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História - Livro 3-049-051

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que o primeiro presidente fosse eleito de forma indire
ta, pela própria Constituinte.
Com isso, imediatamente após a promulgação da Cons-
tituição, Vargas foi eleito pela Assembleia Constituinte,
iniciando a fase constitucional de seu governo.
Fig. 7 Charge de Belmonte, aludindo à posse de Vargas, eleito pela Constituinte.
O Governo Constitucional (1934-1937)
A polarização ideológica
Não podemos jamais dissociar os eventos ocorridos no
Brasil de uma realidade mundial mais ampla, a qual irá, aqui,
se manifestar de forma intensa, notadamente em períodos
de grande tensão política, como foi a década de 1930.
Desde o final dos anos 1910, o movimento operário vinha
ganhando corpo, em termos mundiais e também no Brasil.
Esse crescimento não pode ser visto de forma desconexa
ao grande evento da luta operária: a Revolução Russa de
1917 Essa revolução significou o resultado de um amplo
ascenso operário, mas também ocupou a função de agente
estimulador do recrudescimento da luta operária em todo
o mundo. Foi diretamente sob seu estímulo que vimos o
avanço da luta operária, inclusive no Brasil, como atestam
a greve geral de 1917, a fundação do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e o espaço que as reivindicações populares
vinham ganhando no país
Assim, os primeiros anos da era Vargas conheceram
um amplo crescimento do movimento operário e popular,
o qual perdia seu caráter predominantemente anarquista e
comunista, passando a assumir uma postura de movimento
democrático, ante uma ameaça muito maior que rondava a
cena política mundial: o crescimento do nazifascismo.
O fascismo vinha ganhando corpo na Europa desde
a década de 1920, personificado em regimes como o de
Mussolini, na Itália; e Salazar, em Portugal; e, já nos anos
1930, com Hitler, na Alemanha Tal movimento caracteriza
va-se por uma postura totalitária, de uma visão de Estado
marcada pelo forte intervencionismo, por um regime de par-
tido único, e pelo nacionalismo exacerbado que flertava,
com maior ou menor intensidade, com o expansionismo
militarista. Tratava-se da reação da burguesia dos países
europeus arrasados pela Primeira Guerra Mundial, que bus
cava um Estado que amparasse seu reerguimento Mas era
também a reação burguesa, de um modo geral, contra o
crescimento do movimento operário e a ameaça comunista.
No Brasil, a Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada
por Plínio Salgado, expressava radicalmente essa tendên-
cia Tal como os congêneres europeus, esse movimento
brasileiro apelava para o Nacionalismo, evocando símbolos
nacionais Sua saudação era “Anauê!” (“você é meu paren-
te”, em tupi) e seus integrantes usavam camisas verdes Na
defesa da nação, apresentavam-se, por um lado, inimigos
do comunismo e do modelo liberal do capitalismo; por outro,
protetores da família e partidários da ordem. Os integralis-
tas demonstravam sua força por meio de manifestações
violentas e, para isso, chegaram a contar com o apoio do
presidente Vargas para a proteção de seus comícios.
Fig. 8 Capa da revista Anauê!, da AIB, defendendo o voto como meio de implan-
tação do integralismo no Brasil.
Foi contra o crescimento da AIB e de sua influência
junto a um governo cada vez mais centralizador que sur
giu outro agrupamento, formado em oposição a Getúlio
Vargas. Tratava-se da Aliança Nacional Libertadora (ANL),
cujo nome indica a pretensão da defesa nacional, tal como
faziam Getúlio e os integralistas. No entanto, para esse gru-
po, a “libertação” da nação ocorreria por meio da união
dos setores assalariados e, por isso, a citada frente reunia
sindicalistas, comunistas e socialistas, além dos setores
liberais e democráticos que viam a ameaça representada
pelo fascismo. Seu principal objetivo era impedir o avanço
dos fascistas no Brasil, tornando-se, assim, inimigos frontais
da AIB. Constituía-se, assim, no canal básico de expressão 
principalmente do Partido Comunista, que passava a liderar
essa frente de oposição a Vargas e ao fascismo.
Por outro lado, há um aspecto interessante na forma
como se organizaram no Brasil, tanto a ANL quanto o pró-
prio PCB. Sua penetração foi expressiva dentro das forças
armadas. Talvez isso se explique pela heterogeneidade
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Recrudescer: crescer, aumentar, tornar-se mais intenso.
