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SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ TRABALHO E SOCIEDADE A “EVOLUÇÃO” HISTÓRICA DO TRABALHO A história do trabalho humano teve sua origem quando o ser humano buscou satisfazer suas necessidades biológicas de sobrevivência. Na economia de subsistência, o trabalhador decidia o que produzir, como produzir, quando e a que ritmo, era dono do seu tempo. Não existia separação entre o espaço familiar e o trabalho, optavam pela duração e a intensidade do trabalho, de acordo com as necessidades de produção. À medida que as necessidades foram sendo satisfeitas, ampliaram-se, contribuindo para a criação de novas relações, que passaram a determinar a condição histórica do trabalho. Não seria difícil, então, de se imaginar que, quando as relações de trabalho alteram-se no fluxo de nossa história, as nossas estruturas sociais também são alteradas, principalmente a forma como se estruturavam nossas relações, posições na hierarquia social, formas de segregação e, em grande parte, aspectos culturais erguidos em torno das relações de trabalho. Tomemos como exemplo o rápido processo de mudança que atingiu os países europeus no início do século XVIII, o qual hoje chamamos de Primeira Revolução Industrial. As relações de trabalho, anteriormente, eram fortemente agrárias, constituídas dentro do âmbito familiar. O ofício dos pais era geralmente passado aos filhos, o que garantia a construção de uma forte identidade ligada ao labor a que o sujeito se dedicava. O indivíduo estava ligado à terra, de onde tirava seu sustento e o de sua família. A economia baseava-se na troca de serviços ou de produtos concretos, e não no valor fictício agregado a uma moeda. Da mesma forma, o trabalho também estava agregado à obtenção direta de bens de consumo, e não a um valor variável de um salário pago com uma moeda de valor igualmente variável. A estrutura social era rígida, com pouca ou nenhuma mobilidade para os sujeitos, ou seja, um camponês nascia e morria camponês da mesma forma que um nobre nascia e morria nobre. As mudanças trazidas pelo surgimento da indústria alteraram profundamente o sentido estabelecido para o trabalho e para a relação do sujeito com ele. A impessoalidade nas linhas de montagem que a adoção do Fordismo trouxe, em que milhares de pessoas amontoavam-se diante de uma atividade repetitiva em uma linha de montagem, sem muitas vezes nem ver o resultado final de seu esforço, passou a ser a principal característica do trabalho industrial. A QUESTÃO DO TRABALHO EM MARX, WEBER E DURKHEIM Durkheim e a divisão social do trabalho Émile Durkheim, pensador francês, considerado um dos pais da sociologia, concentra sua atenção na divisão social do trabalho – inclusive, ele escreveu um livro com este título. Ao analisar a emergente sociedade moderna, que se desenvolve a partir de movimentos migratórios do campo para cidade e da incorporação desta nova população como mão de obra nas fábricas e indústrias, Durkheim percebe que o trabalho começa a se especializar; ele se dá conta que quanto mais SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 especializado é o trabalho, mais laços de dependência se formam. Por exemplo: numa fábrica de sapatos, há quem só trate o couro, há quem faça e monte os cadarços, há quem cole as solas dos sapatos, há quem faça a pintura, etc. Assim, quanto mais desenvolvida for a divisão do trabalho, maior será a teia de relações de dependência entre os indivíduos e isso levará, por consequência, a uma maior coesão social. Para Durkheim, o trabalho é um fato social presente em todos os tipos de sociedade, ou seja, o trabalho é algo que se impõe a nós indivíduos, independente da nossa vontade. A divisão social do trabalho, para este autor, promove a coesão social e, por isso, deve ser preservada. Karl Marx Karl Marx, diferente de Durkheim, percebe a divisão do trabalho como fator de exploração e alienação do trabalhador e da trabalhadora na sociedade capitalista. Este autor vai dizer que quanto mais específico e repetitivo for o ofício de um trabalhador, mais alienado este trabalhador estará da sua atividade e da sua condição como trabalhador. Ou seja, mais desconectado o trabalhador estará do valor do seu trabalho e