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Prévia do material em texto

Código Logístico
58964
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6542-4
9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 4 2 4
A antropologia social, saber devotado às diferenças humanas, 
constituiu um modo particular de conhecer e de produzir 
conhecimento ao longa de sua história.
Contudo, não é a intenção deste livro narrar uma história 
da antropologia. Mais do que contar a cronologia de ideias 
e autores que a constituíram, ao longo dos capítulos, são 
mobilizados nomes e conceitos importantes para traçar 
o modo pelo qual sua perspectiva concebe as diferenças 
humanas, isto é, o que se denomina de diferentes modos de 
cultivar a vida.
Almejando tecer um diálogo com você, leitor, todos 
os capítulos começam com a palavra como. Comando 
privilegiado para a antropologia, o “como” aponta para um 
saber-fazer que não busca a explicação – que seria o foco de 
perguntas iniciadas com “por que” e “o que” –, mas procura 
articular um engajamento prático, sensório e cognitivo 
com o mundo, justamente para conhecê-lo a partir dessa 
experiência. Assim, a ideia é convidá-lo a se engajar com o 
texto de modo interativo para que, ao longo da leitura, você 
formule sua própria apropriação – sempre original e criativa, 
e não mera reprodução – da maneira pela qual a antropologia 
se relaciona com as diferenças humanas.
Antropologia Social 
Leonardo Campoy
IESDE BRASIL
2020
© 2020 – IESDE BRASIL S/A. 
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do 
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. 
Imagem da capa: Samuel Borges Photography/Diego Cervo/Chetty Thomas/Tithi Luadthong/ Rawpixel.com / 
Katrine Glazkova/Krakenimages.com/Shutterstock
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C218a
Campoy, Leonardo
Antropologia social / Leonardo Campoy. - 1. ed. - Curitiba [PR] : 
IESDE, 2020
102 p. 
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6542-4
1. Etnologia. 2. Antropologia. 3. Sociologia. I. Título.
19-61555 CDD: 306
CDU: 316.7
Leonardo Campoy Mestre e doutor em Sociologia e Antropologia 
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade 
Federal do Paraná (UFPR). Professor no ensino médio 
e no ensino superior, ministrando aulas de Sociologia e 
Antropologia.
Agora é possível acessar os vídeos do livro por 
meio de QR codes (códigos de barras) presentes 
no início de cada seção de capítulo.
Acesse os vídeos automaticamente, direcionando 
a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet 
para o QR code.
Em alguns dispositivos é necessário ter instalado 
um leitor de QR code, que pode ser adquirido 
gratuitamente em lojas de aplicativos.
Vídeos
em QR code!
SUMÁRIO 
1 Como pensar antropologicamente? 9
1.1 A cultura em nossas vidas 10
1.2 A unidade na diversidade 14
1.3 A aurora da antropologia 19
1.4 Da raça ao evolucionismo social 22
2 Como produzir conhecimento antropológico? 29
2.1 Como conhecer o outro? 29
2.2 Franz Boas: a cultura como um universo 32
2.3 Bronislaw Malinowski e a magia do etnógrafo 39
2.4 Etnografia: a premissa do conhecimento antropológico 43
3 Como aprender antropologicamente? 48
3.1 Do culto da performance ao prazer de viver 48
3.2 Adiando o fim do mundo 54
3.3 Por um lugar de escuta 58
4 Como propor soluções antropologicamente? 64
4.1 Uma questão ética 65
4.2 Reconhecendo o sofrimento alheio 67
4.3 Por uma sensibilidade ética 71
4.4 Imaginando novos mundos juntos 74
5 Como conhecer o Brasil antropologicamente? 79
5.1 Brasil como inferno: a miscigenação como infortúnio da nação 80
5.2 Brasil como paraíso: a miscigenação como solução do Brasil 85
5.3 Entre o inferno e o paraíso, a realidade 91
6 Gabarito 98
Agora é possível acessar os vídeos do livro por 
meio de QR codes (códigos de barras) presentes 
no início de cada seção de capítulo.
Acesse os vídeos automaticamente, direcionando 
a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet 
para o QR code.
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um leitor de QR code, que pode ser adquirido 
gratuitamente em lojas de aplicativos.
Vídeos
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Saber devotado às diferenças humanas, a antropologia social constituiu, 
ao longo de sua história, um modo particular de conhecer e de produzir 
conhecimento. Nas páginas que seguem, apresentamos essa particularidade 
de maneira acessível, sem, contudo, sacrificar o conteúdo do saber 
antropológico.
Nossa intenção não é narrar uma história da antropologia. Mais do que 
contar a cronologia de ideias e autores que a constituíram, ao longo dos 
capítulos, mobilizamos nomes e conceitos importantes para traçar o modo 
pelo qual sua perspectiva concebe as diferenças humanas, isto é, o que 
denominamos de diferentes modos de cultivar a vida.
Ao apresentar um saber arraigado na tradição acadêmica, com bagagem 
teórica e premissas metodológicas relativamente complexas, corre-se o risco 
constante de incorrer no mesmo erro dos conhecimentos universitários em 
geral: fechar-se em si mesmo, provocando no leitor a inescapável impressão 
de que o que está estudando é impermeável, como se fosse praticamente 
impossível usar aquele saber em sua vida cotidiana.
Apesar de nunca estarmos completamente “vacinados” de cometer esse 
equívoco, oferecemos, assim esperamos, caminhos de entrada fáceis de 
serem achados e seguidos. Essa é a inspiração que anima os capítulos e 
a divisão entre eles. Almejando tecer um diálogo com você, leitor, todos 
os capítulos começam com a palavra como. Comando privilegiado para 
a antropologia, o “como” aponta para um saber-fazer que não busca a 
explicação – que seria o foco de perguntas iniciadas com “por que” e “o que” 
–, mas procura articular um engajamento prático, sensório e cognitivo com o 
mundo, justamente para conhecê-lo a partir dessa experiência. Assim, a ideia 
é convidá-lo a se engajar com o texto de modo interativo para, ao longo da 
leitura, formular sua própria apropriação – sempre original e criativa, e não 
mera reprodução – da maneira pela qual a antropologia se relaciona com as 
diferenças humanas.
O diálogo se desdobra gradualmente ao longo dos cinco capítulos. No 
primeiro, descobrimos as bases do pensamento antropológico por meio de 
uma revisão das origens da disciplina. No segundo, estudamos as ideias de 
dois importantes teóricos, Boas e Malinowski, para nos aproximarmos da 
etnografia, que é o modo pelo qual se produz conhecimento antropológico. 
APRESENTAÇÃO
No terceiro capítulo, realizamos o que os antropólogos chamam de efeito 
bumerangue, isto é, nos perguntamos o que a antropologia, ao estudar as 
diferenças humanas, pode ensinar sobre as semelhanças. Assim, “Como 
aprender antropologicamente”, título desse capítulo, aponta para uma 
reflexão crítica sobre nosso próprio modo de cultivar a vida. Já no quarto 
capítulo, procuramos considerar como a antropologia pode ser aplicada 
em nossas atividades práticas. “Como propor soluções antropológicas” é 
uma interpelação que incita a transformar esse saber acadêmico em ações 
e soluções para a vida em movimento. Finalmente, no quinto capítulo, 
pagamos nosso tributo à tradição antropológica de se manter atrelada às 
dimensões locais para propor uma interpretação do Brasil, tendo a questão 
racial como eixo de investigação.
Antes de deixá-lo mergulhar no livro, uma palavra sobre o estilo da escrita 
da obra. Quando eu estava iniciando minha trajetória em antropologia, 
ainda na graduação em Ciências Sociais, tinha uma enorme dificuldade 
para explicar para minha avó, uma senhora de alfabetização rudimentar 
que viveu quase toda sua vida no campo, o que estava estudando na 
universidade. Usei vários exemplos em nossas conversas e também a 
escutava sobre sua vida nomundo rural do sudeste brasileiro na década 
de 1930. Nossas conversas jamais se revestiram de teorias e conceitos, 
sempre mantivemos nosso diálogo em reminiscências sobre a vida 
prosaica entre uma senhora que migrou do campo para a cidade e um 
jovem com toda sua vida tecida na urbe.
Procurei escrever esta obra tendo em mente esses diálogos, isto é, 
mantendo a conversa no chão batido e empoeirado da vida, sem alçar 
voos especulativos e abstratos demais. Eu era muito feliz ao conversar com 
minha avó. Fui feliz escrevendo este livro e, desse modo, espero que você 
também o seja lendo-o. Quem sabe, assim como eu, você se apaixona pela 
antropologia? Espero que sim. Em minha opinião, o conhecimento só pode 
ser gerado por meio da alegria e da felicidade. Mais ainda, não há nada 
mais elucidativo sobre a vida do que uma conversa em que há a troca de 
experiências. Que este livro signifique algo assim para você: uma conversa 
entre pessoas que gostam da vida e, por isso, querem compartilhá-la.
 Boa leitura!
Como pensar antropologicamente? 9
O que é antropologia? Algumas pessoas podem responder 
usando o significado literal da palavra: o estudo ou a ciência do 
humano. Mas, e a psicologia não é um estudo do humano tam-
bém? E o ramo da biologia, que se ocupa do corpo humano, não 
é um tipo de ciência do humano? Que tal tentarmos responder ao 
que é a antropologia identificando o que ela estuda? Seriam ossos? 
Ou os ancestrais dos humanos, os hominídeos? Seriam as etnias 
indígenas? Ou então festas e tradições populares?
Você que está se deparando com a antropologia pela primeira 
vez na leitura deste livro provavelmente não fez essas perguntas 
antes. Contudo, ao fazê-las, deve ter percebido como não é simples 
responder o que é antropologia e o que ela estuda. Este primeiro 
capítulo tem justamente o objetivo de delinear uma concepção de 
antropologia para o estudante que se depara pela primeira vez 
com o assunto. Nas duas primeiras seções, veremos uma inter-
pretação da antropologia, seus temas de interesse e seus objetos 
de estudo. Nos dois últimos, abordaremos os primeiros passos da 
história da disciplina, identificando as principais teorias que mobili-
zaram o pensamento antropológico em sua aurora.
