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CIÊNCIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! ELEMENTOS INICIAIS DE CIÊNCIAS POLÍTICA 1.1 Delineamento de ciência política Apesar da compreensão histórica da palavra política desde a antiguidade clássica como sendo polis (cidade), a verdade é que a ciência política em seu sentido nominativo sempre se traduziu no estudo de elementos básicos e representativos destacando a convivência das pessoas na sociedade. Nesse aspecto particular, não podemos deixar de notar que o cotidiano político e os fatos políticos sempre foram objeto de observação e reflexão no contexto primitivo da ciência política, pois os mais diversos filósofos, poetas, escritores vêm tecendo reflexões importantes ao longo do tempo. Vale destacar que a ciência política foi oficialmente reconhecida como um verdadeiro ramo científico apenas no século XIX. No decorrer do tempo, a discussão sobre o tema se mantém em voga, constatando sua relevância. Elevando a extensão dessa ciência em relação à Teoria Geral do Estado, opondo-se àqueles doutrinários que veem o assunto de forma dicotômica, ou seja, que a teoria geral do estado seria uma compreensão teórica inerente à compreensão científica da ciência política. 1.2 Concepção de ciência política Ao estudar sobre a concepção da ciência política, se confirma que, apesar das diversas controvérsias sobre o tema, a ciência política não pode ser uma ciência instrumental – mas uma verdadeira ciência social autónoma – embora, ao que tudo indica, seja impossível evitar que a burguesia use o conhecimento proporcionado por essa ciência para benefício próprio. Neste sentido, tomando em conta o princípio entendido por parte de pensadores que os estudos sobre Ciência Política sejam mais abrangentes que a Teoria Geral do Estado, cabe a este último – segundo essa corrente de pensadores - voltar-se exclusivamente ao estudo sobre o Estado, no que tange ao exame de sua totalidade material, formal e teleológica. 1.2.1 O estudo do Estado O estudo do Estado tem duas fontes principais: a história das instituições políticas e a história das doutrinas políticas. Ambos podem ser utilizados por historiadores (para a reconstrução da história), juristas (entre as normas do direito civil), e especialistas, que analisam as ações específicas do Estado em determinado período histórico. Por sua vez, o governo pode ser estudado em vários campos, como filosofia política, direito, teoria sociológica e ciência política. A filosofia política enfatiza todos os modelos de gestão de governo, a fundação do estado e a justificativa da ação política. É assim que temos essa doutrina jurídica relacionada à análise das normas jurídicas segundo as áreas do conhecimento. O campo sociológico estuda a validade empírica e cultural das normas. Nesse sentido, destacam-se duas teorias sociológicas contrastantes: a marxista e a funcionalista. A primeira enfatiza a necessidade de romper a ordem social por meio da mudança social, incluindo o Estado; na segunda, o tema da ordem domina e confirma a importância da preservação do sistema social, do qual o Estado também participa. Já o campo da Ciência Política baseia-se no princípio da verificação empírica dos resultados da pesquisa buscando explicações causais para os fenômenos relacionados ao poder do Estado. Além de examinar a organização política, o comportamento político e a ação política. Cada campo do conhecimento traz um entendimento particular sobre Estado. Assim, Ribeiro (1985) afirma que, no contexto da ciência política, o Estado é uma organização política criada pelo homem para implementar a ordem social e jurídica, como força social para alcançar o bem comum. Por seu turno, a filosofia política remete-se aos escritos políticos de Nicolau Maquiavel (1469-1527) do século XVI, onde o Estado é definido como uma organização do território habitado estruturado segundo o direito de comando de seus agentes (MAQUIAVEL, 1994, 1998). Já na perspectiva sociológica, Max Weber (1864-1920) conceitua o Estado moderno como uma determinada formação histórica, que possui características especiais resultante de um processo legal de manutenção do poder nas mãos de agentes estatais e, cuja finalidade, é manter a ordem e o poder de comando (administrativo, judicial e fiscal) da sociedade tanto interna como externamente (WEBER, 2000). No campo do direito, destacamos a posição do culturalismo realista ou tridimensional nas pesquisas estatais. Reale (2000) define bem essa perspectiva, vendo-a como uma realidade cultural que evoluiu historicamente para refletir a natureza social do homem. Neste contexto, cabe ao Estado determinar a integração dos homens em linha com o ordenamento jurídico. Diante do exposto, é latente que essas diferentes formas de estudar o Estado não são posições opostas, mas complementares. O estudo precisa considerar essas visões para encontrar a melhor forma de entender o tema, com foco no papel e no funcionamento do Estado. O economista Murray Rothbard (1926-1995) em seu livro Government and the Market, de 1970, destaca a importância de se compreender melhor a organização política da sociedade denominada Estado. O autor também aponta que a influência das ações do Estado no comportamento cotidiano dos indivíduos é tão grande que os impulsiona a necessidade de conhecer diferentes perspectivas teóricas e filosóficas sobre as razões de sua origem e existência. Algumas dessas perspectivas constituem a base nos estudos de diversas áreas, em destaque a ciência política, doutrinas jurídicas, filosofia e na sociologia. 1.3 Noção de Ciência Política Para Salvador Giner (1987), é relativamente recente o conceito de ciência política. Basicamente, expressões semelhantes começaram a aparecer em meados do século XVIII. Ao aprofundar as pesquisas sobre o termo Staatswissenschaften – ciências do Estado – na Alemanha, podemos observar que o termo foi popularizado, especialmente após a obra System det Staatswissenschaften, de L. J. VON STEIN (Stuttgart, J. G. Cotta, 1852-1856). A publicação trata, entre outros pontos, sobre a Teoria Geral do Estado, o direito político e constitucional e a história política, além disso, aborda muitas áreas consideradas de especial importância no sentido moderno da ciência política (G. STAVENHAGEN, 1962). Ainda acerca da Alemanha, se constata a confusão entre os termos Politologie, Allgemeine Staatslehren, Politische Wissenschaften, como afirma E. Fraenkel e K. D. Bracher, onde reconhecem a situação precária da ciência política no país, estimulando-os a lutar pelo reconhecimento da mesma como disciplina autônoma. É verdade que a falta de pesquisas empíricas no campo da política exacerbou o efeito negativo da falta de reconhecimento da ciência política como disciplina, principalmente por influência dos neokantianos - às vezesfoi enfatizado que a jurisprudência é essencialmente um campo da ciência política, ciência mais futura do que existencial (FRIEDE, 2013). Entretanto, se observa à época que, em alguns países, tal terminologia considerada “ultrapassada” ainda era usada para estudar fenômenos pertencentes ao campo da ciência política. Na Espanha, por exemplo, o direito político corresponde em muitos casos à ciência política. Enquanto na França, a confusão entre os termos droit politique e science politique foi superada. O uso generalizado desse termo pode advir da pretensão de objetividade, que se estendeu a todas as ciências sociais, de modo que o termo ciência política começou, gradativamente, a substituir os termos teoria política ou filosofia política. O resultado não foi a abolição desta última, mas o desdobramento em dois novos campos de estudos, o da ciência e da teoria política, que não são de forma alguma incompatíveis. Diante do exposto, há de se ressaltar que, ao longo dos últimos anos, esse termo substituiu por completo aqueles que originariamente expressavam seu conteúdo, como ciência do governo, “direito político” ou mesmo a antiga e clássica “arte de governar”. Tudo isso não significa que a ciência política seja em si algo novo. Pode considerá-la fundada por Protágoras e Górgias, ao tentar criar uma certa arte da política, que era, para eles como um modo de vida pessoal. Contudo, é em Aristóteles que o estudo sobre o termo passa do metafísico para o empírico na política (HELLER, 1934). Quanto à busca de um conceito único acerca de Ciência Política, se constata a não existência de uma definição certa para política quanto para ciência. Neste sentido, mesmo que se empregasse o termo politologia para expressá-la, a mesma se revela insuficiente, dado que a disciplina trata de assuntos diversos, mesmo que sempre voltados a pesquisas que envolvam a vida política (HEYDTE, 1961). No entanto, tanto o termo politologia quanto politólogo vem sendo cada vez mais usados para se mencionar o profissional que estuda a política. Janet em Ganer (1906), afirmava que a Ciência Política se encontra dentro da área de concentração de estudos da ciência social, uma vez que, contempla em seus princípios, o Estado e o Governo. Apoiado nesse entendimento, o pensador F. H. Giddings, defendia que também, as áreas de sociologia, economia e história, tratavam de ciências políticas (FRIEDE, 2017). Nos últimos anos, se observa uma maior concentração de estudos em ciências políticas, a questão da aquisição, consolidação e distribuição do poder político, como afirma