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SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ ESTADO, PODER E POLÍ- TICA A palavra poder vem do latim potere, e seu significado remete-nos à posse de capacidade ou faculdade de fazer algo, bem como à posse do mando e da imposição da vontade. A sociologia e a filosofia discutem formas e teorias sobre o poder, apresentando distintas definições, ao longo de séculos, de acordo com o cenário histórico, político e social de cada época. O que é poder? Para além de ter a autoridade, o comando ou simplesmente a faculdade de ser capaz de algo, por atributos físicos ou intelectuais, o poder é uma força que permeia as relações sociais desde o início da sociedade humana. O poder expressa-se pelo embate de forças, mas, antes disso, ele existe em si enquanto uma força. Diante de tantas épocas históricas que encararam o poder de diferentes maneiras, vários pensadores desenvolveram diversas teorias sobre o assunto. Nesse sentido, talvez a teoria mais complexa e que explique de maneira mais minuciosa a época contemporânea seja a do filósofo francês Michel Foucault, que entendeu que a sociedade é um complexo de microrrelações de poderes disciplinares que visam controlar os corpos das pessoas via imposição da disciplina. Teorias do poder Para o sociólogo alemão Max Weber, poder é a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos. Essa imposição é direta e deliberada e pode ter aceitação como força de ordem ou não. Quando as pessoas submetidas ao poder de alguém aceitam a ordem, há uma transição de forças do âmbito do poder para o âmbito da dominação, ou seja, a pessoa que aceita a imposição de ordem submete-se à autoridade da outra. Para o filósofo, sociólogo e economista alemão Karl Marx, o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital, o que, em sua época, eram as fábricas e as terras. Por meio da posse dos meios de produção, o proprietário submete seus empregados ao seu poder. Isso, para Marx, causa injustiças sociais, pois o patrão apropria-se do trabalho de seu empregado para obter o capital todo para si. A proposta de Marx seria uma revolta do proletariado contra a burguesia que tomaria os meios de produção, distribuindo-os aos trabalhadores e dissolvendo o poder entre a população. No entanto, haveria a necessidade, para Marx, da criação de uma espécie de poder central, o Estado socialista, que cuidaria da gestão da propriedade. Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o poder é compreendido em uma esfera social e coletiva permeada pelo o que ele chamou de habitus. O habitus é um conjunto de valores, normas, regras, gostos e elementos culturais, como religião, arte etc., que moldam a sociedade e têm a capacidade de juntar e de separar as pessoas. O habitus é completamente inconsciente, e a sua assimilação dá-se por meio das representações culturais a que somos submetidos e da interiorização e imitação dessas representações. Para Bourdieu, há um poder por trás disso tudo que faz com que as pessoas, inconscientemente, busquem consumir, gostar, adequar-se a certos elementos em detrimento de outros. O comando coletivo e inconsciente dessas preferências confere a certos atores um poder econômico ou social, no sentido em que criam representações simbólicas a serem seguidas por outras pessoas. Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo, fez em sua obra uma minuciosa análise do poder e chegou à conclusão de que o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade. Segundo Foucault, houve um marco na SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 sociedade que foi a Revolução Industrial e o advento do capitalismo liberal. Antes desses eventos, as antigas monarquias concentravam o poder nas mãos do rei, o que nos leva à ideia de um poder que Foucault denominou macrofísico, aquele que é grande e concentrado. Após o nascimento do capitalismo industrial liberal, o poder passou a dissolver-se em várias instituições de controle diferentes. Se antes o controle era instituído pelo rei, agora ele é feito pela escola, pela indústria, pelos quartéis, pelas prisões, pelos hospitais e pelos hospícios. Todas essas instituições são casas de confinamento que moldam o comportamento dos indivíduos (escola e quartel), controlam-nos para que sejam produtivos (fábrica), e corrigem aqueles que não se