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3 - OBSERVADORES NO TERCEIRO PLANETA

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169
OBSERVADORES NO
TERCEIRO PLANETA
Salvador Nogueira
Durante a maior parte de sua existência, a prática da astrono-
mia dependeu basicamente de visão aguçada e alta capacidade 
de abstração matemática – e só. No entanto, o fato de que as ob-
servações astronômicas feitas até o século 17 foram produzidas 
todas com a vista desarmada não significa que a “mãe” de todas 
as ciências não tenha sido uma fonte de inspiração tecnológica. 
Na verdade, mesmo na pré-história a astronomia contou com o 
uso de instrumentos.
O primeiro e mais rudimentar deles parece ter sido a carta es-
telar. Trata-se basicamente de um mapa do céu, repositório de 
conhecimentos que os antigos conseguiram apreender a partir das 
observações a olho nu. Os registros mais confiáveis das primeiras 
cartas celestes vêm de depois da invenção da escrita, mas alguns 
pesquisadores suspeitam que elas possam ter sido criadas bem 
antes disso. Não há dúvida de que, quanto mais voltamos no tem-
po, mais nebuloso fica o cenário.
Por exemplo: há quem diga que uma possível carta estelar pré-
histórica vem da famosa caverna de Lascaux, na França. O local 
abriga algumas das pinturas rupestres mais antigas conhecidas. 
Lá, em meio a muitos desenhos de animais de caça, existem re-
presentações feitas cerca de 17 mil anos atrás que os estudiosos 
julgam ser do conjunto de estrelas hoje conhecido como Plêiades.
Claro, em comparação com a existência do ser humano (que, em 
sua forma atual, como Homo sapiens, existe há uns 170 mil anos), 
isso ainda é muito recente. É difícil acreditar que os homens 
Rupestre: inscri-
to ou desenhado 
na rocha.
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170170
tenham passado 90% de sua existência sem notar o céu. Supõe-
se então que existam registros astronômicos que antecedam os 
achados de Lascaux.
É nesse tipo de suposição que se baseiam as investigações de 
Michael Rappenglück, arqueoastrônomo do Instituto para Estudos 
Interdisciplinares, localizado na Baviera, Alemanha. Embora mui-
tos pesquisadores da área ainda achem cedo para dizer que o pes-
quisador está na trilha certa, é fato que ele conseguiu evidências 
de que uma lasca de presa de mamute trabalhada por humanos 
pré-históricos e encontrada numa caverna alemã em 1979 pode ser 
a mais antiga carta estelar já vista, 15 mil anos mais antiga que a 
descoberta de Lascaux, ou seja, com 32 mil anos de idade.
As conclusões do pesquisador, apresentadas pela primeira vez em 
2003 e debatidas fortemente nos círculos da arqueoastronomia 
desde então, são um bom exemplo de, por um lado, como é difícil 
interpretar artefatos antigos e, por outro, como os conhecimen-
tos astronômicos dos antigos poderiam ter atingido um alto grau 
de sofisticação, do qual quase nada sabemos. Ainda assim, vale 
a pena prestar atenção a esse tipo de pesquisa, que já recebeu 
divulgação até mesmo da mais prestigiosa revista científica do 
planeta, a britânica Nature.
A tábua apresenta, de um lado, uma estranha figura de um homem. 
No verso, 87 marcações. Para Rappenglück, o homem na verdade é 
uma representação do que seria uma versão antiga da constelação de 
Órion, consagrada pela mitologia grega séculos depois. Mas, para 
chegar a essa conclusão, o alemão teve de recorrer à computação. 
Com o auxílio de um software especial, o arqueoastrônomo con-
seguiu visualizar como as estrelas da constelação estavam cerca 
de 32 mil anos atrás. (Como as estrelas estão orbitando ao redor do 
centro da Via Láctea em velocidades e órbitas diferentes, ao longo de 
muito tempo suas posições relativas no céu, vistas da Terra, se modi-
ficam; isso é imperceptível na escala de vida humana, mas passa a ser 
representativo quando falamos de períodos de milhares de anos.)
Depois dessa pequena “cirurgia celeste”, as coisas começaram 
a se encaixar. Mas o pesquisador foi ainda mais longe e propôs 
Arqueoastro-
nomia: ciência que 
estuda os métodos e 
conhecimentos as-
tronômicos de cul-
turas agrárias de um 
passado remoto.
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que a tábua, mais do que meramente um trabalho de cartografi a 
celeste, servia a um princípio prático: instruir mulheres sobre 
períodos mais adequados para uma gravidez.
O alemão parte do princípio de 
que os antigos já sabiam fazer 
uma conta parecida com a usa-
da hoje por muitos médicos para 
calcular quando uma gestação 
chegará a termo, a chamada 
“regra de Nägele”. Ocorre que 
da caverna de Geissenklösterle, onde foi encontrada a tábua, a 
estrela mais brilhante de Órion, Betelgeuse, é visível por cerca 
de três meses durante o ano, número aproximadamente igual a 87 
dias – para 87 marcações no verso do artefato.
Rappenglück acredita que a barra servia como guia para que se 
evitasse uma gravidez que fosse ser terminada durante períodos 
de migração entre o abrigo de verão e o abrigo de inverno da-
quele agrupamento humano. Uma “tabelinha” das mais sofi sti-
cadas, por assim dizer.
Há muitas suposições na proposição do arqueoastrônomo ale-
mão, o que deixa muitas dúvidas na cabeça de seus colegas aca-
dêmicos. Mas o mais interessante de tudo é que a descoberta é 
uma excelente representação do que o céu signifi cava de mais 
importante na pré-história: a única referência realmente confi á-
vel para a marcação do tempo.