Antes de passar para as próximas páginas e iniciar a leitura, 
uma sugestão: se estiver com fome, alimente-se; se tiver um ani-
mal de estimação, pegue-o para ler ao seu lado ou vá até o quintal 
e faça um carinho nele. Somente depois de resolver as inquietu-
des, mergulhe no texto.
Como pensar 
antropologicamente?
1
10 Antropologia Social
1.1 A cultura em nossas vidas 
Vídeo Você já se perguntou por que os humanos transformam alguns ani-
mais em comida e outros em companheiros? Reproduzimos, criamos e 
abatemos bois, porcos e galinhas, às toneladas, para preencher nossas 
mesas de carnes em refeições diárias ou em eventos extraordinários, 
e as comemos para supostamente ficar mais fortes, sadios e saciados.
A carne na alimentação humana é tão importante que, para muitas 
pessoas, sua presença no prato é obrigatória, chegando a considerar 
que, para uma refeição ser digna desse nome, é imprescindível que 
tenha carne. Na mesa, ela representa sustância e até mesmo fartura. 
No Brasil, imaginar uma ceia de Natal sem alguma carne assada, como 
peru, peixe ou partes do porco, pode sugerir uma celebração triste e 
pobre. É como o ditado popular afirma: a família pode estar passando 
por tempos de “vacas magras”. A própria identidade regional brasileira 
está intimamente associada a pratos em que a carne é a estrela da 
receita: o churrasco dos gaúchos, o tutu de feijão com linguiça dos mi-
neiros, o pato no tucupi dos paraenses e o acarajé com camarão dos 
baianos são apenas alguns exemplos.
Enquanto nos deleitamos com as carnes de bois, porcos, galinhas e 
outros animais, adotamos cães e gatos como membros da família. Da-
mos nomes, abrigo e conforto a eles, isso quando não dormem junto 
conosco, em nossas próprias camas. Gastamos verdadeiras fortunas 
em banho e tosa, rações, biscoitos e todo tipo de mimo para eles brin-
carem. Postamos fotos deles nas redes sociais, fazendo poses inusi-
tadas e se divertindo com nossa família, e ficamos emocionadamente 
aliviados quando sabemos de um cachorro vítima de maus tratos que 
foi resgatado ou de um gato recolhido das ruas; estavam sofrendo e 
passando fome e agora vão ser cuidados com carinho e atenção. Faze-
mos feiras de doação de vira-latas e abrimos canis e gatis para vender 
animais “pura raça”, e achamos lindos os belos cachorros e gatos ex-
postos em concursos de beleza de animais de estimação.
Mas, então, por que alguns animais vão para nossas camas e ou-
tros para nossas panelas? Será que o motivo é a carne de alguns ser 
mais tenra e saborosa? Ou ainda, porque o ser humano digere melhor 
a carne de alguns animais e de outros, não? É difícil validar essas hipó-
teses. O cachorro é um alimento em algumas regiões da Ásia; o cavalo 
Como pensar antropologicamente? 11
é um animal de estimação muito apreciado e valioso nos países árabes 
e também em outras partes do mundo, mas na França é uma iguaria 
alimentar. Afirmar que a qualidade da carne ou as propriedades do 
sistema digestivo do ser humano explicam as diferenças entre animais 
comestíveis e de estimação não dá conta dos múltiplos costumes en-
contrados em diferentes regiões, países e continentes.
Será que o comportamento típico dos animais responderia nossa 
pergunta? O boi, apesar de ser imenso em comparação ao ser huma-
no, é geralmente passivo e medroso, um animal fácil de ser dominado. 
Por outro lado, o cachorro, domável e treinável, pode ter sido muito 
útil no passado da espécie humana, quando era preciso caçar para so-
breviver. Contudo, novamente essas respostas não resolvem diversas 
situações verificadas em várias partes do mundo. Na Floresta Amazô-
nica, por exemplo, muitas etnias indígenas alimentam-se da carne do 
macaco-prego e do tatu, animais que podem ser violentos. Por outro 
lado, treinam e domesticam o morcego, um animal arredio e de com-
portamento indócil.
Na verdade, qualquer tentativa de explicação universal para o 
questionamento sobre por que alguns animais viram comida e outros, 
companheiros, não se sustenta. As sociedades humanas são bastante 
diferentes entre si – o que é comestível em uma, é evitado em outra; 
um animal doméstico numa região é selvagem em outra. É justamente 
em razão da especificidade de cada sociedade humana que a antro-
pologia responde a essa pergunta, sugerindo que a cultura explica o 
motivo de alguns animais se tornarem iguarias alimentares, enquanto 
outros recebem um nome e um lugar especial ao lado das pessoas.
Foi essa a resposta que o antropólogo norte-americano Marshall 
Sahlins deu. Estudioso da relação entre humanos e animais em seu 
país, Sahlins argumenta que a cultura dos Estados Unidos classifica 
alguns animais como objetos, como bois e porcos, e outros como su-
jeitos, a exemplo de cachorros e cavalos. Essa distinção define o que 
o autor denominou como graus de comestibilidade. Segundo ele, bois, 
porcos, cavalos e cachorros “estão, em alguma medida, integrados à 
sociedade americana, mas claramente com status diferentes, os quais 
correspondem aos graus de comestibilidade” (SAHLINS, 2003, p. 174).
Como a repulsa ao canibalismo é uma regra muito forte da cultu-
ra norte-americana, comer animais que têm status de sujeitos é um 
12 Antropologia Social
grande tabu. Comer carne de cachorro, por exemplo, equivaleria a 
comer a de humano. Já bois e porcos vão para as panelas e churras-
queiras, uma vez que são entendidos como menos humanos. Assim, 
de acordo com Sahlins, a regra da cultura norte-americana é a de que 
“a comestibilidade está inversamente relacionada à humanidade” 
(SAHLINS, 2003, p. 175). Quanto mais distante da ideia de humanida-
de, mais comestível é o animal.
Observem que o argumento de Sahlins não confere valor explicativo 
às propriedades e aos atributos dos animais.Para o autor, não há nada 
de intrínseco aos bois e aos cachorros que explicaria por que os primei-
ros são comidos e os segundos são tratados como sujeitos. Não são 
fatores orgânicos e materiais que definem a comestibilidade dos ani-
mais. O autor também não elabora um argumento histórico, sugerindo 
que, no passado, os cachorros eram úteis na caça, e então, hoje, são 
companheiros. A origem dos costumes, quando os norte-americanos 
passaram a comer bois e viver com cachorros, não é um problema para 
Sahlins. Sua análise indica que é o jeito de os humanos, nos Estados 
Unidos, entenderem e se relacionarem com os animais que responde 
à pergunta que fizemos inicialmente. Mas, afinal, o que é esse “jeito”? 
Como denominar, de maneira mais controlada, metódica e, em alguma 
medida, científica, esse “jeito” de entender e de se relacionar com ani-
mais, seja nos Estados Unidos ou em outros países e lugares? Cultura. É 
assim que os antropólogos o denominam.
A palavra cultura, para alguns, pode significar letramento, no senti-
do de cultivo da leitura e do intelecto. Diz-se que uma pessoa é culta 
quando ela aparenta dominar conhecimentos acerca das humanidades 
e das ciências em geral. Também é comum entender cultura como arte, 
referindo-se às atividades que atores, cineastas, pintores e escultores, 
por exemplo, realizam. E ainda, não é raro entender cultura como cren-
ças e costumes populares e tradicionais, como se significasse, exclusi-
vamente, festas do interior, lendas do campo e simpatias de cura de 
nossas avós.
Esses significados, apesar de não serem incorretos, são bastante 
restritos do ponto de vista da antropologia. Para esse ramo do saber, 
a noção de cultura é muito mais ampla do que intelectualidades, artes, 
crenças e costumes. Foi justamente para sublinhar essa abrangência 
que começamos nossos estudos com o exemplo das diferenças entre 
animais comestíveis e animais companheiros.
Na série de documen-
tários Chef’s Table, cada 
episódio explora a vida 
e a obra de um chef de 
cozinha renomado e 
inovador, que, de algum 
modo, causou impacto no 
mundo da gastronomia.
Em todos os episódios, 
aprendemos muito sobre 
a relação entre comida e 
cultura.
Criação: David Gelb. Estados Unidos: 
Netflix, 2015.
Documentário
Como pensar antropologicamente? 13
Para a antropologia, absolutamente todas as atividades dos seres 
humanos são culturais. Hábitos alimentares, modos de dormir e de 
caminhar, arquitetura dos edifícios e design de objetos e móveis, ves-
tuário, linguagem, brincadeiras, cheiros, sabores, visões e audições. 
Até mesmo uma complexa cirurgia no cérebro, o sistema bancário e as 
negociações em torno da lei orçamentária anual do país no Congresso 
Nacional são culturais. A cultura, para a antropologia, está em absolu-
tamente todas as atividades das nossas vidas. Na verdade, ela se con-
funde com a vida, já que, de acordo com a perspectiva antropológica, 
molda indelevelmente nossos modos de existência.
Além das diferenças entre os animais, podemos tomar como exem-
plo para sustentar essa afirmação o tomate, ingrediente essencial da 
culinária italiana. Sendo italiano ou não, quando se fala em comida tra-
dicional da Itália, logo vêm à mente deliciosos molhos à base de toma-
tes, os quais, quando bem-preparados, equilibram a acidez e a doçura 
que o solo do país, conjugado com o clima mediterrâneo, fez surgir no 
fruto ali plantado. Em suma, comida italiana é praticamente sinônimo 
de suculentos molhos de tomate, na pizza, na lasanha ou no pappardel-
le. Pois bem, mas os tomates são originários da América. Como a batata 
e o milho, não havia tomates no Velho Continente antes da colonização 
europeia da América. Assim, um dos ingredientes determinantes da 
“autêntica” culinária italiana é, originalmente, um estrangeiro ao país. 
Então a culinária italiana é falsa? Ela perde valor por ser constituída, 
dentre outros ingredientes, a partir de um fruto originalmente ameri-
cano? De modo algum. Contudo, o caso ilustra como a cultura, tal como 
os antropólogos a entendem, moldou as atividades agrícolas no territó-
rio que é hoje o italiano e, consequentemente, os hábitos alimentares, 
a culinária daquele país e até mesmo o simbolismo que a Itália guarda 
na mente de qualquer aficionado por pizza.
Também podemos tomar como exemplo a microbiota que todos 
nós alimentamos em nosso intestino grosso. Em nosso processo diges-
tório, depois da boca, do esôfago, do estômago e do intestino delgado, 
o bolo alimentar chega ao intestino grosso, última etapa antes de se 
transformar em bolo fecal para ser descartado. No intestino grosso, a 
maior parte do esforço digestivo não é feita por nós e sim por bactérias, 
ou seja, em resumo, o funcionamento do sistema digestivo humano de-
pende, em sua etapa final, de bactérias. Temos milhões delas no intes-
tino grosso, nascendo, se alimentando, se reproduzindo e morrendo 
dentro de nós, literalmente.
14 Antropologia Social
Agora, as bactérias são seres vivos assim como qualquer outro, o 
que significa que, assim como existem certos tipos de macacos na Ásia 
e outros na África, existem certas bactérias no lugar onde você vive e 
outras onde eu vivo. Além disso, algumas se alimentam de carboidratos 
e outras, de proteínas e outros nutrientes. Alguns alimentos vêm com 
bactérias em sua própria constituição, como iogurtes, pães e queijos 
caseiros e artesanais, enquanto outros alimentos só existem porque 
as bactérias foram eliminadas deles, como o leite em caixinha. Essas 
diferenças, dentre várias outras, determinam as bactérias que cada 
um carrega dentro de si. Consequentemente, a digestão, os gases e 
as fezes de cada organismo humano são diretamente moldados pelos 
hábitos alimentares e pela região que habitamos, ou seja, pela cultura.
A cultura está em toda a vida. A cultura molda nossas vidas e confun-
de-se com a própria vida. Ou melhor, para pensar antropologicamente, 
é preciso considerar que a cultura é um jeito particular de cultivar a 
vida. Passemos, portanto, a uma revisão do que se pode entender por 
esse particular.
1.2 A unidade na diversidade 
Vídeo O que é uma pedra para você? Seria um objeto inerte, inanimado, 
puramente físico, sem vida? Para você, as pedras falam? Perguntas 
como essas parecem despropositadas, não é mesmo? Afinal, todos 
sabem que as pedras não têm vida e que, portanto, obviamente não 
falam. Mas todos, quem? Podemos ter certeza de que todos os seres 
humanos pensam assim, que as pedras não têm vida? Será mesmo que 
todos os habitantes humanos desse planeta concordam que as pedras 
não falam?
O antropólogo norte-americano Alfred Irving Hallowell, durante a 
década de 1930, fez pesquisas entre os anishinaabe (ou, como eram 
conhecidos pelos brancos colonizadores, ojibwa), um grupo de caçado-
res e coletores nativos do norte central do Canadá. Durante sua estada 
com o grupo, Hallowell estabeleceu amizade com um dos chefes deles, 
conhecido como William Berens. Segundo o antropólogo, Berens era 
um homem muito respeitado pelo grupo em razão de sua grande sa-
bedoria, constituída a partir de suas reflexões e de sua formação com 
seus ancestrais. Os dois tinham conversas longas e profundas a respei-
to de plantas, animais e pedras, entre outros assuntos concernentes à 
Como pensar antropologicamente? 15
vida naquela região do Canadá. Em uma dessas conversas, travada en-
quanto caminhavam pelas margens de um rio com seu leito repleto de 
pedras, Hallowell, intrigado com a observação de que a palavra ojibwa 
significava pedra e parecia pertencer à classe de palavras atribuídas 
a seres animados e vivos, e não à de objetos inanimados, perguntou 
diretamente ao seu amigo: “Todas as pedras que vemos aqui, ao nosso 
redor, estão vivas?”. Após uma demorada reflexão, Berens respondeu: 
“Não! Mas algumas estão” (INGOLD, 2019, p. 15).
Para nós, que não somos ojibwa e entendemos que pedras não es-
tão vivas, é fácil interpretar a resposta de Berens ao antropólogo como 
produto de uma mente infantil, a qualatribui vida a objetos inanima-
dos. Assim, o postulado de Berens de que algumas pedras estão vivas, 
mas outras não, seria concebido como uma ilusão de um povo selva-
gem, que ainda se encontraria nos estágios primitivos do desenvolvi-
mento intelectual da razão. Ou seja, seria uma crença comprovada pela 
ciência sem deixar dúvidas de que é falsa. Muitos de nós daríamos uma 
risada com o canto da boca à resposta de Berens e entenderíamos algo 
como: “ele acha que algumas pedras estão vivas, mas nós sabemos que 
nenhuma pedra vive”.
Entretanto, notem que Berens era um senhor, um chefe respeitado 
pelo seu povo em razão de sua sabedoria e inteligência, e que, ade-
mais, ganhou a amizade de “um de nós”, um norte-americano que vivia 
em cidades e conhecia profundamente a ciência ocidental, o antropó-
logo Hallowell. Além disso, considerem que a resposta de Berens não 
é direta, mecanicamente confirmando ao amigo que todas as pedras 
estão vivas. Ele pensa longamente para afirmar que só algumas estão. 
Concordam que seria um enorme desrespeito, até mesmo um insulto, 
se Hallowell risse e desacreditasse da resposta do amigo ojibwa?
Em antropologia, o maior erro é julgar apressadamente as afirma-
ções dos outros, classificando-as como falsas ou então como ilusões, 
destituindo de qualquer validade o que dizem, pensam e fazem. Quan-
do agimos assim, estamos interpretando as afirmações alheias de 
acordo com nossos próprios valores e pressupostos, desconsiderando, 
portanto, as premissas e os contextos de quem as fez. Se você já estu-
dou antropologia em outro momento, provavelmente conhece a pala-
vra etnocentrismo. É justamente esse o maior erro em antropologia, o 
etnocentrismo, isto é, colocar-se no centro do mundo, acreditando que 
16 Antropologia Social
a única verdade válida é a que você detém, enquanto as afirmações dos 
outros são meras ilusões.
A respeito do etnocentrismo, Claude Lévi-Strauss, célebre antropó-
logo francês, afirmou certa vez que “o bárbaro é em primeiro lugar o 
homem que crê na barbárie” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 335). Ele está su-
gerindo que a barbárie – que significa algo como “falta de civilização” – 
não é um atributo de quem é taxado como bárbaro, mas, sim, de quem 
interpreta a diversidade de culturas distinguindo as que são civilizadas 
das que supostamente não são.
Mas, então, para não sermos etnocêntricos, deveríamos concordar 
com Berens e entender que algumas pedras estão realmente vivas? 
Também não é esse o caso. O antropólogo, via de regra, não quer “vi-
rar o outro”, descartando completamente as suas verdades e seu estilo 
de vida para adotar como sua a vida dos seus interlocutores, isto é, das 
pessoas com quem estuda. Para fazer antropologia com os ojibwa, não é 
preciso viver sob a égide de que algumas pedras estão vivas. Contudo, é 
preciso levar a sério essa afirmação para fazer antropologia.
Levar o outro a sério, eis aí a segunda sugestão para pensar antro-
pologicamente. Uma das mais flagrantes obviedades acerca da espécie 
humana é a de que, ao longo de sua história, ela desenvolveu uma 
profunda e radical diversidade de formas de vida. Em cada momento 
da história e em cada canto do planeta, os humanos conceberam e 
praticaram múltiplos jeitos de cultivar a vida, quer dizer, desenvolve-
ram diferentes formas de se relacionar com as plantas, os animais, as 
pedras, os rios, os oceanos, o sol, a lua e com outros seres humanos; 
distintas maneiras de entender e lidar com absolutamente qualquer 
condição e situação da humanidade: a gravidez, o nascimento e a mor-
te, a alimentação, a respiração, a dor e a cura, a infância, a fase adulta 
e a velhice, os homens e as mulheres e os que não são nem homem e 
nem mulher. Aprenderam a lidar com a família, a união matrimonial, as 
trocas comerciais e a diplomacia, a guerra e o estrangeiro.
Enfim, certamente diferentes grupos de humanos, em diferentes 
momentos históricos e locais geográficos, entenderam e praticaram o 
que imaginamos que é próprio da humanidade de maneira particular, 
condicionada pelos seus contextos específicos. A marca maior da hu-
manidade é, portanto, ter sua unidade na diversidade; uma só espécie 
lidando com os impasses que lhe são próprios de maneiras múltiplas 
e diversas.
Como pensar antropologicamente? 17
A antropologia é um saber que procura descrever as distintas for-
mas de cultivar a vida, elaboradas e praticadas pelos seres humanos 
por métodos que lhe são próprios. A partir dessas descrições, na me-
dida do possível, é admissível sugerir algumas hipóteses de interpre-
tação da humanidade por meio da comparação dessas diferenças. Em 
suma, a antropologia é um saber acerca das diferenças que marcam 
as sociedades e culturas humanas e é por isso que o maior erro nessa 
disciplina é o etnocentrismo. Ao classificar as culturas como piores ou 
melhores do que a nossa, mais bonitas ou feias, mais certas ou erradas, 
estamos aniquilando as diferenças, uma vez que elas acabam sendo 
medidas pelas nossas próprias réguas.
Levar o outro a sério é procurar medi-lo pela régua dele. Não para 
concluir se está certo ou errado, mas para entender o que é certo e er-
rado para ele. Por isso, não é responsabilidade do antropólogo definir 
o que os outros são. Afinal, somente os outros têm autoridade para 
estabelecer o que e quem eles são e, à antropologia, cabe a tarefa de 
descrever, de acordo com o que os outros afirmam e fazem, como eles 
cultivam seus modos particulares de vida.
Retornando ao caso de Hallowell, foi exatamente essa descrição que 
ele articulou a respeito dos ojibwa, procurando entender como eles 
vivem suas vidas. De certo modo, podemos afirmar que as perguntas 
que fizeram Hallowell conviver com os ojibwa e travar longas conversas 
com o chefe Berens foram: Como se vive uma vida em que algumas 
pedras estão vivas? Que humanidade se constitui a partir do momento 
em que se entende que algumas pedras estão vivas?
Buscamos defender que, ao contrário do que pode parecer à pri-
meira vista, não é um absurdo afirmar que algumas pedras estão vivas. 
