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configuração da identidade profissional das primeiras enfermeiras alagoanas, 1973 a 1977

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535Rev Bras Enferm. 2014 jul-ago;67(4):535-42. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670406
PESQUISA
Laís de Miranda Crispim CostaI, Regina Maria dos SantosI, Tânia Cristina Franco SantosII, 
Maria Cristina Soares Figueiredo TrezzaI, Josete Luzia LeiteII
I Universidade Federal de Alagoas, Escola de Enfermagem e Farmácia, 
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Maceió-AL, Brasil.
II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery, Departamento de Enfermagem Fundamental, 
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Submissão: 31-01-2013 Aprovação: 02-06-2014
RESUMO
Estudo histórico-social cujo objetivo foi analisar a contribuição das enfermeiras norte-americanas do Projeto HOPE à confi guração 
da identidade profi ssional das primeiras enfermeiras formadas em Alagoas, no período de 1973 a 1977. O referencial teórico foi 
o “Processo Civilizador” de Norbert Elias. As fontes primárias foram documentos ofi ciais e arquivos pessoais de 13 entrevistados 
via história oral temática; as secundárias foram autores da História do Brasil/Alagoas. A análise dos dados evidenciou que a 
confi guração da identidade profi ssional das primeiras enfermeiras formadas em Alagoas foi um processo civilizador, com 
todas as nuances que compõem as relações de poder. Houve uma contribuição signifi cativa da Enfermagem norte-americana. 
Entretanto o movimento de resistência a essa dominação foi muito forte, resultando num Curso que conseguiu aproveitar o 
avanço tecnológico e o prestígio trazido pelos Estados Unidos para construir uma Enfermagem singular, a partir do tecido social 
bordado neste encontro de tantas culturas diferentes.
Descritores: História da Enfermagem; Identidade Profi ssional; Docentes de Enfermagem.
ABSTRACT
Social-historical study conducted to examine the contribution of the American Nurses of Project HOPE to the confi guration 
of the professional identity of the fi rst trained nurses in Alagoas, in the period of 1973-1977. The theoretical framework was 
the “Civilizing Process” of Norbert Elias. Primary sources were offi cial documents and personal fi les of 13 respondents by oral 
history; the secondary sources were authors of the History of Brazil/Alagoas. Data analysis showed that the confi guration of the 
professional identity of the fi rst trained nurses in Alagoas was a civilizing process, with all the nuances that make up the power 
relations. There was a signifi cant contribution of American Nursing. However the movement of resistance to this domination 
was very strong, resulting in a Course that could take advantage of technological advancement and prestige brought by the 
United States, to build a unique Nursing from the social fabric embroidery at this meeting with so many different cultures.
Key words: History of Nursing; Professional Identity; Faculty of Nursing.
RESUMEN
Estudio socio histórico que objetivó analizar la contribución de las enfermeras del Proyecto Norte Americano HOPE para la 
formación de la identidad profesional de las primeras enfermeras formadas en Alagoas, en el período de 1973-1977. El marco 
teórico utilizado fue el “proceso de civilización” de Norbert Elias. Las fuentes primarias fueran los documentos ofi ciales y los 
archivos personales de los 13 encuestados por medio de la historia oral y los secundarios fueron autores de la Historia de Brasil/
Alagoas. El análisis de los datos mostró que la confi guración de la identidad profesional de las primeras enfermeras formadas 
en Alagoas fue un proceso de civilización, con todos los matices que componen las relaciones de poder. Hubo una importante 
contribución de la Enfermería de los Estados Unidos de América. Sin embargo, el movimiento de resistencia a esta dominación 
fue muy fuerte, lo que resultó en un Curso que tomó ventaja de los avances tecnológicos y del prestigio planteado por los 
Estados Unidos, para construir una Enfermería única a partir del tejido social bordado en el encuentro de culturas tan diferentes.
Palabras clave: Historia de la Enfermería; Identidad Profesional; Facultad de Enfermería.
Contribuição do Projeto HOPE para a confi guração da identidade 
profi ssional das primeiras enfermeiras alagoanas, 1973 a 1977
Project HOPE contribution to the setting up of the professional identity 
of the fi rst nurses from Alagoas, 1973-1977
Contribución del Proyecto HOPE para la formación de la identidad profesional 
de las primeras enfermeras alagoanas, 1973-1977
Laís de Miranda Crispim Costa E-mail: laismcc@gmail.comAUTOR CORRESPONDENTE
Costa LMC, et al.
536 Rev Bras Enferm. 2014 jul-ago;67(4):535-42.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objeto a contribuição das enfermeiras 
norte-americanas do Projeto HOPE à configuração da identida-
de profissional das egressas da primeira turma do curso de Gra-
duação em Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas – 
UFAL. Este foi o primeiro Curso de Graduação em Enfermagem 
no estado, ano em que o Projeto HOPE (Health Opportunity 
for People Everywhere), funcionando a bordo de um navio hos-
pital, permaneceu atracado no porto de Maceió – capital do 
estado – através de um convênio entre o governo do estado, 
o Projeto HOPE e a UFAL. Dentre os objetivos da vinda deste 
navio, ressalta-se o ensino das mais recentes técnicas da ciência 
médica norte-americana e a atuação dos profissionais no atendi-
mento de casos de saúde de interesse científico para as partes(1).
As enfermeiras norte-americanas atuavam em Maceió, ca-
pital do estado, como contraparte das primeiras enfermeiras 
docentes, inclusive Vera Rocha, primeira coordenadora de 
Enfermagem do Hospital Universitário da UFAL. Continuaram 
atuando como apoio ao curso criado ao lado das enfermeiras 
docentes, principalmente nas atividades práticas, por esta ra-
zão tem-se a hipótese de que essas enfermeiras contribuíram 
para a configuração da identidade profissional das enfermei-
ras formadas em Alagoas no recorte temporal em estudo.
Por outro lado, as demais enfermeiras docentes vieram de 
vários estados brasileiros, pois até então, Alagoas não contava 
com nenhum Curso de Graduação em Enfermagem, existin-
do apenas a Escola de Auxiliares de Enfermagem de Alagoas 
- EAEA criada no ano de 1952 com a intenção de implan-
tar também um curso de nível superior, fato que não acon-
teceu(2). Portanto, em relação à categoria de enfermagem até 
aquele momento, os serviços de saúde do estado contavam 
com poucas enfermeiras e majoritariamente com atendentes 
e auxiliares de enfermagem. As enfermeiras do Projeto HOPE 
contribuíram para reconfigurar este cenário.
Neste trabalho, o termo configuração deve ser entendido 
como uma cadeia de interdependência entre indivíduos que 
podem variar na temporariedade e complexidade, mas que 
determinam a mobilidade, formação ou mesmo reprodução 
social, onde cada indivíduo em particular têm suas intenções, 
no entanto as transformações históricas dependem da relação 
indissociável entre este e a sociedade(3), tal como defende 
Norbert Elias, referencial teórico que sustenta esta pesquisa.
A ideia de configuração ajudou a entender como ocorreu 
o processo de composição do corpo docente na época de 
criação do curso de Graduação em Enfermagem da UFAL, pe-
ríodo em que aconteceu um encontro de diferentes culturas, 
visto que todas as enfermeiras que vieram fazer parte deste 
curso se formaram em outros estados e a grande maioria tam-
bém era natural de várias cidades do Brasil, fazendo construir 
no micro espaço alagoano um novo tecido social da Enferma-
gem. Assim, ao realizar estudos históricos a partir da “configu-
ração” proposta por Elias, pode-se construir novos caminhos 
para compreender as estruturas sociais no recorte geográfico 
local. Isso porque a configuração seria uma abrangência rela-
cional, o modo de existência do ser social e a possibilidade de 
aproximação às emergências do cotidiano(3).
Com a chegada do navio HOPE no porto de Maceió em 
fevereiro de 1973, Alagoas passa a conhecer outra culturade 
enfermagem, pautada no modelo anglo-americano vigente nos 
EUA na década de 70, caracterizado pela atuação de uma Enfer-
magem independente, científica e altamente resolutiva, repre-
sentado pelas enfermeiras que faziam parte deste projeto e que 
aqui permaneceram até o mês de novembro do mesmo ano.
O trabalho destas enfermeiras, a expansão dos Cursos 
de Graduação em Enfermagem no Brasil, o processo de ex-
pansão da UFAL na época e a visão do Reitor Nabuco Lopes 
conformaram o momento favorável para criação do Curso de 
Enfermagem da UFAL(1,4-5). Nesta conjuntura, este estudo tem 
como objetivo: analisar a contribuição das enfermeiras norte-
-americanas pertencentes ao navio HOPE à configuração da 
identidade profissional das egressas do primeiro Curso de 
Graduação em Enfermagem de Alagoas.
METODOLOGIA
Estudo de cunho histórico-social, com abordagem qualita-
tiva. O recorte social e temporal foi o município de Maceió, 
no período compreendido entre 1973 e 1977, tendo como 
marco inicial a notícia oficial de criação do curso e como 
marco final a formatura da primeira turma em junho de 1977. 
As fontes primárias foram os documentos oficiais do Arquivo 
Central, da Coordenação do Curso de Enfermagem e do Con-
selho Universitário da UFAL, os documentos resultantes da 
transcrição de 13 entrevistas de professores e colaboradores, 
bem como seus arquivos pessoais (certificados, portarias e ou-
tros documentos).
Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: ter pertencido 
ao corpo docente do curso no recorte temporal em estudo; 
ter participado da organização e funcionamento do curso; ter 
aceitado participar do estudo e ter sido citado como parti-
cipante por outro depoente. Teve apenas um critério de ex-
clusão, qual seja, estar impossibilitado por qualquer razão de 
conceder entrevista. As fontes secundárias foram compostas 
por autores que abordam a História do Brasil e de Alagoas que 
compuseram a conjuntura do estudo.
Para a fase de organização das informações reunidas, os 
documentos foram submetidos à análise interna e externa, 
separando-os primeiramente pelas categorias ‘documentos 
oficiais’ e ‘documentos não oficiais’. A análise externa se 
preocupou com a autenticidade do documento, ou seja, se 
o texto era original ou cópia, qual a procedência ou autoria; 
já a análise interna objetivou a avaliação do peso e valor das 
provas, isto é, do seu conteúdo, buscando apreender o signi-
ficado da declaração dentro do documento e determinar sua 
autenticidade e fidedignidade.