menos consciente da exploração que sofre ao vender sua força de trabalho para o patrão. A charge abaixo ajudará você a entender o conceito de alienação: Marx, que a vê a sociedade dividida em duas grandes classes – burguesia e proletariado –, toma o trabalho assalariado como base da exploração na sociedade capitalista. Ou seja, o trabalho assalariado torna- se uma atividade central para a perpetuação das relações sociais entre capitalistas e trabalhadores e, por consequência, da exploração e dominação do trabalhador pelo capitalista. Para Marx, existe uma diferença histórica entre as relações de produção capitalistas e as relações de produção pré-capitalistas. A forma de produção capitalista caracteriza-se pela impessoalidade do trabalhador com o que produz, isto é, ele não possui nenhum envolvimento pessoal com o que está produzindo, pois não encabeça todo o processo de produção. Nas relações de produção pré-capitalistas, o produto do trabalho estava intimamente associado ao trabalhador, que era o mentor de toda a cadeia produtiva. Essa diferença, segundo Marx, é a que rege as relações de trabalho dentro de uma sociedade capitalista, na qual o trabalhador que não dispõe dos meios de produção para produzir o que necessita para sobreviver passa a vender a única “mercadoria” que tem: sua força de trabalho. Essa nova forma de se relacionar com o trabalho transforma as relações sociais em todos os aspectos. O sujeito, antes intimamente ligado ao seu labor, agora se vê desconectado do que produz, nunca colhendo os frutos de seu trabalho. Esse trabalho, por sua vez, agora é comprado por um salário, que, na maior parte das vezes, é suficiente apenas para que se mantenha vivo. Max Weber Max Weber (1864-1920) defendia que a sociedade, mesmo sendo composta de partes, pode ser afetada pelas ações individuais. Além disso, percebeu uma nítida diferença entre a divisão social do trabalho entre Católicos e Protestantes. A visão protestante, para além de uma valorização religiosa do trabalho, contribui para criar um “espírito” motivacional para o empreendedorismo. A contribuição de Weber é mostrar que o capitalismo ensejado pela Revolução Industrial tinha, em sua base, uma concepção de trabalho vinculada ao ascetismo secular do protestantismo. Foi essa concepção de trabalho, que liberou moral e 4 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ eticamente os homens – os capitalistas – à aquisição de bens, à obtenção do lucro, à cobrança de juros e à acumulação de capital. Esse ethos – conjunto de valores culturais – exortava que a acumulação do capital deveria ser reinvestida em novos empreendimentos que gerassem mais empregos. Esse círculo virtuoso – trabalhar, acumular e reinvestir – permitia o estabelecimento da harmonia social. Será esse ethos que fomentará a atividade capitalista. Outro fator primordial em Weber é sua visão da Burocracia enquanto modo racional da divisão do trabalho. Nela, os cargos ocupados por um burocrata com funções e atribuições específicas, são subordinadas a outro cargo mais elevado, onde se dá a distinção social no trabalho. Além disso, a burocracia notoriamente auxilia a classe dominante ao estabelecer a divisão do trabalho entre dominantes e dominados. A RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO - VOLVISMO, FORDISMO E TOYOTISMO A divisão social do trabalho é uma das marcas impostas pelo sistema capitalista aos modos de produção da sociedade moderna. Ela consiste na fragmentação do processo produtivo, que dá origem a diferentes níveis de especialização. Com isso, o trabalhador passar a desenvolver tarefas específicas dentro do meio produtivo. E, por realizar a mesma atividade diversas vezes, passa a fazê-la com mais eficiência,o que aumenta a velocidade produtiva do sistema como um todo. A principal consequência da fragmentação de tarefas impostas pela divisão social do trabalho é o aumento da produtividade. Ela, inclusive, é esperada pelos donos dos meios de produção. Isso acontece porque, ao fazer uma mesma atividade diversas vezes, o trabalhador se especializa naquilo que faz. Assim, passa a fazê-lo com maior agilidade e, desse modo, consegue produzir mais em menos tempo. Por outro lado, ele perde a dimensão de todo o processo no qual está inserido. Tem