Friede (2017), fato este que a distingue de outros ramos da ciência. A título de exemplo, a teoria jurídica político-sociológica faz parte da ciência política, mas não da jurisprudência dogmática ou do direito estatal estrito. Na tentativa de distanciar ciência política de outras disciplinas relacionadas, Heller (1934) destaca que as demais se limitam ao estudo descritivo daquelas ações políticas e formas institucionais de ação que requerem poder exercido de forma independente que não é predeterminado, rigidamente vinculado a normas legais. Além de contribuir através de seus estudos com outras áreas do conhecimento, a ciência política se apoia no entendimento de demais assuntos como soberania, independência política, liberdade, governo e entre outros. Quanto a estes, por exemplo, a ciência política visa analisar a relação desses fenômenos com situações reais determinados por fatores como as classes sociais, a geografia, a religião, a economia e o controle político ou psicológico (FRIEDE, 2013). Assim como a ciência política pode ser considerada entre as muitas definições fornecidas por Duverger (1971). A causa da ciência política não causa muita dificuldade para defini-la, diz respeito à ciência da autoridade e do poder dos governantes. Em vez disso, para Weber (1969), a política significa o esforço para participar do poder ou influenciar sua distribuição entre estados ou grupos de pessoas dentro de um estado. Outro conceito de política que vale destacar é o de Aron (1967), que a define como sendo a relação entre as autoridades, os grupos e o indivíduo com os grupos de poder definidos dentro das diversas comunidades e suas complexidades. Assim, não obstante, se a ciência política pode ser “resumidamente definida” é em decorrência do poder (DUVERGER, 1971). Mais adiante, ao tentar diferenciar ciência política de filosofia política, tem-se que, enquanto a primeira foca na formação, nas formas e nos processos dos Estados e governo, a segunda, também conhecida por teoria política, estuda o Estado e o governo de forma geral como fenômenos universais (WHITE, 1947). Já em relação à ciência política e sociologia política, enquanto a sociologia política estuda o comportamento político de pessoas ou grupos, in loco, a ciência política, por outro lado, foca seus estudos nas informações sobre fatos, não sobre os próprios fatos, como destaca Friedrich (1959). Vale destacar que, a diferença entre ambas não é clara nesse caso, pois quando a ciência política se torna mais objetiva, ela tende a adotar muitos elementos sociológicos. 1.4 Principais Pensadores da Ciência Política Como forma de estruturar cronologicamente a evolução da ciência política e conforme discutido ao longo de nossa aula, com base na organização a seguir, será apresentado o entendimento dos principais estudiosos sobre o tema que envolve o homem, o Estado, o governo, a lei e o direito. Tais elementos constituem a base dos pensamentos destes que ajudaram na construção da ciência política nos tempos atuais. Quadro 1 – Pensadores e conceitos políticos Pensadores Homem por natureza Estado Forma de governo Lei Direito Aristóteles (385-322 A.C) Animal- comunitário Condições para ordem perfeita Monarquia, aristocracia, Democracia, conforme condição do grupo Racionalização do nomos (ordem perfeita) De acordo com filia (interação), costumes (penal), norma (contratual), regula relações entre desiguais (distributivos) Spinoza (1632-1677) “Paixões” e ignorância. Intuição Fazer o jogo das paixões República: Liberalismo dos povos e despotismo dos chefes Manifestação diversa dos modos divinos. São moralmente boas se os chefes conseguem impô-las Pelo jogo das paixões proporciona o equilíbrio favorável a paz. HOBBES (1588-1679) Agressivo. “Homu homini lúpus” Leviatã (constituído por pactos sociais Despotismo (força impositiva) Normas ditadas pela comunidade distinguindo o bem do mal Nas mãos do Estado: proteger os cidadãos contra inimigos externos e discórdias internas Rousseau (1712-1778) Bom (bom- selvagem) Contrato social: meio para voltar no estado de natureza Democrático (força representativa A vontade geral aponta a tendência dos indivíduos obedecer à lei e continuar livre Conciliar vontade individual e o bem coletivo Montesquieu (1659-1775) Vida em grupo Sujeito que estabelece normas Monarquia (honra); república (virtudes); despotismo (medo) “Razão humana à medida que governa todos os povos da terra Instituições particulares estabelecidas pelo legislador Durkheim (1858-1920) - Instituição Evolui com a sociedade Depende da forma de solidariedade predominante Conexão com a coação organizada Weber (1564- 1920) - Instituição Base mágico- religiosa, carismática, secularizada (burocracia) Crença na autoridade de normas estabelecidas racionalmente cria condições para fortalecimento do poder e garantia da obediência Ordem e dispositivo de coerção.Bases: costume, carisma e lei. Construído por jurista. R. Pound (1870-1964) - Instituição - Especialistas a elaborarem. Os tribunais devem atentar para a realidade social Realidade impregnada de valores ideais. Processo de reconhecer e satisfazer as necessidades humanas, por meio do controle H. Lévy Bruhl (1837-1959) - Instituição - Não é essencialmente diferente do costume. A lei e o costume são expressões da vontade grupo. Emana de órgão especializado Normas obrigatórias, impostas pelo grupo a que pertencemos, mas passivas de mudanças Gurvitch (1894-1966) - Superestrutura organizada (instituição) - Sistema de normas ou princípios em vigor Varia conforme nas formas de sociabilidade. Massa (direito objetivo), comunhão (objetivo). Comunidade (equilíbrio entre objetivo e subjetivo) Marx (1818-1883) - Superestrutura a serviço da classe dominante. Deverá se extinguir na fase comunística. Da imposição classista à ditadura do proletariado. Imposição classista. Instrumento de perpetuação de uma classe no poder Superestrutura levantada em uma base econômica Hegel - Projeção da realidade da ideia ética - Forma de subordinação de direitos e deveres Projeção estatal Hans Kelsen (1881-1973) - Instituição (Rechtsstaat) geradora do direito (Staatsrecht) - Constrangimento organizado Ordem jurídica projetada pelo Estado Alessandro Groppali - Entidade doada de poder incontrastável (soberania) e responsável hegemônica pelo monopólio da criação das normas jurídicas - Formalização estatal da ordem jurídica Ordem jurídica projetada pelo Estado Fonte: Adaptado de Castro (1979). 1.5 Ciência política enquanto ciência social A Ciência Política desponta como um dos ramos da Ciência Social que tem por objetivo estudar o exercício, a distribuição e a organização do poder no âmbito da sociedade. Segundo Dias (2010), nesta qualidade, a Ciência Política procura estudar os fatos políticos que envolvem tanto acontecimentos e processos políticos como o comportamento político que se expressa concretamente na interação social. Dentre outros temas, descreve, por exemplo, os processos eleitorais, a Constituição e a dinâmica dos partidos políticos e de setores da sociedade que exercem pressão, os impactos das mudanças políticas e suas consequências, a organização das diferentes formas de governo, as funções exercidas pelas autoridades no interior do Estado, o processo político e a evolução do pensamento político. 2 CONTEXTO FILOSÓFICO DA CIÊNCIA POLÍTICA A Política se refere ao estudo do poder, das instituições do Estado, dos regimes políticos e da constituição política da sociedade. Em torno destes pontos, filósofos, cientistas políticos fizeram suas reflexões e proposições buscando compreender a vida em sociedade. A referência para os estudos se origina na Grécia antiga e seguem até os dias atuais, sempre na busca da análise das relações de poder e como elas interferem na vida dos cidadãos (QUADROS, 2016). Em termos práticos, o poder é exercido por meio de instrumentos de controle. Uma classe social é colocada em evidência e, simultaneamente, subordina as demais e as submete a seus interesses. Tais artifícios de poder se referem ao uso da força, à comunicação, à informação, ao dinheiro, à popularidade, dentre outros aspectos. De tal forma, verifica-se que o poder não está ligado apenas ao ato de representação ou aos poderes constituídos e que estão distantes da população. Ele é um exercício cotidiano das formas de dominação e, muitas vezes, de controle daqueles que possuem poder sobre aqueles que não possuem. Nas páginas a seguir, iremos conhecer mais sobre o conceito de política e refletir sobre o quanto ela e o poder estão presentes em nossas vidas e a forma como interferem em nossas decisões e práticas concretas. Para dar início, dois importantes filósofos serão apresentados: Platão e seu discípulo Aristóteles, considerados os primeiros a pensarem estas questões e apontarem para os desdobramentos do Estado e das relações de poder (QUADROS, 2016). 