Desse ponto em diante, não tardou para que os humanos come-
çassem a erigir grandes obras que servissem, possivelmente, 
como observatórios astronômicos. O exemplo mais famoso é o 
conjunto de pedras conhecido como Stonehenge, na Inglaterra. 
Trata-se de um monumento construído entre 5.000 e 4.000 anos 
atrás, composto por vários arranjos de grandes pedras.
Por muito tempo, um mistério pairou sobre aquelas rochas. Ninguém 
sabia a que propósito elas serviriam – se é que tinham algum, além 
de se prestar como um local para rituais religiosos –, embora desde 
A regra de Nägele determina 
que um nascimento pode ser 
estimado ao se subtrair três 
meses desde o primeiro dia da 
última menstruação e então se 
somar um ano e uma semana.
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sempre houvesse a desconfi ança de que os arranjos megalíticos (ou 
seja, de grandes pedras) estivessem ligados às posições dos astros.
Na verdade, o estudo dessas grandes construções de pedra (há 
outras, além de Stonehenge, menos famosas e sofi sticadas) foi 
o impulso que deu início à ciência da arqueoastronomia que no 
princípio foi denominada “astronomia megalítica”.
A arqueoastronomia desenvolveu-se graças às pesquisas 
iniciadas em 1890 pelo astrônomo inglês Sir [Joseph] 
Norman Lockyer [1836-1920], que pode ser considerado 
como o moderno fundador desta ciência em virtude dos seus 
estudos dos monumentos egípcios e dos megalíticos ingleses. 
(MOURÃO, 2000, p. 14).
A partir dos anos 1960, com a 
expansão dos estudos para além 
das construções megalíticas in-
glesas e francesas, o termo “as-
tronomia megalítica” caiu em 
desuso, substituído por “arqueo-
astronomia”. E, desde a época de 
Lockyer, o campo tem se desen-
volvido notavelmente, com novas 
descobertas e interpretações mais 
sólidas aparecendo ano após ano. 
E não houve civilização avança-
da em tempos antigos que não 
orientou grandes construções 
arquitetônicas em razão da 
posição dos astros (como a pirâmide de Gizé, no Egito) ou erigiu 
impressionantes construções com o objetivo de melhor observar o 
céu (como é o caso dos maias, na América pré-colombiana).
Ao longo do tempo, vários instrumentos foram desenvolvidos 
para a observação do céu, atingindo seu ponto culminante por 
volta dos séculos 15 e 16, época das Grandes Navegações. Mui-
tos desses instrumentos tiveram forte desenvolvimento entre os 
árabes, numa época em que a astronomia não era muito popular 
O mistério de Stonehenge, 
foi aparentemente soluciona-
do pelos astrônomos Gerald 
Hawkins (1928–2003) e Fred 
Hoyle (1915-2001).
Após detalhados estudos das 
formações circulares de ro-
chas, os pesquisadores con-
cluíram que a obra na verdade 
se destinava a ajudar na pre-
visão de eclipses. Hoje, esta é 
a teoria mais aceita, embora 
ainda existam arqueoastrô-
nomos que defendem explica-ções alternativas para aquela 
formação megalítica.
173173173
no mundo cristão. Ao final de seu desenvolvimento, três deles 
ganharam maior destaque e presença no arsenal do astrônomo.
Esfera armilar
Sua aparência lembra a de um globo terrestre, mas, com 
grau muito maior de sofisticação. No centro do aparelho, 
um pequeno modelo da Terra. Ao seu redor, vários anéis 
representavam os grandes círculos de referência da esfera 
celeste – o equador celeste, a eclíptica, o meridiano, o ho-
rizonte etc. Trata-se basicamente de uma forma geocêntrica 
de organizar o céu, e não é à toa que tenha se tornado tão 
popular entre os astrônomos ainda antes da publicação dos 
trabalhos de Copérnico – a realidade observacional, ou seja, 
a sensação que temos ao observar o céu, é geocêntrica.
Astrolábio
Trata-se de um objeto que 
permite medir a posição dos 
astros e sua altura acima da li-
nha do horizonte. É composto 
de dois ou mais círculos, que 
podem ser girados uns em re-
lação aos outros.
Sextante
Era o mais prático dos três. 
Com a forma de um sexto de 
círculo (daí o seu nome), ele era utilizado principalmente 
para a navegação. Usando-o em observações astronômicas, 
era possível determinar a latitude de um dado lugar, ou seja, 
a coordenada vertical num globo ou mapa terrestre.
Com esses instrumentos, a astronomia ganhava a sua 
principal utilidade da época (tirando o uso desses co-
nhecimentos na elaboração de supersticiosas previsões 
Figura 3.1. Imagem de esfera 
armilar.
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Figura 3.2. Ilustração mostra 
astrolábio persa do ano 1208.
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Figura 3.3. Sextante de Johannes 
hevelius (1611-1687), astrôno-
mo do século 17. Os sextantes 
também existiam em modelos 
menores, mais práticos para 
medições em alto mar.
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astrológicas, que eram parte do fazer astronômico de então): 
prestar auxílio aos navegantes para determinar sua posição no 
mar, uma vez que outros pontos de referência desapareciam 
numa viagem transoceânica. Além de permitir uma navegação 
mais segura, esse tipo de informação ajudava a impressionar e 
dominar povos menos instruídos.