consciência apenas da tarefa que executa, mas não de sua interligação com o que foi feito antes e com o que será feito depois. Segundo Marx, essa característica do sistema capitalista resulta na alienação do trabalhador, que passa a ser parte do processo de produção, do mesmo modo que o maquinário e as ferramentas. Além disso, observa-se que a divisão social do trabalho se ampara em uma estruturação valorativa do trabalho. A partir dela, será constituída a distinção entre aqueles que realizam trabalho intelectual, que é socialmente visto como mais importante e, por isso, mais bem remunerado; e os fazem trabalho físico (braçal), que possui menor valor. Nesse contexto, surge aquilo que será chamado de elite social, que possui interesses diferentes do proletário. Taylorismo Teve início no começo do século passado, tinha como objetivo principal dinamizar o trabalho na indústria. O criador desse sistema produtivo foi Frederick Taylor, que acreditava na especialização de tarefas, ou seja, o trabalhador desenvolvia uma única atividade, por exemplo, alguém que colocava os faróis nos automóveis na indústria automobilística faria apenas isso o dia todo sem conhecer os procedimentos das outras etapas da produção, além de monitorar o tempo gasto para a realização de tarefas e premiação àqueles que tivessem um grande rendimento em seu trabalho. Fordismo Essa modalidade de produção foi criada a partir do Taylorismo, com seu mentor Henry Ford na década de 20. Sua ideia foi elaborada em sua própria indústria de automóvel, a Ford, baseado na especialização da função e na instalação de esteiras sem fim na linha de montagem, à medida que o produto deslocava na esteira o trabalhador desenvolvia sua função. Com SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 isso, visava diminuir o tempo gasto no trabalho, aumentar a produtividade, diminuir o custo de produção e, principalmente, realizar a produção em massa para o consumo ocorrer no mesmo passo. Com a difusão dos sistemas de produção em massa, sobretudo no início do século XX, a sociedade industrial passou a acumular uma grande quantidade de produtos em seus estoques, com a intenção de que as mercadorias ficassem mais baratas e, assim, mais acessíveis. Por outro lado, essa produção fordista/ taylorista foi um dos fatores que desencadearam a crise econômica que culminou na quebra da Bolsa de Nova York em 1929, que foi notadamente uma crise de superprodução. Toyotismo Sistema de produção criado no Japão que tinha em sua base a tecnologia da informática e da robótica, isso ocorreu na década de 1970, e primeiramente foi usado na fábrica da Toyota. Diante do panorama da crise do petróleo de 1970, das peculiaridades da economia japonesa e das limitações do fordismo, o toyotismo foi elaborado com base nas seguintes premissas: a) produção flexível e não mais em massa, mas variando de acordo com a procura; b) maior rapidez no processo produtivo (just in time - produzir a partir de um tempo já estipulado com intenção de regular os estoques e a matéria-prima); c) o mesmo trabalhador realiza múltiplas funções; d) não necessidade de estocagem; e) produtos não necessariamente padronizados. Com o avanço do toyotismo pelo mundo ao final do século XX e o fortalecimento do sistema neoliberal, houve diretas consequências, como a desregulamentação progressiva do trabalho, o enfraquecimento dos sindicatos, a tecnologização da produção e o consequente deslocamento dos trabalhadores para o setor terciário. Volvismo No fim do século passado emergiu um novo modelo de organizar e gerenciar a produção industrial. Como na maioria dos outros modelos de produção, esse foi desenvolvido na fábrica da Volvo, e conciliou execução manual e automação. No Volvismo há um grande investimento no trabalhador em treinamentos e aperfeiçoamento, no sentido que esse consiga produzir por completo um veículo em todas as etapas, além de valorizar a criatividade e o trabalho coletivo e a preocupação da empresa com o bem estar do funcionário, bem como sua saúde física e mental. Referência DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. In: WEBER, M. 1864-1920. Textos selecionados. Sel. E trad. de Mauricio Tragtenberg. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção os pensadores).