enquadram às normas sociais (cadeia e hospício) ou cujos corpos não aguentam a alta produção devido a doenças (hospitais). Formas de poder Para o filósofo italiano contemporâneo Norberto Bobbio, existem formas de poder que classificam os diferentes meios de obtê-lo e exercê-lo na sociedade. Partindo de uma leitura do cenário político com inspirações marxistas, Bobbio identificou três formas de poder. São elas: Poder econômico: exercido por quem tem posse dos bens materiais e do dinheiro. É essa forma de poder que faz com que as pessoas que não têm posse dos recursos mantenham certo comportamento e sujeitem-se a certos tipos de trabalho. É o poder econômico que mantém o funcionamento do sistema capitalista e que faz com que os trabalhadores sujeitem-se ao poder do patrão. Poder ideológico: exercido por quem tem a capacidade de criar ideias e ideologias e, com isso, influenciar os outros. Esse tipo de poder mantém toda uma estrutura social em pleno funcionamento, pois faz com que os sujeitados aceitem o poder contra eles investido. Poder político: poder oficial que controla o Estado e detém o direito de uso da força física contra os membros de uma comunidade política. O poder político é legítimo, desde que vise alcançar os fins de uma comunidade política. Normalmente, essas três formas de poder são exercidas pelos mesmos grupos dentro de uma sociedade, sendo que o poder burocrático estatal tende a ser controlado por quem tem o poder econômico e o poder ideológico. Poder social Hoje denominamos poder social a capacidade que certos indivíduos têm de influenciar a sociedade, por meio do discurso, de seu carisma ou pela posse de meios que permitam a grande difusão de suas ideias. Nesse sentido, detém poder social aquele que consegue mobilizar a sociedade ou grupos sociais em torno de um projeto comum, influenciando a formação de ideias e opiniões. Exemplos de poder Na teoria foucaultiana, podemos tomar como exemplo de poder o controle disciplinar exercido por relações sociais microfísicas dentro de instituições de confinamento. São exemplos dessas relações: a relação entre aluno e professor, patrão e empregado, paciente e médico ou prisioneiro e carcereiro. Para Bobbio, o poder econômico pode ser exemplificado pela relação entre o patrão e o empregado; o poder ideológico, pela relação entre a mídia (meios de comunicação) e as pessoas; e o poder político, pela relação entre os atores políticos (governantes) e os cidadãos. Os tipos-ideais de dominação Além de fundamentar o conceito de ação social, Weber também contribuiu para a construção de explicações para o funcionamento da sociedade através dos tipos- ideais de dominação. Em seus estudos, Weber estabeleceu que, dependendo do tipo de ação praticada pelo indivíduo ou pela coletividade, deve existir uma forma de dominação se houver a probabilidade de encontrar obediência por parte daqueles a quem foi direcionada. Para tanto, podem ocorrer três formas distintas de dominação: a dominação carismática, a dominação tradicional e a dominação racional-legal. 4 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ exposta por algumas das ideias desenvolvidas por Jean-Jacques Rousseau em sua obra Do Contrato Social (Hunter Books, 2014). De acordo com o autor, as leis que regem a vida das pessoas em uma sociedade são leis convencionadas pelos próprios seres humanos com a finalidade máxima de preservar a ordem social. Trata-se de uma relação fundamentada na necessidade de que a justiça e a utilidade apresentem sempre uma mesma direção, guiando as convenções humanas e ascláusulas do contrato social para a sua preservação e levando a humanidade à plena liberdade, conquistada através da independência de cada indivíduo. O papel dos poderes públicos Desde a histórica separação dos poderes públicos feita por Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, em sua obra Do Espírito das Leis (Martins Fontes, 1996), o funcionamento do Estado adquiriu uma conotação ainda maior quanto às suas responsabilidades frente às demandas populares. Dessa maneira, as políticas públicas se tornaram uma ferramenta indispensável aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, visto que elas são o elo mais importante entre o governo e os cidadãos, de forma que tudo o que se faça na esfera pública tenha como finalidade o bem-estar da população – o que