É clássica a história em que 
Cristóvão Colombo, para conse-
guir a colaboração de silvícolas 
das Antilhas, ameaça apagar a 
luz da Lua, já sabendo que um 
eclipse lunar estava previsto para 
aquela noite. Os eclipses, como 
se sabe, muitas vezes evocam temores supersticiosos (astrólogos 
que o digam!), mesmo a quem já os viu com freqüência. E ver al-
guém que podia “comandá-los” (ou, na melhor das hipóteses, pre-
vê-los) foi demais para os índios. Conforme o disco lunar começou 
a ser encoberto pela sombra projetada pela Terra, os nativos trata-
ram de atender rapidamente a todas as demandas do explorador 
genovês. A história é relatada pelo astrônomo Ronaldo Rogério de 
Freitas Mourão, em sua obra “O Livro de Ouro do Universo”.
Vale lembrar que, a despeito da ajuda celeste às navegações, esses 
empreendimentos guardavam uma enorme dose de risco – a partir 
dos astros, só se podia dizer com alguma precisão a latitude. Nin-
guém conseguia determinar a longitude – a coordenada horizontal, 
igualmente importante, porque informa, por exemplo, a distância 
entre um navio e a Europa na travessia do oceano Atlântico.
Descobertas que permitiram determinar a longitude
A tecnologia de determinação da longitude permaneceu como o 
maior desafi o para os astrônomos durante séculos. Ao fi nal, a so-
lução não emergiu da astronomia, mas da construção de relógios. 
A longitude podia ser determinada com facilidade se um navega-
dor pudesse confrontar a hora local em seu navio (medida por 
Os capitães de embarcações 
no passado costumavam ter 
razoáveis conhecimentos de as-
tronomia e, muitas vezes, leva-
vam a bordo um astrônomo para 
ajudá-los a mapear o curso. 
Latitude: num mapa, 
é designada pela po-
sição num eixo vertical. 
Dada a esfericidade da 
Terra, ela é medida em 
graus, a partir da Linha 
do Equador (0°). A esca-
la vai até 90° Norte ou 
90° Sul.
Longitude: num mapa, é 
designada pela posição 
num eixo horizontal. 
Dada a esfericidade da 
Terra, ela é medida em 
graus, a partir do me-
ridiano de Greenwich 
(0°). A escala vai até 180° 
Leste ou 180° Oeste 
(que se encontram no 
mesmo lugar e marcam 
a linha internacional de 
mudança de data).
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um relógio de Sol ou outro instrumento equivalente) no momento 
exato em que fosse meio-dia num ponto de referência cuja longitu-
de fosse conhecida. Calcular a diferença de horário permitiria de-
terminar quantos graus separavam o navio do ponto de referência.
O problema era como levar ao navio um relógio sincronizado com 
o horário no ponto de referência com longitude conhecida – o 
balanço produzido pelas ondas e as dilatações de materiais 
ocasionadas pelas diferenças de temperatura inevitavelmen-
te desregulavam o relógio, impedindo a obtenção de medidas 
precisas. O resultado era rotineiramente catastrófico – navios topa-
vam sem aviso com terras que julgavam estar muito mais distantes, 
muitas vezes resultando na perda da embarcação e sua tripulação.
Enquanto os astrônomos trabalhavam em soluções que en-
volveriam observações detalhadas da Lua ou mesmo dos 
satélites naturais de Júpiter (medições possivelmente refi-
nadas demais para serem realizadas a bordo de um navio), a 
resposta partiu de um modesto construtor de relógios inglês, 
John Harrison (1693-1776), que conseguiu produzir modelos 
capazes de manter o sincronismo, mesmo depois de submetidos 
a grandes turbulências oceânicas a bordo de um navio.
A despeito dessa grande vitória dos relógios terrestres sobre 
os relógios celestes, mesmo antes que Harrison tivesse su-
cesso, uma nova tecnologia entraria em cena na astronomia, 
proporcionando uma revolução no conhecimento que até hoje 
segue em andamento.
MENSAGENS SIDERAIS
Cerca de dez meses atrás um relato chegou a mim de que 
um holandês havia construído um óculo, com o qual objetos 
visíveis, embora a uma grande distância do olho do observador, 
eram vistos distintamente como se estivessem perto; e algumas 
provas de seu desempenho maravilhoso foram relatadas, a que 
alguns deram crédito e outros contradisseram. Uns poucos dias 
depois, eu recebi confirmação do relato em uma carta escrita de 
Paris por um nobre francês, Jaques Badovere, o que finalmente 
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me motivou primeiro a investigar o princípio do óculo e então 
considerar os meios pelos quais poderia eu inventar um instru-
mento similar, o que pouco depois eu consegui fazer, pelo estudo 
profundo da teoria da Refração; e eu preparei um tubo, primeiro 
de chumbo, e nas pontas coloquei duas lentes de vidro, ambas 
planas de um lado, mas uma com o outro lado esfericamente 
convexo, a outra, côncavo. Então, ao levar meu olho à lente 
côncava, eu vi objetos satisfatoriamente grandes e próximos, 
que pareciam estar a um terço da distância e nove vezes maio-
res do que quando vistos com o olho natural apenas. Eu logo 
em seguida construí outro óculo com mais competência, que 
ampliou objetos em mais de sessenta vezes. No fim, sem evitar 
trabalho ou custo, consegui construir para mim um instrumento 
tão superior que objetos vistos através dele pareciam ampliados 
em quase mil vezes, e mais do que trinta vezes mais próximos 
do que se vistos somente com o poder natural da vista.
Seria uma grande perda de tempo enumerar a importância e os 
benefícios que esse instrumento deve conferir, quando usado em 
terra ou mar. Mas, sem prestar atenção a seu uso para objetos 
terrestres, eu me dediquei a observações dos corpos celestes. 