A análise e a discussão dos achados foram orientadas pela 
teoria do “Processo Civilizador” de Norbert Elias, que tem como 
fundamento o estudo dos efeitos do desenvolvimento de estru-
turas sociais sobre os costumes e a moral dos indivíduos(6).
Vale enfatizar que os entrevistados autorizaram a utilização 
de seus depoimentos através da assinatura do termo de con-
sentimento livre e esclarecido – TCLE e que, além disto, prefe-
riram usar seus próprios nomes, abrindo mão da preservação 
Contribuição do Projeto HOPE para a configuração da identidade profissional das primeiras enfermeiras alagoanas, 1973 a 1977
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de sua identidade nesta pesquisa, revelando a importância de 
dar voz ao sujeito, identificando quem fala, de qual posição 
fala e para quem fala. Todos os depoimentos colhidos neste 
estudo foram cedidos ao Grupo de Estudos D. Isabel Macin-
tyre, onde o estudo está registrado. Para atender à Resolução 
196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi sub-
metido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos 
da UFAL, sendo aprovado como consta no processo de nº 
23065.015735/2011-40.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para Norbert Elias, o Processo Civilizador constitui-se em 
um movimento abrangente de crescente diferenciação nas re-
lações sociais e que se mantém em progressiva expansão, atra-
vés da incorporação de novos territórios e classes a uma rede 
de interdependência políticas e econômicas, manifestada pela 
autoconfiança de povos cujas fronteiras e identidade nacional 
foram plenamente estabelecidas séculos atrás, povos estes que 
se expandiram e colonizaram (ou civilizaram) outros povos(6).
Neste estudo, a analogia está nas contribuições que as en-
fermeiras dos Estados Unidos que estavam prestando serviços 
filantrópicos no navio HOPE trouxeram para uma instituição 
pública de ensino universitário que estava implantando um 
Curso de Graduação em Enfermagem num estado do nordeste 
brasileiro, de precárias condições de saúde, cuja cultura do 
trabalho de enfermeiros ainda não era expressiva. A análise 
dos documentos e dos depoimentos revelou que a cultura de 
enfermagem norte-americana influenciou o curso em duas 
circunstâncias, como se poderá ver:
A influência norte-americana nos bastidores de criação 
do curso de Enfermagem da UFAL
Até 1973, a UFAL só contava com dois cursos da área da 
saúde, Medicina e Odontologia(7). Com isso, o fato de chegar 
a Alagoas uma Enfermagem exercida por enfermeiras gradu-
adas que tinham alto prestígio, lideravam os setores e conta-
vam com um avançado aparato tecnológico causou impacto 
no cenário alagoano, inclusive na universidade, pois o navio-
-escola-hospital HOPE serviu de campo de estágio para os 
acadêmicos de medicina e odontologia na época.
O reduzido número de enfermeiras na cidade foi claramente 
notado pelas enfermeiras do HOPE. A depoente norte-america-
na Bárbara relata como as enfermeiras do Projeto HOPE viam a 
necessidade de enfermeiras locais liderarem os setores:
Junto com todos os avanços tecnológicos a gente viu a ne-
cessidade da pessoa de uma enfermeira de nível superior 
começando a liderar os setores. (Bárbara)
Nesse contexto, a cultura de enfermagem norte-america-
na, representada por essas enfermeiras, tratou de se impor 
no micro espaço alagoano de várias formas. Uma delas era 
a metodologia sistematizada de cuidar que as enfermeiras 
empregavam, expressando a premência de haver enfermeiras 
nos serviços e de que elas evidenciassem seu potencial de 
trabalho. Assim, tentaram introduzir no cenário alagoano esta 
metodologia, que chamavam de Processo de Enfermagem. 
Para tanto, além de exercê-lo na prática, promoveram semi-
nários para capacitar docentes e enfermeiras chefes de ins-
tituições nordestinas, como consta no livro-programa de um 
seminário realizado pelas enfermeiras do navio para ensinar 
sua metodologia de trabalho.
Um destes seminários aconteceu nos dias 11 e 12 de maio 
de 1973, contando também com a participação de enfermei-
ras que ocupavam cargos importantes, como a presidente da 
Associação Brasileira de Enfermagem Seção Alagoas, profes-
sora Verônica Belmiro Chaves Donato, a diretora da Faculda-
de de Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, 
professora Desdemona Aurea Bezerra Fernandes, e a Chefe 
do Serviço de Enfermagem do Hospital Agamenon Maga-
lhães do Recife, professora Maria Luiza Munguba(8), fato que 
demonstrava a articulação do HOPE com as instituições locais 
e regionais de enfermagem.
No livro programa deste seminário consta que a proporção 
de enfermeiras por habitantes no Brasil era de 1 para cada 
11.500 pessoas, em contrapartida os EUA, nesta época, já 
contava com 1 enfermeira para cada 200 habitantes(8). Na ver-
dade, 70% do pessoal de enfermagem do Brasil estavam cons-
tituídos por atendentes de enfermagem, o que faz presumir 
que em Alagoas a situação era ainda mais alarmante, visto que 
não existia nenhuma Escola de Graduação no Estado.
