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F R E N T E 2 187 1 UFSM 2013 Observe as seguintes estrofes do poema “Coração numeroso”, de Carlos Drummond de Andrade: Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor Nos versos citados, a relação entre o eu lírico e o seu entorno é estreita – o que é conrmado pelas ex- pressões sublinhadas. A partir de tais observações, pode-se armar que a aproximação estabelecida en- tre o sujeito e a cidade conota A a comoção do sujeito poético, cuja sensibilidade é despertada pela vitalidade que movimenta a urbe. a desumanização do sujeito poético, cujo cotidiano frenético repete o ritmo do espaço urbano. a soberba do eu lírico, que se supõe tão grandioso e fascinante quanto a cidade. d a degradação do sujeito lírico que, assim como a cidade, está “doente” por não receber a atenção das pessoas. E a apatia do eu lírico que, assim como a cidade, se- gue o seu rumo, imune ao caos urbano. 2 Unicamp 2016 Morro da Babilônia À noite, do morro descem vozes que criam o terror (terror urbano, cinquenta por cento de cinema, e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua Geral). Quando houve revolução, os soldados espalharam no morro, o quartel pegou fogo, eles não voltaram Alguns, chumbados, morreram O morro ficou mais encantado. Mas as vozes do morro não são propriamente lúgubres. Há mesmo um cavaquinho bem afinado que domina os ruídos da pedra e da folhagem e desce até nós, modesto e recreativo, como uma gentileza do morro. ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 19. No poema “Morro da Babilônia”, de Carlos Drummond de Andrade, A a menção à cidade do Rio de Janeiro é feita de modo indireto, metonimicamente, pela referência ao Morro da Babilônia. o sentimento do mundo é representado pela per- cepção particular sobre a cidade do Rio de Janeiro, aludida pela metáfora do Morro da Babilônia. o tratamento dado ao Morro da Babilônia assemelha- -se ao que é dado a uma pessoa, o que caracteriza a figura de estilo denominada paronomásia. d a referência ao Morro da Babilônia produz, no per- curso figurativo do poema, um oxímoro: a relação entre terror e gentileza no espaço urbano. 3 Enem PPL 2019 Canção No desequilíbrio dos mares, as proas giram sozinhas… Numa das naves que afundaram é que certamente tu vinhas. Eu te esperei todos os séculos sem desespero e sem desgosto, e morri de infinitas mortes guardando sempre o mesmo rosto. Quando as ondas te carregaram meus olhos, entre águas e areias, cegaram como os das estátuas, a tudo quanto existe alheias. Minhas mãos pararam sobre o ar e endureceram junto ao vento, e perderam a cor que tinham e a lembrança do movimento. E o sorriso que eu te levava desprendeu-se e caiu de mim: e só talvez ele ainda viva dentro destas águas sem fim MEIRELES, C. In: SECCHIN, A. C. (Org.). Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. Na composição do poema, o tom elegíaco e solene manifesta uma concepção de lirismo fundada na A contradição entre a vontade da espera pelo ser amado e o desejo de fuga. expressão do desencanto diante da impossibilida- de da realização amorosa. associação de imagens díspares indicativas de es- perança no amor futuro. d recusa à aceitação da impermanência do senti- mento pela pessoa amada. E consciência da inutilidade do amor em relação à inevitabilidade da morte. Texto para as questões de 4 a 6 O elefante Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Exercícios complementares LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 13 O Modernismo no Brasil: segunda geração188 Um tanto de madeira tirado a velhos móveis talvez lhe dê apoio E o encho de algodão, de paina, de doçura A cola vai fixar suas orelhas pensas A tromba se enovela, é a parte mais feliz de sua arquitetura. Mas há também as presas, dessa matéria pura que não sei figurar. Tão alva essa riqueza a espojar-se nos circos sem perda ou corrupção. E há por fim os olhos, onde se deposita a parte do elefante mais fluida e permanente, alheia a toda fraude Eis o meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos num mundo enfastiado que já não crê em bichos e duvida das coisas Ei-lo, massa imponente e frágil, que se abana e move lentamente a pele costurada onde há flores de pano e nuvens, alusões a um mundo mais poético onde o amor reagrupa as formas naturais. Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho. É todo graça, embora as pernas não ajudem e seu ventre balofo se arrisque a desabar ao mais leve empurrão Mostra com elegância sua mínima vida, e não há cidade alma que se disponha a recolher em si desse corpo sensível a fugitiva imagem, o passo desastrado mas faminto e tocante. Mas faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas, de luzes que não cegam e brilham através dos troncos mais espessos. Esse passo que vai sem esmagar as plantas no campo de batalha, à procura de sítios, segredos, episódios não contados em livro, de que apenas o vento, as folhas, a formiga reconhecem o talhe, mas que os homens ignoram, pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas à pálpebra cerrada. E já tarde da noite volta meu elefante, mas volta fatigado, as patas vacilantes se desmancham no pó. Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me. Exausto de pesquisa, caiu lhe o vasto engenho como simples papel. A cola se dissolve e todo o seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço. ANDRADE, Carlos Drummond de. O Elefante. 9ª ed. - São Paulo: Editora Record, 1983. 4 IME 2019 O poema a anuncia, por meio da alegoria do animal, que o ta- manho dos problemas dos adultos é inversamente proporcional ao tamanho do elefante, sendo, ao mesmo tempo, um poema direcionado às crianças. b estabelece uma relação criador/criatura e, meta- foricamente, é possível falar de um paralelo entre arte/artista: o conteúdo produzido pelo artista é causa e consequência, ao mesmo tempo, do traba- lho do poeta com as palavras c desconecta o elefante (criação) de seu criador, reti- rando deste toda a sua capacidade criativa. d mostra a criatura, o elefante, como algo definido e único: criá-lo é tão trabalhoso que não há possibili- dade de criar outros elefantes e revela, metaforicamente, um descuido com o fazer poético ao descrever a deselegância do elefante mal construído, que segue pelas ruas de modo de- sequilibrado. F R E N T E 2 189 5 IME 2019 Considere os versos 68 a 80 do texto, trans- critos abaixo: “Esse passo que vai sem esmagar as plantas no campo de batalha, à procura de sítios, segredos, episódios não contados em livro, de que apenas o vento, as folhas, a formiga reconhecem o talhe, mas que os homens ignoram, pois só ousam mostrar-se sob a paz das cortinas à pálpebra cerrada.” Acerca de “vento”, “folhas” e “formiga”, pode-se ar- mar que A significam a procura do poeta por novos “sítios”, ou seja, novo público, futuros leitores do poema. são comparados ao “livro” que o poeta pretende escrever sob a paz das cortinas. não constituem elementos naturais capazes de compreender e espelhar a natureza do “elefante” d estão presentes no poema com o objetivo de exal tar o comportamento humano que só se mostra “sob a paz das cortinas / à pálpebra cerrada” E eles não ignoram o que o homem ignora. 6 IME 2019 No texto, considerando o elefante fabricado artesanalmente como uma alegoria para falar da arte, mandar o elefante à rua aponta para um desejo de A divulgação daquilo que até então era privado e íntimo. invisibilidade da coisa criada. anonimato e silenciamento, já que há nas ruas um burburinho incessante que acaba por silenciar tudo o que nela transita. d fuga às responsabilidades do artista, pois o poeta sucumbe diante de sua inspiração E banalização dos sentimentos que inspiraram o poeta a construir seu elefante. Texto para as questões de 7 a 10. Revelação do subúrbio Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé, contra [a vidraça do carro, vendo o subúrbio passar. O subúrbio todo se condensa para ser visto depressa, com medo de não repararmos suficientemente em suas luzes que mal têm tempo de brilhar A noite come o subúrbio e logo o devolve, ele reage, luta, se esforça, até que vem o campo onde pela manhã repontam [laranjais e à noite só existe a tristeza do Brasil. ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. 1940 carro: vagão ferroviário para passageiros. 7 Fuvest 2014 Considerados no contexto, entre os mais de dez verbos no presente, empregados no poema, exprimem ideia, respectivamente, de habitualidade e continuidade A “gosto” e “repontam”. “condensa” e “esforça”. “vou” e “existe”. d “têm” e “devolve” E “reage” e “luta” 8 Fuvest 2014 Em consonância com uma das linhas te- máticas principais de Sentimento do mundo, o vivo interesse que, no poema, o eu lírico manifesta pela paisagem contemplada prende-se, sobretudo, ao fato de o subúrbio ser A bucólico. popular. interiorano. d saudosista E familiar 9 Fuvest 2014 No poema de Drummond, a presença dos motivos da velocidade, da mecanização, da eletricida- de e da metrópole configura-se como A uma adesão do poeta ao mito do progresso, que atravessa as letras e as artes desde o surgimento da modernidade. manifestação do entusiasmo do poeta moderno pela industrialização por que, na época, passava o Brasil marca da influência da estética futurista da Antro- pofagia na literatura brasileira do período posterior a 1940 d uma incorporação, sob nova inflexão política e ideológica, de temas característicos das vanguar das que influenciaram o Modernismo antecedente. E uma crítica do poeta pós-modernista às alterações causadas, na percepção humana, pelo avanço in- discriminado da técnica na vida cotidiana. 10 Fuvest 2014 Segundo o crítico e historiador da literatu- ra Antonio Candido de Mello e Souza, justamente na década que presumivelmente corresponde ao perío- do de elaboração do livro a que pertence o poema, o modo de se conceber o Brasil havia sofrido “alteração marcada de perspectivas”. A leitura do poema de Drummond permite concluir corre- tamente que, nele, o Brasil não mais era visto como país A agrícola (fornecedor de matéria-prima), mas como industrial (produtor de manufaturados). arcaico (retardatário social e economicamente), mas, sim, percebido como moderno (equiparado aos países mais avançados) provinciano (caipira, localista), mas, sim, cosmopoli- ta (aberto aos intercâmbios globais) d novo (em potência, por realizar-se), mas como sub- desenvolvido (marcado por pobreza e atrofia). E rural (sobretudo camponês), mas como suburbano (ainda desprovido de processos de urbanização).