2.1 O mito e o caminho para a razão Para compreender o percurso filosófico que levou às primeiras reivindicações sobre os escritos políticos, é importante ter um roteiro para o momento filosófico que possibilitou a reflexão sobre o poder. O pensamento político dialoga fortemente com a reflexão filosófica, que está presente em todos os aspectos da vida dos indivíduos (GALLO, 2010). Por mais que os pensamentos filosóficos estejam relacionados, em um primeiro momento, a elementos subjetivos, eles sempre procuraram explicar a vida do ser humano. Em suas primeiras formulações, os filósofos da Grécia Antiga buscavam os mitos para ordenar os acontecimentos e explicar a vida. Dos mitos, a filosofia trouxe paz e tranquilidade para as pessoas que buscam entender o que está acontecendo ao seu redor. Os objetos da explicação mítica são a criação do mundo, a fertilidade das mulheres, o bem e o mal. Segundo Gallo (2010), os homens poderiam usar tais objetos para organizar seus pensamentos e sustentar sua existência. Em certa medida, explicar a vida por meio dos mitos não permitia que todas as coisas, atos e pensamentos feitos pelos homens tivessem a objetividade necessária. Isto porque a explicação mitológica estava presa a uma visão religiosa. Para compreender as ações humanas, a construção do pensamento filosófico precisava se basear nessa visão teocêntrica. Mas e o homem? Onde a produção concreta de suas ações se faz verdadeira e passível de análise por ele mesmo? Colocar o homem como centro das coisas somente foi possível a partir do momento em que a visão mitológica foi deixada de lado. Por volta do século VI a.C. os gregos começaram a se desprender o mito e a olhar para as experiências concretas (QUADROS, 2016). Lentamente, os gregos e outros povos foram construindo as condições necessárias para a racionalidade. Para tanto, o uso da escrita pelos fenícios, a moeda e, principalmente, a polis (cidade), foram levando os pensadores a se desprenderem dos mitos como fator de ordenamento das coisas. É neste momento e lugar que as mudanças passam a ocorrer. Quando se propõe a pensar sobre política, o olhar deve estar sobre aquilo que é resultado próprio da ação dos homens. Não há “elementos simbólicos ou sobrenaturais para entender o mundo e dar sentido à vida humana” (GALLO, 2010, p.15). O mito é uma verdade absoluta e não pode ser contestada. Já a ação do homem, como a política, por exemplo, é dinâmica e está em constante transformação a cada novo período. Portanto, filosofia e política caminham juntas e têm como objeto, a ação humana. 2.2 Sócrates e a renovação filosófica Os movimentos filosóficos possuem representantes para cada período de renovação de pensamento sobre as coisas. Para o recorte de estudo da Ciência Política, na busca pelo distanciamento em relação ao mito, Sócrates ocupa um papel de destaque. Ele foi o primeiro pensador a questionar o pensamento mítico de uma forma mais abrangente. Coube a ele chamar a atenção das pessoas sobre aquilo que estava ocorrendo a sua volta. Andava pelas ruas de Atenas interrogando a todos. Afirmava que “o ato de filosofar não se distingue do próprio ato de viver, que o ato de filosofar consiste em conscientizar-nos de que nada sabemos” (GALLO, 2010, p. 16). Assim, não há conhecimento que não possa ser questionado. O pensador conversa com quem encontrasse pela frente, jovem ou idoso, sem fazer distinção se fossehomem livre, escravo ou aristocrata. Propunha, a todos eles, que deixassem a ignorância e lado e começassem a procurar explicações para os eventos que presenciavam. A postura de que os homens nada sabiam é o mote de sua ação filosófica, a fim de descobrir o fluxo da vida (GHIRALDELI JUNIOR, 2019). Questionava a ação das pessoas na cidade, o modo como os governantes agiam e a passividade da população. O nascimento desta filosofia, que caminhava para a racionalidade e se desvinculava da mitologia, exigia uma postura ativa por parte do indivíduo. Passou a ser acusado de negar os deuses e inflamar a juventude. Tal acusação foi tão incisiva naquela sociedade que Sócrates foi perseguido e condenado à morte. No entanto, sua postura ficou marcada e trouxe diversos seguidores, de tal forma que a filosofia grega nunca mais foi a mesma. Platão, Aristóteles e todos que vieram na sequência passaram a encarar a filosofia com um olhar questionador. Na sequência, serão apresentados dois deles: Platão e Aristóteles, os mais expressivos de seus tempos. Em cada um há um pouco de Sócrates e, aos poucos, a filosofia assume o lugar próprio para pensar o homem como um todo, inclusive como um ser político, como será demonstrado nas páginas seguintes. 2.3 Platão e o papel da República A Grécia antiga é tida como o berço da civilização ocidental. Nela, diversos pensadores tentaram interpretar os eventos que envolviam a vida em sociedade. Mitos, hábitos e coletividade estavam entre os pontos de reflexão destes homens. Não foi diferente no que se refere aos processos de associações políticas. Dentre eles, Platão (428 – 347 a.C.), no livro “A República”, colocou no debate quais as melhores formas de governo, englobando a timocracia, a democracia e a tirania. Alguns pontos das ideias de Platão foram sendo aprimorados ao longo dos séculos. Em especial sua interpretação sobre a democracia, mesmo sendo, para ele, uma forma má de governo, pois as pessoas se iludiam facilmente por características como aparência e carisma. (QUADROS, 2016). Mas os aspectos de representação e participação que são os fundamentos da democracia foram ganhando outros contornos ao longo dos séculos XII e XV. A partir de então, ela tornou-se a principal forma de governo para os governos instituídos nos Estados ocidentais. No Quadro 1, por exemplo, é possível ver o diálogo de Platão com Guálcom e como a discussão entre os dois se baseia no que é vivido no cotidiano. A política só existe se estiver inserida num contexto dinâmico como o encontrado nas cidades. Sem esta, os homens não demandariam soluções para a vida coletiva, seja no trabalho, em casa, para a saúde, etc. Ainda no diálogo entre Platão e Guálcom apresentado abaixo, podemos observar que eles estão se referindo ao ordenamento necessário para que as ações de todos possam existir. Quando se referem ao que cada um tem a fazer, estão justamente colocando a racionalidade proposta para a filosofia na constituição da vida política. - Muito bem dito. - Eis, portanto – prossegui-, essas dificuldades penosamente atravessadas a nado e inteiramente reconhecido que há na cidade e na alma do indivíduo para te corresponderes a iguais em número. - Assim é. - Por conseguinte, já não se torna necessário que o indivíduo seja sábio da mesma maneira e pelo mesmo elemento que a cidade? - Sim, sem dúvida. - É que a cidade seja corajosa pelo mesmo elemento e da mesma maneira que o indivíduo? Enfim, que tudo o que se refere à virtude se encontre igualmente numa e noutro? - É necessário. - Assim, Gláucon, diremos, creio eu, que a justiça tem no indivíduo o mesmo carácter que na cidade. - Também isso é necessário. - Ora, não nos esquecemos certamente de que a cidade era justa pelo facto de cada uma das suas três classes se ocupar da sua própria tarefa. - Não me parece que o tenhamos esquecido. - Lembremo-nos nesta ocasião de que cada um de nós, em quem cada elemento, desempenhará a sua tarefa própria, será também justo e desemprenhará a tarefa que lhe é própria. - Sim, com certeza, temos de nos lembrar disso. -Sendo assim, não compete à razão mandar, visto que é sábia e tem a responsabilidade de velar por toda a alma, e à cólera obedecer à razão e apoia-la? -Sim, certamente. - Mas não é, como dissemos, um misto de música e ginástica que porá de acordo estas partes, fortificando e alimentando uma delas com belos discursos. - Sem dúvida. (PLATÃO, 2018) A política é, desta maneira, o caminho para que os homens encontrem os melhores eixos para a coletividade. Bem como demonstra o diálogo a seguir, a política está sempre questionando as ações do momento em que o homem vive. Esta postura questionadora leva que melhores soluções sejam encontradas para viabilizar o bem- estar de todos que vivem na cidade. 2.4 Aristóteles e a política como ética pública Um dos primeiros a trazer a questão política para a filosofia foi Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) na Grécia. Nas obras “Política” e “Ética a Nicômaco”, ele apresenta pontos fundamentais e que se tornaram clássicos para o estudo desta ciência. Para este pensador, ao falarmos em política, estamos nos referindo à ciência de governar a pólis. Nela, está embutido um sentido de “continuação da ética, aplicada à vida pública” (COTRIM, 2010. p. 310). Imagem 1 - Aristóteles Fonte: https://iplogger.com/2f8Rg5 Esta relação ética se faz a partir do momento em que as instituições públicas direcionam seus esforços para o bem público. Para alcançá-lo, as formas de governo também dialogam para garantir o exercício da ética em todos os âmbitos. A partir desta leitura, Aristóteles abre espaço para que o pensar sobre a vida política cotidiana se faça enquanto prática e responsabilidade de todos os cidadãos1. O pensador se refere ao homem como um animal social e político e sua arena é uma criação natural, a cidade. De acordo com Aristóteles (2018, p. 55), “o estudo do bem pertence à política, que é a primeira das ciências práticas”. É no cotidiano das pessoas que a prática e a essência da política se manifestam. Esta essência política ocorre porque é na polis/cidade que primeiro ocorre a origem do Estado, na família. Como visto no Quadro 1, é na polis que vivenciamos as experiências que orientam e condicionam a vida de cada um. A cidade é, por si mesma, espaço de relações de trabalho, relações educacionais, práticas sociais e culturais que são permeadas por condicionantes da esfera política e por relações de poder (QUADROS, 2016). Sem a vida em sociedade, não há cidadão e não há existência política. 