 69 anos de idade, e mulheres de 35 anos de idade ou mais, com risco elevado para câncer de mama (BRASIL, 2009). Dessa forma, foram consideradas como população de risco neste trabalho, as mulheres com idade compreendida na faixa etária de 35 a 69 anos. Os dados da população de risco, estratificados por faixa etária, sexo e por município, referentes aos anos de 2004 a 2012, foram coletados na plataforma TabNet do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Para os anos de 2013 e 2014, aplicou-se o cálculo estatístico da taxa geométrica de crescimento populacional4, tendo como base a população selecionada por faixa etária para o período analisado, a partir da fórmula: r = �� ����� � � − 1� x 100 Onde, em termos técnicos, para se obter a taxa de crescimento (r), subtrai-se 1 da raiz enésima do quociente entre a população final (Pt) e a população no começo do período considerado (P0), multiplicando-se o resultado por 100, sendo "n" igual ao número de anos no período. (RISPA, 2008). De posse dos dados acerca da doença, foi realizado o processamento digital das imagens utilizadas na pesquisa. A partir do Sistema de Informação Geográfica (SIG) os dados foram cruzados, gerando novas informações referentes à dinâmica do câncer de mama na região em estudo. Foi utilizado o software ArcGiz 10.2 e a base cartográfica do estado de Minas Gerais disponibilizadas pelo IBGE. Assim, foram editados os mapas utilizados no trabalho, como resultado do processamento das informações. Após a espacialização dos casos novos do câncer de mama e conhecimento dos municípios de maior ocorrência e incidência, foi realizado trabalho de campo para observação in loco e análise da infraestrutura das unidades de atendimento ao portador de câncer, das condições de acesso da população aos serviços de saúde na região, das condições socioeconômicas, 4 A taxa geométrica de crescimento populacional é o percentual de incremento médio anual da população residente em determinado espaço geográfico para o período considerado. Seu valor refere-se a media anual obtida para um período de anos compreendido geralmente entre dois Censos Demográficos. A taxa e influenciada pela dinâmica da natalidade, da mortalidade e das migrações e indica o ritmo do crescimento populacional. Pode ser utilizada para realizar estimativas e projeções populacionais para períodos curtos, Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas publicas especificas, entre outros (RISPA, 2008). 32 culturais e comportamental às quais essa população está exposta. Os locais escolhidos para realização do campo foram os ambulatórios oncológicos das duas unidades de saúde que oferecem a assistência oncológica em Montes Claros. Vale lembrar que estas unidades assistem a toda a região, possibilitando o contato com mulheres com câncer de mama de diversos municípios. Ressalta-se que a escolha dos locais citados para a pesquisa de campo foi definida a partir das dificuldades verificadas no âmbito dos municípios de maior incidência, para acesso às mulheres acometidas pelo câncer de mama, como ocorreu na visita à Unidade Básica de Saúde (UBS) (Fig. 05) do município de Guaraciama no mês de maio do ano de 2016. Figura 05: Fachada da UBS do município de Guaraciama. Autor: Alves, 2016. Durante a visita à UBS de Guaraciama (Fig. 05), foi possível perceber as dificuldades de acesso às mulheres portadoras de câncer de mama no município. De acordo com a coordenadora da equipe do Programa Saúde da Família do município, em concordância com as agentes de saúde, das poucas mulheres com a doença que ainda estão vivas e que moram no município, por questões psicológicas e debilidades físicas, apenas uma poderia se interessar a participar da pesquisa. Outras informações em relação à ocorrência de câncer no município puderam ser verificadas e, embora não façam parte dos objetivos deste trabalho, julga-se importante mencioná-las, como a alta ocorrência do câncer do colo do útero no município e o registro errado das mortes por câncer de mama, que são registrados como 33 óbitos por causas indeterminadas, fato que acaba por mascarar a real situação da doença na região. Para análise das condições de acesso aos serviços de saúde e conhecimento dos principais fatores de risco para a doença que a população doente esteve exposta, e também das condições socioeconômicas, foram