(GALILEU GALILEI, 1880, p.p.10-11).Foi assim que o cientista italiano 
Galileu Galilei começou a des-
crever as primeiras observações 
consistentes dos céus feitas por 
um ser humano com um telescópio 
refrator (ou luneta, como também 
é chamado esse instrumento). A 
publicação de seu primeiro livro, 
Sidereus Nuncius [Mensageiro das 
Estrelas], em 1610, marcou uma 
nova era na história da astronomia 
– uma em que os instrumentos re-
velariam muito mais do que estava 
ao alcance do homem usando apenas a vista desarmada e refor-
çariam as idéias copernicanas. Quase instantaneamente inúme-
ras descobertas incríveis começaram a se revelar ao italiano.
E, como se pode notar pelo texto, Galileu nem tenta tomar 
para si o crédito pela invenção da tecnologia em si – cria-
da originalmente, segundo a maioria dos historiadores, pelo 
O cientista italia-
no Galileu Galilei 
(1564-1642) foi o 
grande precursor do 
empirismo – atitude 
de realizar experi-
mentos calculados 
e deliberados para 
decifrar os segredos da 
natureza. Ao estabele-
cer este que é um dos 
pilares fundamentais 
da ciência moderna, 
Galileu pôde iniciar a 
decifração de alguns 
dos maiores mistérios 
da física, desbancan-
do Aristóteles. Ele 
decifrou a equação que 
descreve o movimento 
de projéteis (inicia-
tiva que mais tarde 
levaria à descrição da 
gravitação universal) 
e esboçou a lei da 
inércia. No campo da 
astronomia, foi forte 
defensor do heliocen-
trismo de Copérnico 
e iniciou a exploração 
telescópica dos céus, 
em 1609 e 1610. 
Descobriu quatro 
luas em Júpiter, hoje 
denominadas “satélites 
galileanos”. Por sua de-
fesa do heliocentrismo, 
foi julgado e condenado 
pela Santa Inquisição, 
em 1633, e terminou 
seus dias em prisão 
domiciliar.
Figura 3.4. Retrato de Galileu 
Galilei.
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holandês Hans Lippershey (1570-1619), em 1608. O 
italiano se coloca apenas como um aperfeiçoador do 
invento, e sua grande inovação consiste em sua aplica-
ção – pela primeira vez uma luneta era empregado na 
observação de objetos no céu.
Galileu começou suas primeiras observações, realizadas 
entre janeiro e março de 1610, pela Lua. Embora fosse 
o objeto de maior visibilidade para os astrônomos an-
tigos, pois, mesmo a olho nu revelava alguns traços de 
sua superfície, ainda havia muito para se descobrir. E o 
astrônomo italiano começa a demolir a noção aristotélica 
do mundo pela observação lunar.
Essas manchas [as crateras] nunca foram observadas 
por ninguém antes de mim; e pelas minhas obser-
vações, repetidas muitas vezes, fui levado à opinião que eu 
expressei, qual seja, de que estou certo de que a superfície da 
Lua não é perfeitamente lisa, livre de variações e exatamente 
esférica, como uma grande escola de filósofos toma a Lua e 
os outros corpos celestes, mas que, ao contrário, ela é cheia 
de desigualdades, variações, cheia de vazios e protuberâncias, 
exatamente como a superfície da própria Terra, que varia em 
toda parte por grandes montanhas e vales profundos. (GALILEU 
GALILEI, 1880, p.15).
Galileu tirou essa conclusão com base nas sombras projeta-
das no interior das crateras na região da Lua que divide o 
hemisfério que está sendo iluminado pelo Sol do que está nas 
sombras. Se a superfície lunar fosse completamente lisa, essa 
linha que separa luz e escuridão seria regular. O que o astrôno-
mo notou foi uma série de irregularidades. Em desenhos, ele 
demonstrou o que queria dizer.
O astrônomo italiano também fez outras considerações rele-
vantes a respeito da Lua, ao defender a tese (correta) de que o 
brilho pálido da região da superfície lunar não-iluminada pelo 
Sol é produzido pela luz refletida pela própria Terra. (Assim 
como o luar ilumina fracamente a noite terrestre, o “brilho 
terrestre” ilumina fracamente a noite lunar.)
Figura 3.5. Capa do livro 
Sidereus Nuncius, de Galileu 
Galilei, publicado em 1610.
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Depois das observações lunares, o italiano se voltou para as cha-
madas “estrelas fixas”. E a revelação aí foi que existem muito 
mais estrelas do que antes se imaginava. Para onde quer que 
apontasse sua luneta, Galileu via objetos nunca antes cataloga-
dos. Ele também reparou que o poder de aumento proporcionado 
por seu instrumento não era muito efetivo para ampliar a imagem 
das estrelas, que se mantinham apenas como pontos, em vez de 
discos, como era o caso de todos os planetas. E, ao mirar seu 
telescópio na Via Láctea, Galileu constatou que o que parecia 
uma faixa gasosa, na verdade, era uma vasta coleção de estrelas, 
todas muito compactadas e, individualmente, pouco brilhantes 
para serem vistas a olho nu.
Mas a revelação mais chocante feita pelo italiano acerca dos céus 
nessa primeira bateria de observações, foi a descoberta de quatro 
pontos luminosos que pareciam estar girando ao redor de Júpiter, 
movendo-se em grande velocidade – quatro satélites, que ele ba-
tizou de “estrelas mediceanas”, em homenagem a seu “padrinho” 
na nobreza, o grão-duque Cosimo de Médici, da Toscana.