acontece, sobretudo, através das etapas do processo de políticas públicas. O ciclo de políticas públicas Até que um projeto governamental tome força e se torne uma política pública implementada, requere- se um extenso processo que busca prepará-lo para amenizar os problemas sociais. Nesse ponto, o papel do Estado é o de promover um constante diálogo com a sociedade, a fim de que a sua direção seja a mais próxima possível dos anseios populares. A primeira etapa do ciclo de políticas públicas é a identificação de um problema público, o que não ocorre de forma espontânea. Ou seja, é sempre necessário que um agente (político ou civil, individual ou coletivo) busque tornar evidente um problema que está presente na sociedade e que precisa ser resolvido. Em seguida, esse problema precisa ser incluído na agenda pública, o que depende da vontade política dos governantes em dar prioridade a algum problema em detrimento de outros (quando não se é possível conciliá- los). Após essa etapa, o problema passa para a formulação de possíveis soluções, ou seja, são elaborados projetos e/ ou programas para a sua resolução. Concluídas essas etapas, a tomada de decisões governamentais se torna uma peça-chave no ciclo de políticas públicas: a partir da elaboração do projeto, o Poder Executivo decide se implementa ou não determinada política. Se não, o projeto trava e perde a sua força. Se sim, é planejado para que seja executado. A política pública é então implementada e passa a conferir uma resposta do Estado a um determinado problema público. A sociedade ou o grupo social a quem se destina passa a ser o responsável pela avaliação da política implementada. E o ciclo reinicia. Soberania popular Por fim, mais um conceito essencial para a compreensão do papel do Estado é o de soberania popular, entendida como a base de qualquer regime democrático. Mais uma vez de acordo com Rousseau, compreendemos que a participação política na tomada de decisões deve ser uma atividade constante de todos. É o que expõe seu relato em que expressa que “ Nascido cidadão de um Estado Livre e membro do soberano, por mais frágil que seja a influência de minha voz nos negócios públicos, basta-me o direito de votar para me impor o dever de me instruir no que se diz a respeito disso.” Dessa forma, assumem uma grande importância três direitos reconhecidos como basilares para o alcance da dignidade humana em um ambiente democrático: a liberdade de expressão, o sufrágio universal e o acesso à informação. Liberdade de expressão A liberdade de expressão é um direito relacionado à possibilidade de manifestação pessoal ou coletiva de ideias, opiniões e pensamentos, livre de qualquer tipo de retaliação ou censura por parte tanto do governo quanto da sociedade em geral. Por esse motivo, é um dos fundamentos da democracia, visto que é preliminar a soberania do povo ante à tomada de decisões e, para tanto, todos devem ter o direito de ser ouvidos pelo Estado, seja direta ou indiretamente. SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 Sufrágio universal O sufrágio universal também se apresenta como um alicerce indissociável da democracia. Consiste em assegurar a todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade civil a possibilidade de votar e ser votado, nos termos da Lei, independentemente de renda, classe social, gênero, etnia ou alfabetização. Considerando que as eleições são a expressão mais recorrente em uma democracia representativa, assegurar o direito ao voto através do sufrágio universal é indispensável para o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Acesso à informação Por último, o acesso à informação emerge como mais uma importante conquista política para o pleno exercício da cidadania e dos direitos populares de controle social da Administração Pública. Através dele, os cidadãos adquirem a possibilidade de acessar de forma gratuita e irrestrita (excetuando- se casos previstos em Lei) documentos públicos e informações de interesse pessoal ou coletivo, permitindo, assim, o envolvimento popular no desenvolvimento das atividades dos órgãos públicos. REFERÊNCIAS Charles-Louis de Secondat: Do Espírito das Leis. Gianfranco Pasquino; Nicola Matteucci; Norberto Bobbio: Dicionário de Política. Jean-Jacques Rousseau: Do Contrato Social. Max Weber: Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva.