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Processo saúde doença UC04

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Portfolio
Prof. André 2022
13665991
Eduarda Gabrielly Krynski de
Oliveira 
UC04- PROCESSO DE SAUDE E
DOENÇA
Cê curou tantos enfermos, Jesus
Mas hoje em dia, se alguém fica enfermo,
não acha remédio nem lá no SUS
-A Divina Comédia, Fábio Brazza
Considerado um dos maiores sistemas de
saúde pública mundial, o Sistema Único de
Saúde (SUS) surgiu em 1990 na tentativa
de homogeneizar a disponibilidade de
saúde para a população de diferentes
classes sociais, etnias, gêneros e regiões
geográficas. De fato, o SUS obteve um
sucesso parcial nesse requisito quando
comparado á outros países. Sempre que
penso sobre isso, relembro os discursos
familiares que ouvi durante a eleição
americana do Donald Trump. Minha avó,
frente à televisão, me dizia sobre a
importância do SUS para o atendimento
aos mais vulneráveis, elemento inexistente
na América do Norte, onde qualquer
serviço de saúde é realizado mediante a
uma taxa exorbitante, e sobre como uma
mudança política daquela magnitude
poderia dificultar ainda mais a população
americana dependente de planos de saúde,
já que o governo anterior ao Trump possuía
um enfoque maior em saúde a baixos
valores. Essa preocupação dos estado-
unidenses sobre saúde pública é
extremamente perceptível nos aspectos
socioculturais, principalmente na produção
de audiovisuais, sendo que um filme
marcante sobre o assunto lançado no ano
de 2022 levantou novos questionamentos – 
Introdução 
principalmente de brasileiros – sobre a
manutenção da medicina internacional. O
filme em questão, “Purple Heart”, expressa
um casamento falso pelos protagonistas para
que a mulher, portadora da síndrome
metabólica Diabetes Mellittus tipo I, consiga
obter o tratamento de insulina através do
Plano de Saúde Militar do marido. Após o
lançamento da longa-metragem, brasileiros,
indignados com a ausência de um Sistema de
Saúde gratuita, relataram sua indignação
sobre o assunto nas mídias sociais. Naquele
momento, assim como no diálogo com minha
avó, pensei: “Quanta sorte tenho de morar no
Brasil!”. Talvez eles estejam certo, morar em
um país sem ter que se preocupar com o
valor monetário de um parto infantil. Porém,
seria essa a realidade de todos os brasileiros
ou ainda existem parcelas sociais que não
podem sequer ter a garantia de um
atendimento médico adequado? Não muito
tempo após o comentário da minha vó, obtive
minha resposta. vAlguns dias depois, uma
ligação desesperada de minha mãe noticia a
internação da minha irmã, Katherine, devido
uma Meningite Viral tardiamente
diagnosticada. Após uma viagem para a
capital de Rondônia, Porto Velho, já que as
outras regiões do estado não possuem
estrutura suficiente para tratamento, minha
mãe soube pelo médico de um hospital 
público que minha irmã teria que ser
medicada oralmente com uma solução não
disponível na rede de farmácias do SUS.
Mesmo após alguns meses, posso lembrar
do desespero de minha mãe por não poder
fazer nada por sua filha mais nova, uma
situação que, infelizmente, não era única, já
que ocorreu diversas vezes durante minha
infância. Todavia, quando cheguei na
FMUSP após a minha aprovação, a
qualidade do sistema de saúde, quando
comparado a minha região de origem, me
impressionou e revoltou-me
simultaneamente. Senti a raiva pura
interiorizada de alguém que, muitas vezes,
sequer tinha o tratamento médico básico
ou Dipirona disponível na farmácia do
sistema de saúde, mas que naquele
momento estava diante de um hospital
público de alta tecnologia mediada por
médicos graduados, principalmente, pela
própria Universidade de São Paulo, uma
universidade que, apesar de ser pública e
federal, formava médicos que, muitas vezes,
são restritos à população de São Paulo e
de Classe Média e Classe Alta. Assim,
pergunto-me se essa alta tecnologia e
medicina equitativa fornecida pelo SUS é
realmente igualitária e se essa “sorte de ser
brasileiro” é aplicável no contexto de
vulnerabilidade e 
marginalização, já que enquanto os pacientes
atendidos no Hospital das Clínicas dispõem
de um farto estoque de medicamentos
intravenosos e médicos extremamente
qualificados, os pacientes das periferias
brasileiras ou do interior do Brasil não
possuem a disponibilidade de um Otoscópio
decente para atendimentos.