As maiores luas de Júpiter hoje são conhecidas como Ganimedes, 
Calisto, Europa e Io (na ordem, da órbita mais externa para a 
mais interna), e, ao serem mencionadas em conjunto, costumam 
ser chamadas de “satélites galileanos”.
A partir de suas observações, Galileu também apoiou (erradamente) a tese de 
que a Lua possui uma atmosfera. Ele postulou a existência desse invólucro 
gasoso para explicar por que as irregularidades da superfície não aparecem nas bordas 
do disco lunar; uma proposta engenhosa, ainda que equivocada. O astrônomo italiano 
também imaginou que as regiões escuras da Lua pudessem ser mares. Até hoje o termo 
em latim para mar, mare, é usado para descrever essas regiões, muito embora saibamos 
que não há água em estado líquido na Lua – embora haja suspeitas da existência de gelo 
em crateras de seu pólo sul. Essas conclusões de Galileu explicam em parte o porquê 
de Kepler, em seu Somnium, ter descrito o satélite natural terrestre como possuidor de 
atmosfera, água e, como conseqüência, habitantes.
Via Láctea: é a 
nossa galáxia, ou 
seja, o grande con-
junto de estrelas do 
qual o Sol e seus pla-
netas fazem parte. 
Em sua forma espi-
ral, estima-se que 
ela abrigue cerca 
de 200 bilhões de 
estrelas, sendo o Sol 
apenas uma delas. No 
Universo inteiro, os 
astrônomos estimam 
que existem bilhões 
de galáxias como a 
Via Láctea. 
179179179
Galileu logo percebeu que a descoberta das luas de Júpiter era 
o maior argumento já levantado em favor do heliocentrismo de 
Copérnico. Em Sidereus Nuncius, ele escreveu:
[...] Temos um notável e esplêndido argumento para remover os 
escrúpulos daqueles que podem tolerar a revolução dos planetas 
ao redor do Sol no sistema copernicano, mas fi cam tão pertur-
bados pelo movimento de uma Lua ao redor da Terra, enquanto 
ambos realizam uma órbita de um ano de duração em torno do 
Sol, que consideram que essa teoria da constituição do universo 
deve ser vista como impossível; pois agora temos não só um 
planeta que gira ao redor de outro, enquanto ambos atravessam 
uma vasta órbita em torno do Sol, mas nosso sentido da visão 
nos apresenta quatro estrelas circulando Júpiter, como a Lua em 
torno da Terra, enquanto o sistema inteiro viaja por uma enorme 
órbita em torno do Sol no espaço de doze anos. (GALILEU 
GALILEI, 1610, p.p. 69-70).
E essas seriam apenas as pri-
meiras descobertas do italiano 
que apoiavam Copérnico. Mais 
tarde, ele descobriria que Vênus 
possui fases, como as da Lua, o 
que só pode signifi car que aque-
le planeta gira ao redor do Sol. 
Mesmo com evidências quase 
conclusivas (o modelo de Tycho 
Brahe aindasobrevivia como al-
ternativa ao copernicano), Galileu 
acabou levado ao tribunal da 
Santa Inquisição após a publi-
cação de outro livro, “Diálogos 
sobre os dois máximos sistemas 
de mundo, ptolomaico e coper-
nicano”, em 1632, e condenado por heresia (muito embora acre-
ditasse fervorosamente em Deus). 
Após abjurar seus ensinamentos “profanos”, Galileu escapou da fo-
gueira e teve a pena abrandada para prisão domiciliar, que cumpriu até 
o fi m de sua vida, em 1642, numa vila de Arcetri, na Itália.
A despeito do ataque às idéias 
do italiano, seu novo méto-
do de trabalho com a luneta 
estava fadado a mudar com-
pletamente a visão que temos 
do céu. Vale lembrar também 
que foi Galileu quem primeiro 
documentou a existência de 
manchas solares. Ele obvia-
mente não olhou diretamente 
para o Sol por uma luneta – o 
que o cegaria de imediato –, 
mas usou um anteparo para 
observar uma projeção da 
imagem do Sol obtida através 
da luneta. Mais um exemplo 
da engenhosidade experimen-
tal do cientista italiano.
180180
Com as descobertas sucessivas de Galileu, 
assim como de outros observadores mu-
nidos desse novo instrumento óptico, o 
telescópio refrator rapidamente se tor-
nou a peça mais importante da astrono-
mia. Com ele, um novo céu literalmente 
se abria aos pesquisadores. No entanto, 
essa tecnologia ainda era severamente li-
mitada por duas dificuldades.
Uma delas era que o esforço para produ-
zir um poder de ampliação cada vez maior 
tornava o aparelho imenso, devido à ne-
cessidade de construir uma lente objetiva 
enorme (para recolher a luz do objeto dis-
tante), o que por sua vez exigia um grande 
afastamento entre as duas lentes do instru-
mento, a objetiva e a ocular (que concen-
tra a luz no olho do observador).
Além de permitir instrumentos com 
maior poder de ampliação, esse grande aumento da distância 
entre as lentes também ajudava a resolver outra grave deficiên-
cia dos telescópios refratores: a chamada aberração cromática. 
O resultado foi a construção de instrumentos monstruosos, com 
distâncias focais que chegavam a atingir os 70 metros! O astrô-
nomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (1935-) descreve em 
sua obra “O Livro de Ouro do Universo”:
Como era muito difícil fabricar tubos com tais comprimentos, 
dispunham-se as lentes sobre suportes (torres, mastros etc.), 
e os astrônomos no chão, com lupas, fazendo acrobacias, 
procuravam examinar as imagens fornecidas pelas objetivas. 