aplicados questionários semiestruturados (Apêndice A) aos portadores da doença que estavam em tratamento em Montes Claros entre os meses de abril e maio do ano de 2016. Foram analisadas variáveis do estudo, como: ano do diagnóstico, idade, escolaridade, renda, condições socioeconômicas, forma de acesso aos serviços de saúde, além de outros condicionantes identificados no decorrer da pesquisa. Para caracterização dos aspectos socioeconômicos dos municípios, foram utilizadas as componentes Renda e Educação que compõem o IDHM, referentes ao ano de 2010, extraídos do banco de dados do IBGE. O grupo de mulheres participantes desta parte da pesquisa foi constituído através da técnica de amostragem por acessibilidade ou conveniência. Este é um método muito comum nos estudos exploratórios e qualitativos, onde não se requer elevado nível de precisão, sendo classificada como uma técnica de amostragem não-probabilística, que: [...] tem como característica principal não fazer uso de formas aleatórias de seleção, torna-se impossível a aplicação de formas estatísticas para cálculo. É usada quando não se conhecem o tamanho do universo e os indivíduos são selecionados através de critérios subjetivos do pesquisador (MAROTTI et al., 2008, p. 188). A técnica de amostragem por conveniência consiste em selecionar uma amostra da população que seja acessível, onde os indivíduos são selecionados por estarem disponíveis, não porque eles foram selecionados por meio de um critério estatístico. Gil (1999, p. 94) afirma que a referida técnica “Constitui o menos rigoroso de todos os tipos de amostragem. Por isso mesmo é destituída de qualquer rigor estatístico. O pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o universo”. A conveniência desse método representa uma maior facilidade operacional e baixo custo de amostragem (MAROTTI et al., 2008).A escolha desta técnica de amostragem se deu diante das dificuldades encontradas, após várias tentativas, para se estabelecer a quantidade total de mulheres que estavam em tratamento para o câncer de mama, nas unidades de referência, no momento da pesquisa. De acordo com os funcionários que fazem os agendamentos, nos ambulatórios oncológicos, são 34 consultadas mulheres com diagnóstico confirmado para a doença e mulheres ainda em fase de investigação, além de outros casos como acompanhamento de tumores benignos. De acordo com esses funcionários, esta seria uma atividade muito difícil de realizar e que demandaria muito tempo, pois, para se extrair do sistema o número exato de mulheres com diagnóstico positivo e em tratamento seria necessário avaliar todos os prontuários de todas as pessoas que passaram pelos ambulatórios no período pretendido, lembrando que estes prontuários se encontram espalhados entre os setores de quimioterapia, radioterapia, fisioterapia, cirurgia, oncologia clínica e outros, dependendo da necessidade de tratamento de cada usuário. Nesse sentindo, somente responderam aos questionários, as mulheres que estavam presentes nos ambulatórios de oncologia clínica, nos dias e horários de consulta médica feitas no âmbito do SUS5 , que estavam aparentemente em boas condições físicas e psicológicas e que aceitaram participar da pesquisa. Deve-se ressaltar que, além das debilidades físicas e psicológicas causadas pela própria doença, o tratamento para o câncer de mama causa diversas reações no organismo das mulheres adoecidas, sendo indispensável mais cautela do pesquisador no momento de abordagem da mulher alvo da pesquisa. Foram entrevistados ainda profissionais de saúde como médicos, enfermeiros (Apêndice B) e administradores do sistema de saúde que atuam no setor oncológico da região. Os dados obtidos nos trabalhos de campo foram tabulados e convertidos em gráficos e tabelas para discussão dos resultados. Todos esses produtos foram utilizados na construção da dissertação. Em cumprimento à Resolução nº. 196/96, do Ministério da Saúde, que versa sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos no Brasil, esta pesquisa está devidamente autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, sob o número 1.074.475 (Anexo A), e o estudo só teve início após sua aprovação. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos e metodologias adotadas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice C). Estrutura Este trabalho está estruturado em três capítulos, precedido pela introdução. No primeiro capítulo intitulado Geografia e Saúde: abordagens teórico-metodológicas é feito uma 5 Na unidade hospitalar Santa Casa de Montes Claros, a pesquisa de campo foi autorizada a se realizar nas quintas feiras, no período vespertino, por ser um dos dias de atendimento ambulatorial no âmbito do SUS. Da mesma forma, na Fundação de Saúde Dílson de Quadros Godinho, as visitas ocorreram nas quartas feiras, também no período da tarde. 35 reflexão acerca da evolução histórico-epistemológica da Geografia da Saúde, desde a Grécia Antiga até a atualidade, com base nos principais estudiosos que contribuíram para o desenvolvimento dessa vertente. Faz-se uma abordagem acerca da dimensão espacial, trazendo o espaço como principal categoria de análise nos estudos do processo saúde-doença. Também são mencionadas as contribuições da ciência geográfica para o estudo do câncer. No segundo capítulo sob o título Políticas Públicas de Saúde no Brasil: o caso do câncer de mama discute-se a construção das políticas públicas sociais e de saúde no Brasil a partir da década de 1970. É traçado um breve histórico acerca da elaboração das políticas púbicas de saúde para o controle, o tratamento e a prevenção do câncer de mama no país, como os programas para rastreamento e detecção precoce da doença. Discute-se a importância da promoção da saúde para a prevenção da doença e para a melhoria da qualidade de vida e saúde da população, principalmente a feminina, no Norte de Minas. Apresenta-se, ainda, a regionalização da saúde na região a partir das propostas do Plano Diretor de Regionalização da Saúde do Estado de Minas Gerais. Por fim, no terceiro capítulo, cujo título é A Geografia Do Câncer De Mama No Norte De Minas Gerais: Do direito ao acesso a saúde, são espacializados os casos do câncer de mama registrados na região no período observado, destacando os municípios de maior ocorrência e de maior incidência da doença, relacionando tais resultados aos indicadores socioeconômicos e demográficos que caracterizam a região Norte de Minas. Também são apresentados os resultados do trabalho de campo que foi realizado nos ambulatórios das unidades de saúde credenciadas para a assistência oncológica em Montes Claros, relatando as barreiras no acesso da população afetada pelo câncer de mama aos serviços de saúde na região. 36 1. GEOGRAFIA E SAÚDE: Abordagens Teórico-Metodológicas Este capítulo traz um breve histórico-epistemológico da evolução da Geografia da Saúde, desde a Grécia Antiga até a atualidade, com base nos principais estudiosos que contribuíram para o desenvolvimento dessa vertente. Aborda as contribuições da ciência geográfica para a análise do processo saúde-doença, com enfoque para o estudo dos cânceres ou neoplasias malignas. Enfatiza o espaço como principal categoria de análise para os estudos em Geografia da Saúde. 1.1 Origem e evolução da Geografia da Saúde É sabido que grande parte dos males que afligem as populações, desde os tempos primitivos, estão relacionados à saúde. Os mesmos vão aumentando à medida que a sociedade se moderniza e coloca o meio em que vive em desequilíbrio. Existe uma multiplicidade de relações e combinações entre o que é animado e inanimado, refletindo a natureza em sua totalidade em cada rincão do planeta. Essa ideia de integração de totalidades, do holismo, pode ser observada na obra Cosmos, onde Humboldt estabelece os pressupostos teóricos da relação entre natureza e saúde (GUIMARÃES et al., 2014). A interferência do ser humano na natureza em busca de recursos que atendam as suas necessidades vem acarretando uma série de alterações no espaço, no decorrer dos tempos, que se reflete direta ou indiretamente na saúde dos indivíduos ou de grupos sociais. Guimarães et al. (2014, p. 22) afirmam que: No começo, sobreviver seguramente consistiu em impor-se às forças naturais, tanto aos elementos – rios, montanhas, desertos e meteoros – como aos agentes biológicos – predadores, parasitas e competidores. Hoje, sobreviver implica controlar varáveis muito mais sutis e complexas, próprias de uma sociedade tecnológica, que maneja (mas nem sempre domina) instrumentos perigosos para a existência integral do planeta. De acordo com Magalhães (2013), a Geografia, junto com outras ciências, tem a