1 Neste ponto é importante considerar que na Grécia antiga o exercício da cidadania era para poucos. Precisavam ser homens livres, atenienses e filhos de atenienses e que fossem maiores de 21 anos. Mulheres e idosos, por exemplo, estavam fora do exercício da cidadania grega. 2.5 Maquiavel e o papel do Príncipe Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, na Itália, sendo, por muitos anos, chanceler da República de Florença. Fora do cargo e desprestigiado, o pensador escreveu seu principal livro entre 1512 e 1513, relatando fatos reais. “O Príncipe” é considerado como um dos clássicos da Ciência Política. Nele, Maquiavel apresentou para o mundo as diferentes formas de conquistar, manter e ampliar o poder. Mesmo que para isso fosse necessário o uso da força e artimanhas contra os adversários políticos. Maquiavel inaugura métodos científicos para a Ciência Política, isto porque usa de dados, levantamentos, documentos históricos que corroboram seus apontamentos sobre a conquista e a manutenção do poder. Além disto, o autor se debruça sobre as características do Príncipe, ou seja, do líder que precisa ter algumas características intrínsecas à sua personalidade para poder liderar, ou seja, virtù (capacidade do príncipepara ser flexível às circunstâncias). É ela que permite ao Príncipe saber agir em determinadas ocasiões para garantir o poder. Soma-se a esta característica a fortuna, que é a sagacidade do líder em saber o momento certo para agir na busca pela dominação. Assim, só é um verdadeiro líder quem domina estas duas figuras. Mas Maquiavel não se deteve apenas na figura do Príncipe. Ele, a partir dos levantamentos documentais e da experiência como chanceler, fez também um desenho dos demais pontos que sustentariam o poder do líder. Desta forma, a conquista, a manutenção e a ampliação do poder se daria por meio das leis e das armas (QUADROS, 2016). O Príncipe não poderia ficar na dependência de mercenários, precisava organizar um poderio militar e homens fiéis aos seus desígnios. Logo, apenas o exército seria capaz de dar as condições necessárias para que a Fortuna fosse colocada em prática. “Extinguiu a velha milícia, organizou a nova, abandonou as antigas amizades, conquistou novas; e, como teve amizades e soldados seus, pode, sobre tais fundamentos, erigir as obras que desejou: tanto que lhe custou muita fadiga para conquistar e pouca para manter. ” (MAQUIAVEL, 2020, p. 36) Assim, o Príncipe deve usar da inteligência e saber o melhor momento para usar a força, para atacar seu inimigo e para afagar seus súditos, de forma a garantir a estada no poder. O melhor governo para este modelo de líder seria, então, o poder absoluto: “O homem por ser pérfido e interesseiro, terá o conflito como uma realidade natural na convivência com seus semelhantes. É nessa descrição sobre a natureza humana que se assenta a justificativa de Maquiavel para um Estado que governe pela coerção e que se coloque como onipotente perante o homem comum.” (QUADROS, 2016, p. 59) O alcance da obra de Maquiavel só foi ampliado após muito tempo depois de seu lançamento. Para muitos que estudam a Ciência Política, ele é livro de cabeceira para que a cada novo período os meandros da política possam ser compreendidos. Como legado, ficou, por exemplo, a necessidade de um poder centralizado e instituído de forma a não permitir que as paixões se sobrepusessem às ações racionalizadas. Outro ponto relevante é o campo da ética que se relaciona com as práticas políticas. De acordo com o autor, o líder não pode estar preso a princípios éticos e morais, do contrário, não conseguiria agir conforme a necessidade da ocasião. Para finalizar, fica a atualidade do conteúdo e a recomendação da leitura do livro como exercício para compreender a política atual. É sabido que, independentemente da corrente ideológica, os escritos de Maquiavel são atemporais no contexto político. CIÊNCIA POLÍTICA – TEORIAS CLÁSSICAS Ao longo dos séculos, a partir da contribuição dos gregos e do alcance da obra de Maquiavel, novos pensadores se debruçaram sobre a teoria política. Fincados na Europa partiram da realidade concreta para formularem novas teorias. Assim, a partir do século XVII, a Inglaterra e França assumem papel de destaque no contexto histórico e passam a produzir importantes tratados políticos (COTRIM, 2016). Quando nos referimos à política contemporânea, devemos considerar a forma com que o Estado se encaixa neste contexto. Ele é formado por um conjunto de poderes que se equilibram entre si, sendo eles o poder Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que são considerados os balizadores da vida em sociedade. Mas, para se chegar a este desenho, autores como Montesquieu, Hobbes, Locke, Rousseau analisaram a sua época e projetaram elementos teóricos e práticos que foram responsáveis por deixar seus legados para as sociedades futuras (COTRIM, 2016). Não se pode esquecer que estes autores estão escrevendo e pensando sobre uma realidade histórica em que as mudanças se dão de forma acelerada, principalmente na Inglaterra e França. O exercício do poder absoluto dos reis, como afirma Lobo (2017), passa a ser questionado e novas formas de organização econômica vão sendo elaboradas. Imagem 1 – Burguesia sustentando o primeiro e segundo estado Fonte: https://iplogger.com/2fiZg5 Tanto na Revolução Inglesa, entre 1640 e 1688, quanto na Revolução Francesa em 1789, a estrutura hierarquizada, tendo no topo o poder do rei, representante do poder divino, passou a ser questionada pela classe economicamente ativa, responsável por sustentar o rei financeiramente. A burguesia, classe que surgiu na Inglaterra do século XVII, exigia espaço político e passou a não aceitar passivamente o poder divino do rei. Estas mudanças vieram acompanhadas de alterações na forma de produzir, nos meios de produção, na matéria-prima e na organização do trabalho, que passou do trabalho individual ao trabalho coletivo (LOBO, 2017). De tal forma, a Revolução Industrial contribuiu para que as reformas políticas dessem conta das demandas produzidas pela revolução tecnológica. Na imagem 1, a ilustração mostra justamente esta situação. A burguesia produzia riqueza, mas não conseguia usufruir dela, uma vez que era obrigada a pagar taxas abusivas de impostos para a nobreza. Esta, por sua vez, dispendia altos gastos em festas, viagens e itens luxuosos à custa do trabalho da classe burguesa. As reivindicações, portanto, exigiam igualdade de direitos para a sociedade em transformação (LOBO, 2017). As movimentações em torno das teorias políticas consideram estes acontecimentos. Tanto a Revolução Inglesa quanto a Revolução Francesa trazem personagens inéditos para o cenário político, exigindo uma nova configuração jurídico- política para atender suas demandas. Ambas revoluções colocam fim ao modelo absolutista e abrem espaço para o parlamento, para o trabalho livre e assalariado e para os ideais de liberdade e igualdade. A seguir, serão apresentadas algumas destas teorias e as principais contribuições que vivenciamos até hoje na organização do Estado e na vida cotidiana. 3.1 Thomas Hobbes e o “homem como lobo do homem” Iniciamos esta viagem sobre as teorias clássicas com um dos primeiros autores que propuseram reflexões sobre como organizar o poder de forma centralizada e a partir de um contrato paritário, ou seja, onde ambas as partes se beneficiem igualmente. O início da teoria política traz um elemento conceitual que é o contratualismo. Neste tipo de proposição, os pensadores criaram um modelo ideal para organizar as ideias do que viria a ser o Estado e a sociedade civil. Os homens viviam num estado de natureza no qual não havia leis e regulações que dissessem o que era certo e o que era errado na vida coletiva, isto é, onde todos podiam tudo. O resultado era, na leitura do inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) a guerra de todos contra todos, chegando até mesmo ao ponto de uma guerra geral, uma vez que estavam em constante estado de guerra. O pensador entendia que o homem era levado por paixões pessoais e não era naturalmente sociável (HOBBES, 2020). Para dar fim a este cenário caótico, Hobbes propõe que os envolvidos pactuassem que não mais viveriam em estado de guerra e fariam um contrato social. No entanto, o autor afirma na obra “O Leviatã”, de 1651, que seria possível formular o contrato caso somente alguns membros da sociedade pudessem participar dos processos decisórios. (DIAS, 2013). O mais capacitado entre eles seria o escolhido, sendo assim um pacto de submissão. Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões,a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens (HOBBES, 2020, documento online). Teria início, portanto, o poder absoluto, que estava em desenvolvimento na Inglaterra, sendo alvo de críticas por parte das camadas econômicas em desenvolvimento. A obra de Hobbes se perpetuou ao longo do tempo, além de tentar legitimar a continuidade das classes dominantes no poder. (HOBBES, 2020). No entanto, em paralelo, outras forças políticas também organizavam fundamentos políticos de forma a ordenar suas reivindicações. 3.2 A concepção de Estado liberal em John Locke Durante a Revolução Burguesa na Inglaterra, o teórico John Locke apoiou as forças progressistas que lutavam pelo fim do poder absoluto, a monarquia. Ao contrário de Thomas Hobbes, Locke acreditava que a mudança política deveria começar com um contrato social no qual os pares concordavam em desistir de sua liberdade individual para fazer o que pudessem pelo outro, garantindo assim os direitos naturais da vida, propriedade privada e liberdade individual (COTRIM, 2016). A interpretação de Locke responde, portanto, aos desejos da classe burguesa, que queria ter garantido o seu direito à propriedade assegurado por meio da lei, sem a usurpação da monarquia. Os direitos ficam assegurados por meio do contrato social e ao rei caberia a organização das questões institucionais. O resultado deste processo político foi a Declaração de Direitos de 1689: Declaração de Direitos 1689 Bill of Rights Os Lords1o espirituais e temporais e os membros da Câmara dos Comuns declaram, desde logo, o seguinte: 1. Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento. 2. Que, do mesmo modo, é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento, como anteriormente se tem verificado, por meio de uma usurpação notória. (...) 4. Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio. (...) 8. Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento. (JELLINEK, 2015, p. 8) O ponto alto da Revolução Burguesa na Inglaterra foi a delimitação de poderes da monarquia, a instalação do Parlamento como ponto central de proposições legislativas. Este é o elemento chave para que uma nova organização social e política fosse criada. O poder não mais emana dos desejos dos reis, mas sim da deliberação coletiva e da institucionalização das leis que representam os valores e as demandas de cada época (DIAS, 2013). O Poder Legislativo é uma inovação que vem se aprimorando ao longo da história. Neste sentido, outro pensador chamado Montesquieu vai contribuir ainda mais trazendo uma teoria que apresenta o equilíbrio entre os poderes para a completa existência do Estado, como veremos a seguir. 3.3 O equilíbrio entre os poderes na visão de Montesquieu É sabido que, desde a idade média, as sociedades europeias se organizavam a partir de um regime absolutista. Os reis, a família real e a aristocracia estruturaram uma sociedade rígida e hierarquizada a partir da concentração econômica e da personalização do poder divino na figura do rei. Mas, no âmbito político, as mudanças trazidas pela revolução burguesa na Inglaterra abriram novos horizontes (MONTESQUIEU, 2018). No entanto, uma vez estabelecida a diferença entre o poder político e o poder do rei, o Parlamento passou a ser o espaço decisório mais importante a partir do final do século XVII. Mas a sua existência suscitou a necessidade de estabelecer parâmetros legais para a relação entre os poderes. O Estado, formado a partir das revoluções burguesas, apenas seriam completos se a divisão entre os poderes existisse claramente. O barão de Montesquieu, em 1748, escreveu o livro “O espírito das leis”, no qual se debruçou em pensar nas possibilidades dos abusos da monarquia, desenhando assim, a divisão dos poderes em três instâncias. De um lado ele aponta o poder Executivo que estaria voltado às questões da administração pública, de outro o poder Judiciário que ficaria a carga da aplicação das leis e, por fim, o poder Legislativo (MONTESQUIEU, 2018). É sobre este último que Montesquieu dá maior espaço em sua obra. Neste contexto, a elaboração e a aprovação das leis pelo parlamento é o que faz a política progredir socialmente. Aranha (2015) entende que cada lei tem uma ligação com o momento histórico que está sendo o retrato daquele momento. O autor pensa um Estado fincado no constitucionalismo que detém os meios para frear os abusos em todos os campos do poder. O mais importante disto tudo é que a violência não é o instrumento essencial e sim as legislações inseridas nas cartas constitucionais (ARANHA, 2015). Montesquieu afirmava que só o poder frearia o poder (MONTESQUIEU, 2018). O poder legislativo, executivo e judiciário permaneceriam autônomos, formados por lideranças distintas. Entre eles haveria um equilíbrio sem que um se sobrepujasse ao outro. Tais ideias foram sendo gradativamente apropriadas pelo liberalismo burguês, mesmo que o livro tenha sido escrito por um aristocrata que estava mais preocupado em defender as suas origens. Em momento algum, nenhuma das teorias estudadas até aqui foram pensadas e organizadas para que o povo tivesse vez e voz. Apenas a partir dos séculos XVIII e XIX é que outras correntes de pensamento surgiram e abriram campo de reflexão a partir do olhar das camadas mais baixas da sociedade (ARANHA, 2015). Na sequência, um pouco desta discussão será apresentada. 3.4 As reflexões sobre a democracia a partir de Rousseau A partir do lugar de origem, os autores anteriormente citados produziram teorias que respondiam ao seu tempo histórico, mas também dialogavam com os interesses de classes as quais pertenciam. O resultado, como visto, foram teorias que respondem a demandas e desejos políticos limitados para tais setores (DIAS, 2013). No entanto, Jean-Jacques Rousseau2, no final do século XVIII, trouxe uma visão crítica sobre os processos políticos e sociais e permitiu que outros setores da sociedade francesa pudesse se expressar. As obras fundamentais do autor são os livros “O contrato social” e “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”. O homem nasceu livre, não obstante, está acorrentado em toda a parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser tão escravo como eles. Como se tem realizado esta mutação? Ignoro-o. Quem pode legitimá-la? 2 Rousseau difere dos demais autores por sua origem humilde. Foi filho de um relojoeiro de poucas posses. De origem Suíça viveu na França em meio às ideias liberais da época. Creio poder responder a esta questão. (ROUSSEAU, 2016, documento online) Assim como Hobbes e Locke, Rousseau também é caracterizado como contratualista. Mas a essência do contrato aqui é diferente, uma vez que, para sair do estado de natureza, os homens por consentimento unânime “abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade” (ARANHA, 2015, p. 250). A desigualdade identificada por ele na passagem acima deixaria de existir. Ou seja, o poder não estaria concentrado nas mãos de poucos, mas sim passa a ser a soma de cada um que faz parte da sociedade. As ideias de Rousseau dialogaram diretamente com o que acontecia no contexto histórico. A França passava pelo processo de Revolução Burguesa, no qual as camadas populares e a própria burguesia se viram representadas nas ideias inovadoras e progressistas de Rousseau. Suas reflexões trazem aspectos filosóficos do iluminismo e do racionalismo (ROUSSEAU, 2016). Alguns termos são inseridos no contexto político a partir de 1789, com a queda da Bastilha e a chegada da burguesia ao poder. Com o advento dessa revolução,fomos apresentados aos conceitos de revolução, direita e esquerda, classes sociais, burguesia e voto direto. Estes e outros pontos comuns na linguagem social e política foram desdobramentos dos escritos de Rousseau (LOBO, 2017). O autor fala sobre a soberania do povo sobre governo representativo e democracia direta. O soberano deixa de ser o monarca representante de Deus e passa a ser o cidadão dotado de direitos. O indivíduo é ao mesmo tempo soberano e súdito. A grandiosidade de suas ideias ganhou corpo dentro e fora da Europa. O processo revolucionário francês, serviu como inspiração para a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (COTRIM, 2016). Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade se tornaram universais. Este documento ultrapassou gerações e ainda inspira aqueles que buscam um mundo mais humanizado e que tenha os direitos como parâmetro nas relações sociais, econômicas e políticas. 3.5 Karl Marx e a ruptura com a sociedade burguesa De todas as teorias da Ciência Política, nenhuma ganhou tanto alcance quanto aquela elaborada por Karl Marx e Frederich Engels, ambos alemães e vivenciando os desdobramentos da Revolução Francesa no século XIX. Fizeram um longo estudo histórico sobre as transformações da sociedade, que colocou em evidência uma força revolucionária, a classe operária. Seria ela o motor da história responsável por levar os homens da pré-história até as sociedades futuras (MARX e ENGELS, 2017). A teoria marxista inaugurou um papel inovador por dar espaço para que conceitos e métodos até então inéditos pudessem ser inseridos na Ciência Política. Os dois autores, trabalhando em conjunto, realizaram uma série de estudos acerca da História, da Economia e da Filosofia. O homem, livre do espectro religioso como guia para a vida cotidiana, seria substituída pela autonomia de ação e pensamento do sujeito. Além disto, a observação sobre como os processos históricos foram sendo constituídos deu abertura para perceber um movimento cíclico e passível de rupturas estruturais no status quo. Por tal perspectiva, cada um dos períodos históricos deixou sua marca, mas foi sendo substituído por outros que respondiam melhor ao contexto social e político (QUADROS, 2016). Com base nesta metodologia Marx e Engels identificaram que a história universal tem uma característica única: a dialética. Ela é a capacidade de renovação sem deixar de perder a elementos básicos daquilo que havia antes (LOBO, 2017). Por este caminho, a história produzida pelos homens é sempre nova, mas carrega em si pontos daquilo que existia antes. Outro ponto que distingue a teoria marxista é que, enquanto a maioria dos pensadores estão trabalhando com uma visão burguesa de Estado, Marx e Engels apontam para a necessidade de ruptura com este modelo e a elaboração de um novo Estado que realmente atendesse às demandas da maioria da população, os trabalhadores. Marx observou que os processos de industrialização vividos na Inglaterra e na França colocaram o trabalhador em estado de dependência e extrema exploração de seu trabalho (MARX e ENGELS, 2017). O trabalhador estava preso a este sistema e, ao mesmo tempo, era o motor que girava a sociedade capitalista. Sua crítica ao liberalismo capitalista segue na medida em que a concorrência e o lucro são os norteadores para o modelo vigente. Tanto Marx como Engels imaginavam a possibilidade de uma outra sociedade na qual os trabalhadores fossem os reais responsáveis pelo Estado e as tomadas de decisões. Assim como apresentam no livro “Manifesto Comunista”: Os comunistas distinguem-se de outros partidos de classes trabalhadoras somente pelo seguinte: 1) nas lutas nacionais de proletários de países diferentes, eles ressaltam e apresentam os interesses comuns de todo o proletariado, independente de nacionalidade; 2) nos vários estágios de desenvolvimento que a classe trabalhadora atravessa em sua luta contra a burguesia, eles representam sempre o interesse do movimento como um todo. (MARX e ENGELS, 2017, s/p, documento online) O manifesto de Marx tornou-se famoso por resumir toda a teoria do comunismo em uma única frase: “Abolição da propriedade privada”. Ao final do segundo capítulo, ele fornece as 10 medidas necessárias para tornar-se um país comunista, e entre eles a estrutura da família burguesa, vista como um meio de produção, onde o homem gera renda e a mulher cumpre o papel de mão de obra em sua casa. Na concepção dos autores, essa estrutura desapareceria com o fim do capital. Historicamente tais ideias alimentaram partidos e movimentos que resistem aos avanços do capitalismo e usam as ideias dos dois autores para que possam organizar a luta de defesa dos trabalhadores, e outras em defesa de seus próprios interesses. 4 PODER E POLÍTICA Mesmo com os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos, ainda há dúvidas sobre a magnitude da política e sobre os fundamentos centrais do conceito. Da política de Aristóteles na Grécia antiga ao nascimento da biopolítica de Michel Foucault, muita discussão e proposições acerca do tema perduram no século XXI. Em geral, política já foi confundida ou reduzida a governo, estado, partidos políticos, ideologias, público, poder político, entre outros (LUCAS, 2021). Até agora, não há consenso sobre a possibilidade da política também se aplicar à sociedade civil, mercados e empresas, escolas e universidades, clubes de futebol e outros esportes, filmes e notícias de televisão, editoras de livros e revistas e entre outras atividades. Dois grandes problemas talvez sejam as conceituações muito estreitas de um lado (a política é praticada apenas no estado ou no governo), ou muito amplas de outro (tudo é política). Diante das perspectivas, possibilidades de estudos e de ordem conceitual, pode-se organizar o tema “política” em cinco dimensões no aprofundamento desse debate. Inicialmente, sua delimitação é primordial, mesmo que o esforço não seja determinístico, mas é importante traçar fronteiras entre a política e outras relações sociais, como as relações econômicas e jurídicas, que nem sempre são identificadas como “políticas” (LUCAS, 2021). Enquanto sistema jurídico, o campo do direito se origina das operações do poder judicial na sociedade, sendo um dos ramos mais amplos do sistema político. No entanto, como muitos atores legítimos não aceitam essa política, ela nem sempre é apresentada como parte do sistema político do país. Ao observar a política e o sistema econômico, você notará que o mesmo princípio se aplica à vida das empresas e outras organizações. No dia a dia, é comum alguns desses ambientes culparem os outros, alegando que política não tem lugar na empresa. Dado que esse tipo de visão é incompleta e limitada, é importante que a política não se transforme em algo gigantesco que não explica mais nenhuma particularidade (DUSO, 2005). Do ponto de vista prático e teórico, é providencial distanciar conceitualmente teorias políticas de ideologias políticas, de ciências políticas e de práticas políticas (movimentos políticos, comportamento político, atividades políticas do governo), tendo em vista que, apesar da proximidade, constituem ramos diferentes da política. Embora a palavra política seja apropriada para descrever tanto a “arte de governar” quanto o estudo sistemático do governo, é sempre aconselhável observar as semelhanças e diferenças. Apesar do lado prático da política, há confusão na abordagem teórica, ideológica e científica da política. Embora a teoria política e a ciência política estejam mais próximas em alguns aspectos, até porque a ciência precisa da teoria, o ponto de partida é que o trabalho de campo não se trata apenas de coletar manualmente dados para testar hipóteses. A ciência política é uma abordagem empírica das teorias, embora alguns estudos de campo sejam "bibliográficos" no contextodos estudos teóricos. Além disso, esse tipo de ciência se volta para testar hipóteses e explicar fenômenos políticos (NOGUEIRA, 2018). Podemos compreender a ideologia como a “alma” da prática política, em certa medida, principalmente quando consideramos os aspectos subjetivos que atribuem sentido à vertente política. Vê-se nos estudos, proximidade entre teorias políticas e ideologias políticas, principalmente em termos de elementos normativos. No entanto, quando a explicação e a descrição entram em pauta, as teorias políticas se distanciam das ideologias. Estas últimas têm outras preocupações além da verdade e da lógica, pois os objetivos principais das ideologias políticas são a capacidade de mobilização social e o comprometimento com a atuação dos partidos políticos e dos movimentos políticos sociais. Além disso, precisamos admitir que, além da própria sociedade civil, classes sociais e indivíduos, a política também está intimamente relacionada a outros conceitos muito próximos a ela, como soberania, ideologia, lei, democracia, justiça, violência, governo e Estado, por exemplo. Uma boa compreensão da política é difícil sem compartilhá-la criteriosamente com outras dimensões da vida. Sob a perspectiva histórica, a política também apresentou fases, passando por épocas, conjunções e experiências diferentes, tanto no tempo quanto no espaço. Em se tratando de modelos políticos, podemos evidenciar diferenças entre as regiões no mundo, destacando as transformações políticas ocorridas ao longo do tempo. Vale destacar que, mediante a isso, temos que tomar alguns cuidados com os conceitos e seus equivalentes reais, como o Estado, pois nem sempre existiu como principal instituição do poder político. Por fim, a dinâmica institucional e jurídica deve ser incluída no discurso político, pois muitas práticas políticas passaram a ser regulamentadas em ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais ao longo de seu desenvolvimento histórico, o que não impediu que grande parte da política permanecesse informal, afastada do direito e dos padrões. Diante da diversidade de interpretações conceituais de política, buscamos em nossas aulas demarcar historicamente as contribuições clássicas, especialmente de Aristóteles. Isso significa que, mesmo na busca de referências antigas, a referência às opiniões de escritores modernos e contemporâneos servem para identificar como as visões de Aristóteles (e de outros gregos) foram assimiladas e adotadas nos últimos séculos (LUCAS, 2021). A mesma diversidade de interpretação se observa quanto ao conceito de poder, desde tempos mais remotos, também se tornou um conceito de reflexão. De fato, pode-se dizer que seu conceito é ainda mais amplo que o de política e mais interno às relações sociais, embora tenham sido identificados como parte de um mesmo processo. Desde a Grécia antiga, os conceitos de poder e política apresentam semelhanças convergentes ou, até mesmo, profundas, no entanto, sempre existiram diferenças relevantes entre os dois. (BOBBIO, 2000). Em outras palavras, tudo que condiz com as relações de poder não pode ser resumido em política. Mas, ao contrário, tudo o que acontece na política é uma espécie de relação de poder, embora, os antigos pensadores, entendam existir outras relações de poder. 