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HISTÓRIA Capítulo 9 A Era Vargas (1930-1945)50
ideológica que marcou a organização militar brasileira
O anseio progressista e modernizador, apresentado por
amplos setores dentro do Exército, desde a luta contra
a monarquia, jamais encontrou uma resposta efetiva nas
várias ideologias que brotaram dentro dele, seja o posi
tivismo do fim do século XIX, ou o tenentismo dos anos
1920 e 1930. Assim, foi natural a inclinação de parcelas
da oficialidade em direção à esquerda, até mesmo pelo
caráter centralizador e autoritário que vinha marcando o
Estado soviético, a grande referência da esquerda mundial
Dessa forma, os sonhos de poder da ANL e do PCB
poderiam favorecer se de uma revolução que partisse dos
quartéis para o restante da sociedade Isso fica evidente
na colocação em que Prestes afirma ser muito mais fácil
construir o partido nos quartéis do que nas fábricas
Entretanto, a atuação da ANL acabou servindo de
pretexto justamente ao que ela afirmava querer evitar Em
novembro de 1935, explodiu um levante popular e mili
tar no Rio Grande do Norte, impulsionado por setores da
ANL, principalmente o Partido Comunista Sob pretexto de
conter a manifestação, uma intervenção militar controlou a
região do levante, bem como as de Recife, Olinda e o Rio
de Janeiro, perseguindo os integrantes da Aliança O clima
de instabilidade tomou conta de todas essas cidades e a
“Intentona Comunista” como foi chamada pejorativamente
à época foi responsabilizada por tal situação
Assim, Getúlio utilizou a tentativa de golpe para justi
ficar seu endurecimento político, decretando, já em 1935,
o estado de sítio. No entanto, aproximava-se o período da
sucessão presidencial que, segundo as regras constitucio-
nais, deveria ser feita por meio de eleições. Todos sabiam
que o pleito expressaria os conflitos que haviam marcado
os anos anteriores e colocaria todos os adversários políticos
frente a frente em uma disputa eleitoral
Fig. 9 Fac-símile do jornal A Manhã, da ANL, um dia após o levante de 1935.
Getúlio utilizaria o medo gerado pelo Levante Comu-
nista para reeditar sucessivamente o estado de sítio, o qual
lhe permitia manter a campanha presidencial sob seu estrito
controle. Beneficiava-se do fato de, desde o Levante, a
ANL ter sido colocada na ilegalidade, o que eliminava uma
oposição efetiva.
O golpe de 1937
Três eram os candidatos à sucessão presidencial. A
oligarquia paulista lançou a candidatura de Armando de
Salles Oliveira, apoiada pelo PRP e pelo PD, a qual repre-
sentava uma postura mais liberal em relação ao centralismo
de Vargas.
A segunda candidatura era a de José Américo de
Almeida, apoiado pelos sindicatos varguistas, apresentan-
do-se quase como o candidato oficial.
A terceira candidatura era a de Plínio Salgado, líder
da AIB, e que congregava a chamada extrema direita, aca-
lentando o propósito de obter o apoio do próprio Vargas.
Fig. 10 Charge da revista Careta mostrando Vargas espalhando cascas de banana
no caminho para o Palácio do Catete. Já era clara a percepção, em 1937, de que
Vargas não desejava deixar o poder.
A conturbação do cenário político era agravada
pela própria atitude de Vargas Procurando manter se
equidistante das disputas partidárias, Getúlio acenava se-
guidamente com a perspectiva de se manter no poder.
Contava para isso com o apoio do Exército, o qual era
fortemente dominado já pela ideologia anticomunista, acen-
tuada após a Intentona, e que via em um Estado forte,
diretamente apoiado nas forças armadas, uma arma em
defesa da estabilidade
A mesma postura sensibilizava vários setores de classe
média e mesmo da elite, muito mais interessadosna estabi-
lidade e no combate ao comunismo do que na manutenção
da ordem constitucional.
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Dessa forma, criava se o cenário propício a um golpe
de Estado. Para justificá-lo, Vargas alegou a existência
de um plano de subversão idealizado pelos comunistas,
o Plano Cohen, que incluía assaltos e assassinatos. Tal
plano era absolutamente falso, tendo sido elaborado por
um oficial do Exército. Seu único papel era o de criar o
pretexto, se é que algum seria necessário, para um golpe,
no qual o Congresso foi fechado, as eleições suspensas,
bem como a Constituição. Estava armado o quadro para a
ditadura varguista que se iniciou a partir dali
Fig. 11 Reprodução do jornal Correio da Manhã, de 1
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 de outubro de 1937, um dia
após o anúncio da “descoberta” do suposto Plano Cohen.
O Estado Novo (1937-1945)
Características gerais: a formação da
ditadura
O golpe de 10 de novembro de 1937 deu início à ditadu-
ra pessoal de Getúlio Vargas e a uma forma de organização
política, denominada pela historiografia como Estado Novo.
Apesar das semelhanças com o nazismo e o fascismo eu-
ropeus e do apoio do grupo de Plínio Salgado, o novo
governo de Vargas guardava diferenças importantes em
relação aos regimes totalitários europeus.
Em primeiro lugar, o Estado Novo não se fundava na
vitória de um partido. Aliás, todos os partidos foram dis-
solvidos a partir de um decreto do presidente, em 2 de
dezembro daquele ano Vargas rompeu, assim, com o apoio
dos integralistas, colocando-os na ilegalidade.
Outra diferença importante em relação aos casos euro-
peus mencionados é que o golpe de Vargas não se apoiou
em nenhum organismo ou manifestação popular Não exis
tiam partidos e, tampouco, o governo havia ascendido ao
poder apoiado por uma significativa pressão de caráter
popular, seja por meio das urnas ou por manifestações,
como se deu no exemplo do nazifascismo
Por fim, o Estado Novo carecia de uma proposta ideoló
gica bem-definida. Enquanto nazistas e fascistas combinavam
as manifestações de nacionalismo com programas político-
-ideológicos que serviam para dar sustentação às ações do
governo, o novo governo Vargas só contava com a Carta
Constitucional de 1937, outorgada imediatamente após
o golpe.
A Carta brasileira era inspirada na polonesa e, por isso,
foi popularmente chamada de “Polaca”. Apresentava-se
como opção à desagregação política da Primeira Repúbli-
ca, constituindo um Estado Novo baseado nas seguintes
características:
y centralização total do poder nas mãos do presiden-
te e de seus assessores, eliminando a autonomia
dos estados e o princípio federalista na organização
nacional;
y pouca definição sobre o raio de ação do poder cen-
tral, deixando-o livre para a intervenção ilimitada;
y reorganização das instituições do Estado no campo
social, visando o controle direto dos assalariados, por
um lado, e a interferência estatal no chamado desen-
volvimento econômico, por outro.
A Constituição permitia qualquer tipo de intervenção
ao presidente e ele violou as regras previstas sempre que
considerou necessário. Governou e também legislou por
meio de decretos, isto porque o Legislativo, que nunca
chegou a ser eleito, poderia ser dissolvido pelo Executivo
a qualquer momento.
Além disso, ao Executivo cabia o controle sobre as
Forças Armadas, podendo afastar militares quando estes
fossem considerados “ameaça aos interesses nacionais”
Também instituiu-se a prisão perpétua e a censura legal a
todos os meios de comunicação.
Para “controlar” a economia, criou-se o Conselho da
Economia Nacional. A ele cabia dar “assessoria técnica”
ao presidente, regular os contratos coletivos de trabalho,
verificar o desenvolvimento dos vários ramos da economia
e fundar institutos de pesquisa para o desenvolvimento
tecnológico.
Quanto à sucessão presidencial, previa-se que, em
caso de vacância, o Conselho Federal elegeria um pre-
sidente provisório entre seus membros. O mandato seria
de seis anos e a renovação deveria ser feita por um com-
plexo colégio eleitoral, salvo determinações em contrário
do presidente.
A Constituição deveria ser referendada por um plebisci-
to que, evidentemente, seria convocado por Getúlio Vargas,
o que nunca aconteceu
O Estado Novo não se fundamentava, completa e ex-
clusivamente, em nenhuma das ideologias dominantes da
época. Sendo assim, houve uma intensa transformação e
um incremento do aparelho burocrático. Dentre os novos
órgãos formados, destacam-se o Departamento Adminis-
trativo do Serviço Público (Dasp) e o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP)
O Dasp encarregou-se de funções administrativas e,
na prática, da intervenção nos estados da federação por
meio de um sistema de interventorias criado por Vargas.
Tal mecanismo baseava-se em uma nova camada de bu-
rocratas impostos às oligarquias regionais que deveriam
representar o governo central. Substituídos por um esque-
ma de rodízio, estes não chegavam a criar vínculos com os
estados onde atuavam.
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