Para Brazza, isso é uma realidade comum na
periferia. Com isso em mente, Brazza discursa
em suas canções sobre a naturalização da
vulnerabilidade no Brasil. A demonstração
prática desse argumento está
contextualizada na reação pública ao filme
“Purple Heart”. Quando confrontados com o
caso da protagonista, brasileiros discursaram
nas redes sociais acerca da necessidade de
medidas estatais para a população
vulnerável norte-americana. Porém,
considerando o nosso próprio país, o
fenômeno popular diverge do esperado, com
falácias como: “Pelo menos temos o SUS,
mesmo que deficiente para os vulneráveis.
Ter algo é melhor que nada.”, mesmo quando
inúmeros diabéticos dependem desse sistema
para obter suas aplicações de insulina diária,
mas são notificados com a indisponibilidade
na Unidade Básica de Saúde, evidenciando
que, claramente, é necessário para conciliar a
integração da igualdade. Sem um sistema de
saúde, não existiria uma mera possibilidade 
de haver uma decrescente mortalidade na
população brasileira, principalmente
quando se utiliza um dos principais
parâmetros de diagnóstico de saúde: a taxa
de mortalidade infantil. Desde 1990, a taxa
de mortalidade infantil se apresenta em
uma queda brusca que, até 2015, equivalia
a uma redução maior que a metade do
valor de origem (Em 1990: 47,1 óbitos por
mil e 2015: 13,3 óbitos por mil).
Considerando que a aplicação dos
princípios do SUS tem origem na
Constituição de 1988, é possível que haja
uma relação entre essa diminuição,
pontuando a favor do argumento da
importância do SUS e, apesar de todas as
falhas que já contaste pessoalmente sobre
o Sistema, utilizei após a chegada na
capital paulistana inúmeras vezes o serviço
e me surpreendi com o atendimento,
principalmente comparado a minha cidade
de origem. Porém, seria justo com esses
mais vulneráveis na sociedade brasileira
relevar suas dores por “o SUS ser melhor do
que nada”? Ou pior, reverberar a
moralidade colonial ao precificar pessoas,
fornecendo apenas o básico falho para às
necessidades de sobrevivência para alguns,
enquanto outros possuem o demasiado?
Pretendo, com esse portfólio, discorrer dos
inúmeros aprendizados que obtive na UC04 
para discursar sobre tais levantamentos, mas
ainda mais importante, desejo provocar o
leitor com a seguinte questão: “Como nossas
ações como médicos podem influenciar a
qualidade de um sistema de saúde
universal?”
riscos e eu segurava sua mão com força,
com um tremor mal escondido de que
aquele dia perderia minha mãe. Quando
ela desapareceu diante das portas
cirúrgicas, eu me sentei contra a parede e
chorei. Lembro que fazia anos que eu não
chorava, sempre numa tentativa de parecer
mais forte para meus irmãos e minha mãe.
No entanto, eu me sentia como uma
pequena criança frágil esperando por um
monstro atacar. O monstro, porém, era real:
era o medo de perder a pessoa que eu
mais amava nesse mundo. Tempo depois,
senti um calor ao meu lado e me virei. Era
um homem de meia idade. Usava um jaleco
tão branco que eu me sentia impura por
estar perto de alguém tão heróico e divino
como aquele médico. Vim de uma cultura
que médicos eram seres inalcançáveis,
então tive que suprimir o instinto de
apenas fugir do homem ao meu lado. 
Discussão
Pessoalmente, não comecei Medicina por
ser médica. Assim como todos, ou todos que
conheci, eu sonhava desde os 6 anos em
fazer medicina para estabelecer um melhor
padrão de vida para a vida de minha
família, por um objetivo frágil que sequer
envolvia o amor total pela profissão. Claro,
eu amava ajudar as pessoas. Porém, outras
profissões poderiam me realizar ainda mais
caso esse fosse meu propósito guia, como
um voluntariado ou uma formação em
Assistência Social. Aos meus 12 anos, porém,
um momento chave, que eu sequer
considerava que seria importante no futuro,
modificou minha visão.Era uma das
primeiras vezes que eu conhecia São Paulo
e eu tinha vindo pois minha mãe iria
realizar uma operação no Hospital das
Clínicas da Universidade de São Paulo.