4.1 Teoria política Nas pesquisas junto à literatura, relacionadas com a teoria política clássica, podemos constatar que a mesma foi delimitada por Tierno (2019) no dossiê da Revista Lua Nova, em um largo espaço de tempo, quase mil anos. Com efeito, a teoria política clássica compreende o período situado entre a última década do século VI a.C. e o terço final do século V d.C., abarcando, nesse decurso variado, as singulares e conexas experiências que tiveram seu centro no mundo grego e romano. Dois eventos, de um modo algo arbitrário, marcam a duração convencional da antiguidade clássica na Grécia e em Roma: o estabelecimento da constituição democrática de Clístenes em Atenas (508 – 507 a.C.) e a destituição de Rómulo Augusto, último imperador romano do Ocidente (475 – 476 d.C.) (TIERNO, 2019, p. 15). No Dicionário de Política, Bobbio et al. (1995), afirma que o significado clássico de política, advém de um adjetivo que deriva da palavra pólis (politikós), referindo a tudo que está relacionado a uma cidade e, portanto, também o que é urbano, civil, público e até social. Desde então, o adjetivo política passou a ser associado às relações de poder e estas podiam ser de diversos tipos (poder patriarcal, poder despótico – mundo do trabalho – e poder político). Apesar disso, o uso do termo política passou a se limitar à relação entre governantes e governados, tendo estabelecido um certo tipo de forma política, em benefício dos governados e dos governantes, o que só acontece nas verdadeiras formas de governo, porque é da natureza das pessoas que são prejudicadas usar o poder em benefício dos governantes (BOBBIO, 1995). Em linha com exposto, a principal forma, ou seja, a “correta” no exercício do poder político é por meio da força, desde que seja feita para o bem comum e a funcionalidade seja produzida pela governança. Mediante a isso, constata que a política passa a ser entendida como poder político e, portanto, é sinônimo de governo. A política era considerada a gestão da sociedade, e a discussão da política incluía, entre outras coisas, o tema das formas de governo. Assim, os pensadores clássicos propuseram uma tipologia clássica do que entendiam como as três boas formas de governo – aquelas que buscavam o bem comum – a saber: a monarquia (governado por um), a aristocracia (governado por poucos) e, a politia (governo de muitos). Com relação a “politia”, esta é sinônimo de constituição, porque muitos não tinham noção de um bom governo (tendo em vista que à época, não havia o governo de muitos). Portanto, a polita, a constituição, foi tida como referência de um bom governo para muitos. Em relação ao conceito de poder, a abordagem parte do mesmo princípio acima exposto. Aristóteles constata sua reflexão quanto a distribuição do poder entre as pessoas, convergindo na proposição de três possibilidades em destaque: (a) a realeza, quando o poder é exercido por apenas um; (b) aristocracia, quando alguns têm poder; (c) uma república onde todos têm poder. O autor também descreveu o conceito oposto, ou seja, o mau exercício, o “abuso” de poder, a saber: a) tirania, uma forma perversa de poder monárquico; b) oligarquia, uma forma distorcida de poder oligárquico; c) democracia (que hoje pode ser entendida muito mais como demagogia), forma distorcida do poder republicano (ARISTÓTELES, 2018). Com base nessa tipologia aristotélica, a filosofia e a ciência política definiram o poder como mais amplo do que a política: • relações que podem estar presentes nas situações do pátrio poder ou mátrio poder, ou seja, nas relações ambientadas na dimensão dos lares e dos domicílios. São as relações de poder presentes no seio da família (e do seu entorno). Na verdade, existiriam relações de poder dentro de casa, nas interações pais e filhos, maridos e esposas, etc. Porém, tais relações não seriam políticas, apenas de outro tipo de poder; • relações de poder também poderiam estar presentes no mundo do trabalho, como na relação entre patrão e empregado, nas relações entre o senhor e o escravo. O mundo do trabalho sempre foi um lugar de muitas relações de poder, ainda que, durante quase toda a história da humanidade, essas relações não eram políticas, ou seja, organizadas e tuteladas por instituições políticas, como o Estado e Judiciário; • relações de poder também são, verdadeiramente, ambientadas na interação entre governantes e governados. Essa dimensão das relações de poder é a mais clássica e, consensualmente, aceita nos meios intelectuais e políticos.Hoje em dia, articulando as duas classificações (do lugar e da distribuição do poder) podemos dizer que se vive, atualmente, num contexto, onde as relações entre governantes e governados devem prevalecer na sua forma democrática. Se isso não acontece, há sérios problemas de legitimidade entre o Estado e a sociedade civil. Na prática, num cenário legal de soberania popular, a democracia é a melhor forma de decisão e implementação que materializa tal preceito constitucional. Diante do exposto, pode-se julgar que o poder pode estar em todos os lugares e, de diferentes maneiras, pode estar fragmentado. Mas o que é poder ou o que é fragmentado, neste caso? Em primeiro lugar, o poder é uma relação social. Para que exista uma relação social, duas ou mais pessoas devem interagir. O poder é um tipo de relação social caracterizada pela capacidade ou eficácia de um dos participantes da relação de influenciar o outro até certo ponto. A palavra poder, em seu sentido mais geral, significa a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos, o poder do homem sobre o homem (BOBBIO et al., 1995). Posto isso, vê-se que as relações de poder podem estar alinhadas com outros tipos de relações sociais, por exemplo, nas relações educativas, afetivas e amorosas, ou mesmo econômicas e culturais. Vale destacar que as relações de poder são, por sua vez, intermediadas por instrumentos. Referente a tais instrumentos, existem vários nas relações de poder, como, por exemplo, armas, força física, conhecimento, leis, dinheiro, propriedade. De fato, características específicas de outras relações sociais, como dinheiro e relações econômicas, são, em última análise, instrumentos de relações de poder. Segundo verbete no Dicionário de Ciência Política, o poder pode ser dividido em três definições básicas: “substancialista”, como algum tipo de coisa, capital, propriedade; como “institucionalista”, ligado a algum tipo de instituição (com o Estado). Ou, por fim, como “interação”, como a “mobilização de recursos para conseguir que outrem adote um comportamento pelo qual não se tinha decidido fora desta relação” (BADIE et al., 2008, p. 235-236). Com base na citação acima e combinado com o exemplo de instrumentos de relações de poder, além do fato de que as armas são enquadradas como poder substantivo em um caso particular, porque sua posse ou controle aparente constitui uma relação de poder, porque são afetadas por outros (percepção situacional). A percepção de uma pessoa de tais instrumentos de poder refere-se um momento importante em que, muitas vezes, as pessoas fazem ou deixam de fazer ações justamente por conhecerem os instrumentos de uma relação (de preferência na posse de outra pessoa) (LUCAS, 2021). Destaca-se o fato que, alinhado ao exemplo acima, na possibilidade do emprego de algum desses instrumentos, é recorrente o “blefe” – manipulação e/ou mentira – porque as pessoas nem sempre têm o controle ou posse de tais instrumentos, mas apenas geram situações que "aparentam" tê-los. Assim, o momento de influência nas relações de poder ocorre quando essa arma ou ferramenta é utilizada para cumprir sua função principal (matar, ferir). A dimensão da conveniência é mais subjetiva, mais manipulável, mais assumida, enquanto a dimensão efetiva se apresenta mais ruidosa, mais visível, mais registrável. Outro exemplo oportuno refere-se a Lei, por se tratar de um instrumento de relações de poder, este deveria funcionar apenas dentro dos limites das possibilidades, impedindo a prática de crimes e contravenções. Para tanto, a mesma deve ser admitida como efetiva a alguém, pois, do contrário, as pessoas em geral violaram as normas estabelecidas por falta de “eficiência”. Aprofundando a discussão sobre este exemplo, confere ao Estado o estabelecimento e a sua aplicação, desse modo, enquanto instrumento. A Lei deve fazer com que as pessoas sigam as regras de uma boa vida social de acordo com as oportunidades. No entanto, se as pessoas não observarem as regras, o Estado deve usar, efetivamente, as penalidades e sanções previstas no texto legal. Poder é, nesse sentido, uma relação social, tendo como ferramentas intermediárias os instrumentos que servem para executar a possibilidade e efetividade. Reconhecer os instrumentos e seus potenciais efeitos é parte da tarefa das formas legítimas de dominação. Dessa forma, considerando que as classes dominantes não possuíssem instrumentos de poder, ou se eles os possuíssem, mas os dominados não os percebessem, as relações de poder iriam caminhar à largos passos para a desobediência. É claro que nem sempre os dominados atendem às exigências de quem têm mais poder, ou seja, controle dos instrumentos de poder (TOUCHARD, 1970). Em respeito à dominação e seu processo, é essencial ao dominante possuir o controle de um dos possíveis instrumentos de poder na sociedade. Mediante a isso, o processo de dominação costuma envolver o reconhecimento da relação de dominação pelo dominado. Como observou o sociólogo alemão Max Weber, a dominância, ou a possibilidade de encontrar obediência a um determinado mandato, pode basear-se em diferentes razões de submissão. Segundo Weber (1982), existem três “tipos puros” de dominação baseados em alguma legitimidade associada a estruturas sociais e administrativas, sendo elas: dominação racional-legal, dominação tradicional e carismática. Em suma, ainda de acordo com Weber, a dominação corresponde a consequência mais importante das relações de poder. Visto que, quem controla os instrumentos de poder em maior quantidade e qualidade manda. Ainda, se fez necessário à dominação que, o dominado reconheça os instrumentos de poder e seu controle por alguém (o dominante). Cabe salientar que o mero reconhecimento signifique aceitação, ao passo que, se a situação não for aceita (o que significa reconhecê-la), a pessoa dominada pode ativar a desobediência. 