capacidade de encontrar soluções para minimizar os impactos negativos causados pela relação do homem com seu meio. A autora afirma que “Cabe à Geografia como ciência, estudar e entender de que modo essas aceleradas e constantes alterações refletirão em espaços propiciadores de doenças, em nível local e até mesmo mundial, dependendo do grau e intensidade dos danos” (MAGALHÃES, 2013, p. 49). E é nesse contexto que a Geografia da Saúde vem, cada vez 37 mais, conquistando espaço nos estudos relacionados à compreensão do processo saúde- doença na relação das sociedades com o meio em que estão inseridas. A Geografia da Saúde é um campo da ciência geográfica que integra elementos da Geografia Física e da Geografia Humana para a compreensão de fenômenos atuais e multiescalares referentes à saúde (SANTANA, 2014). Para a autora, essa especialidade “[...] ocupa uma posição nodal; é um espaçoonde convergem ou se cruzam fenómenos naturais, socioeconômicos, culturais e comportamentais, de importância capital na explicação dos padrões de saúde e doença.” (SANTANA, 2014, p. 13). Segundo Barcellos (2008, p. 10), a Geografia da Saúde “É um campo do conhecimento no qual devem participar os diversos técnicos e profissionais interessados em estudar os processos de saúde, doença e cuidado no espaço geográfico, para nele poder intervir”. Peiter (2005) afirma que, entre os principais objetivos da Geografia da Saúde, destacam-se o desenvolvimento de um arcabouço teórico-metodológico para as análises espaciais do processo saúde-doença, a produção de informações que contribuam com as investigações epidemiológicas, com a administração de saúde e com a maior racionalidade das ações que visem o melhoramento das condições do bem-estar da população. Santana (2014, p. 13-14) sintetiza o objetivo geral da Geografia da Saúde como sendo proporcionar “[...] conhecimentos que sirvam para compreender as relações que se estabelecem entre as condicionantes da saúde, os resultados efetivos das políticas e da organização dos serviços na saúde das populações e as suas consequências no desenvolvimento do território”. Os estudos envolvendo Geografia e saúde também se reportam à Grécia antiga, assim como os fundamentos históricos da própria Geografia. Assim, a especialidade “[...] guarda uma constância e um sincronismo com a ciência mãe que a acolhe, a Geografia” (MAZETTO, 2008, p. 17). Para o autor, a ciência e a especialidade apresentam muitas similaridades, pois ambas foram estruturadas e codificadas ao mesmo tempo, no final do século XVIII e início do XIX (MAZETTO, 2008). A Geografia da Saúde (ou Geografia Médica, termo pelo qual foi primeiramente difundida) também nasceu concomitante com a própria história da medicina, tendo o pensamento médico da antiga Grécia influenciado por séculos o pensamento ocidental no que se refere ao processo saúde/doença. As primeiras obras referentes ao tema são reportadas aos gregos Hipócrates, que escreveu seu tratado provavelmente por volta do ano 480 a.C., denominado 38 Dos ares, das águas e dos lugares, no qual o autor analisa a influência de fatores ambientais no surgimento de doenças; e Heródoto, com seus escritos sobre a medicina nas civilizações egípcias, que datam do ano 500 a.C. (LACAZ, 1972; PESSÔA, 1978; PEITER, 2005). A obra de Hipócrates trazia consigo uma compreensão higeica6 da relação saúde e ambiente, na qual relacionava as causas da saúde e da doença aos fatores geográficos. De acordo com Andrade (2000), este fato evidencia o caráter determinista da obra, pois o cerne da análise hipocrática residia na relação homem-meio. Segundo Guimarães et al. (2014, p. 53): Hipócrates considerava a saúde como resultado da relação das populações com o lugar onde viviam. Considerava os aspectos do meio físico, biológico e climático, e também o estilo de vida. Para ele, entender o ambiente era fundamental, mas este não era somente o físico e o climático, era o das relações humanas, do trabalho, da cultura e do cotidiano. Assim, igualmente era o estudo das estações do ano e os efeitos sobre os lugares; assim como o modo em que os habitantes viviam, quais eram suas atividades, se gostavam de beber e comer em excesso, ou gostavam de exercício e de trabalho. Com as Grandes Navegações nos séculos XVI e XVII, surge a necessidade de se conhecer as moléstias que acometiam as