Mais ainda, podemos argumentar que a antropologia parte da premis-
sa de que é preciso levar a sério afirmações como essa para entender 
os jeitos particulares de cultivar a vida e, por consequência, para ter 
uma perspectiva acerca das diferenças que marcam a espécie huma-
na. Contudo, ainda assim, alguns de nós podem ter chegado até aqui 
reiterando para si mesmos que “é impossível aceitar que pedras estão 
vivas, mesmo que sejam só algumas”. Para esses realistas céticos, tal-
vez bastante agarrados às verdades científicas, vale uma última digres-
são: será que nossa cultura urbana, industrial, tecnológica, racional e 
científica, essa que tomamos para medir as outras culturas, não teria 
18 Antropologia Social
também suas “pedras vivas”, isto é, concepções aparentemente fanta-
siosas e delirantes?
Tomem o número zero como exemplo, cuja origem é incerta. Al-
guns historiadores indicam que ele teria sido inventado nas culturas 
pré-árabes do Oriente Médio, outros afirmam que surgiu inicialmente 
na Índia e, ainda, há os que sugerem que a concepção de zero era domi-
nada pelos maias, na América, no momento da chegada dos europeus. 
Agora, independentemente de sua origem, o fato é que o zero não exis-
te na natureza; não há qualquer materialidade observável, palpável e 
comprovável que possa servir de base à noção de um número nulo ou 
de um algarismo que representa o nada. Absolutamente tudo o que 
existe na natureza guarda alguma grandeza, nem que seja uma só.
Não é exagero afirmar que o zero é produto exclusivo da imagina-
ção humana. Contudo, uma vez imaginado, o zero faz sentido, não é 
mesmo? Afinal, se temos cem reais na conta e gastamos tudo no su-
permercado, nos sobra zero real. Isso sim é bastante concreto e com-
provável. O zero é fundamental para o sistema financeiro global e para 
toda a tecnologia informacional, como os computadores e celulares, 
que basicamente funcionam a partir da regra binominal zero-um.Por-
tanto, também não é um exagero afirmar que esse produto da imagi-
nação humana, o zero, literalmente moldou nossa realidade.
E se, vivendo uma realidade em que o zero não existe, alguém apa-
rece propondo uma representação numérica para o vazio, podemos 
imaginar que algumas vozes taxariam essa pessoa de lunática, afirman-
do que o vazio não existe e que é impossível aceitar tamanha sandice?
Usemos essa digressão a respeito do zero para pensar as pedras 
vivas e a perspectiva antropológica. O maior problema em aceitar que, 
para uma cultura diferente da nossa, algumas pedras estão vivas não é 
a suposta impossibilidade concreta dessa afirmação, como se ela não 
fosse plausível do ponto de vista das leis da natureza. A maior dificul-
dade está em se distanciar das nossas pedras vivas, isto é, das bases 
e assunções que sustentam nossas próprias verdades. Estamos tão 
embebidos em nossos próprios jeitos de cultivar a vida que, diante de 
outros, tendemos a recusá-los ou a inferiorizá-los, usando como justifi-
cativa nossas próprias concepções de mundo. O que veremos a seguir 
é que a própria antropologia se constituiu inicialmente a partir da infe-
riorização de culturas diferentes da dela mesma, aquela que estava se 
consolidando com a formação da modernidade.
Como pensar antropologicamente? 19
1.3 A aurora da antropologia 
Vídeo Ao longo da história da espécie, as diferenças entre os humanos 
sempre atraíram a curiosidade, despertaram o interesse ou geraram 
preocupação. Há mais ou menos 10 mil anos, no Oriente Médio, quan-
do as primeiras civilizações, como a Mesopotâmia, se constituíram e os 
agrupamentos humanos eram menores e mais dispersos, o estrangei-
ro era uma figura rara e que poderia trazer novidades desejáveis ou 
prenúncios de guerra. No século XVI, nas primeiras décadas da chega-
da dos europeus na América, enquanto espanhóis e portugueses se 
perguntavam se os nativos tinham alma, índios mergulhavam corpos 
de europeus abatidos por dias, verificando se entravam em decom-
posição ou não, para decidir se seus donos eram mesmo humanos 
(LÉVI-STRAUSS, 1976). E ainda, ao percebermos que ganhamos novos 
vizinhos, que acabaram de se mudar para o apartamento ao lado do 
nosso, muito provavelmente nos perguntaremos quem são esses des-
conhecidos. O estranho, o estrangeiro, o forasteiro, em suma, o outro 
sempre foi um assunto que mobilizou as atenções dos humanos.
Portanto, se nos perguntarmos quando surgiu a antropologia, per-
cebemos que, na verdade, seu tema de estudo sempre esteve entre 
nós. Todavia, como um ramo de saber acadêmico, institucionalizado 
em universidades e amparado em pesquisas controladas metodolo-
gicamente, a antropologia foi constituída no século XIX, fundamental-
mente na Europa, a partir de um desdobramento das ciências da vida, 
ou o que alguns denominam grosseiramente de biologia.
Às vezes, quando estudamos certas invenções na história das ciên-
cias, tendemos a dar a uma pessoa em particular, ou a um livro espe-
cífico, mais créditos do que realmente deveríamos. Ninguém sozinho e 
nenhuma obra única são capazes de gerar transformações revolucio-
nárias tão socialmente abrangentes e impactantes quanto foram os de-
senvolvimentos das ciências naturais. Assim, em meados do século XIX, 
todos aqueles que poderiam ser considerados cientistas já entendiam 
que a vida na Terra não tinha nascido pela obra da graça divina. Conse-
quentemente, sabiam também que o surgimento do humano era um 
desdobramento de causas naturais, e não uma invenção celestial em 
que Deus teria feito, do barro, um ser semelhante à sua imagem.
20 Antropologia Social
Entre esses cientistas, a disputa era conseguir elaborar uma teoria 
que explicasse e comprovasse o surgimento da vida e, de quebra, fosse 
aceita por todos os pares. O naturalista inglês Charles Darwin ganhou 
essa corrida. Em 1831, ele subiu a bordo do navio de nome Beagle e, 
até 1836, circundou o globo, passando pela Oceania, África, Ásia e Amé-
rica do Sul, lugar em que mais se demorou. Nessa viagem, além de ter 
se encantado pelas florestas tropicais do Brasil e se horrorizado com a 
escravidão em nosso país, o jovem Darwin – que tinha 22 anos quando 
o Beagle se lançou ao mar – fez extensas anotações a partir de obser-
vações e coletou quilos de materiais, como carcaças de tartarugas e 
pedras fossilizadas (DARWIN, 2006).
Depois de mais de duas décadas de trabalho dando aulas, escreven-
do artigos e estudando os materiais e as anotações dessa viagem, Dar-
win publicou, em 1859, a obra A origem das espécies, lançando a base 
do que ficaria conhecido como teoria da evolução, isto é, o princípio da 
seleção natural.
Em linhas gerais e grosseiras, a seleção natural é uma teoria que pro-
cura dar conta da origem e da diversidade das espécies vivas. Por meio 
deste princípio, Darwin afirma que as espécies mais bem-adaptadas a 
certos ambientes têm mais chances de sobrevivência, ou seja, elas são 
selecionadas naturalmente no sentido de se adequarem melhor a certas 
configurações ambientais. Faz parte da seleção natural a luta pela sobre-
vivência entre as espécies, uma afirmação de Darwin que gerou muitas 
controvérsias e mal-entendidos na interpretação de sua obra.
A luta à qual Darwin se refere indica que, como os indivíduos de 
uma espécie são sempre diferentes entre si, eles tendem a lutar entre 
si pela sobrevivência. Os que têm mais chances de sobreviver e, assim, 
propagar-se nas próximas gerações, são os que apresentam caracterís-
ticas naturais mais adequadas ao ambiente em que vivem. Um breve 
exemplo são os leões da savana africana; cada indivíduo da espécie 
apresenta diferentes tamanhos e formas de dentes caninos. Para Dar-
win, a tendência é que os indivíduos com caninos mais fortes e ade-
quados à caça sobrevivam e propaguem-se. Desse modo, em algumas 
gerações, quase todos os leões da savana africana terão caninos fortes 
como seus ancestrais.
Entretanto, é muito importante considerar que Darwin não enten-
de que as espécies mais bem-adaptadas são, de um ponto de vista 
Como pensar antropologicamente? 21
absoluto, melhores, mais sofisticadas ou evoluídas. Não há uma hie-
rarquia das espécies na teoria de Darwin, como se ele estivesse jul-
gando as diferentes formas de vida como inferiores ou superiores. O 
mais forte não é o superior, mas, simplesmente, aquele que conse-
guiu se adequar melhor a um dado ambiente, levando a compreen-
der que uma espécie que se adaptou melhor em um ambiente pode 
perecer em outro. Então, para Darwin, evolução não é um progresso 
em direção a um melhoramento da vida, mas, sim, o processo de di-
versificação natural das espécies vivas. A evolução para Darwin é uma 
história natural da vida que não caminha para um futuro sempre me-
lhor e mais sofisticado.
E o ser humano, como localizá-lo nessa história natural? Para o ima-
ginário da época (século XIX), o animal humano parecia ser a forma 
de vida mais bem-adaptada ao planeta, uma vez que teria dominado 
todas as regiões e subjugado todas as outras espécies. Nós não se-
ríamos uma forma de vida especial a ponto de merecer uma ciência 
própria para estudá-la exclusivamente? Enfim, como contar a história 
natural dessa espécie? Aliás, seriam os humanos uma só espécie ou 
várias aparentadas, mas distintas? Como entender, do ponto de vista 
de uma ciência natural, as semelhanças e diferenças entre os seres hu-
manos? Essas perguntas, motivadas pelas teorias de Darwin, deram luz 
à antropologia, a ciência do humano.
Diferentemente da sociologia, criada por meio do cruzamento da 
filosofia, da política e da economia, a antropologia se constituiu a partir 
de desenvolvimentos teóricos das ciências naturais. Para os primeiros 
antropólogos, a tarefa da ciência do humano era muito clara: se a bio-
logia se ocuparia do surgimento da vida até o aparecimento do homo 
sapiens e a história abordaria as mudanças e continuidades a partir do 
surgimento da escrita, a antropologia tomaria para si a tarefa de inves-
tigar a lacunaentre as duas: estudaria o humano desde seu nascimen-
to como espécie até o momento em que a escrita foi inventada, ou seja, 
aquela parte da nossa trajetória como espécie que provavelmente nos 
ensinaram, na escola, como sendo a pré-história.
Contudo, para os antropólogos, os representantes dessa pré-história 
não estavam somente no passado, mas também no presente do século 
XIX. Assim, as etnias indígenas americanas, as sociedades tribais africa-
nas e asiáticas, os ilhéus da Indonésia, Polinésia e Melanésia e os aboríge-
nes australianos, em suma, todos aqueles que não dominavam a escrita 
22 Antropologia Social
e não eram propriamente europeus atrelados ao projeto da modernida-
de, no século XIX, eram classificados pelos antropólogos da época como 
“fósseis vivos”, isto é, representantes de uma época da humanidade que 
já havia terminado, mas, ainda assim, estavam plenamente vivos.
Na aurora da disciplina, o estudo antropológico desses não ociden-
tais, do passado e do presente, se deu em quatro frentes. De um lado 
mais concreto, a arqueologia, se ocupando dos restos materiais do pas-
sado humano, e a antropologia física, averiguando as características 
fenotípicas dos diferentes corpos humanos. Do lado mais social e cultu-
ral, a antropologia linguística, tratando das diferenças gramaticais, léxi-
cas e fonéticas entre as distintas línguas humanas e, finalmente, a área 
que nos interessa, a antropologia social e cultural, abordando as múlti-
plas e variadas formas de pensar e viver coletivamente dos humanos.
Você já reparou se aparece um antropólogo dando depoimento em 
documentários transmitidos em canais de história e geografia da TV a 
cabo, que trazem temas como “os hominídeos ancestrais dos humanos”, 
“a vida humana antes da civilização” ou até mesmo tópicos bastante he-
terodoxos, do tipo “eram os deuses astronautas”? Ou notou se, em séries 
de investigação policial, há a presença do personagem do antropólogo 
forense, especializado em solucionar a identidade de corpos encontra-
dos na cena do crime? Pois é, esses programas e séries não estão inven-
tando uma antropologia inexistente. Existe, sim, essa antropologia que 
estuda ossos e corpos e ela é proeminente até hoje em muitos países, 
inclusive no Brasil, com uma fortíssima tradição em arqueologia.
Mas então, você pode estar se perguntando por que estudamos so-
mente a antropologia social e cultural neste livro. A resposta é porque 
essas áreas se distanciaram umas das outras ao longo dos últimos 150 
anos, e para entender as razões que dividiram a antropologia em duas 
(sendo uma física e outra social), precisamos entender as disputas en-
tre poligenistas e monogenistas que marcaram os primeiros desenvol-
vimentos teóricos da disciplina.
1.4 Da raça ao evolucionismo social 
Vídeo Vamos nos imaginar no lugar de um antropólogo do século XIX. Na 
sua frente, encontra-se um representante daquelas sociedades deno-
minadas à época como aborígenes australianos. Ele lhe parece fisica-
mente muito diferente dos corpos que você está habituado a ver, sua 
Como pensar antropologicamente? 23
estatura é mais baixa, seu tipo é mais franzino e sua pele tem tom meio 
marrom, meio vermelho. Você sabe que ele não domina escrita e leitu-
ra e que também não compartilha a noção de família, já que, para ele, o 
grupo doméstico é o clã, formado a partir do totem, que pode ser uma 
planta, um animal ou até mesmo um redemoinho. Para caçar, ele usa 
um instrumento estranho para você, o bumerangue. Além disso, seus 
rituais chegam a durar meses e sua religião não distingue nenhuma 
entidade superior ou espiritual; para ele, todos os elementos da natu-
reza estão unidos numa força só. Como podemos explicar essa pessoa? 
Como a interpretamos? Ela é completamente diferente de nós? Será 
que representa outra humanidade? Se não, se nós e ele somos da mes-
ma espécie, como explicar tamanha diferença?
Nas primeiras décadas de produção de conhecimento antropológi-
co, entre 1860 e 1890, para dar conta de problemas como o imagina-
do, um antagonismo separava os antropólogos em dois lados de um 
embate teórico (SCHWARCZ, 1993). De um lado, havia os poligenistas, 
que acreditavam que a humanidade era constituída por diferentes es-
pécies, cada uma com sua origem natural própria, e entendiam, por 
exemplo, que os aborígenes australianos não eram os mesmos huma-
nos que os europeus eram; a constituição genética desses povos, para 
os poligenistas, era diferente. De outro, os monogenistas, que defen-
diam a ideia de que os humanos, tanto os do presente quanto os do 
passado, tinham a mesma origem natural e que, portanto, para eles, 
apesar das enormes diferenças sociais e culturais, todos os humanos 
formavam uma só espécie.
Da vertente poligenista, desponta uma ideia que, apesar de não ter 
tido uma vida longa na antropologia acadêmica, infelizmente atraiu um 
considerável número de entusiastas fora da disciplina. Ideia essa que 
certamente contribuiu para justificar consequências nefastas à huma-
nidade: a ideia de raça.
A partir de métodos como a frenologia, a antropometria e a cra-
niometria – todos eles baseados em medições de partes do corpo –, 
antropólogos poligenistas afirmaram que a espécie humana se dividia 
em raças, isto é, gêneros humanos biologicamente distintos: a raça 
caucasiana seria a predominante na Europa; a negroide, na África; e a 
mongoloide, na Ásia e na América.
totem: objeto, animal ou 
planta cultuado como um 
símbolo ou ancestral de uma 
coletividade.
Glossário
24 Antropologia Social
Tomando como base supostas características fenotípicas, os polige-
nistas estabeleciam atributos comportamentais a cada raça. Para eles, 
por exemplo, a craniometria (medição do crânio) indicava que a raça 
negroide apresentava uma caixa craniana mais achatada nas laterais, 
fazendo com que o cérebro fosse comprimido e, assim, não se desen-
volvesse plenamente. Portanto, de acordo com os poligenistas, o atribu-
to comportamental específico da raça negroide era o trabalho físico, já 
que ela não estaria biologicamente apta ao desenvolvimento intelectual.
Além disso, tendo dificuldades mentais de entendimento da ordem 
social e das leis, indivíduos negroides tenderiam a cometer mais crimes 
do que os de outras raças, como o antropólogo criminal italiano Cesare 
Lombroso sugeriu em 1876 (SCHWARCZ, 2003). A pureza racial, então, 
seria o ideal para os proponentes dessas ideias. A mistura racial levaria 
à degeneração, isto é, à perda das especializações comportamentais 
de cada raça.
As falhas científicas na ideia de raça são flagrantes e óbvias e a 
maior delas estava em explicar supostos atributos comportamentais 
por supostas características fenotípicas, mas nenhuma evidência com-
provável sustentava essa explicação. A ideia de raça estava baseada 
única e exclusivamente em suposições, de modo que o mais correto a 
respeito dela é afirmar que se trata de uma roupagem pseudocientífica 
para o velho e arraigado preconceito. A precariedade teórica da ideia 
de raça foi rapidamente percebida por muitos antropólogos, mas, infe-
lizmente, não por quem não era. E, assim, essa ideia foi utilizada para 
justificar a escravidão e o imperialismo colonialista da Europa sobre a 
África, o Sudeste Asiático e boa parte da Oceania.
O maior problema é que se as diferenças humanas são explicadas 
pela biologia, como fazia a ideia de raça, restam duas alternativas po-
líticas: a sociedade é organizada de acordo com as supostas atribui-
ções de cada raça – negros trabalham e brancos pensam, como muitos 
europeus desejavam – ou a raça tida como inferior é assassinada. É 
o genocídio, o assassinato de um gene, como nomeou a Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Na-
ções Unidas em 1948. Foi o que o nazismo tentou fazer, baseando-se 
na ideia de raça, em seus campos de concentração durante a Segunda 
Guerra Mundial. Nenhuma dessas alternativas políticas é plausível; elas 
são horríveis, assim como a ideia de raça.
Comopensar antropologicamente? 25
Os monogenistas não embarcaram na ideia de raça, pois como ad-
vogava um de seus principais defensores, o britânico Edward Burnett 
Tylor (1832-1917), eles acreditavam na “unidade psíquica da humanida-
de” (CASTRO, 2005, p. 14). Postular essa unidade significa afirmar que 
os humanos não diferem biologicamente e, portanto, suas potenciali-
dades mentais e comportamentais são, a princípio, idênticas.
Como, então, os monogenistas explicavam as explícitas diferenças 
entre os humanos? Pelo fator social e cultural. Eis aí o ponto de partida 
do nosso ramo da antropologia, aquele que investiga os aspectos sociais 
e culturais que compõem a diversidade de jeitos de cultivar a vida hu-
mana. A premissa desse ramo é a de que os humanos são semelhantes 
biologicamente, mas diferem social e culturalmente. Ela foi lançada por 
monogenistas, ainda no século XIX, como pelas pesquisas do advogado 
norte-americano, Lewis Henry Morgan (1818-1881), que desde a sua ju-
ventude se interessou pelas etnias indígenas que habitavam o nordeste 
do seu país e o sudoeste do Canadá, especialmente os iroqueses, esta-
belecendo laços de amizade com algumas tribos e até mesmo represen-
tando-as juridicamente em processos de demarcação de terras.
Ao longo dessa relação, Morgan averiguou a organização social dos 
iroqueses, particularmente o que denominou de parentesco. Para não 
complicar nossos estudos, já que o tópico é complexo e truncado, basta 
indicar que Morgan percebeu que a noção usual de família não condi-
zia com o modo como os iroqueses se organizavam. Ele notou que os 
indígenas tinham, sim, palavras equivalentes para pai, mãe, tio e filho, 
por exemplo, mas o que essas concepções significavam para eles era 
completamente diferente dos significados atribuídos pelos norte-ameri-
canos e europeus. Para se referir à forma de organização social dos iro-
queses, Morgan usou a palavra parentesco e, assim, demonstrou que a 
concepção ocidental de família não era universal. Ele não explica a orga-
nização social dos iroqueses afirmando que os indígenas pertencem a 
uma raça diferente, mas, ao contrário, sustenta a semelhança biológica 
da humanidade ao postular que tal organização é uma diferença social.
Todavia, nem tudo são flores entre os monogenistas. Se as diferen-
ças não eram de gênero, eram de grau. Além de Morgan, autores como 
Edward Burnett Tylor e Sir James Frazer, outro britânico muito impor-
tante neste momento da antropologia, são conhecidos por serem mo-
nogenistas e, também, evolucionistas. Para eles, “em todas as partes 
do mundo, a sociedade humana teria se desenvolvido em estágios 
26 Antropologia Social
sucessivos e obrigatórios, numa trajetória basicamente unilinear e as-
cendente” (CASTRO, 2005, p. 14). De acordo com essa lógica, qualquer 
sociedade humana passaria pelas mesmas etapas de evolução social, 
indo do mais simples ao complexo.
O evolucionismo é, portanto, um tipo de método comparativo, inter-
pretando a vasta diversidade de sociedades e culturas humanas dentro 
de um único critério, qual seja, o da própria sociedade do pesquisador. 
Afinal, se todas as sociedades devem passar por estágios dentro de 
uma trajetória única e linear, qual delas estaria no topo dessa linha? 
Sim, a sociedade moderna, urbana, industrializada, europeia e branca 
na qual os próprios evolucionistas se encontravam.
Em Londres, Paris e Nova York, a humanidade teria atingido seu ápi-
ce evolutivo ao ter dominado a razão científica e o principal produto 
dela, a tecnologia. O indígena americano e o aborígene australiano se 
encontrariam nos primeiros degraus de uma escada que fatalmente 
desembocaria no estágio em que os europeus e norte-americanos se 
encontravam – daí a noção de sociedades primitivas. Elas estariam nas 
fases primárias de evolução da humanidade, na infância da espécie, 
por assim dizer; eram simples, enquanto a sociedade dos evolucionis-
tas era adulta e complexa. Eles tinham rituais de cura e nós, medicina; 
tinham parentesco e nós, família. Eles dominavam a cerâmica e a ces-
taria e nós, a máquina a vapor. Eles tinham crenças e nós tínhamos 
verdades; tinham cultura, e nós, ciência.
Apesar de terem qualificado as diferenças humanas como sociais, 
oferecendo, assim, uma alternativa à ideia tão nefasta de raça, os evolu-
cionistas acabaram confundindo evolução com progresso. A diversida-
de cultural humana, por meio desse método, perdeu toda a sua riqueza 
ao ser reduzida a estágios de uma mesma história – aquela de quem 
escrevia os livros de antropologia, interpretada como uma trajetória de 
domínio da natureza por meio da razão e da tecnologia. E assim, os não 
ocidentais, esses outros, viraram “fósseis vivos” da história do Ocidente.
Eles cometeram o erro fatal do etnocentrismo, e de todo modo, os 
evolucionistas não estavam sozinhos nessa maneira de entendimento 
da diversidade cultural. Na época deles, as últimas décadas do século 
XIX, era muito difícil resistir à força do progresso. A sensação geral na-
quele momento era a de que o humano, de fato, havia vencido a bata-
lha contra seu maior inimigo, a natureza. E a arma que teria garantido 
essa vitória era a tecnologia.
Coração das trevas, novela 
escrita por Joseph Con-
rad, narra a história de 
um marinheiro britânico 
que, em sua estada no 
Congo, em posse dos 
belgas na época, conhe-
ceu uma figura que o 
impressionou fortemen-
te. Para além dos dilemas 
humanos abordados na 
novela, o texto trata das 
relações entre europeus 
e povos não ocidentais na 
passagem do século XIX 
para o XX, mesmo mo-
mento histórico em que 
os evolucionistas estavam 
elaborando suas teorias 
antropológicas. 
CONRAD, J. Rio de Janeiro: Antofá-
gica, 2019.
Livro
Como pensar antropologicamente? 27
Além disso, à exceção de alguns raros pesquisadores, como Mor-
gan, os evolucionistas não conviveram com os não ocidentais. Eram 
antropólogos de gabinete, teorizando sobre os outros por meio de in-
formações que recebiam de militares, agentes do governo, comercian-
tes, colonizadores e missionários que tinham entrado em contato com 
outras sociedades ao redor do mundo.
A antropologia percebeu os erros dos evolucionistas e elaborou ma-
neiras menos etnocêntricas de entendimento da diversidade cultural 
quando os pesquisadores resolveram ir, eles mesmos, conhecer os não 
ocidentais. E aí, é como o ditado popular mais ou menos preconiza: de 
perto, ninguém é normal. É o que veremos no próximo capítulo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de sua história de mais ou menos 200 anos, a antropologia 
refinou uma potente perspectiva de entendimento das diferenças huma-
nas. Esforçando-se para levar o outro a sério, os antropólogos ensinam 
que qualquer ponto de vista que pretenda ser universal corre o constante 
risco de reduzir a importância da riqueza da diversidade humana. Assim 
fazendo, a antropologia tornou-se uma voz privilegiada de combate aos 
preconceitos e de estímulo ao aprofundamento de uma noção de demo-
cracia que convida todos os outros para a participação política.
Contudo, como vimos nos dois últimos itens deste capítulo, na aurora 
da disciplina, essas potências ainda não tinham se revelado plenamente. 
É importante salientar que todo ramo de saber acadêmico é uma cons-
trução contínua, marcada por transformações dos modos de entender 
e de produzir o conhecimento. Como Weber certa vez afirmou, a verda-
deira aspiração do cientista é ser esquecido e cair no ostracismo, já que, 
se assim acontecer, significa que seu ramo de conhecimento foi refinado 
posteriormente a ele.
No caso da antropologia, é possível sugerir que o paradigma evolu-
cionista, ao mesmo tempo em que representou uma sólida barreira para 
a efetiva percepção da alteridade, acabou tendo uma função histórica 
determinante para a disciplina: tal como um muro muito alto para ser 
transpassado, estabeleceu um forte desafio para as gerações vindouras. 
Para elas, se fosse possível desfazer as amarras do evolucionismo, a an-
tropologia poderia terum futuro promissor. Analisando em retrospectiva, 
pode-se afirmar que essa possibilidade se tornou uma realidade.
28 Antropologia Social
ATIVIDADES
1. Na sua região, como as pessoas adquirem carne para a alimentação? 
Elas vão ao supermercado ou criam e abatem animais em suas 
propriedades? Que tal, além de responder a essas indagações, 
conversar com pessoas mais velhas e perguntar a elas como era comer 
carne antigamente? Pergunte também como essas pessoas e suas 
famílias se relacionavam com bois, vacas, porcos e galinhas. Depois 
dessas pesquisas, reflita: a alimentação à base de carne, das últimas 
décadas para o presente, mudou? E a relação das pessoas com os 
animais que são abatidos para a alimentação continua sendo a mesma 
que era no passado ou ela foi transformada?
2. Vamos praticar a ideia de “levar o outro a sério”, como consta na segunda 
seção? O desafio é perguntar a uma pessoa totalmente desconhecida 
se ela é feliz e conversar sobre as razões de sua resposta. Deixe a 
conversa fluir, independentemente do tema que aparecer entre vocês. 
O importante é você se colocar em um lugar de escuta diante de outra 
pessoa e deixar que ela fale mais do que você. Depois, relate sua 
experiência de ouvinte.
3. Descreva qual foi o etnocentrismo dos evolucionistas.
REFERÊNCIAS
CASTRO, C. (org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
DARWIN, C. O diário do Beagle. Curitiba: UFPR, 2006.
INGOLD, T. Antropologia – para que serve. Petrópolis: Vozes, 2019.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1976.
SAHLINS, M. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Como produzir conhecimento antropológico? 29
Se a antropologia social é um estudo das diferentes maneiras 
de cultivar a vida, como os seus pesquisadores fazem para conhe-
cer e registrar essa diversidade? Afinal de contas, mesmo não sen-
do uma ciência nos moldes da física e da química, a antropologia 
social ainda é um saber acadêmico que almeja produzir conheci-
mento empírico, ou seja, observável e real, que seja considerado 
válido e legítimo.
Nas próximas páginas, entenderemos como a antropologia so-
cial produz esse tipo de conhecimento a respeito das culturas hu-
manas e teremos resposta às perguntas que envolvem esse tema.
Como produzir 
conhecimento antropológico?
2
2.1 Como conhecer o outro? 
Vídeo Ao andar pelas ruas de sua cidade, você costuma notar as pessoas 
com as quais cruza em seu trajeto? Ou ainda, no ônibus ou no carro, os 
sujeitos que atravessam seu olhar atraem sua atenção? Aquele grupo 
de estudantes rindo alto, o homem que anda apressado, a senhora 
com sacolas, a moça que acompanha com os lábios a música que ouve 
nos fones de ouvido, os funcionários das lojas, os motoristas, os mo-
radores de rua ou o rapaz que não se desliga do celular. Todas essas 
pessoas, de um modo ou de outro, são estranhas para nós. Você se 
vê as observando e pensando sobre elas? Você se interessa por es-
sas vidas a ponto de, sendo um tanto indiscreto, notar seus trejeitos 
e ações ou de especular sobre suas profissões, gostos e afazeres e, 
ainda, saber de onde estão vindo e para onde estão indo? Ou de se 
perguntar quais seriam suas vontades, medos e angústias? Esses ou-
tros lhe interessam?
30 Antropologia Social
Caso as pessoas ao seu redor não despertem seu interesse, espe-
ro que este livro o faça, provocando em você a vontade de saber mais 
sobre os outros. Afinal, o interesse sobre eles é o ponto de partida da 
antropologia social.
A partir do seu nascimento, com os evolucionistas, a antropolo-
gia social configurou-se como um saber acadêmico que tinha como 
objeto de averiguação as sociedades não ocidentais. Se a sociologia 
(que estava surgindo na mesma época) conformou-se com o estudo 
da complexa sociedade industrial, capitalista e urbana que se conso-
lidava na Europa Ocidental e nos Estados Unidos (MARTINS, 1982), a 
antropologia social foi identificada como uma ciência das sociedades 
simples, caracterizadas por clãs, totens, caça e coleta, alguma agricul-
tura rudimentar e produção de subsistência. Como vimos, de acordo 
com os evolucionistas – que viviam na modernidade europeia e nor-
te-americana, época em que o suposto triunfo da razão, da ciência e 
da tecnologia carregava a noção de progresso com um forte otimismo 
no futuro –, essas sociedades, como o indígena americano, o africa-
no, o asiático e o ilhéu do Pacífico, eram classificados como humanos 
estranhos (os “outros”) ao que era familiar a eles, como se estivessem 
estacionados no passado da espécie, praticando rituais de iniciação, 
acreditando em espíritos que animavam as florestas e explicando o 
surgimento do sol e da lua por mitos.