As enfermeiras que ministraram este seminário colocavam 
que esta realidade era causada pelo “baixo salário, falta de es-
tímulo à profissão e falta de status social da profissão”(8). Estas 
mesmas razões impediam o crescimento da profissão, pois 
as poucas enfermeiras diplomadas, como elas mesmas cha-
mavam, praticamente só exerciam cargos de chefia, deixando 
de lado o cuidado direto ao paciente, o que prejudicava a 
valorização da profissão, pois esta, só conseguiria se estabe-
lecer dependendoda competência da enfermeira em usar o 
processo de enfermagem (PE)(8).
Em contrapartida, o Projeto HOPE, já no início da década de 
1970 traz um livro-programa com esta denominação, demons-
trando que a cultura de enfermagem sobre o PE era algo conso-
lidado entre elas, o que comprovamos pelos diversos estudos 
teóricos sobre modelos de enfermagem que foram criados nos 
EUA desde a década de 1920(9). A depoente Lúcia também ex-
pressa como os professores, que compuseram o corpo docente 
do curso, reconheciam a experiência destas enfermeiras:
E elas eram experientes, tinham com elas a metodologia da 
assistência, estavam na frente da gente há algum tempo. Mas 
teve coisas boas e teve também problemas. (Lúcia Leite)
Neste depoimento também se percebe manifestações de 
resistências da imposição desta cultura de enfermagem. Leve-
-se em conta que os EUA se consideravam um povo de desen-
volvimento e cultura mais evoluídos e que praticavam uma 
política assistencialista de boa vizinhança(5), através da qual 
impunham uma cultura aceita, social e historicamente, como 
“superior”, sobre uma considerada inferior, representada aqui 
pela Enfermagem alagoana. Norbert Elias explica como tal fe-
nômeno se desenvolve:
Costa LMC, et al.
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Duas etapas fazem parte da propagação do processo ci-
vilizador, a de assimilação e repulsão. Na primeira, os indi-
víduos sobem da classe mais baixa para a superior, e esta 
tenta civilizar a classe considerada inferior, que por sua vez 
tende a copiar a classe evoluída. Em consequência desta pri-
meira etapa, o poder perante a sociedade do grupo inferior 
aumenta e declina o do grupo superior, por isso denomina-se 
assimilação, todavia este processo acentua cada vez mais as 
diferenças entre os dois grupos, concretizando uma segunda 
etapa denominada repulsão, onde a rivalidade aumenta, con-
solidando a distância que existe entre ambas(3).
Assim, todo este processo interessou sobremaneira aos 
EUA, pois seus objetivos de cultura imperialista eram que 
suas práticas fossem incorporadas, no nosso caso, a cultura 
de enfermagem norte-americana, como também a reafirma-
ção dos contrastes entre as classes. A professora Vera Rocha 
deixa claro como o povo estadunidense via os nordestinos 
como representantes de uma cultura inferior.
Imagina os Estados Unidos para o Brasil [...] tinha pessoas 
com essas características, que via os brasileiros, os nor-
destinos [...] como não diria... uma sub raça. (Vera Rocha)
Essa trama acontece de forma tão dinâmica que não se 
consegue perceber como os indivíduos têm que reprimir a si 
mesmo e a sua espontaneidade para colocar em prática um 
comportamento imposto, considerado mais civilizado. Ainda 
assim, a enfermeira e professora Lenir Nunes, que ingressou 
na UFAL em setembro de 1973, quando o navio HOPE ainda 
estava em solo alagoano, coloca como via essa interferência 
dos EUA:
E o pessoal do HOPE, minha filha, tenha santa paciência, 
só pra brasileiro mesmo não entender que aquele navio 
não veio pra cá só pra trazer beneficio. Ele veio pra levar o 
que a gente tinha pra lá. (Lenir)
Outra depoente também lembra como a categoria médica 
via a presença dos EUA, enfatizando a admiração inclusive 
pelas enfermeiras:
E aí o que era que os famosos catedráticos tinham? Admira-
ção profunda pelos Estados Unidos da América, né? As en-
fermeiras[...], mas nós nunca deixamos a desejar. (Zandra)
Ocorre que naquela época a profissão que detinha o con-
trole dos serviços de saúde em Alagoas era a medicina, e o 
outro curso que existia em Alagoas na área da saúde era o 
de odontologia, que pouco interferia na hegemonia médica. 
Então, uma coisa eram as enfermeiras que faziam parte de um 
projeto que tinha início, meio e fim, outra era a iniciativa de 
criação de um Curso de Graduação em Enfermagem que se 
consolidaria na UFAL e ditaria as regras de atuação da Enfer-
magem no cenário alagoano.
A autorização para o funcionamento do curso aconteceu 
no dia 1° de novembro de 1973, em reunião do Conselho 
de Ensino e Pesquisa da UFAL(10), e neste momento o navio 
HOPE ainda estava atracado no porto de Maceió. Vale ressal-
tar que nesta fase a professora Vera Rocha foi nomeada como 
docente através de concurso público, mas já atuava anterior-
mente como a primeira enfermeira contratada da UFAL, de-
senvolvendo suas atividades na Santa Casa de Misericórdia 
de Maceió, hospital que exercia o papel de Hospital Univer-
sitário – HU, tendo como contraparte a coordenadora de en-
fermagem do navio HOPE, enfermeira VeNeta Masson(5). Vera 
Rocha, representava na UFAL o primeiro exemplo da cultu-
ra de enfermagem brasileira em Alagoas. Quando o HU foi 
transferido para a Cidade Universitária, Vera Rocha se tornou 
sua primeira coordenadora de enfermagem.
Analisando o contexto da época, a forma de composição 
do primeiro corpo docente teve uma dinâmica interessante, 
que se estendeu para além da formatura da primeira turma. 
Para Norbert Elias, a noção de configuração supera as ações 
individuais, pois permite a formação de um tecido social, 
onde cada pessoa pertencente a esta trama tem suas particu-
laridades, mas que só podem ser compreendidas nas relações 
que se estabelecem. Ou seja, apesar da imposição da cultura 
de enfermagem norte-americana, trazida pelas enfermeiras 
do navio HOPE, o que se configurou no processo de criação 
e consolidação do primeiro Curso de Graduação em Enfer-
magem de Alagoas foi uma interdependência de pessoas, 
com movimentos de assimilação e repulsa, que contribuiu 
para a configuração da identidade profissional das egressas 
deste curso.
Contribuição das enfermeiras norte-americanas na con-
figuração da identidade profissional das primeiras enfer-
meiras formadas em Alagoas
Como a forma de composição do corpo docente foi muito 
diversificada, o Curso de Graduação em Enfermagem foi o 
cenário de configuração social no qual se estabeleceram rela-
ções de interdependência entre os vários atores deste recorte 
temporal, onde os desdobramentos desta trama de pessoas 
contribuíram para a construção da identidade profissional das 
egressas do curso, “isto porque as estruturas da personalidade 
e da sociedade evoluem em uma inter-relação indissolúvel”(6).
As alunas da primeira turma sofreram as influências de to-
dos os envolvidos no processo, mas também exerceram in-
fluência sobre estes, visto que traziam consigo um ideal de 
enfermeiro pertencente ao ciclo social do qual faziam parte. 
Os três primeiros grupos que vieram compor este corpo do-
cente eram os médicos, as enfermeiras do navio HOPE e as 
professoras enfermeiras Vera Rocha e Lenir Nunes.
A Professora Lenir não estava alinhada com estes outros 
atores, pois trazia uma cultura de enfermagem que aprendera 
no Rio de Janeiro, local onde se formara, centro de nascimen-
to do modelo nightingaleano no Brasil. Lenir representava 
uma primeira resistência à imposição da cultura de enfer-
magem norte-americana e da cultura de enfermagem trazida 
pelos médicos alagoanos. Depois de mais de um ano de fun-
cionamento do curso, o corpo docente recebe enfermeiras de 
vários estados brasileiros, da Bahia, do Maranhão e do Pará, e 
já no ano de formatura da primeira turma, ganha enfermeiros 
formados no Rio de Janeiro e no Recife.
Contribuição do Projeto HOPE para a configuração da identidade profissional das primeiras enfermeiras alagoanas, 1973 a 1977
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Segundo a Professora Lenir, as primeiras dificuldades en-
contradas se deram logo após a criação do curso, momento 
de maior interferência das enfermeiras norte-americanas. Pos-
sivelmente Vera Rocha, que passou a fazer parte da equipe do 
navio HOPE, contava com o reforço das enfermeiras america-
nas para colaborar nas atividades do curso recém-criado. Tal 
suposição se mostrou consistente, uma vez que, além da par-
ticipação dos docentes médicos, o curso efetivamente contou 
com a participação do Projeto HOPE, sobretudo pelarelação, 
inclusive de amizade, com a professora Vera Rocha, como 
Lenir afiançava.
Ela [Vera] era muito amiga do pessoal do HOPE [...]. (Lenir)
Nesta fase, as alunas do curso praticamente só tinham 
contato com os professores médicos e com a professora Vera 
Rocha, então coordenadora do curso. Não obstante, logo o 
período do ciclo básico se encerraria e era preciso planejar o 
andamento do curso. Neste sentido, a professora Lenir, anali-
sando a conjuntura desenhada naquele espaço social e o de-
senho da grade curricular que encontrara, já manifestava sua 
preocupação em imprimir ao curso criado uma identidade de 
curso de enfermagem.
Olha, minha gente, eu vim aqui para o curso de enferma-
gem, para ser enfermeira [...] enfermicina de jeito nenhum. 
(Lenir)
É possível perceber claramente um choque entre três cul-
turas de enfermagem: a dos médicos – de uma profissão me-
ramente auxiliar –, a das enfermeiras norte-americanas – al-
tamente técnico-científica – que já havia influenciado Vera 
Rocha, ainda recém-formada e a de Lenir, com mais tempo 
de formada em escola consolidada no Rio de Janeiro e com 
visão de enfermagem mais abrangente e combativa no trato 
das questões políticas da saúde e da autonomia da profissão.
Estes embates acabam se configurando como relações de 
poder, que para Norbert Elias, são positivas uma vez que pro-
piciam a formação social e individual de pessoas, grupos ou 
instituições. Ou seja, se por um lado este sistema instala a 
diferença entre as pessoas, por outro organiza e dá direciona-
lidade ao contexto(11). Assim, a cultura trazida pelos docentes 
deve ser vista como uma estrutura de mudança dinâmica e 
constante que sem dúvida influenciou na identidade profis-
sional dos formandos deste curso.