novas terras, fato que impulsionou os estudos da Geografia da Saúde, favorecendo trabalhos que abordavam a geografia das doenças relacionando-as com as condições de vida (ANDRADE, 2000; MAGALHÃES, 2013). Os governos dos países colonizadores buscavam ampliar o conhecimento acerca das moléstias que ocorriam em suas colônias para a proteção de seus interesses, pois: Um país interessa-se, em primeiro lugar, por suas próprias doenças, ao tornar-se, porém, imperialista e colonizador, estendendo seu poder e de fato suas fronteiras, tem necessariamente de voltar suas atenções às regiões que domina e explora, principalmente para defender seus colonos e em última análise a si mesmo (PESSÔA, 1978, p. 15). Os estudos geográficos no campo da saúde, durante sua trajetória, receberam várias nomenclaturas, como a Geomedicina, termo ligado à Geografia Política de Ratzel, criado pelo higienista alemão Heins Zeiss, para definir uma nova ciência dita mais dinâmica que a Geografia Médica (PESSÔA, 1978). Contudo, esse mesmo autor afirma que “A Geomedicina não é um campo novo; toda ela pode ser compreendida na Geografia Médica” e, dessa forma, “[...] a palavra Geomedicina, em qualquer sentido que seja encarada, pode desaparecer da 6 Na mitologia grega, este termo se refere à Hygeia, uma das filhas de Asclépio, o deus da arte e da cura. A deusa Hygeia possuía a sabedoria da restauração do equilíbrio das ações humanas nos ambientes coletivos, de onde advém o termo higienismo. (GUIMARÃES et al., 2014) 39 terminologia, dando-se aos velhos termos Geografia Médica, nova extensão e significação” (PESSOA, 1978, p. 8). Séculos mais tarde, nos Estados Unidos da América, a Geografia da Saúde vai se desenvolver para atender ao advento das guerras extracontinentais e ao domínio real ou econômico de outros países, americanos ou não (PESSÔA, 1978). Percebe-se que, como aconteceu com a própria ciência geográfica em seu período clássico, onde esteve a serviço das classes dominantes, ou seja, da burguesia, dos Estados e dos Império (SANTOS, 1986), também os estudos da Geografia da Saúde estiveram a serviço do poder estabelecido. Dessa forma, tanto a ciência como a especialidade eram instrumentos estratégicos usados para atender as pretensões políticas desses grupos detentores do poder, sendo tratada mais como uma ideologia do que uma filosofia. Os estudos de Hipócrates prevaleceram por muitos séculos e “[...] até o século XVII nada de importante apareceu sobre a Geografia Médica que não fosse explícito no livro “Ares, Águas e Lugares” (PESSÔA, 1978, p. 14). Suas ideias foram difundidas e chegaram até o mundo moderno através dos árabes, que traduziram seus manuscritos e os transmitiram à filosofia escolástica nos séculos XVIII e XIX, na Europa Mediterrânea. Foi nesse período que surgiu a Teoria dos Miasmas7, segundo a qual: [...] as doenças se estabeleciam em uma relação hipocrática da saúde com o meio ambiente, sobretudo quando se atribuía este contato às condições de vida e de trabalho das populações. Neste caso, a compreensão era bastante holística, e o ambiente não aparecia como um simples elemento que influenciava a saúde (GUIMARÃES et al., 2014, p. 54). Considerando o contexto histórico da Europa no século XVIII, deve-se salientar que as cidades eram muito sujas e poluídas por causa das fábricas, não havia esgotamento sanitário nem água potável e as moradias eram insalubres. Os cadáveres ficavam espalhados pelas ruas, onde havia muita miséria, mendicância e alcoolismo. As pessoas não tinham o hábito de realizar a limpeza corporal, devido ao frio intenso e alto preço do sabão. Os que podiam pagar utilizavam perfumes no lugar dos banhos para tentarem minimizar os efeitos dos miasmas (GUIMARÃES et al., 2014). Foi nesse contexto que surgiram as bases do pensamento da doutrina do Higienismo, pois eliminar os odores era melhor que tentar escondê-los. A partir daí, surgiram muitas medidas 7 Os miasmas eram substâncias originadas nos pântanos provenientes de coisas estragadas e podres que se espalhavam nos lugares pelo ar e pelas águas, tornando os ambientes insalubres (GUIMARÃES et al., 2014). 40 de proteção sanitária como a criação de cemitérios fora das cidades para o enterro dos mortos, coleta de lixo e drenagem de pântanos. Os estudos hipocráticos
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