(MOURÃO, 2000, p. 116).
O problema perdurou até o fim do século 17, e só obteve uma solução 
mais razoável quando o óptico inglês John Dollond (1706-1761), em 
1758, inventou as primeiras lentes objetivas “acromáticas”, que 
não possuíam a terrível distorção de cores. Elas eram compostas 
Telescópio refra-
tor: assim chamado 
por usar lentes para 
coletar luz (objetivas) e 
ampliar as imagens (ocu-
lares), segundo os prin-
cípios da refração.
Aberração cromá-
tica: é a distorção 
das cores dos obje-
tos observados pela 
luneta, pelo fato de 
o vidro das lentes não 
ter o mesmo índice de 
refração para todas as 
cores do espectro.
Figura 3.6. Ilustração do Observatório Lick, na 
Califórnia, publicada em 1889.
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por duas lentes de vidro, coladas uma na outra, cada uma com 
um índice de refração diferente. Com essa inovação, as objeti-
vas passaram a se acomodar em focos mais curtos e voltar a ser 
instaladas em tubos. “Surgem então algumas famosas lunetas”, 
prossegue Mourão.
Em 1824, a [luneta] do Observatório de Dorpat, na Rússia, com 
objetiva de 42 cm e 4,30 m de foco; em 1835, a do Observatório 
de Cambrigde, com 32 cm; logo depois as dos Observatórios 
de Estrasburgo, Washington, Viena, Paris e Lick (Califórnia), 
respectivamente, com 50, 66, 68, 85 e 91 cm de diâmetro. 
Em 1892, foi construída a maior até hoje, no Observatório 
de Yerkes, em Chicago, com 1,02 m de diâmetro e 19 m de 
distância focal. (MOURÃO, 2000, p. 117).
Mas havia uma outra estratégia de ampliar imagens que contor-
nava os principais problemas dos telescópios refratores; bastava, 
para isso, usar um espelho, em vez de uma lente objetiva, para 
fazer a coleta da luz. O primeiro a construir um telescópio refrator 
foi o grande físico inglês Isaac Newton. Em 1672, ele construiu 
um instrumento com um espelho metálico de concavidade esférica 
com 25 cm de abertura e 15 cm de foco. Foi a construção desse 
chamado telescópio refletor (por basear-se no princípio de refle-
xão da luz, ampliando a imagem por meio de espelho) que, aliás, 
lhe garantiu uma vaga como membro da Royal Society, importante 
instituição científica britânica que ele presidiria tempos depois.
A despeito de todas as qualidades do instrumento de Newton, 
ele possuía um grave defeito: deformava as imagens por aber-
ração esférica (distorção da imagem causada pela curvatura do 
espelho usado para ampliar os objetos). A solução só foi encon-
trada em 1720, pelo inglês John Hadley (1682-1744), que trocou 
a forma da concavidade do espelho; em vez de esférica, parabo-
lóide. Isso tinha o potencial para tornar os telescópios refletores 
mais eficientes que os gigantes refratores, mas ainda esbarrava 
num sério problema: a incipiência da técnica para a fabricação e 
o polimento de espelhos metálicos. Somente quando a constru-
ção de espelhos se tornou mais simples, os refletores assumiram 
uma posição de liderança na observação astronômica.
Reflexão: ocorre 
quando a luz, ao en-
contrar um meio dife-
rente daquele em que 
está se propagando, é 
rebatida. É o caso da 
luz que, ao se propa-
gar pelo ar, encontra 
um espelho.
Refração: ocorre 
quando a luz, ao en-
contrar um meio dife-
rente daquele em que 
está se propagando, é 
desviada. É o caso da luz 
que, ao se propagar pelo 
ar, encontra uma lente e 
tem seu curso levemente 
modificado. O fenômeno 
explica a diferença de 
ângulo que observamos 
em objetos dentro de 
uma piscina ou uma ba-
nheira, com relação à 
sua posição real.
182182
O primeiro grande telescópio, com espelho de 1,20 m de diâme-
tro e foco de 12 m, foi construído em 1789, pelo astrônomo in-
glês William Herschel. Um segundo foi construído pelo irlandês 
William Parsons (1800-1867), conde de Rosse, em 1845, com um 
espelho de 1,83 m de diâmetro e 17 m de foco. Mas esses esforços 
só seriam batidos quando o francês Leon Foucault (1819-1868) e o 
alemão Carl A. von Steinheil (1801-1870), em 1856, demonstraram 
a possibilidade de fabricar os espelhos com vidro, apenas recober-
tos por uma leve camada refletora de prata. Mourão completa:
Logo que surgiram os espelhos de vidro, não houve astrônomo 
que não preferisse os telescópios, em virtude da grande lumino-
sidade garantida por seus diâmetros e pelo fato de os telescópios 
serem mais adequados que as lunetas [ou telescópios refratores] 
para registrar as imagens de astros fracos, bem como para for-
necer espectros mais fiéis, pois a luz dos astros não era obrigada 
a atravessar o vidro. (MOURÃO, 2000, p. 120).
O século 19 marcou não só 
o momento de transição en-
tre os telescópios refratores e 
refletores, mas também uma 
grande descoberta – era pos-
sível, a distância, descobrir a 
composição dos astros. Entra-
va em cena a espectroscopia.