Desde muito jovem, ela teve que ir além do
limite para sustentar nossa família e, esse
esforço, psicológico e físico, teve como
consequência seis hérnias de discos que a
deixavam impossibilitada de sequer andar
pela dor. Entramos no hospital e minha
impressão foi que o que tornava esse
hospital incrível era a tecnologia ao meu
redor. Janelas grandes de vidro, médicos
aos montes e exames quase que
instantâneos. Era um sonho. Ela se
arrumava para cirurgia enquanto o doutor
explicava os 
“-Você está esperando alguém?
“-Minha mãe. O senhor está esperando
alguém?”
Eu não lembro de seu rosto ou de seu nome,
mas lembro de sua voz.
-Não. Acho que vou esperar aqui com você.”
Seu jaleco branco, sem medo de sujar com o
chão, estava esparramado. Mas ele ficou lá
até o fim. Minha avó, acompanhante da
minha mãe, estava na área de
acompanhantes, porém mesmo com sua
presença, não houve nada que pudesse tirar
aquilo das minhas memórias: um doutor ao
meu lado, mesmo sendo um doutor e eu
sequer sendo um paciente. Foi quando escolhi
essa faculdade. Também foi quando eu
escolhi o tipo de médica que eu queria ser. 
Então, se eu pudesse traduzir a Atenção
Primária em Saúde em uma cena, seria essa.
O doutor que chefiou a cirurgia da minha
mãe salvou sua vida, mas, honestamente, não
lembro o nome dele. Enquanto isso, o médico
que apenas me salvou naquele momento, me
guiou como um modelo. Subjetivamente, para
mim, existem muitas regras no atendimento
primário e muitos pilares, mas não há outro
tão importante quanto o aplicado pelo
senhor que estava ao meu lado e hoje eu
entendo: não tente ser o melhor médico do
mundo para todos. Seja o melhor médico do
mundo para seu paciente. Afinal, cuidar não
envolve apenas conhecimentos técnicos.
Claro, a APS permite ao médico prevenir uma
internação ou uma descompensação de
saúde. Porém, diferente do atendimento na
Urgência ou Emergência, o APS permite
cuidar das histórias de seus pacientes, seja
trocando uma medicação ou apenas se
sentando ao seu lado apesar do chão sujo.
Essa minha visão foi concretizada durante
a UC04. Na UBS, meu primeiro contato
com o paciente foi uma senhora oriental
que dizia que sua parte favorita do dia era
receber os Agentes de Saúde. Ela se sentia
solitária e essas pessoas eram seus únicos
contatos sociais diários. Enquanto que para
mim, meu “tratamento” foi companhia
durante uma fase difícil, para ela foi
aqueles pequenos momentos de
normalidade fornecida pela APS. Apesar
da APS ter um eixo de profilaxia e
promoção de saúde, ela se concentra em
valores humanitários que não são focos em
atendimento em redes de urgência e
emergência, já que estes são baseados em
atendimento técnico rápido e eficaz, não
passando de um encontro médico com o
paciente, tornando incapaz de estabelecer
laços de confiança médico-paciente. Esse
atendimento, entretanto, não é igualitário,
diferente do que muitos pensam, já que
deve estar adaptado às questões de
território, vulnerabilidades e comunidade
do paciente. Para entender melhor o
conceito do atendimento contextual que
pauta a medicina centrada no paciente,
convido ao leitor a análise da obra abaixo:
No primeiro vislumbre, o item que mais me
chama atenção é a obscuridade da obra,
com cores sombrias. As crianças, com ossos
sobressalentes e pés descalço, parecem
seguir a expressão de desespero dos
adultos. Á direita, uma delas possui sinais
clínicos de esquistossomose, aparente pela
ascite sobressalente. A esquistossomose é
uma doença parasitária comum em regiões
sem saneamento básico, um grande fator
de risco para outras doenças parasitárias,
como a Cólera ou a Leptospirose. É difícil,
vivendo na capital, em que um copo d’água
potável está a uma torneira de distância,
imaginar que o uso de água contaminada
pode ser uma realidade para o nosso
paciente. Essa vulnerabilidade, inclusive,
não é tão distante quanto pensamos.