Se essas sociedades estavam bem distantes de onde os antropó-
logos moravam, como eles as conheciam? Como informações sobre 
esses “outros” eram adquiridas? E, talvez o mais importante, de que 
tipo eram essas informações? 
Os evolucionistas, salvo algumas exceções, eram antropólogos de 
gabinete, ou seja, eles não visitavam as sociedades que estudavam; fi-
cavam em universidades, escritórios e bibliotecas, amparando-se em 
livros de viajantes ou em questionários preenchidos por europeus 
que viviam ou tinham vivido próximos a essas sociedades. Era assim 
que teciam suas ideias e teorias sobre os outros.
Relatos de viajantes e questionários preenchidos por terceiros po-
dem oferecer produtivos pontos de partida para começar a conhecer 
o “outro”. Mas será que são suficientes para um saber que almeja al-
guma cientificidade? Será que esses documentos oferecem dados que 
podem ser tomados como materiais de comprovação de teorias? As 
Como produzir conhecimento antropológico? 31
perspectivas que emanam das páginas desses textos foram fiéis à rea-
lidade das sociedades que supostamente descreviam? Muitos dos que 
preenchiam os questionários eram militares, funcionários do governo 
e agentes do comércio, pessoas que estavam no além-mar preocupa-
das com a defesa do território ou com impostos e lucros, e não com a 
feitura de uma descrição qualificada de um ritual ou de uma crença; 
eles não haviam sido treinados para pesquisar sociedades. E a língua? 
Será que eles realmente tinham aprendido a língua nativa, identifican-
do dialetos e considerando os variados significados e sentidos que as 
palavras poderiam ter para seus falantes? E ainda, com quem teriam 
entrado em contato? Com homens ou mulheres? Quais homens e quais 
mulheres? Com quais posições sociais?
Podemos afirmar, portanto, que as informações recebidas pelos 
evolucionistas eram bastante enviesadas. Muitas intermediações, que 
alteravam significativamente os dados recolhidos, se colocavam entre 
os primeiros antropólogos e as sociedades não ocidentais. A voz que 
emanava dos relatos e questionários não era propriamente a das pes-
soas dessas sociedades e, sim, de europeus, via de regra alheios aos te-
mas e às preocupações da antropologia. Em suma, a distância entre os 
antropólogos e as pessoas as quais estudavam, mesmo com os relatos 
e questionários, ainda era imensa. Essas pessoas continuavam sendo 
estranhas a eles.
Não é exagero sugerir que as interpretações etnocêntricas dos evo-
lucionistas, que colocavam as diferentes sociedades e culturas como 
estágios inferiores do desenvolvimento da própria modernidade eu-
ropeia, foram produtos dessa distância. Apartados por milhares e 
milhares de quilômetros, tendo como material de pesquisa relatos e 
questionários amadores e, ainda, embebidos na atmosfera de crença 
na razão e na tecnologia como bússola para o futuro da humanidade, 
os evolucionistas tomaram as sociedades não ocidentais versões sim-
ples e arcaicas deles mesmos.
Para sair do paradigma evolucionista, a antropologia precisou se 
aproximar das sociedades que estudava. Entre as últimas décadas do 
século XIX e as primeiras do XX, alguns pesquisadores foram até elas 
e conviveram com aspessoas, aprendendo suas línguas, conversando 
com elas e fazendo as atividades presentes nessas sociedades. Eles se 
aproximaram dessas sociedades, escutaram mais, e melhor, suas vo-
zes e desenvolveram observações próprias e mais diretas. Assim, ficou 
No filme O fabuloso 
destino de Amélie Poulain, 
a jovem garçonete Amélie 
descobre que é justa-
mente no cuidado com o 
outro que ela encontra o 
amor e a alegria pela vida. 
Vale assistir ao filme para 
perceber como a abertu-
ra sensível e emocional 
não é uma questão de 
altruísmo ou fuga da pró-
pria vida, mas, sim, um 
caminho para o encontro 
consigo mesmo.
Direção: Jean-Pierre Jeunet. França, 
2001.
Filme
32 Antropologia Social
claro para eles que os “outros” não eram estágios da evolução da mo-
dernidade e que, portanto, não eram inferiores, mas, sim, diferentes.
Os antropólogos críticos do evolucionismo, sobre os quais estuda-
remos a seguir, deram uma dica valiosa para você que pensa e se inte-
ressa pelos estranhos que cruzam seu caminho pelas ruas da cidade. 
Se o objetivo é saber mais sobre a vida dessas pessoas, pensar sobre 
elas é um bom começo. Entretanto, o conhecimento só virá se você 
falar com elas. Mais ainda, se você entrar no cotidiano delas e acompa-
nhá-las em suas atividades. Ao agir assim, é quase certa sua percepção 
de que essas pessoas são realmente bem diferentes de você. Todavia, 
percebendo a vida dessas pessoas pelos critérios delas mesmas, essas 
diferenças farão sentido. Afinal, para conhecer o outro, é preciso escu-
tar sua voz. A questão é se nós estamos preparados e treinados para 
efetivamente escutar a voz do outro.
2.2 Franz Boas: a cultura como um universo 
Vídeo Franz Boas (1858-1942) é um dos heróis da antropologia social. Ca-
rinhosamente chamado pelos seus alunos de Papa Boas, de fato, ele é 
um dos responsáveis pela formação de uma antropologia contrária às 
premissas do evolucionismo – formação essa que se deu em três sen-
tidos. O primeiro, pela forma com que fez suas pesquisas; o segundo, 
por meio de textos, ideias e conceitos que derrubaram as concepções 
evolucionistas, uma vez que as criticavam e ofereciam alternativas; e o 
terceiro, em sua atuação profissional, dando aulas, organizando expo-
sições museológicas e preparando uma nova geração de antropólogos, 
que pesquisaram sob sua orientação.
Nascido na Prússia (hoje Alemanha), Boas defendeu seu doutorado 
em física na Universidade de Kiel (norte da Alemanha), em 1881, com 
uma tese sobre a absorção da luz pela água. Contudo, naquela época, 
a separação entre ciências naturais e sociais não era tão forte como é 
hoje. Ele se interessava bastante por geografia e psicofísica, um ramo da 
ciência que estudava as relações entre sensações físicas e percepções 
psicológicas. Em 1882, morando em Berlim, iniciou seus estudos em an-
tropologia física e, sem perspectivas interessantes de trabalho, organi-
zou uma expedição geográfica-antropológica à Ilha de Baffin, no norte 
do Canadá, com o objetivo de estudar os esquimós (hoje chamados de 
inuit). Financiado por um jornal berlinense, que garantiu os recursos para 
Como produzir conhecimento antropológico? 33
expedição mediante o recebimento de textos relatando a experiência, 
partiu para uma viagem em junho de 1883, acompanhado unicamente 
por um empregado da família (STOCKING JR., 2004).
Os dois ficaram por um ano na ilha, não só vivendo com, mas so-
bretudo vivendo como esquimós – uma experiência que certamente foi 
fundamental para as críticas que Boas lançaria mais tarde contra o evo-
lucionismo. Podemos comparar, por exemplo, a ideia evolucionista de 
que as sociedades não ocidentais eram simples e estavam em estágios 
inferiores da evolução social humana com a seguinte observação de 
Boas, de dezembro de 1883, em seu diário de viagem:
Frequentemente me pergunto que vantagens nossa “boa 
sociedade” possui sobre aquela dos “selvagens” e descubro, 
quanto mais vejo de seus costumes, que não temos o direito 
de olhá-Ias de cima para baixo. Onde, em nosso povo, poder-
se-ia encontrar hospitalidade tão verdadeira quanto aqui? 
[...] Nós, “pessoas altamente educadas”, somos muito piores, 
relativamente falando [....]. Creio que, se esta viagem tem 
para mim uma influência valiosa, ela reside no fortalecimento 
do ponto de vista da relatividade de toda formação, e que a 
maldade, bem como o valor de uma pessoa, reside na formação 
do coração, que eu encontro, ou não, tanto aqui quanto entre 
nós. (BOAS apud CASTRO, 2005, p. 9)
A relatividade de toda formação. Essa passagem é uma espécie de 
resumo do que Boas ofereceu à antropologia social: não existe uma, 
mas, sim, várias, inúmeras, múltiplas culturas, as quais, ademais, não 
são melhores ou piores se compararmos umas às outras; são apenas 
diferentes. Voltaremos a essas ideias logo adiante.
Boas então volta à Alemanha e, insatisfeito com os trabalhos que 
conseguia, em 1886, decide migrar para os Estados Unidos. Depois de 
diferentes ocupações e algumas expedições para outras regiões da 
América, torna-se professor de antropologia na prestigiosa Universi-
dade de Columbia, em Nova York, em 1896, cargo que ocupou até se 
aposentar, em 1936, ao completar 78 anos. É importante frisar que, 
no momento de sua aposentadoria, boa parte da antropologia social 
mundial, se não toda ela, era boasiana.
Foi assim, como professor e pesquisador, que revolucionou a antro-
pologia social, lançando as bases do que podemos denominar cultura-
lismo ou relativismo e formando a geração seguinte de pesquisadores. 
34 Antropologia Social
Seus alunos, ao se espalharem por outras universidades dos Estados 
Unidos, consolidaram a antropologia social no quadro de disciplinas 
acadêmicas do país. Até mesmo um brasileiro, muito importante para 
a interpretação cultural do nosso país, foi aluno de Boas. Trata-se do 
pernambucano Gilberto Freyre, que estudou com Boas no início da dé-
cada de 1920 e é autor de clássicos do pensamento social brasileiro, 
como Casa-Grande e Senzala.
Apesar de não ter escrito nenhum livro, Boas publicou centenas de 
artigos sobre diversos temas da antropologia social, como línguas indí-
genas, rituais, máscaras, arte primitiva, mitos e religião, dentre outros.