Visualizam-se, nesta primeira etapa do curso, três movi-
mentos em torno do ensino da Enfermagem que certamente 
repercutiram nas alunas. O primeiro manifesta-se pela desarti-
culação do ciclo básico com o clico profissionalizante, no qual 
os professores ministravam suas aulas para todos os alunos da 
área da saúde, independente de curso. O segundo se refere a 
imposição da cultura de enfermagem norte-americana, repre-
sentada pela atuação das enfermeiras do Projeto HOPE, que foi 
bem acolhida e aceita pela professora Vera Rocha. E o terceiro 
se dá pelo movimento de resistência da professora Lenir no que 
tange a atuação da categoria médica no curso e a imposição da 
cultura de enfermagem norte-americana sobre o mesmo.
As funções de cada pessoa dentro de um determinado ce-
nário são diferentes e à medida que se configura como com-
petição tornam-se cada vez mais diferenciadas, gerando um 
ciclo, onde, ao tempo em que cresce o número de atribuições 
de cada um, maior se torna a interdependência entre os mes-
mos, formando um tecido social dinâmico. Portanto, pode-
-se dizer que os resultados a longo prazo são praticamente 
não idealizados individualmente, visto que faz parte de 
um processo maior, advindo de um entrelaçamento social. 
Obviamente as motivações individuais estão presentes, neste 
caso o papel de cada docente que fez parte do curso, no en-
tanto as configurações sociais são consequências inesperadas 
da interação entre eles(3).
Com isso, o Curso de Graduação de Enfermagem se con-
figurou como um espaço de interação entre vários docentes 
e alunas, cada um representando uma cultura pessoal e de 
enfermagem. Esta rede de interação social não se refere ape-
nas ao somatório dos interesses de cada um, mas resulta em 
um novo processo de configuração social, onde as intenções 
particulares perdem o seu valor.
Este emaranhado possibilitou a junção de várias visões de 
mundo e o encontro de diferentes culturas de enfermagem, 
configurando no cenário alagoano a inserção do ensino de 
graduação. Para a professora Heliana este processo foi tão re-
levante que causou notável mudança, muito provavelmente 
pela inserção de uma Enfermagem também científica, mas, 
também altamente politizada.
Que o fato de ter vindo de cada canto criou uma [...] uma 
possibilidade de a gente fazer uma coisa nova, a gente teve 
mais chance de começar com mais liberdade, sem estar 
atrelado a uma orientação só, a coisas mais rígidas de uma 
escola mais antiga. Então eu acho que a gente revolucio-
nou um pouquinho algumas coisas aqui [...] Então eu acho 
que foi bom, não foi ruim essa miscelânea de cada canto. 
(Heliana)
A fala da professora Lígia é emblemática pata esta temá-
tica, pois conclui que a possibilidade de encontrar o novo e 
provocar mudanças é muito maior na diversidade do que na 
unanimidade:
Na diversidade você tem muito mais possibilidade de criar 
do que na unidade. Porque a diversidade cria discussões. 
(Lígia)
Fica também evidente a riqueza cultural advinda da in-
terdependência dessas pessoas, onde os docentes precisa-
ram se rearranjar para dar continuidade às atividades ine-
rentes ao curso, cada um trazendo uma bagagem cultural de 
enfermagem significativa para o contexto que resultaria em 
uma nova identidade profissional de enfermagem no espaço 
alagoano.
Norbert Elias considera que isoladamente o conceito de 
cultura é excludente e delimitador, todavia as “construções de 
identidades culturais são muito importantes para a diferencia-
ção das nações e das regiões, pois apontam para as questões 
Costa LMC, et al.
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da diferença e salientam o que há de específico e de particular 
entre os povos ou entre grupos”(12). Assim, logo que o cur-
so passou a contar com um número significativo de pessoas 
para conduzir as disciplinas ocorreu um choque de ideias e 
não poderia ser diferente, pois cada um tinha um ideal de 
enfermeiro que seria formado neste curso. Nesse sentido, a 
professora Cristina colocou sua preocupação em relação à ne-
cessidade de se identificar com o curso ora criado:
Então a gente precisava ter uma identidade assim, mais da 
Enfermagem para o curso, e não algo que fosse baseado no 
que era legal, no que era mínimo. (Cristina)
À medida que os docentes começavam a se integrar fica 
mais evidente o encontro de diversas culturas, inclusive da 
cultura de enfermagem norte-americana:
Então a gente encontrou a Barbara, americana que pensava 
de um jeito, Vera Rocha que era alagoana formada em Re-
cife que tinha outra forma de ver a formação do enfermeiro, 
Lenir que é formada na Universidade Federal Fluminense, 
não era novinha, ela já tinha experiência de trabalho, então 
ela tinha outra visão e nós três [...] três recém-formadas vin-
das de uma escola altamente tradicional. (Regina)
Partindo do pressuposto de que a primeira turma de en-
fermeiras formadas teve uma identidade profissional própria, 
construída a partir deste entrelaçamento de culturas, os depoi-
mentos fizeram entender que os interesses individuais ou até 
mesmo coletivos se perderam nesta trama, ou seja, “vários fa-
tores de ordem individual e coletiva interagem para produzir 
processos civilizadores que ganham movimento e se autoali-
mentam trazendo modificações significantes que configuram 
determinadas civilizações”(13).