O espectro, como sabemos, 
é o efeito de decomposição 
da luz em suas componentes 
básicas. Os primeiros estudos 
profundos desse efeito tam-
bém tiveram sua origem com 
Isaac Newton, que demons-
trou a decomposição da luz branca nas cores do arco-íris, após a 
passagem por um prisma de vidro. A despeito de suas notáveis 
investigações, Newton naquele momento ainda estava longe de 
desvendar o poder dos espectros em portar informações sobre os 
objetos a partir dos quais eles emanavam.
Espectroscopia: 
estudo de obje-
tos a partir do seu 
espectro, ou seja, da 
decomposição da luz 
que emitem ou re-
fletem em suas cores 
componentes. A de-
composição pode se 
dar por meio de um 
prisma, como identi-
ficou Isaac Newton. 
Prisma:sólido geo-
métrico de arestas 
paralelas podendo 
ter um triângulo 
com base.
Figura 3.7. Isaac Newton realiza experi-
mento com prisma.
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O grande salto ocorreu de fato quando se fez um exame cuida-
doso do espectro da luz solar: descobriu-se então que o padrão 
de arco-íris era atravessado por numerosas faixas negras de vá-
rias espessuras. Conforme esse espectro era ampliado, usando 
uma seqüência de prismas, chegavam a ser observadas cerca 
de 3.000 dessas raias (as faixas negras). Mas o que elas in-
dicavam? Ninguém tinha a menor idéia, até o físico alemão 
Gustav R. Kirchoff (1824-1887) matar a charada. Em 1860, ele 
descobriu o que aquilo queria dizer.
Ocorre que os elementos químicos, quando aquecidos até se tor-
narem incandescentes, possuem cada um seu próprio padrão de 
espectro característico. Cada um dos elementos tem sua própria 
distribuição de raias, situadas em posições bem determinadas, e 
nenhum elemento tem uma faixa igual à do outro. Então, a pre-
sença de uma determinada raia, em detrimento de outra, indica a 
presença de um elemento, em vez de outro. Os espectros de cada 
elemento são muito variados. “O ferro, por exemplo, tem mais de 
duas mil faixas, ao passo que o chumbo e o potássio têm apenas 
uma”, afirma Mourão em “O Livro de Ouro do Universo”.
Como todos os elementos químicos já foram estudados, 
suas raias características são bem conhecidas, de modo que 
se torna possível explorar as estrelas, os planetas, as galá-
xias e nebulosas e descobrir suas composições químicas. 
(MOURÃO, 2000, p. 122).
Pela primeira vez, era possível identificar do que eram compos-
tos os corpos celestes, ou seja, pelos mesmos elementos que vía-
mos aqui na Terra: hidrogênio, hélio, oxigênio, carbono, ferro, e 
assim por diante.
LUz INVISíVEL
Enquanto alguns cientistas duelavam para entender o que pode-
ria ser aprendido a partir do espectro, outros se perguntavam se 
havia algo além dele a ser investigado. A iniciativa daria origem 
a uma outra revolução na observação astronômica.
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O primeiro grande inovador nessa escalada possivelmente foi 
o inglês William Herschel. Em 1800, o astrônomo estudava a 
temperatura das diferentes regiões do espectro solar. Quando co-
locou o termômetro aquém da faixa vermelha, ele não esperava 
resultado algum, mas acabou encontrando ali uma estranha fonte 
de calor. Claramente havia algo naquela região que, embora fos-
se invisível, influenciava o termômetro. Com isso, ele se tornava 
o descobridor da chamada radiação infravermelha.
Um processo similar levou à descoberta da radiação ultraviole-
ta – localizada, naturalmente, na outra ponta do espectro visível, 
além do violeta. Ao observar os diferentes efeitos produzidos pelo 
espectro solar na decomposição de uma substância chamada clo-
reto de prata, o físico alemão Johan Wilhelm Ritter (1776-1810) 
constatou que a região além do violeta era ainda mais poderosa na 
destruição do composto do que as partes visíveis do espectro.
Em 1803, o físico inglês Thomas Young (1773-1829) começa a 
sustentar a idéia de que a luz pode ser interpretada como uma 
onda, e não como uma partícula, como imaginava Isaac Newton. 
Era o início de um processo que levaria a uma compreensão mais 
profunda da natureza da luz, que atingiria um ponto alto com o 
escocês James Clerk Maxwell (1831-1879), ao demonstrar que 
eletricidade e magnetismo eram apenas faces da mesma moeda 
e estavam fortemente atrelados à luz – que passaria então a ser 
vista como radiação eletromagnética. O quadro começava a fazer 
um pouco mais de sentido.
A descoberta seguinte viria do alemão Heinrich Rudolph Hertz 
(1857-1894), que detectou radiação eletromagnética com com-
primento de onda mais longo que o do infravermelho – primei-
ramente elas foram chamadas de “ondas hertzianas”, mas logo 
acabaram popularizadas como “ondas de rádio”. Menos de dez 
anos depois, em 1895, mais um achado impressionante: o alemão 
Conrad Röntgen (1845-1923) descobre os raios X, que depois se-
riam confirmados como uma forma de radiação eletromagnética 
mais energética que o ultravioleta.
Heinrich Rudolph 
Hertz (1857-1894) 
físico alemão que, em 
1888, foi o primei-
ro a demonstrar a 
existência da radiação 
eletromagnética ao 
construir aparelhos 
geradores de ondas de 
rádio UHF. Emprestou 
seu nome, hertz, para 
a designação da uni-
dade de freqüência no 
Sistema Internacional 
de Unidades.
Wilhelm Conrad 
Röntgen (1845-1923) 
foi o físico alemão que, 
em 1895, produziu e 
detectou os primeiros 
raios X, na época 
também chamados de 
raios Röntgen. O feito 
deu a ele o Prêmio 
Nobel em Física de 
1901. Seu nome é co-
mumente apresentado 
com a grafia inglesa, 
“Roentgen”, sem o 
trema e com um “e” 
a mais.