Aparentemente avesso à formulação de postulados, não 
esboçou uma definição clara e direta de cultura que te-
nha ficado na memória da disciplina. Suas ideias, po-
sições teóricas e metodológicas estão espalhadas 
por sua vasta obra, assim como seu legado, que se 
consolidou principalmente por meio dos seus alu-
nos, os quais sempre fizeram questão de salien-
tar como seus trabalhos eram influenciados pelo 
mestre.
Para apresentar a importância revolucionária de 
Boas para a antropologia social, vamos recortar, de 
toda sua produção, três premissas epistemológicas, isto é, 
formas de entender a elaboração de conhecimento antropológi-
co. Em outras palavras, vamos tentar responder, de acordo com 
Boas, o que é preciso ter em mente para conhecer o outro por 
meio da antropologia social.
Primeira, o outro só pode ser antropologicamente conhecido 
em seu próprio habitat. Para Boas, nenhum relato de viajante ou ques-
tionário aplicado por terceiros poderia substituir a pesquisa de campo 
feita pelo próprio antropólogo, que era treinado para isso e visitava o 
grupo a ser pesquisado exclusivamente com esse fim, e não com obje-
tivos militares, comerciais ou religiosos.
Assim, a observação direta gera uma aproximação intelectual, já 
que as intermediações entre o pesquisador e o grupo diminuem, pois 
convivendo com os integrantes do grupo, o pesquisador, ao menos por 
um período de tempo, vive como eles, fazendo o que fazem, comendo 
o que comem, morando nas mesmas habitações em que moram e as-
sim por diante.
Em 
algumas de suas aulas, Boas 
encenava os rituais das tribos que 
havia estudado. Na imagem, o 
professor ilustra uma das etapas 
do Hamats’a, importante ritual 
de tribos que habitam o oeste 
canadense.
Figura 1
Franz Boas
Ma
gn
us
 Ma
nsk
e/Wi
kimediaCommons
Como produzir conhecimento antropológico? 35
Ao conviver com tribos nativas da América por vários anos, em di-
versas ocasiões ao longo de sua carreira, Boas percebeu a validade do 
trabalho de campo em suas próprias experiências e sensibilizou seus 
alunos a fazerem o mesmo. Vale notar que, para ele, havia uma razão 
política para o trabalho de campo dos antropólogos. Para o mestre, as 
tribos nativas da América estavam sendo brutalmente transformadas 
e/ou dizimadas pelo avanço da modernidade para dentro de suas ter-
ras e tribos. Elas estavam prestes a desaparecer e era preciso defen-
dê-las de algum modo. Se era praticamente impossível impedir esse 
processo, os antropólogos poderiam, ao menos, contribuir registrando 
a riqueza da diversidade dessas culturas para a humanidade.
O trabalho de campo é o método por excelência da antropologia 
social até os dias de hoje. Como veremos a seguir, Malinowski, nos-
so próximo autor, é geralmente reconhecido como o antropólogo que 
sistematizou esse método. Contudo, Boas, bem antes, já o praticava 
e o ensinava. A riqueza desse método está em observar as pessoas 
não só em seu habitat geográfico, mas, principalmente, em seus coti-
dianos sociais. A antropologia entende que é aí que as pessoas agem 
normalmente, mostrando como realmente são. Em suas próprias ca-
sas e fazendo o que seu grupo espera delas, as pessoas tenderiam a 
não rebuscar suas respostas diante de um aplicador de questionário 
ou a tomar posturas defensivas ou tímidas fora dos ambientes que lhe 
são familiares. Mais ainda, observando as pessoas em seus cotidianos, 
a vida de uma sociedade aparece ao pesquisador como efetivamente 
é: bagunçada, misturada, em que as esferas e práticas sociais que o 
intelecto separa – religião, política, economia, parentesco, arte, espor-
te, dentre várias outras – estão inextricavelmente sobrepostas, uma 
influenciando a outra, uma sendo a outra dependendo da ocasião. A 
postura da antropologia é, então, se perguntar: por que não procurar 
descrever e analisar a vida cultural em sua totalidade, ao invés de sepa-
rar o que não é separado?
O que nos leva à segunda e mais importante premissa de Boas: a 
cultura é um universo em si. Um ritual, uma ideia, um costume, uma 
prática e até mesmo um objeto não podem ser entendidos separados 
de seus contextos culturais. A parte só faz sentido dentro do todo.
Um exemplo das próprias pesquisas de Boas ajuda a ilustrar essa 
premissa. Entre os kwakiutl, etnia indígena que habitava a costa su-
doeste do Canadá, na região da Columbia Britânica, Boas observou um 
A minissérie Olhos que 
condenam conta a história 
real de quatro adoles-
centes negros que foram 
injustamente acusados 
de estuprar uma mulher 
no Central Park, em Nova 
York, em 1989. A trama 
acompanha o processo, o 
destino dos adolescentes 
no sistema carcerário e o 
contexto social do caso.
Direção: Ava DuVernay. Estados 
Unidos: Netflix, 2019.
Minissérie
36 Antropologia Social
ritual bastante significativo para os nativos chamado potlatch. Realizado 
em ocasiões especiais, como casamentos, nascimentos, falecimentos e 
iniciação na vida adulta, o potlatch só era frequentado pelas famílias 
mais importantes da etnia, geralmente líderes de clãs. O que intrigava 
Boas nesse ritual era sua dinâmica: em um dado momento da cerimô-
nia, o anfitrião desafiava um convidado a medir poder e prestígio com 
ele. Aceitar o desafio era uma questão de honra.
Mas, afinal, como esses líderes mediam seus respectivos poderes 
e prestígios? Dando e queimando seus próprios pertences materiais. 
Quem dava ou queimava mais posses materiais era o vencedor. A 
própria palavra potlatch pode ser traduzida como dar. Fazendo uma 
analogia com a nossa própria sociedade, o potlatch significava para os 
kwakiutl algo parecido com uma eleição. O líder mais respeitado e po-
deroso, o “eleito”, era o que dava mais e, assim, permanecia até a pró-
xima cerimônia, quando os “candidatos” mediriam forças novamente.
Do ponto de vista da sociedade capitalista, trata-se realmente de 
um ritual estranho, pois acumular posses é sinal de prestígio social e 
poder político. Queimar pertences estimados, nesse sis-
tema, seria avaliado como uma ação absurda. Dar obje-
tos pessoais e importantes, por sua vez, só faz 
sentido por motivos emocionais e familia-
res. Em casos de doações filantrópicas, 
confere-se certa superioridade huma-
na ao doador, gesto visto como al-
truísta. De todo modo, a regra 
capitalista é ter, acumular, lucrar 
e, muitas vezes, ostentar.
Se interpretarmos o potlat-
ch pelo ponto de vista capita-
lista, provavelmente seremos 
levados a entender o ritual 
como uma ocasião desconexa 
e sem sentido, uma invenção de 
mentes desprovidas de suas facul-
dades racionais. Os kwakiutl, observa-
dos por essa perspectiva, pareceriam seres 
selvagens, primitivos e inferiores, que acreditam em uma ilu-
são distante da verdade dos fatos.
Figura 2
Encenação potlatch, com as máscaras e totens 
marcantes da cultura kwakiutl
Edward 
S. Cur
tis / 
Wik
ime
dia
 Co
mm
on
s
Como produzir conhecimento antropológico? 37
E se tentarmos entender o potlatch pelo ponto de vista dos kwa-
kiutl, de acordo com seus valores e suas regras? Foi essa a sugestão 
de Boas. Para o antropólogo, o ritual compunha a cultura kwakiutl de 
tal modo que não era possível entender um sem a outra e vice-versa. 
Ele afirma que o potlatch é um sistema de crédito para os indígenas. 
A derrota em uma cerimônia fazia com que o perdedor contraísse 
uma dívida com o ganhador e que essa poderia ser paga de diversas 
formas: submissão política, esposas para os filhos, colheitas, pescas e 
até mesmo sacrifícios animais aos espíritos, clamando pela saúde do 
ganhador. Ganhar um potlatch gerava um ativo não só para si mesmo, 
mas para o clã. Ao explicar que as dívidas contraídas em um ritual 
podiam ser pagas aos filhos do ganhador, Boas expõe que “assim, o 
potlatch passa a ser considerado pelos índios como um meio de asse-
gurar o bem-estar de seus filhos, se por acaso ficarem órfãos ainda jo-
vens. É, poderíamos dizer, um seguro de vida” (BOAS apud STOCKING 
JR., 2004, p. 137).
Por meio de suas análises do potlatch, podemos perceber o que 
Boas entende por cultura: um todo integrado que faz sentido para as 
pessoas que fazem parte dela. Mais do que afirmar que as sociedades 
são sistemas muito bem organizados e racionais, Boas postula que o 
que confere sentido à vida social é o modo como as pessoas dessas 
sociedades as entendem. São as percepções das pessoas – a um só 
tempo, cognitivas, emocionais e práticas – que dão significado aos cos-
tumes, às ideias, aos cotidianos e aos objetos. Essas percepções são o 
que podemos denominar de cultura para Boas.
Desde crianças, as pessoas vão aprendendo como se vive em suas 
respectivas sociedades. Aprendem não só valores, verdades e princí-
pios por meio de ensinamentos formais de adultos, mas também pra-
ticam essa vida, acompanhando os mais velhos em diversas ocasiões, 
observando o que acontece, copiando comportamentos, conversando, 
escutando e se relacionando com pessoas da mesma idade. Para Boas, 
ao longo desse processo de socialização, as pessoas são efetivamente 
criadas como sujeitos de uma sociedade específica, como kwakiutl, es-
quimós, capitalistas e assim por diante. Essa criação é uma moldagem 
da percepção ou, em outras palavras, de formação da cultura dentro de 
cada pessoa. Para usar uma metáfora estimada por Boas, as culturas 
são lentes pelas quais vemos o mundo.
38 Antropologia Social
Para ele, portanto, o mundo não é percebido de maneira comple-
tamente objetiva. Não existe o mundo “tal como ele é” para o autor. O 
mundo é o que cada cultura faz dele. Se existem culturas, então exis-
tem mundos. Daí a ideia lançada anteriormente: para Boas, cada cul-
tura é um universo em si. Cabe ao antropólogo entrar nesse mundo e 
interpretar seus significados de acordo com os seus habitantes.
Na história da antropologia social, a concepção

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