Além das diversas culturas de enfermagem brasileiras trazi-
das pelas docentes a partir de sua escola de formação e área 
de atuação, durante um bom tempo o curso continuou con-
tando com a participação das enfermeiras norte-americanas, 
na manutenção do projeto em terra, como nos recorda Bárba-
ra, que permaneceu em Maceió após a partida do navio em 
novembro de 1973:
Quando o navio HOPE foi embora, você já sabe, obvia-
mente deixou as pessoas aqui na terra [...] se não me en-
gano foram 5 enfermeiras exatamente, foi eu, a enfermei-
ra Irene, July, Sheila e Beverly, e nós decidimos ficar [...] 
Então a gente ficou aqui, nosso contrato era na verdade, 
por que nessa época lembro que a gente estava ainda pelo 
Projeto HOPE, dando assistência a Universidade Federal 
de Alagoas. (Bárbara)
O depoimento da professora Regina mostra um exemplo 
claro da participação do Projeto HOPE na estrutura do Curso 
deEnfermagem:
Nós tentávamos construir estratégias de sobrevivência! 
Não podíamos negar a supremacia americana nos aspectos 
técnicos e tecnológicos, mas tentávamos mostrar que tam-
bém tínhamos conhecimento de enfermagem e que estáva-
mos à altura do desafio de ser docente daquele curso. Uma 
forma era unir o útil ao agradável: aprendíamos os aspectos 
que precisávamos e no processo mostrávamos o que sabía-
mos. Fazíamos isso nos mini cursos que organizávamos com 
as enfermeiras do HOPE, por exemplo, mas ganhávamos 
sempre os embates políticos estruturais. (Regina)
Outra pessoa que também atuou no curso representando 
uma posição de forte resistência a imposição da cultura de en-
fermagem norte-americana foi a professora Lígia, que ingres-
sou no corpo docente em 1975 e logo em seguida tornou-se 
coordenadora do curso, exercendo liderança reconhecida por 
todos do grupo. O seguinte trecho de seu depoimento deixa 
claro este entendimento:
Eu nunca aceitei a interferência do HOPE no Curso de En-
fermagem. (Lígia)
A professora Lígia esclareceu que ela tinha compromisso 
com o desenvolvimento da Enfermagem, onde quer que es-
tivesse. Ela tinha um projeto de “enfermeiros” para este cur-
so bem definido, só que, por baixo desta trama, coexistem 
acordos cumulativos concretizando uma ligação funcional 
que mistura os interesses individuais e os projetos coletivos 
resultando em instituições sociais, a que podemos denominar 
de redes de interação social(13).
Com base nesta reflexão da teoria elisiana, pode-se dizer 
que todos os docentes envolvidos tinham uma proposta para 
formar as enfermeiras do curso recém-criado, no entanto, os 
movimentos de imposição e resistência das diversas culturas 
é que contribuíram para configurar a identidade profissio-
nal das suas egressas. No exercício desta resistência e por 
ocupar uma posição de líder perante as outras professoras, 
Lígia procurou seguir os caminhos legítimos dentro da uni-
versidade. Os grupos que se juntaram a ela o fizeram por se 
sentirem representados, por defenderem as mesmas ideias, 
sobretudo no que se refere à formação profissional do enfer-
meiro, tornando-se um grupo coeso para atender a neces-
sidade colocada, que era construir o perfil do enfermeiro 
egresso daquele curso.
É possível afirmar que o movimento de imposição e re-
sistência por parte das várias culturas de enfermagem pôde 
causar certo desgaste no tecido social instaurado, tão necessá-
rio para a incorporação da identidade profissional nas alunas. 
Isto porque as alunas também exerciam influência sobre este 
corpo docente, na medida em que se socializavam com a pro-
fissão escolhida e também assumiam uma posição questiona-
dora perante o grupo de professores, escolhendo o caminho 
que queriam seguir.
Não tem como negar a contribuição que a Enfermagem 
norte-americana trouxe para as atividades práticas. Era através 
do sistema de contraparte que cada professor estabelecia par-
ceira com uma enfermeira estrangeira, que já tinha muita ha-
bilidade com o manejo de equipamentos sofisticados. Nesta 
relação, as contribuições fluíram como Lígia explica:
Contribuição do Projeto HOPE para a configuração da identidade profissional das primeiras enfermeiras alagoanas, 1973 a 1977
541Rev Bras Enferm. 2014 jul-ago;67(4):535-42.
Então é [...] na realidade o pessoal do HOPE eles influen-
ciaram mais, quer dizer ajudaram as recém-formadas a 
concretizar a parte clínica, só. [...] eles ajudaram sim, na 
parte técnica direcionada para o adulto, pra questão lá 
da cirurgia, da assistência disso, daquilo e daquilo outro. 
(Lígia)
A fala de Lígia confirma como as enfermeiras norte-
-americanas se envolveram e ajudaram principalmente as 
recém-formadas, mas sem interferir na cultura da Enferma-
gem brasileira que o curso imprimia aos alunos. Muito pelo 
contrário, o corpo docente soube aproveitar não só a tec-
nologia importada, como também o prestígio que a enfer-
magem norte-americana tinha na área, sobretudo perante a 
categoria médica.