Durante minha primeira visita a UBS São
Jorge, o Agente Comunitário de Saúde
relatou sua preocupação acerca das novas
periferias emergindo no bairro, já que até
pouco tempo atrás, não havia coleta de lixo
ou saneamento básico entre as principais
regiões populares e, com esses novos
aglomerados residências, era muito possível
que essa realidade se concretizasse nesses
locais. Então, a inexistência de condições
sanitárias suficientes a moradia não se
limita apenas ao senso comum do
Nordeste, mas está presente, inclusive, na
Região Metropolitana de São Paulo.
Entender os riscos associados das
vulnerabilidades dos nossos pacientes,
inclusive sobre seus aspectos territoriais, é
necessário para atender às demandas da
comunidade, visando não apenas tratar os
doentes, mas os fatores causadores da
doença da melhor forma que nossa profissão
permite. Porém, como vim de uma região
cujas vulnerabilidades eram ignoradas,
observo que o que deveria ser uma pauta do
Sistema Único de Saúde é completamente
ignorada pelos médicos, pelo Sistema e por
toda a equipe de saúde. Como disse antes, na
minha cidade, médicos eram intocáveis e
deusificados como o ápice do conhecimento
humano. Todavia, esses mesmos profissionais
mantinham uma impessoalidade
impressionante, quase que com medo de nos
olhar. Agora, na profissão, minha hipótese
seria que talvez esse medo de nos olhar seja
real, liderado por um medo de ver seres
humanos igual a ele, não objetos de prática
da ciência que eram pobres de conhecimento.
Assim as consultas são regidas por um
modelo unilateral de conversa, em que existe
o contraponto entre aquele que detém todo
conhecimento e o ignorante. Eu sequer me
sentia a vontade de dizer que era alérgica a
dipirona, com medo das consequências de
duvidar do discernimento técnico do
profissional de saúde. Seria esse o preço a ser
pago por uma consulta fornecida pelo SUS?
Seria o Sistema de Saúde o único culpado?
Sinceramente, creio que não.
Claro, existe uma evidente falta de recursos
e investimentos sobre esse sistema, mas
muitas vezes o tratamento médico não é só
pautado em medicação, mas cultivar o
melhor possível para o paciente, mesmo
quando não existe nada que podemos fazer
cientificamente para eles. Então, sim, uma
comunicação dialógica com o cuidado
centrado nos aspectos individuais do
paciente e seu território seria o modelo
ideal, uma maneira de confrontar o
humano com empatia, compaixão e
considerar o atendimento como uma troca
de conhecimento, em que eu, como futura
médica, provavelmente não saberei as
mesmas informações que meu paciente,
mas posso aprender com ele também.
Entretanto, só apenas por ser um modelo
ideal, devemos, como estudante de
Medicina, considerá-lo como inatingível?
Pessoalmente, acredito que não. Pacientes
são histórias, retalhos de todos que o
amaram e todas suas experiências. Dessa
maneira, pontuo que o principal “furo” do
SUS seria a indiferença com as
vulnerabilidades, muitas vezes provocada
pelos próprios profissionais de saúde,
distanciando o paciente da realidade dele
como indivíduo. Para que haja a
sensibilidade a esse tópico, é necessário
entender a importância das
vulnerabilidades e dos pilares para
estabelecer um cuidado centrado no
paciente.
Em contraponto a vulnerabilidade
demonstrada na obra de Portinari, a obra
“Angústia” conta a história de um
trabalhador de classe média que, mesmo com
um padrão de vida suficiente para a
sobrevivência, ainda vive em grande estado
de angústia, remoendo cada parte de seu
passado, presente e futuro. Com uma infância
solitária, Luís tem uma visão pessimista de
tudo que o cerca, além da grande
necessidade de enfatizar sua masculinidade,
seja competindo por Marina, seu par
romântico, seja através de seus atos adultos,
que beiram a violência. A grande questão
que trago é a influência dessa masculinidade
imposta pelos aspectos culturais de ser filho
de um sertanejo e como sua vulnerabilidade
acerca da questão de gênero, mesmo com
estabilidade financeira, teria sido prevalenteem seu estado de saúde no final da obra, em
que Luís beira ao delírio e paranoia. Durante
diversos momentos, Luís justifica seus atos
agressivos ao fato de ter a necessidade de
demonstrar a Marina que ele é mais homem
do que o “namorado” dela jamais será. 