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Um ano depois da primeira observação dos raios X, o francês 
Antoine Henri Becquerel (1852-1908) descobriria a radioativida-
de, mesmo sem identificar sua fonte (no caso específico em questão, 
o urânio). O físico neozelandês Ernest Rutherford (1871-1930) bati-
zou essa faixa, posicionada além dos raios X, de radiação gama.
Com isso, o século 20 começaria com dois poderosos instrumen-
tais novos: o primeiro, e pronto para uso, consistia na decodifi-
cação das informações que vinham dos astros distantes na forma 
de seu espectro de luz visível. O segundo, e mais assustador, 
Figura 3.8. Espectro eletromagnético total com identificação da porção visível.
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era o de que o espectro ia muito 
além daquilo que podíamos en-
xergar, e com isso vinha a noção 
de que seria possível garimpar 
ainda mais informações nessas 
regiões invisíveis do espectro.
Com a enorme ampliação das 
perspectivas e o crescimento na-
tural dos telescópios, começaram a fi car evidentes algumas das 
defi ciências (quase) incontornáveis da astronomia. Como, por 
exemplo, evitar a signifi cativa infl uência da atmosfera terrestre 
na observação dos astros?
ADAPTAÇÃO À ATMOSFERA
Uma noite sem ventos pode ser enganadora. Enquanto a paz reina 
no solo, na alta atmosfera a temperatura varia bastante de acordo 
com a altitude e intensos fl uxos de ar se locomovem a grandes 
velocidades. Esses fatores, naturalmente, infl uenciam a luz, 
enquanto ela atravessa as camadas atmosféricas em direção às 
lentes e aos espelhos de nossos telescópios refratores e refl etores. 
Nos instrumentos menores, a distorção gerada pela atmosfera é 
quase imperceptível. Nos maiores, ela cresce em proporção.
Resultado: as imagens obtidas são inevitavelmente menos nítidas 
do que os astrônomos gostariam que fossem. Como solucionar 
a questão? Uma idéia, que por muito tempo pululou nas mentes 
dos pesquisadores, foi atacar fogo com fogo. Explicando: se a 
atmosfera distorce os raios luminosos, a solução seria distorcer 
também o espelho que recebe a luz, de forma a “endireitar” no-
vamente a radiação. A esse conceito os cientistas deram o nome 
de “óptica adaptativa”.
A lógica é impecável, mas, a realização é complexa. Como en-
tortar o espelho de modo a compensar a distorção atmosférica? 
Atualmente, é impossível falar 
no estudo dos astros sem levar 
em conta todas essas vastas 
possibilidades. Afinal de con-
tas, ficou demonstrado que 
a porção visível do espectro é 
apenas uma pequena parte de 
tudo que pode ser estudado.
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Em primeiro lugar, é preciso identifi car exatamente de que modo 
a atmosfera está distorcendo a luz vinda do espaço. Feitoisso 
– que já não é tarefa tão simples –, é preciso distorcer o espelho, 
na velocidade exigida para produzir a compensação – ação que 
durante muito tempo foi simplesmente impossível. Por essa ra-
zão, o conceito acabou deixado de lado.
A coisa só começou a mudar de fi gura durante os anos 1990, 
quando a tecnologia dos computadores já estava sufi cientemente 
avançada para processar todas essas informações e produzir auto-
maticamente a deformação exigida no espelho. Começaram então 
a surgir os primeiros telescópios 
equipados com óptica adaptativa, 
que produziram as melhores ima-
gens já obtidas de objetos astronô-
micos com equipamentos em ter-
ra, ou seja, sujeitos aos caprichos 
da atmosfera terrestre.
Embora fosse um enorme avanço, a óptica adaptativa não re-
solvia todos os problemas. Em primeiro lugar, ela não pode ser 
usada indiscriminadamente para estudar qualquer região do céu. 
Para que ela funcione, é preciso que a área observada possua um 
astro sufi cientemente brilhante para permitir a “calibragem” do 
sistema, ou seja, a detecção dos efeitos atmosféricos para sua 
efetiva compensação por meio da distorção do espelho.
Essa defi ciência tem sido resolvida nos observatórios mais mo-
dernos com a instalação de “estrelas artifi ciais”, que são produzi-
das por feixes de laser disparados para o alto. Com a detecção da 
reação da atmosfera ao laser, é possível confi gurar corretamente 
o espelho e observar a região do céu desejada.
Existe, entretanto, uma difi culdade que nem mesmo a “milagrosa” 
óptica adaptativa pode resolver. Algumas faixas mais energé-
ticas da radiação eletromagnética não conseguem ultrapassar 
a alta atmosfera. (Aliás, ainda bem que não conseguem, pois 
O surgimento de telescópios 
equipados com óptica adap-
tativa foi destacado pela 
prestigiosa revista científica 
norte-americana Science como 
um dos dez maiores feitos da 
ciência em 2002.
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raios ultravioleta, X e gama são extremamente nocivos à vida, 
desestabilizando as grandes moléculas de carbono que fazem os 
principais componentes dos organismos). Ou seja, por melhor 
que seja o instrumento utilizado em terra, para efeito do estudo 
dessas radiações, o astrônomo está efetivamente no escuro.
A resposta a esse dilema é óbvia, ainda que tortuosa: é preciso 
sair da atmosfera. A busca pelo conhecimento, cedo ou tarde, ne-
cessariamente, nos põe a caminho do espaço.

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