5 PODER E RELAÇÕES SOCIAIS 5.1 Poder do Estado Segundo a teoria de Weber, três tipos de dominação são buscados por meio das crenças dos indivíduos para manter sua legitimidade, cada um possui uma forma de obediência, estrutura administrativa e exercício de dominação específico: dominação racional-legal, dominação tradicional e dominação carismática. A dominação racional-legal é baseada na obediência a uma regra prescrita que determina a quem obedecer. Em se tratando da dominação tradicional, vemos que esta é baseada na obediência, motivada pelo mérito à tradição e pela lealdade pessoal à obediência. E, finalmente, na dominação carismática, a obediência reflete o apego do seguidor ao carisma de seu obediente. Segundo Weber (2000), a ordem racional-legal corresponde à estrutura estatal moderna. Nesse ponto, vale mencionar a instabilidade da ordem legítima, pois a tipologia weberiana dos tipos ideais puros decorre da existência de um arcabouço administrativo responsável pela implementação e aceitação da vontade legítima dos governantes. Como Cohn (1997, p. 30, ênfase no original) observa: “Nesse caso, o conteúdo do significado assume a forma de afirmar uma ordem legítima (que pode ser consuetudinária ou legal)”. Sob a dominação racional-legal, esse quadro administrativo típico é uma burocracia pública composta por funcionários contratados com base no mérito, distinguidos por especialistas competentes e seguindo uma hierarquia impessoal. Portanto, segundo Weber (2000), o Estado moderno caracteriza-se, sociologicamente, como uma instituição que assume o uso do poder e o monopólio legal em seu território. Deve-se notar que tal compreensão do que caracteriza o conceito de ordem jurídica de Weber nos permite ver o estado, a igreja e a lei como exemplos de instituições sociais que mantêm a legitimidade em seu papel e função na sociedade. Como distinguir o poder político (Estado) de outras relações depoder na sociedade? Apoiando os resultados de Weber, Bobbio (2000) destaca que o Estado mantém o poder político caracterizado pelo uso da força, que é de fato uma condição necessária, mas não suficiente. Em Giddens (2001), é descrito o processo de exclusividade e monopolização do poder estatal de forma sociológica, levando à consolidação das fronteiras do Estado absolutista. A coordenação e centralização do poder do Estado, na França e por toda a Europa, levou a monarquia a uma confrontação com as organizações corporativas (cidades, assembleias, parlamentos). As cidades francesas, muitas das quais desfrutavam uma independência considerável, passaram a ser regulamentadas por prefeitos nomeados pela Coroa. (Giddens, 2001, p. 121) Um ponto posterior nesse processo foi o desenvolvimento de novos mecanismos legais: “O período do absolutismo viu o início da prisão e a expansão de medidas restritivas controladas pelo Estado que substituíram as formas anteriores de punição nas comunidades locais” (GIDDENS, 2001, p. 125). Em seguida, foi mudado o método de gestão fiscal, que auxiliava o país a arrecadar dinheiro para guerras militares, que exigiam gastos imensuráveis (GIDDENS, 2001). Por que o Estado se vale da força para a manutenção da sociedade? Destacamos, a seguir, duas perspectivas que reforçam a importância de o Estado reclamar para si o acesso privilegiado a recursos e a meios de coerção física. Ao se buscar a abordagem sobre o exercício do poder coercitivo estatal, vê- se em destaque Carl Schmitt (2008) explanando que o Estado exige para si o que vê como um monopólio legítimo da força para proteger a sociedade de ameaças externas. Segundo Schmitt (2008), as decisões políticas não devem se limitar à distinção entre legal e ilegal; caso contrário, examina-se a eficácia do governante para alcançar o objetivo final de qualquer atividade nacional. Portanto, segundo o autor, a função da existência do Estado é garantir a segurança da sociedade frente às ameaças externas. Por isso, é importante que ele tenha direito à autonomia na tomada de decisões e ao uso de meios coercitivos para atingir seus objetivos. A contradição da posição de Schmitt reside no fato de que o Estado pode, se necessário, tomar medidas ilegais para proteger a sociedade, que violem, por exemplo, o princípio do estado de direito. Obviamente, tal posição é questionável e condenável em relação aos limites da atuação do Estado – a solução para frear a atuação de um Estado que caminha nessa direção é justamente o Estado de Direito. 5.2 Conceito de poder constituinte O entendimento primário é que a constituição (definida, conceitualmente, como o conjunto de normas pelas quais o Estado se organiza, ou materialmente como o conjunto de órgãos que constroem o Estado como forma de exercício do poder) é, em última instância, o resultado do poder que advém da natureza da manifestação soberana da vontade do povo (enquanto grupo de cidadãos no país e no estrangeiro), através da disciplina normativa do criador último do núcleo social que, por sua vez, coincide com o aparecimento de constituições escritas e, até certo ponto, de constituições codificadas. De fato, constata-se que, com a Constituição – entendida no seu sentido formal – que aceite a existência de norma fundamental e, em linha, o Poder Constituinte enquanto fonte autêntica do texto da constituição, passa a ser compreensível (e até certo ponto crível) em seu alcance preciso, o que torna evidente (e cientificamente possível) uma autêntica teoria da constituição. 5.2.1 Poder constituinte contemporâneo No período contemporâneo é que se permitiu entender o Poder Constituinte como a expressão da mais alta vontade política de uma nação organizada política, social e juridicamente. As normas constitucionais, portanto, sempre vêm do poder fundador, que as protege e fornece a base para sua própria legitimidade. Dessa forma, o cumprimento inicial das funções constituintes – desvinculados de quaisquer limites legais previamente impostos – representa, na verdade, os momentos mais evidentes do exercício do poder. Por meio dele: a) estabelece-se a Constituição, instrumento importante na limitação legal do poder político; b) o estado é estabelecido; c) a ordem jurídica da sociedade política é delineada e formalizada; d) são definidas as formas políticas e jurídicas características da nova comunidade estatal; e) a racionalização do processo de poder é instrumentalizada no documento constitucional; e, f) as liberdades públicas são declaradas no mais alto nível de positividade jurídica. Nesse sentido, pode-se errar sem medo ao concluir que a produção de normas decorrente do desempenho da atividade constitucional está eterna e formalmente no cerne da constituição. Esta, por sua vez, não pode e não deve ser vista e analisada como um simples instrumento de poder, mas sim como uma lei reguladora fundamental de uma autêntica sociedade política, um mero sistema de relações de poder, porque inegavelmente - entre governantes e regras, entre poder e os governados e entre autoridade e liberdade - há sempre um estado de tensão dialética constante, que por sua vez é uma realidade de harmonia e conforto possível. Assim, para que isso ocorra sem grandes dificuldades, o monopólio do poder deve ser combatido a todo custo, criando os processos políticos e legais de governo do próprio poder, por meio do poder constitucional, que deriva diretamente do Poder Constituinte como norma fundamental soberana, originária, ilimitada, incondicional e imaterial. 5.3 Biopolítica Hirschman (2019) na sua obra “Retórica da Intransigência: perversidade, futilidade, ameaça”, de 1990, é discutido o lado reativo da elite política e intelectual conservadora e reacionária que se opõe aos direitos civis desde a Revolução Francesa. Depois, da mesma forma, contra os direitos políticos no século XIX e, finalmente, no século XX, contra os direitos sociais. Apesar dos avanços e da modernização vivenciada ao longo dos anos, vê-se, ainda, que não chegamos a um consenso absoluto sobre a importância dos direitos em geral, especialmente para os pobres, que denunciaram os movimentos trabalhistas desde meados do século XIX (NEGRI; HARDT, 2016). Nesse contexto, surge o debate sobre a biopolítica, uma nova versão da política renovada na era dos direitos. Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 2000, p. 25). Durante o novo regime político burguês liberal-republicano-democrático, houve uma forte crítica política desde meados do século XIX, como evidenciado pela publicação do “Manifesto do Partido Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels (2012), em 1848. O século XX trouxe conhecimentos mais detalhados sobre as promessas não cumpridas, principalmente no que diz respeito à democratização social. A ideia de que o poder político se expande por ondas de cidadania civil, política e social era, de fato, válida, mas, por outro lado, os sinais do crescimento de políticas de regulamentação e controle eram bem mais evidentes que os sinais de políticas de emancipação e liberdade. Nesse sentido, a teoria política moderna deu lugar à teoria política pós-moderna baseada na obra de pensadores como Foucault, não tanto por um período histórico ou marcos revolucionários, como foi o caso do surgimento da teoria política moderna, mas por causa do debate e visualização de certas questões e problemas da modernidade política ocidental, democrático-republicana.
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