Portanto, é notável que as vulnerabilidades
ignoradas não abrangem apenas a situação
econômica e territorial, mas também as
questões de gênero e etnia. Enquanto os
Retirantes, em um claro déficit
socioeconômico, demandam um atendimento
voltado a situação sanitária, educação sexual,
principalmente ligado a natalidade, já que a
mãe aparenta ter iniciado a maternidade 
ainda na juventude, e prevenção e rastreio
de doenças concomitantes as suas
dificuldades individuais, Luís, apesar de
não apresentar visível déficit
socioeconômico, demanda de entender suas
questões de gênero e desvincular sua
imagem de masculinidade e saúde, já que
principalmente se tratando de distúrbios
mentais, o estigma masculino torna
praticamente impossível a adesão ao
tratamento. Assim, fica ainda mais claro
que a medicina não é única para todos,
mas subjetiva ao meu paciente. As
necessidades de Luís são diferentes das dos
Retirantes.
Além do gênero, a questão da orientação
sexual deve ser levantada para entender o
impacto de tais fatores no atendimento.
Normalmente, quando tratamos da
comunidade LGBTQIA+, é comum que os
profissionais de saúde e o SUS generalize
tais questões apenas como os riscos de
DST’s e, realmente, tal discussão é
importante não apenas para a
comunidade, mas para quaisquer pacientes
que possuem vida sexualmente ativa.
Mesmo diante desse levantamento, ainda
há focos deficientes, principalmente quando
se trata da proteção de mulheres, como o
uso de camisinhas femininas. Porém, o
aspecto de saúde de gênero ou saúde da
comunidade abrange muitos tópicos além
de Exames de Próstata ou folhetos
educativos sobre AIDS direcionados a 
comunidade LGBTQIA+ , como o tabu
médico acerca do ato sexual, violências
domésticas ou abusos sexuais dentro de
relações homossexuais e até mesmo a saúde
mental e isso é demonstrado com o passado
brasileiro. Frente a epidemia de casos de
AIDS, anúncios agressivos com orientação
sobre o pânico popular culpava,
principalmente, os indivíduos pertencentes à
comunidade LGBTQIA+ como causadores dos
casos. Até então, os panfletos ou anúncios
televisivos orientando sobre a proteção em
relações sexuais, além dos riscos associados
de seu não uso, não eram comuns.
Sinceramente, mesmo hoje, em meio a uma
pandemia, não se observa orientações sobre
uso das máscaras, então não houve grande
mudanças nesse quesito. Em meio do caos, a
culpa recaindo nas minorias não
necessariamente é uma novidade ao leitor.
Porém, como resultado, assassinatos em
massa eram cometidos contra a comunidade,
quase numa tentativa de “exterminar”
aqueles que os anúncios culpavam, já que
houve uma discussão que reforçava a
homofobia do período. Contudo, atualmente,
sabemos que a epidemia da doença
abrangiam muito mais os indivíduos
heterossexuais do que homossexuais. Trago
tais fatos para demonstrar os impactos de
orientações de saúde no atendimento, que
mesmo após algumas décadas, é um desafio
para o profissional de saúde lidar,
principalmente quando tratamos da doença, 
mas não da causa, como ocorreu no
passado, onde houve divulgação dos
sintomas causados pela AIDS, mas não
sobre como isso afetava todas orientações
sexuais ou como a homossexualidade deve
ser desvinculada desse aspecto de
preconceito, já que algo que deve ser
normalizado. Porém, a importância da
comunicação com o paciente e os tópicos a
serem abordados, em pleno século XXI,
ainda não é assimilada e ainda existe o
retorno das situações passadas em um ciclo.
Durante a pandemia de COVID, por
exemplo, anúncios públicos acerca dos
benefícios do fármaco Cloroquina levaram
a agravamentos de diversos casos que,
além de realizar o uso da medicação
inapropriada, ainda não aderiram ao
isolamento social. Seriam essas pessoas as
únicas culpadas pelo seu adoecimento?
Claramente, não. A inadequação da
comunicação sobre a importância do
isolamento ou sobre o uso de camisinha,
que infelizmente não é realizada pelo
Ministério de Saúde, portanto, é
influenciada por nós, médicos. Sem as
mídias realizando tais divulgações, cabe
aos profissionais de saúde orientar o
paciente dentro das consultas através das
dúvidas dele e seu aspecto socioeconômico,
evitando a culpabilidade do paciente em
seu estado de saúde e promovendo a
profilaxia de saúde, para que não haja a
duplicação dos eventos que ocorreram 
durante a epidemia de AIDS.
Uma das maneiras de entender as demandas
de determinada região geográfica, e,
possivelmente poder usá-las para amenizar
os problemas na saúde pública brasileira
para nosso paciente, é através de um
diagnóstico de saúde obtido pelos
indicadores epidemiológicos. Para melhor
compreensão do leitor, retorno às obras
anteriores. Na pintura de Cândido, as
crianças raquíticas demonstram a privação
nutricional da família. Porém, trazendo outra
obra que compreende a mesma região, o
Nordeste brasileiro, um índice importante nos
traz o diagnóstico de saúde da população
nordestina. Em Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, os pais nomeiam seus filhos como
“Filho mais velho” e “Filho mais novo”.
Durante o período que abrange a literatura
de Ramos, a mortalidade infantil, indicador
que calcula a probabilidade de óbito infantil
até um ano de idade por mil vivos, era
extremamente alto, tanto pela privação
nutricional quanto pela sede ou ingestão de
água contaminada. Assim, muitas vezes, os
pais sequer nomeavam seus filhos quando
novos. Sabendo desse dado, isso permite ao
profissional de saúde retratar um quadro
geral dos residentes da região,
principalmente quando comparamos o risco
relativo (proporção de mortes considerando
outros fatores, como o acesso à saúde ou o
ambiente) do sertão nordestino a um padrão
elegível que se aproxima do ideal 
(ambiente apto a sobrevivência e acesso à
saúde de qualidade, excluindo quase todas
variáveis). Considerando a infância um dos
momentos mais sensíveis de
imunocompetência, é possível que o
epidemiologista obtenha dados dessas
regiões de alto risco. Após, é possível obter
um refinamento desse diagnóstico através
de outros indicadores que tornem possível
definir o porque da mortalidade infantil
estar tão alta no cenário de Vidas Secas,
principalmente considerando a proporção
(expressa número de eventos que ocorrem
com características específicas dentre o
número total de eventos, como por exemplo
o número de óbitos infantis causados por
desidratação dentre o número de óbitos
infantis) das principais causas de mortes
dentre o número de óbitos infantis e suas
incidências (casos novos de determinada
doença dentre o grupo exposto), permitindo
entender o risco e peso de determinadas
causas de morte naquele indicado e a
progressão dessas causas dentro da região.
A melhor exemplificação da importância
dos aspectos epidemiológicos pessoalmente,
seria a atuação dela nos casos de Febre
Amarela na região de São Paulo.
Apresentado durante a Unidade Curricular
03, o médico responsável pelo
departamento de Medicina Tropical, ele
comentou sobre que um grande agravante
foi o diagnóstico primário errôneo, em que
muitos eram tratados com 
Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINE),
facilitando a multiplicação viral em um
estado de viremia. Porém, durante os
primeiros meses ainda, houve uma
interprofissionalidade entre a epidemiologia
e Medicina Veterinária, permitindo que os
primeiros sinais já gerassem suspeitas e que o
SUS pudesse promover a vacinação prévia
desse grupo de risco. Assim, através de
rastreamento de casos de óbitos em macacos
e de incidência e prevalência dos
contaminados pelo vírus, além de alertar os
profissionais de saúde para que houvesse
exames diagnósticos aos menores indícios
clínicos, foi possível conter a doença e suas
complicações. Dessa maneira, a
epidemiologia é capaz de se aliar fortemente
com a promoção de saúde e, através de seus
coeficientes, rastrear o grupo derisco para
determinada doença. Ainda mais importante
do que entender o território, o grupo de risco
e a vulnerabilidade é entender o diálogo de
tais aspectos sociais e culturais na doença e
como isso influencia no tratamento dela. Para
isso, como finalização, convido ao leitor a ler
um capítulo do livro “Quarto de Despejo”, de
Carolina de Jesus, e refletir comigo sobre os
assuntos pontuados.
“Amanheci com dor de barriga e
vomitando. Doente e sem ter nada para
comer. Eu mandei o João no ferro velho
vender um pouco de estopa e uns ferros.
Ele ganhou 23 cruzeiros. Não dava nem
para fazer uma sopa. (...) Que suplicio
adoecer aqui na favela! Pensei: hoje é o
meu ultimo dia em cima da terra.
...Percebi que havia melhorado. Sentei na
cama e comecei catar pulgas. A idéia da
morte já ia se afastando. E eu comecei a
fazer planos para o futuro.
Hoje eu não saí para catar papel. Seja o
que Deus quiser.”
-Quarto de Despejo
Carolina de Jesus vive em condições precárias
dentro de uma periferia brasileira,
dependendo de “catar papéis” para
sobreviver. Para ela, a doença é um dia de
trabalho perdido, sem poder alimentar seus
filhos ou sua própria fome. Uma dos trechos
mais impactantes para mim é “O Brasil
precisa ser dirigido por uma pessoa que já
passou fome. A fome também é professora.”.
Concordo com Carolina, porém adiciono uma
observação sobre isso. O Brasil também
precisa de médicos e profissionais de saúde
que já passaram pela fome como professora,
para que haja qualquer sinal de
reconhecimento que demonstre que nem todo
paciente é capaz de se alimentar com frutas
e carnes diariamente, principalmente quando
a sua doença significa manter seus filhos
mais um dia sem as três refeições adequadas.
Considerando a periferia em que Carolina
reside, cujos arredores tornam quase
impossíveis de criar conexões pessoais para
manter uma vida com um emprego estável,
principalmente uma mulher negra e mãe solo
de 3 crianças, os limites entre saúde e doença
são quase invisíveis, já que mesmo se nosso
paciente conseguir atendimento médico, é
quase impossível a ele manter o tratamento
indicado alimentar e medicamentoso quando
sua principal prioridade é um dia de trabalho
para manter uma refeição. Assim, o Sistema
Único de Saúde e o médico deve levar em
consideração esses aspectos para melhorar
adesão do paciente ao tratamento e não 
apenas culpabilizar o paciente pela sua
própria doença ou agravamento desta, já
que a comunicação por si só deve
ultrapassar um ideário aprendido na
graduação sobre a importância da boa
alimentação é quase que inviável para
alguém que recebe 0,28 centavos/dia.
Agradeço ao Prof. André pela
oportunidade de desvincular a imagem do
médico intocável que eu trazia desde minha
infância, onde se importar com o paciente
supostamente impede um tratamento justo
para que, assim, eu entenda que um
médico, com seu jaleco, estava apenas
verdadeiramente atuando em sua profissão
ao sentar ao meu lado.
Conclusão 
O SUS é incapaz de sustentar uma
equidade social devido a um claro déficit
orçamentário. Porém, os futuros médicos
não devem apenas aceitar tais condições,
lutando pelo que nossa profissão centraliza:
a humanidade. Enquanto tais mudanças
não são estabelecidas, como indivíduos,
cabe aos médicos entender que não apenas
a ausência de investimentos no setor de
saúde pública é uma problemática nesse
setor, visto que a indiferença ao paciente
como indivíduo está estruturado numa
mentalidade de superioridade do estudante
de medicina, desconsiderando toda história,
cultura, aspecto socioeconômico e valores
desses pacientes como humanos. Nós,
futuros médicos, não tratamos doenças,
mas sim pessoas. Enquanto não ocorrer
uma reflexão dos valores da profissão
ainda na graduação, o SUS se manterá
ainda desigual, mesmo frente a aumento
orçamentário. Concluindo, a Unidade
Curricular trabalhada nesse portfólio
permitiu-me como indivíduo entender que
muito mais do que o conhecimento
científico aprendido na universidade, a
medicina deve compreender aquele que
como nosso igual, possui suas dores,
qualidades, amores e dificuldades.

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