O diário de campo da enfermeira do navio HOPE, VeNeta 
Masson, publicado em livro (International Nursing – VeNeta 
Masson, R.N. with contributors), traz um relatório no qual ela 
propõe oitos objetivos a serem implementados para melhorar 
a qualidade da assistência de enfermagem do HU e oferecer 
cuidados de enfermagem eficazes. O objetivo número sete 
deste documento diz que a Enfermagem, como uma profissão 
independente, tem que ser reconhecida, respeitada e ocupar 
um lugar de maior valor dentro daquele hospital.
Como este fato se refere ao período de 1973 a 1977, as 
enfermeiras professoras já haviam chegado e começaram as 
atividades práticas no HU, alguns destes objetivos já tinham 
sido alcançados, de modo que os médicos já tinham tido con-
tato com esta ‘enfermagem independente’. Nesse sentido, as 
docentes souberam valer-se desta situação sem abrir mão da 
sua própria cultura de enfermagem que, no que se refere à 
autonomia da profissão, em nada deixava a desejar.
Ainda assim, os Estados Unidos, através das enfermeiras 
do navio, representavam uma cultura de enfermagem acei-
ta mundialmente como superior, dando a conotação de que 
estariam fazendo um processo civilizador no Brasil, e talvez 
estivessem. Só que encontrou, no Curso de Enfermagem, en-
fermeiras com uma formação também muito sólida, talvez 
não tão avançada tecnologicamente, mas certamente com 
uma postura aguerrida. A depoente Lúcia traz uma fala que 
retrata esta compreensão:
Porque como eles conheciam as enfermeiras americanas 
do HOPE, eles também estagiaram no HOPE, eles viam 
o trabalho da enfermeira, o quê que elas faziam. Mas 
agente também contestava quando eles queriam colocar 
a gente pra baixo, vamos dizer assim, né? Nós também 
contestávamos porque [...] através de quê que a gente 
fazia isso? Conhecimento, do conhecimento, da prática. 
(Lúcia Leite)
Desta forma, as configurações sociais acabam determi-
nando as ações individuais, fazendo com que se internali-
zem as regras de convivência e se modifiquem os hábitos, 
costumes e cultura. Se por um lado este processo significa 
um profundo autocontrole dos sujeitos, por outro propicia 
diversas possibilidades de estabelecimentos de redes de 
interação. Em outras palavras, “o comportamento social é 
ajustado de acordo com as necessidades impostas pelas per-
cepções e interpretações que o indivíduo faz do ambiente 
externo”(13).
Esta reflexão faz compreender que, todos os indivíduos 
que atuaram para a formação das alunas da primeira turma do 
curso de enfermagem, contribuíram significativamente para a 
configuração de sua identidade profissional. Ora precisaram 
reprimir seus impulsos, pelo movimento de autocontrole, ora 
tiveram que se impor para serem reconhecidos no cenário so-
cial que estavam inseridos.
CONCLUSÃO
Este trabalho tratou da contribuição das enfermeiras do na-
vio Projeto HOPE à configuração da identidade profissional 
da primeira turma de enfermeiras formadas na Universidade 
Federal de Alagoas. Para responder aos objetivos da pesquisa, 
foi preciso compreender como se deu a composição do pri-
meiro corpo docente e de que maneira o grupo se rearranjou 
no cenário alagoano, visto que as enfermeiras norte-america-
nas tentaram impor sua cultura de enfermagem às professoras 
enfermeiras que vieram de vários estados brasileiros, cada 
uma com sua cultura pessoal e de enfermagem.
Os documentos escritos e orais permitiram dizer que as 
enfermeiras do navio HOPE, tanto quanto o corpo docente, 
deixaram uma contribuição fundamental para que o tecido 
social bordado por aquele grupo, com traços culturais, pes-
soais e de enfermagem tão diferentes, configurasse a identi-
dade profissional das egressas à altura da necessidade social 
em Alagoas.
A influência da cultura de enfermagem norte-americana foi 
muito marcante no curso, no entanto o movimento de resis-
tência a essa dominação foi muito forte, tendo como resulta-
do um curso que conseguiu aproveitar o avanço tecnológico 
trazido pelos EstadosUnidos, mas também construiu uma 
Enfermagem singular, resultante dessa miscelânea cultural. 
As contribuições das enfermeiras do navio HOPE acontece-
ram tanto nos bastidores da criação do curso como na fase de 
consolidação do mesmo, até a formatura da primeira turma, 
momento em que foram homenageadas e homenagearam, in-
clusive premiando a melhor aluna da turma (comportamento 
típico da cultura estadunidense).
Por esta razão, a configuração da identidade profissional 
das primeiras enfermeiras formadas em Alagoas foi um pro-
cesso civilizador, com todas as nuances que compõem as re-
lações de poder entre culturas tão diferentes, sendo uma delas 
julgada superior em relação às demais e em especial diante da 
cultura de enfermagem existente no estado, exercida por au-
xiliares e atendentes de enfermagem, julgada pelos superiores 
como uma Enfermagem elementar.
No processo de resistência as enfermeiras brasileiras 
souberam conduzir uma convivência pacífica, produtiva, 
aprendendo o que podiam aprender, mas afirmando a cul-
tura de enfermagem brasileira que julgavam ser necessária 
imprimir neste novo espaço de exercício profissional da 
Enfermagem.
Costa LMC, et al.
542 Rev Bras Enferm. 2014 jul-ago;67(4):535-42.
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